E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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Agora, estamos prontos para nos debruçarmos sobre os aspetos mais substanciais do ministério de Jesus: os milagres e a sua mensagem sobre o Reino de Deus.

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10. Milagres

Marcos coloca a ênfase da parte inicial do seu Evangelho nos milagres. Observámos anteriormente que, embora o Evangelho refira que Jesus ensinava, fornece pouco material de ensinamento, enquanto narra as histórias de milagres com bastante pormenor. Os grandes corpos de material de ensinamento em Mateus e Lucas e, especialmente, o sermão da montanha em Mateus (capítulo 5-7), levaram a maioria das pessoas a pensar em Jesus sobretudo como um

mestre. Não há dúvida de que ele ensinava e de que aquilo que ensinava é tão importante como empolgante. Mas os seus contemporâneos também atribuíram um grande significado àquilo que ele fez, sobretudo, aos seus milagres. Num dos primeiros sermões cristãos, Pedro descreve Jesus como um homem cujos milagres (<

Os milagres de Jesus desempenharam um papel decisivo na avaliação que o mundo moderno fez do cristianismo. Alguns consideraram os milagres como ficções óbvias, concluindo que o cristianismo se baseia numa fraude, enquanto outros descobriram neles uma prova de que Jesus era mais do que um ser meramente humano, isto é, que

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era o Filho de Deus encarnado. Veremos que estas duas visões extremas não compreendem a perspetiva antiga, que considerava os milagres algo impressionante e significativo, mas não como um sinal de que aquele que fazia milagres era algo mais do que um simples ser humano.

Apesar de, hoje, muitas, se não a maioria das pessoas nos países industrializados, não acreditar que haja milagres verdadeiros, na Antiguidade, a maior parte acreditava em milagres ou, pelo menos, na sua possibilidade. Jesus não foi, de maneira alguma, o único a quem foram atribuídos milagres. Os primeiros cristãos pensavam que Jesus era o Messias, o Filho de Deus e alguém que fazia milagres. Este facto levou muitos cristãos do nosso tempo a pensar que os judeus do século I esperavam um Messias que fazia milagres e que os contemporâneos de Jesus teriam concluído que aquele que fazia milagres era o Messias. Esta perspetiva é incorreta. As poucas referências a um Messias que virá, existentes na literatura judaica, não o descrevem como alguém que faz milagres. Nem sequer existiam expectativas da vinda de um Filho de Deus. Tal como outros povos da Antiguidade, os judeus também acreditavam em milagres, mas não pensavam que a capacidade de fazer milagres constituísse uma prova de um estatuto superior. Os cristãos são os únicos a combinar os títulos de «Messias» e de «Filho de Deus» com a capacidade de fazer milagres, em consequência da atribuição de ambos os títulos a Jesus, conhecido, naquela época, como alguém que fazia milagres.

A discussão deste tema é difícil, porque existe uma série de problemas que se cruzam e porque as questões estritamente históricas se entrelaçam ainda mais do que é habitual com aquilo que as pessoas pensam e creem hoje em dia. Referi-me a vários temas nos três parágrafos anteriores. Talvez seja mais simples enumerá-los. Ao estudarmos os milagres de Jesus, não podemos esquecer uma série de perspectivas, algumas antigas, e outras atuais:

1. Antiguidade:

a) o que as pessoas da Antiguidade pensavam sobre os milagres, em geral;

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b) o que pensavam os judeus que não aceitaram Jesus sobre os seus milagres;

c) o que pensavam os judeus que aceitaram Jesus;

2. Atualidade:

d) o que pensam as pessoas de hoje sobre os milagres, em geral;

e) o que pensam as pessoas de hoje sobre os milagres de Jesus (I. quando são cristãs; lI. quando não são cristãs);

f) que importância pensam elas que os seguidores de Jesus atribuíram aos seus milagres;

g) o que pensam elas que é suposto os cristãos acreditarem no que diz respeito aos milagres de Jesus.

