E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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Consideremos, agora, outro tipo de leitura de algumas das provas literárias que levou alguns investigadores a decidirem-se por uma data posterior para a execução de Jesus, concretamente, o ano 35 ou 36. Esta teoria que teve alguma divulgação em décadas anteriores, foi recuperada recentemente por Nikos Kokkinos." A prova diz respeito à data de João Baptista. De acordo com Me 6, 14-29 (com passagens parcialmente paralelas em Mateus e Lucas), Antipas pensava que Jesus podia ser João Baptista ressuscitado. A passagem esclarece que Antipas mandou executar João porque este tinha criticado o seu casamento com Herodíade. Me 1, 14 / / Mt 4, 12 situa o início do ministério público de Jesus imediatamente depois da prisão de João (Marcos) ou

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quase em simultâneo com a prisão deste (Mateus). Portanto, de acordo com os Evangelhos, a sequência foi a seguinte: João batizou Jesus; João foi preso; Jesus começou o seu ministério; João foi executado; Jesus foi executado.



Os investigadores que datam a execução de Jesus no ano 36 observam que Josefo narra o casamento de Antipas com Herodíade depois da história da morte de Filipe, irmão de Antipas, que ocorreu no final do ano de 3S ou no início do ano 34. Este casamento levou Aretas a invadir a Galileia e provocou a derrota do exército de Antipas. Vitélio, o legado romano da Síria, comandou uma expedição punitiva contra Aretas. Esta expedição ocorreu em 37, porque foi interrompida pela morte de Tibério nesse mesmo ano." De acordo com os Evangelhos, a crítica que João fez ao casamento de Antipas levou à sua execução. Se Antipas casou com Herodíade depois de 34 e.c., é óbvio que João foi executado depois desta data. Isto leva à conclusão de que a vida pública de Jesus se situa em meados dos anos trinta e que ele foi executado em 36, pouco antes de Pilatos ter sido chamado a regressar a Roma. De acordo com esta teoria, tanto João como Jesus têm de ser situados no período de tempo entre a morte de Filipe, que ocorreu em 33 ou 34, e a expedição de Vitélio, em 37.

O que é problemático nesta teoria é que, nesta secção das Antiguidades de Josefo, muitas das histórias não estão ordenadas cronologicamente. Elas são introduzidas por expressões como, por exemplo, «naquela altura», «mais ou menos na mesma época» e «entretanto». Vejamos a sequência em que Josefo menciona as pessoas e os acontecimentos que nos interessam, assim como alguns outros acontecimentos que podem ser datados com segurança. Coloco entre parênteses as datas para as quais existem provas cronológicas muito fortes.

1. nomeação de Pilatos, Antiguidades 18, 35 (26 e.c)

2. morte de Germanicus, 18, 54 (19 e.c.)

3.. vida de Jesus, 18,63

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4. escândalo em Roma por causa do culto de Ísis e um outro escândalo que envolveu judeus, também em Roma, 18, 65-85 (19 e.c.)

5. demissão de Pila tos, 18, 89, indicando uma data específica: quando Pilatos chegou a Roma, Tibério já tinha morrido (37 e.c.)

6. destituição de Caifás, 18, 95

7. carta de Tibério a Vitélio, 18,96

8. morte de Filipe, 18, 106 (33/34 e.c.)

9. acordo de Antipas para o casamento com Herodíade, 18, 110

10. viagem da filha de Aretas ao encontro do seu pai, 18, 111-113

11. invasão de Aretas, 18, 114

12. morte de João Baptista, 18, 116-119

13. expedição punitiva contra Aretas durante a qual Tibério morreu, 18, 120-126 (37 e.c.)

Na narrativa de Josefo, a vida de Jesus situa-se entre dois acontecimentos ocorridos em 19 e.c. e a execução de João, entre acontecimentos sucedidos em 33 e 37 e.c. A sugestão de que a vida pública de Jesus decorreu entre cerca de 34 e 36 requer que acreditemos que Josefo situa a morte de João Baptista na data correta, mas não a vida de Jesus. Para a vida de Jesus, temos de aceitar a ligação entre João e Jesus estabelecida pelos Evangelhos. Como «conhecemos» a data da morte de João, temos de deslocar a vida pública de Jesus para mais tarde.

Não surpreende que alguns investigadores tomem o caminho oposto: conhecemos a data da morte de Germanicus - ano 19 e.c. Há outros acontecimentos nesta secção das Antiguidades que também podem ser datados, com toda a certeza, no período entre 15 e 19 e.c. A nomeação de Pilatos precede este acontecimento, na narrativa de Josefo, portanto, ele foi nomeado antes 19 e.c .. Por conseguinte, a vida pública de Jesus ocorreu muito antes de 26-36. Na realidade, ele foi crucificado em 21 e.c,"

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Estas teorias partem ambas do princípio de que há uma parte do Livro 18 das Antiguidades de Josefo que situa os acontecimentos na sua sequência real, mas não estão de acordo entre si em relação à parte de que se trata. 10 Seja como for, a carroça vai à frente dos bois. Há um ponto fixo que oferece uma data precisa para as histórias contíguas e, depois, o resto da prova é forçada a adaptar-se. Para a teoria segundo a qual Jesus morreu pouco tempo antes de 37, Josefo refere-se à sua vida demasiado cedo. Para a teoria segundo a qual ele morreu em 21, Josefo refere-se a João Baptista demasiado tarde. De acordo com ambas as teorias, ele estava certo no que diz respeito a um dos acontecimentos e completamente errado no que diz respeito a outro.