Este capítulo limitar-se-á aos temas referidos no ponto 1, isto é, o que pensavam as pessoas naquela época. Porém, é difícil discutir os milagres de Jesus do ponto de vista histórico, porque as convicções sobre aquilo em que os cristãos acreditam ou deveriam acreditar interferem bastante. Gostaria de dedicar uma página aos temas mencionados no ponto 2. Trata-se apenas de um exercício de esclarecimento inicial, de uma tentativa de demonstrar que os milagres devem ser estudados à luz de outros milagres daquela época e não no contexto da doutrina cristã subsequente sobre a natureza humana e divina de Jesus.

Muitos cristãos e, possivelmente, ainda mais não cristãos, pensam que a convicção segundo a qual Jesus podia fazer milagres porque era mais do que um mero ser humano é algo central para o cristianismo. Tomemos como exemplo a caminhada sobre a água. Uma larga maioria das pessoas pensa, atualmente, que é impossível caminhar sobre a água. Alguns cristãos, ainda que não todos, sentem-se obrigados a acreditar que Jesus podia fazê-lo; ele era o único que possuía essa capacidade porque era mais do que um ser humano. Muitos não cristãos também pensam que os cristãos têm de acreditar nisso. Além disso, muitos cristãos e não cristãos pensam que a fé dos primeiros cristãos dependia dos milagres de Jesus.

Nada disto corresponde à verdade histórica. Na parte central deste capítulo veremos que, no século I, os milagres de Jesus não eram decisivos para a aceitação ou não da sua mensagem, nem eram considerados uma «prova» para os seus contemporâneos de que ele era mais do que humano. A ideia de que ele não era um ser realmente humano só surgiu

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no século n, mantendo-se durante algum tempo, mas acabou por ser condenada como heresia. Desde o século v (quando a questão foi decidida oficialmente) que a ortodoxia cristã acreditou que Jesus era «verdadeiro ser humano de verdadeiro ser humano» e que a sua divindade (que também foi afirmada) não se misturou nem interferiu com a sua humanidade; ele não era uma mistura estranha. É herético afirmar que a sua natureza divina lhe permitiu boiar, enquanto os seus pés tocaram levemente na água. A palavra definitiva nesta questão é que ele é «da mesma natureza humana que nós; em tudo igual a nós, exceto no pecado» - não «exceto na capacidade de caminhar por cima da água».



A explicação de como é possível a uma pessoa ser cem por cento humana e cem por cento divina, sem que uma coisa interfira na outra ultrapassa as minhas pobres capacidades como intérprete da teologia dogmática. A definição do Concílio de Calcedónia (451 e.c.), na qual se encontra a citação que fiz, é sobretudo defensiva e não construtiva. O crente ortodoxo aprende mais sobre aquilo que não deve dizer do que sobre como falar acerca de Jesus de uma forma que faça sentido. Os Padres da Igreja pensavam que era prejudicial negar que Jesus era humano e, por isso, afirmaram-no; era prejudicial negar que ele era divino e, portanto, afirmaram-no também. Seria interessante estudar por que razão consideravam ambas as negações erradas, mas a discussão desta questão está bastante para além dos objetivos deste livro. Permito-me dizer apenas duas frases: a negação da verdadeira e plena humanidade de Jesus teria resultado numa desvalorização do mundo material; felizmente, os cristãos ortodoxos mantinham a visão do Génesis: Deus declarou que a criação é boa. Eles defenderam esta visão contra ataques muito graves e parte desta defesa consistia na afirmação de que Jesus era um ser humano verdadeiro. Afirmaram reiteradamente que a divindade de Jesus não interferia, de maneira alguma, na sua humanidade, nem lhe concedia poderes não humanos.

Pretendo que esta breve discussão dos tópicos e) até g) seja negativa, de acordo com o espírito do Concílio de Calcedónia, apesar de a minha perspetiva ser histórica e não dogmática. Do ponto de vista histórico, é um erro pensar que os cristãos têm de acreditar que Jesus era sobre-humano, assim como é um erro pensar que, no tempo de Jesus, os seus milagres fossem considerados como uma prova parcial ou total da sua divindade. Gostaria de me dedicar, agora, aos tópicos a) a c), apesar de fazer algumas menções ocasionais à perceção

moderna dos milagres d).

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Milagres e magia na Antiguidade

Tal como hoje, também naquela época as pessoas esperavam milagres em caso de doença ou de outros males físicos. Procuravam frequentemente a cura junto de pessoas que não eram médicos profissionais. Havia médicos, mas, em geral, a sua reputação não era boa. Os Evangelhos contam a história de uma mulher que «sofrera muito nas mãos de muitos médicos e gastara todos os seus bens, continuando a piorar cada vez mais» (Me 5, 26). Aqueles que necessitavam de ajuda e não se queriam entregar nas mãos dos médicos podiam recorrer a três instâncias.

1. Podiam pedir diretamente a Deus ou, no mundo pagão, a um dos deuses. Seria surpreendente que, em caso de doença, nem o doente, nem a família ou amigos recorressem à oração. Rezar é extremamente barato e aqueles que rezavam com regularidade verificavam que, de vez em quan

do, a oração era eficaz: algumas doenças eram curadas, e, se as pessoas rezassem sempre pela cura quando estavam doentes, as suas orações, por vezes, eram atendidas. A ajuda divina era pedida muitas vezes em privado, mas, por vezes, também em público. O deus grego, Asclépio, que era especializado em curas, tinha santuários em todo o mundo mediterrâneo. Chegaram até nós dúzias de relatos breves sobre as suas curas. Os sacerdotes do seu principal local de culto em Epidauros, na Grécia, copiaram inscrições de ex-votos em madeira para grandes estelas sepulcrais em pedras que se conservaram. Um médico atual consideraria muitas destas

curas absolutamente credíveis. Uma mulher que não conseguia engravidar foi ao seu santuário e passou a noite no dormitório. Durante a noite, sonhou que uma das serpentes sagradas de Asclépio penetrou nela. Levantou-se, foi para a casa e engravidou imediatamente. A explicação

encontrada pela medicina moderna seria que a sua incapacidade de engravidar era psicossomática e que a visão superou o bloqueio mental, de modo que o seu corpo pôde voltar a funcionar normalmente. Sigmund Freud teria muito a dizer sobre o simbolismo sexual da serpente, como é óbvio. Outros relatos de curas, porém, são completamente incríveis para os padrões científicos modernos. Um homem que perdeu os seus olhos, tendo apenas órbitas oculares vazias, sonhou que Deus tinha deitado unguento nas suas órbitas; quando acordou, tinha olhos e conseguia ver.

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O que é interessante nestas histórias é que se encontram lado a lado, parecendo que os sacerdotes não repararam que algumas das curas não só são mais credíveis do que outras, como também que algumas são completamente impossíveis. Isto significa que eles não traçavam linhas de separação entre o credível e o não credível onde a ciência médica atual as traçaria. Se deus podia realizar um tipo de milagre, também podia realizar outros. O leitor moderno tem tendência para fazer distinções: as histórias que consideramos credíveis são encaradas como possivelmente «verdadeiras», enquanto aquelas que são incríveis são tidas como «ficção». O termo «ficção» implica, habitualmente, um juízo moral: desonestidade. Apesar de as pessoas na

Antiguidade saberem que existia fraude e desonestidade no campo religioso e de desconfiarem frequentemente de histórias fantásticas, não traçavam a linha de separação entre verdade e ficção exatamente onde nós a traçamos hoje. Eles não consideravam impossível que forças espi­

rituais influenciassem o mundo físico de maneira palpável e esta visão significava que histórias de milagres se podiam desenvolver nos círculos de pessoas sinceras e honestas. Hoje, também há muitas pessoas que veem as forças espirituais e os milagres da mesma maneira, não aceitando os padrões da ciência médica. Por conseguinte, continuam a existir histórias de curas milagrosas, muitas delas provenientes de Lurdes e de outros lugares de peregrinação religiosa. Na minha opinião, muitas das histórias «incríveis» baseiam-se no desejo ou na tendência para o exagero, sendo pouquíssimas as que resultam de uma intenção consciente de enganar. Penso o mesmo sobre as histórias contadas pelos devotos piedosos de Asclépio. O leitor deste livro deve registar, sobretudo, que estas histórias de milagres eram comuns na Antiguidade e que devemos hesitar antes de as classificarmos como «verdadeiras» ou como «falsificações deliberadas».