Em vez de permitirmos que um ponto supostamente fixo determine a data de todos os outros acontecimentos, deveríamos recuar e olhar para a prova em termos mais gerais. Nesta parte da sua obra, Josefo não está a narrar acontecimentos na sua ordem cronológica exata. Tibério morre, depois escreve uma carta e, depois, morre (ver 5, 7 e 13). Uma parte da sequência é casual (à exceção de que tudo está relacionado com o período de governação de Tibério), tanto quanto posso dizer, mas uma parte é temática. O ponto 4, já referido, aparece onde está porque termina com uma tentativa de Roma para forçar os judeus a servirem num exército que era contra a lei relativa ao sábado (18, 84). Isto relaciona-se vagamente com uma das afrontas de Pila tos à Lei judaica, relatada por Josefo em 18, 60-62. Por isso, um acontecimento do ano 19 (escândalos em Roma) parece ter ocorrido entre 26 e 36 (a prefeitura de Pilatos na Judeia). No entanto, os escândalos de 19 e.c. estão fixados por fontes romanas de uma forma demasiado clara para permitir que a colocação que Josefo faz dos mesmos iluda os biblistas. É óbvio que Jesus e João Baptista não podem ser datados com exatidão através de fontes romanas, visto que o seu impacto imediato foi demasiado insignificante, pelo que podem ser deslocados, no caso de se supor que existe alguma sequência de Josefo que seja exata.

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Gostaria de fazer mais alguns comentários à teoria de Nikos Kokkinos, assumida recentemente pelo eminente historiador Robin Lane FOX.II Como vimos, o argumento fundamental de Kokkinos é que, nas Antiguidades, a história sobre João Baptista aparece depois da morte de Filipe e antes da expedição contra Aretas, dois acontecimentos que podem ser datados com precisão: 33/34 e 37, respetivamente. Não há dúvida de que a expedição punitiva contra Aretas se relacionou com o facto de Antipas ter decidido casar com Herodíade. A sequência deve ter sido a seguinte: Antipas planeou levar Herodíade para a Galileia; a sua primeira mulher, filha de Aretas, fugiu para o seu pai; Aretas invadiu a Galileia; as tropas romanas na Síria desencadearam uma expedição punitiva contra Aretas. É razoável pensar que o novo arranjo doméstico de Antipas tenha ocorrido imediatamente antes da invasão de Aretas. Se João Baptista criticou o novo casamento, e se Aretas respondeu prontamente, quando a sua filha foi substituída, então João estava vivo muito próximo do ano 37. Kokkinos, seguindo esta linha de raciocínio, escreve: «logo que a aliança entre os dois reis [Antipas e Aretas] foi quebrada [pelo

divórcio], Aretas utilizou o pretexto de uma disputa fronteiriça e declarou guerra a Antipas»; Esta especulação é plausível no que diz respeito ao divórcio e à retaliação de Aretas. Mas trata-se de uma especulação. Não sabemos o que significa «logo que»: esta é a questão, não necessariamente a resposta. Josefo escreveu que a filha de Aretas «chegou ao seu pai e contou-lhe o que Herodes [Antipas] planeava fazer. Aretas iniciou assim hostilidades fronteiriças no distrito de Gamalas. «Iniciou assim» não significa necessariamente «logo que»; pelo contrário, é de supor que tenha passado algum tempo entre o divórcio e a guerra. O segundo argumento que Kokkinos apresenta para defender a sua teoria é que os judeus

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consideraram a derrota de Antipas uma vingança justa por causa de ele ter mandado executar João. «É enganador argumentar que os judeus tinham consciência de que a vingança de Deus não ocorria imediatamente depois do ato. Circunstâncias no passado recente mais do que no passado distante levariam mais provavelmente os judeus a falar de uma punição divina.»!" Trata-se, em parte, de pura suposição e, em parte, de um argumento fraco. Não seria enganador dizer que os judeus pensavam que a vingança de Deus tardava, se fosse isso que eles pensavam. Kokkinos parece imaginar que eles tinham escolha e decidiam a favor de uma retribuição rápida, em vez de uma retribuição demorada. Mas, como João era muito respeitado e a sua execução foi extremamente impopular, aqueles que condenaram a ação de Antipas teriam esperado que lhe acontecesse algo de facto sério, antes de declararem que Deus tinha vingado João. Teria sido desejável um golpe imediato, deste ponto de vista, mas os muitos admiradores de João tinham de aceitar aquilo que podiam receber. Se a pior coisa que aconteceu a Antipas durante os cinco anos seguintes foi torcer o tornozelo ao sair do banho, então a multidão teria esperado que lhe acontecesse algo pior. Quando Aretas derrotou o exército de Antipas, aqueles que tinham estado à espera - não sabemos durante quanto tempo - declararam que Deus tinha retribuído.