É quase desnecessário dizer que os judeus do século I também rezavam ao seu Deus, pedindo-lhe curas. São pouquíssimas as orações individuais que se conservaram, mas a naturalidade com que os judeus se dirigiam a Deus, pedindo-lhe curas, é demonstrada na 2." Carta aos Coríntios 12, 7-9, onde Paulo diz que sofre por causa de um «espinho na carne» - um sofrimento físico qualquer que ele não descreve - e que pediu a Deus que o libertasse dele. Podemos supor que os judeus pediam habitualmente ajuda divina quando se encontravam numa dificuldade qualquer e, sobretudo, quando sofriam de uma doença ou de um mal.

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2. Não era só Deus ou os deuses que faziam milagres. Do mundo grego, temos um relato exaustivo sobre Apolónio de Tíana, um filósofo, reformador do culto e curandeiro itinerante. Possuía grande fama de ter o poder de curar e, especialmente, de exorcizar demónios. Uma vez, estava Apolónio a discursar sobre libações - uma cerimónia em que se derrama vinho em honra dos deuses - quando um jovem afetado, com uma reputação de licenciosidade tal que há muito que era tema de canções de rua grosseiras, começou a troçar dele. Quando Apolónio insistiu que é necessário derramar as libações sobre a asa do copo, porque seria mais provável que não se tivesse dado um uso mortal a esta parte, o rapaz rompeu em gargalhadas sonoras e grosseiras, fazendo com que a sua voz quase deixasse de se ouvir. Apolónio reconheceu que o seu comportamento revelava uma possessão demoníaca.



De facto, o rapaz estava possesso do demónio, sem o saber, pois ria-se daquilo de que mais ninguém se teria rido e, depois, rompia em choro, sem motivo, e falava e cantava para si próprio. Ora, alguns pensavam que a explicação destes excessos estava no humor esfusiante do jovem, mas ele era o porta-voz de um demónio, apesar de parecer apenas que estava sob o efeito do folguedo dos embriagados.

Isto significa que alguns dos presentes tinham uma interpretação racional para o comportamento do jovem. A história continua: Apolónio dirigiu-se ao demónio como um mestre a um servo, ordenando-lhe que saísse e que o demonstrasse através de um sinal. O demónio prometeu deitar abaixo uma estátua e fê-lo. O rapaz

esfregou os olhos como se tivesse acabado de acordar. .. e adquiriu uma aparência discreta... Pois já não se mostrava licencioso, nem ficava como louco, mas tinha voltado a si ... ; e abandonou o seu vestuário afetado e os seus ornamentos e o resto da sua forma de vida sibarita e apaixonou-se pela austeridade dos filósofos e vestiu o manto destes e, abandonando o seu antigo

modo de ser, modelou a sua vida dali para o futuro à imagem de Apolónio. (Filostrato, Vida de Apolónio, 4, 20)

Os judeus eram especialmente conhecidos por fazerem milagres. Josefo afirma que os judeus tinham herdado a sabedoria de Salomão, sabendo, por isso, como se fazem curas, sobretudo, exorcismos

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As doenças e o comportamento irracional eram atribuídos frequentemente à possessão demoníaca e aqueles que sabiam fazer exorcismos eram muito procurados. Numa sociedade em que os mentalmente instáveis viviam com os seus parentes e não em asilos, havia muitas pessoas que seguiam os exorcistas. E o poder da fé ou da mente sobre o corpo é tão grande que havia, realmente, curas.

Jesus, como veremos adiante com mais pormenor, admitia que alguns outros judeus seus contemporâneos podiam fazer milagres como os seus. Não conhecemos o nome de nenhum judeu que realizasse milagres durante a vida de Jesus, mas conhecemos alguns que o antecederam ou que se lhe seguiram." Hanina ben Dosa, um famoso curandeiro, viveu na Galileia cerca de uma geração depois de Jesus. A cura mais famosa que lhe foi atribuída apresenta um forte paralelismo com a cura do servo do centurião (Mt 8, 5-13). O filho do grande

fariseu Gamaliel estava com febre. Este enviou dois dos seus discípulos de Jerusalém a Hanina, na Galileia, pedindo-lhe que viesse e curas­ se o rapaz. Mas Hanina foi para o andar superior e rezou. Depois, desceu e mandou os discípulos para casa, dizendo que a febre tinha desaparecido. Os jovens perguntaram, talvez com certo sarcasmo: «És um profeta?» Hanina respondeu: «Não sou profeta, nem filho de profeta, mas tenho este dom. Se a minha oração sai fluentemente da minha boca, sei que ele [o rapaz doente] foi agraciado; se não, sei que ela [a doença] é fatal.» Os discípulos registaram o dia e a hora da oração de Hanina, regressaram a Jerusalém e descobriram que a partir daquela hora o rapaz tinha ficado curado.

O famoso «Honi, o desenhador de círculos», que viveu em meados do século I a.e.c., era mais velho de que Jesus. Honi era especialmente conhecido pelas orações bem sucedidas a pedir chuva. A Palestina está sujeita à seca, por isso, as orações pela chuva constituíam um elemento normal da piedade. Estas orações eram acompanhadas frequentemente pelo jejum, cuja intenção era chamar a atenção de Deus para o sofrimento humano e persuadi-lo a aliviá-lo, mandando chuva. As orações

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e o Jejum da comunidade eram, muitas vezes, eficazes; isto é, a chuva acabava por chegar." Embora toda a comunidade participasse nas orações e no jejum, alguns indivíduos, como, por exemplo, Honi, eram particularmente bem sucedidos no apelo a Deus. Uma vez, Honi pediu chuva a Deus, mas, inicialmente, sem sucesso. Então, desenhou um círculo, colocou-se dentro dele e rezou: «Ó Senhor do universo, os Teus filhos voltaram as suas faces para mim, porque, aos Teus olhos, sou como um filho da casa. Juro sobre o Teu grande nome que não me vou mexer deste lugar enquanto não tiveres compaixão dos Teus filhos.» Começou a chuviscar, mas Honi não ficou satisfeito: «Não rezei por uma chuva destas, mas por uma chuva de boa vontade, de bênção e de graça.» Então, começou a chover com mais intensidade e continuou a chover durante tanto tempo que alguns dos habitantes de Jerusalém foram para o monte do Templo, que estava num ponto mais alto. O fariseu que era chefe naquele dia teve uma posição ambivalente em relação a Honi e ao seu feito: «Se não fosses Honi, declarava-te anátema! Mas o que hei-de fazer contigo? Importunas Deus e Ele faz o que tu queres, tal como um filho importuna o seu pai e ele faz-lhe a vontade.»? O comportamento de Honi, tão impertinente que era quase blasfemo, foi-lhe perdoado porque tinha uma relação íntima com Deus.



Josefo também nos dá informações sobre Honi. Escreve que ele (Onias, em grego) era conhecido por ser o homem que tinha pedido chuva durante uma seca e a quem Deus respondeu. A sua reputação era tal que, durante o período da guerra civil entre Hircano II e Aristóbulo lI, os apoiantes de Hircano capturaram-no, exigindo-lhe que amaldiçoasse Aristóbulo e a sua facção. Em vez disso, Honi rezou, pedindo que Deus não permitisse tal: «Ó Deus, rei do universo, uma

vez que estes homens que estão ao meu lado fazem parte do Teu povo e que aqueles que estão cercados por eles são os Teus sacerdotes, suplico-Te que não lhes dês ouvidos contra estes homens, nem permitas que aconteça aquilo que estes homens querem que faças a esses outros.» Josefo escreveu que os seguidores de Hircano apedrejaram Honi até à morte. (Antiguidades 14, 22-24.) As pessoas que eram ouvidas por Deus não eram necessariamente populares.