É preferível pensar que a história de Antipas, de Herodíade e da execução de João é um «regresso ao passado», fora da sua sequência histórica." De facto, é bastante óbvio que a história da execução de João é um «regresso ao passado»: Josefo refere-se a ela depois do acon­

tecimento que é suposto ter sido provocado por ela. Josefo ordena o material de toda esta parte (9-13) por temas; isto explica por que motivo a história de Herodíade, a invasão de Aretas e a execução de João aparecem tão seguidas. A sua proximidade na narrativa de Josefo não

prova, de modo algum, que elas tivessem ocorrido, de facto, numa sequência rápida. Retomando a lista apresentada anteriormente, vemos que os acontecimentos datáveis se encontram referidos nos números 8 e 13. Os acontecimentos mencionados nos números 9-12 aparecem onde estão porque se relacionam com o número 13, do ponto de vista

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temático. Não sabemos se estes acontecimentos podem ser todos concentrados no período entre 8 e 13.16 Por conseguinte, não sabemos quando Antipas encontrou Herodíade, quando a sua ex-mulher fugiu para o seu pai e quando João foi executado.

Não estou a tentar provar ou refutar uma data ou outra. A minha intenção foi dar ao leitor uma «ideia» das dificuldades históricas que as nossas fontes apresentam, assim como ilustrar como as pessoas podem agarrar-se a um ponto, tentando adaptar tudo a ele. Fazemos melhor se aceitarmos que as fontes estão corretas em termos mais gerais. Isto permite que não só uma delas, mas mesmo todas sejam imprecisas ou erradas em alguns pormenores. A cronologia oferece o melhor exemplo para isso. A sequência de datas não importa realmente para a nossa

compreensão da vida de Jesus, desde que situemos a sua morte durante o período em que Pilatos era prefeito (26-36 e.c.). A precisão das datas é, de facto, mais importante quando se estuda a igreja primitiva, incluindo a vida de Paulo, visto que necessitamos de saber quanto tempo temos de conceder para o desenvolvimento do cristianismo primitivo. Para termos um número redondo conveniente, e tendo em conta que não podemos ter a certeza, aceitarei o ano 30 e.c. como sendo, aproximadamente, o ano da morte de Jesus.

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Apêndice 11: discípulos de Jesus

Segue-se uma lista completa de nomes, divididos de acordo com os

testemunhos:


Todos os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos:

Simão (chamado Pedro; nas cartas de Paulo, chamado frequentemente Cefas)

André, o seu irmão

Tiago e João - filhos de Zebedeu; o quarto Evangelho não utiliza o seu nome, referindo-se-lhes apenas como «filhos de Zebedeu»

Filipe

Tomé


Judas Iscariotes
Mateus, Marcos, Lucas e Atos dos Apóstolos:

Bartolomeu

Mateus

Tiago, filho de Alfeu



Simão, o Cananeu ou o Zelo ta

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Mateus e Marcos

Tadeu
Lucas, Atos dos Apóstolos e João

Judas, filho de Tiago (em Lucas e nos Actos; João fala de «Judas, não o Iscariotes»)
João

Natanael

Isto perfaz catorze nomes. Além disso, Marcos e Lucas referem

Levi como um cobrador de impostos que seguiu Jesus.

364

lindice


Abreviaturas----------------------------------------------------------------------------------- 7

Tabela cronológica -.--------------------------------------------------------------------------9

Prefácio ---------------------------------------------------------------------------------------11
1 Introdução ----------------------------------------------------------------------------------15

2 Esboço da vida de Jesus -------------------------------------------------------------------25

3 Situação política ----------------------------------------------------------------------------31

4 O judaísmo como religião -----------------------------------------------------------------55

5 Fontes externas -----------------------------------------------------------------------------75

6 Os problemas das fontes primárias -------------------------------------------------------85

7 Dois contextos -----------------------------------------------------------------------------109

8 O cenário e o método do ministério de Jesus -------------------------------------------133

9 O início da missão de Jesus ---------------------------------------------------------------151

10 Milagres -----------------------------------------------------------------------------------173

11 A vinda do Reino -------------------------------------------------------------------------217

365


12 O Reino: Israel, gentios e indivíduos ----------------------------------------------------241

13 O Reino: inversão de valores e perfeccionismo ético ----------------------------------249

14 Controvérsia e oposição na Galileia -----------------------------------------------------259

15 A forma como Jesus encarava o seu papel no plano de Deus -------------------------297

16 A última semana de Jesus -----------------------------------------------------------------311

17 Epílogo: a ressurreição --------------------------------------------------------------------341

18 Apêndice I: cronologia --------------------------------------------------------------------351

19 Apêndice Il: discípulos de Jesus ---------------------------------------------------------363



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