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Algumas figuras proféticas prometiam milagres, embora não tenhamos notícia de que os realizassem. Pouco tempo depois da morte e da ressurreição de Jesus, no início dos anos quarenta, Teudas reuniu seguidores no deserto e prometeu-lhes que marchariam até ao rio Jor­ dão e que as águas do rio se abririam, transformando-o num segundo Moisés. Mais tarde, um profeta do Egipto, conhecido simplesmente como «o Egípcio», prometeu aos seus seguidores que, se andassem à volta da muralha de Jerusalém, esta cairia, transformando-o num segundo Josué. Nenhum dos planos foi posto à prova, porque os romanos enviaram tropas, das duas vezes, a fim de controlarem a multidão. Teudas e vários dos seus seguidores foram mortos, tal como muitos dos seguidores do Egípcio, apesar de ele próprio ter escapado.



É necessário notar especialmente que alguns dos milagres discutidos neste capítulo não são curas, mas sim milagres da «natureza». Honi (como muitos outros) rezava a pedir chuva, enquanto Teudas e o Egípcio prometiam acontecimentos sobrenaturais que afetavam a água (do Jordão) ou pedras (das muralhas de Jerusalém). Como Teudas e o Egípcio tinham seguidores, é evidente que as pessoas consideravam as suas promessas credíveis. Parece que era do consenso geral que Honi podia rezar com sucesso a pedir chuva. A suposição dos judeus em todos estes casos era que um indivíduo podia influenciar Deus e que Ele podia fazer obviamente tudo o que quisesse.

3. Vimos que as pessoas podiam pedir milagres diretamente a Deus (ou, no mundo greco-romano, a um dos deuses) ou a um indivíduo particularmente piedoso ou dotado. Estes indivíduos são designados habitualmente como «carismáticos»: têm um poder espiritual especial ou uma capacidade especial para influenciar Deus. Talvez nos devêssemos referir também a eles como seres «autónomos», que se regiam a si próprios, visto que tinham uma relação direta com Deus e não eram servos de um governante ou de um templo. Mas também existia um terceiro grupo de fazedores de milagres - os mágicos ­ que podem ser vistos como uma corporação de milagreiros. Os mágicos não eram carismáticos, nem autónomos; isto é, não faziam milagres devido à sua relação especial com um deus e as suas técnicas não eram, habitualmente, invenções deles próprios. Hanina, como vimos, sabia que, se a oração saísse fluentemente da sua boca, Deus responderia

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positivamente. Isto constituía o seu próprio teste, baseado na sua experiência de oração a Deus. No caso dos mágicos, era diferente: eles seguiam regras.



A magia baseava-se numa aplicação particular de uma visão muito difundida, segundo a qual existia uma Grande Cadeia de Seres na qual tudo está ligado a qualquer outra coisa, tanto acima como abaixo dela. A manipulação de determinados elementos comuns (por exemplo, o alho, a urina de cabra e a erva) influenciavam os seres imediatamente acima na cadeia e assim sucessivamente ao longo de toda a cadeia, até à divindade. A manipulação correta dos elementos inferiores, associada ao feitiço correto e à utilização dos nomes corretos, podia levar a divindade superior a cumprir os desejos de uma pessoa. Era possível alugar um mágico. Um homem podia desejar contratar um mágico para persuadir Vénus a mandar uma jovem núbil ao seu quarto de dormir.

Uma grande parte da magia praticada a pedido de pessoas individuais era negativa: era «magia negra». Os mágicos amaldiçoavam inimigos a pedido dos seus clientes, por exemplo. Tinham uma reputação duvidosa e, de vez em quando, os governantes tentavam reprimi-los. A carreira de mágico não era algo que as boas famílias desejassem para os seus filhos, apesar de a magia se basear numa cosmovisão muito difundida.

Porém, o que nos interessa aqui é a «magia branca», pois os mágicos constituíam uma fonte potencial de curas. Sabiam misturar várias substâncias, colocá-las na parte do corpo que necessitava de cura, pronunciar os feitiços corretos e efetuar curas milagrosas. Existe uma história de Josefo que demonstra claramente que estas práticas mágicas eram conhecidas no judaísmo palestino do século I. Ao elogiar Salomão, Josefo afirma que o rei israelita abandonou feitiços e técnicas de exorcismo que alguns judeus continuavam a utilizar. Segundo Josefo, Eleazar realizou um exorcismo na presença do general romano Vespasiano, dos seus filhos, dos oficiais e de outras pessoas:


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