E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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O historiador que investiga a vida de um grande homem e faz um relato completo das suas descobertas escreverá, quase com certeza, algumas coisas que os admiradores da pessoa em causa prefeririam não ler. As pessoas, cuja imagem de Jefferson foi criada imaginando o carácter do autor da Declaração da Independência, podem ficar chocadas com um estudo sobre a sua vida amorosa e o seu consumo de álcool. Quem pensa em Churchill como o homem que «mobilizou a língua inglesa e a mandou para a guerra» (como se lhe referiu John

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F. Kennedy), achará menos interessante a descrição de Churchill como representante da política interna. Isto não constitui um aviso de que eu vá revelar algo verdadeiramente chocante sobre Jesus, como uma promiscuidade sexual, por exemplo. Limitar-me-ei ao material empírico que não diz absolutamente nada sobre temas deste género. Se Jesus teve alguma falta séria, não temos possibilidade de a conhecer. Mas também não me limitarei a escrever como ele era simpático, nem ignorarei os aspetos da sua vida e do seu pensamento que os seus admiradores mais fervorosos gostariam de ver desaparecer. Temos de compreender por que motivo provocou controvérsias e porque tinha inimigos. A visão cristã tradicional, segundo a qual os judeus o odiavam porque ele era um homem bom e porque defendia o amor, ao qual eles se opunham, não serve. Esforçar-me-ei por lidar com ele e com os seus contemporâneos de uma forma mais realista.

A pesquisa sobre o Jesus da História já tem mais de 200 anos. Nos finais do século XVIII, alguns europeus corajosos começaram a aplicar os métodos da crítica literária e histórica aos livros do Novo Testamento que, até ali, tinham estado fora do seu alcance - eram demasiado sagrados para a investigação laica da Renascença e do Iluminismo. A leitura das descrições de Jesus, escritas neste período de dois séculos por investigadores sérios e empenhados, revela que as conclusões foram extraordinariamente díspares, o que levou muitos a pensar que não sabemos realmente nada. Esta reação é exagerada; sabemos bastante. O problema está em conciliar o nosso conhecimento com as nossas esperanças e aspirações. A importância que Jesus e o movimento que ele iniciou alcançaram posteriormente leva a que queiramos saber tudo sobre ele, especialmente, sobre os seus pensamentos mais íntimos, como, por exemplo, o que pensou de si mesmo. Como já disse, penso que temos bons indícios sobre algumas das ideias de Jesus. No entanto, é, normalmente, ilusório pensar que se tem acesso aos pensamentos íntimos, mesmo que seja de pessoas cuja vida pública está bem documentada. O que pensava Lincoln de facto, no fundo do seu coração, sobre a libertação dos escravos? É uma pergunta difícil, apesar de dispormos de muito material sobre Lincoln, e embora saibamos o que ele

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fez e com que consequências. Com Jesus, a situação é semelhante, embora a nossa documentação não seja tão completa: conhecemos algumas das coisas que ele fez, uma quantidade razoável sobre o que ensinou e bastante sobre as suas consequências. A partir daí, temos de inferir quais eram os seus pensamentos mais profundos. Não deveríamos ter receio de fazer essas inferências, mas deveríamos reconhecer que elas são menos seguras do que as suas palavras e os seus atos ­ sobre os quais já é bastante difícil chegar a provas seguras.



O objetivo do livro é apresentar, tão claramente quanto possível, aquilo que podemos descobrir recorrendo aos métodos de investigação histórica habituais, assim como fazer uma distinção entre isto e as inferências, classificando-as inequivocamente como tal. A discussão geral dos milagres e da doutrina de Jesus incluirá algumas passagens de cuja fiabilidade duvido (como esclarecerei no lugar devido), mas as provas que eu considero certas controlarão os temas, as categorias e as conclusões.

Este objetivo é modesto, mas difícil de cumprir. É frequente os autores gostarem de descrever as dificuldades do seu objeto para despertarem a compaixão dos leitores. Claro que espero ter leitores benévolos, mas também penso que é, realmente, mais difícil escrever livros sobre Jesus do que sobre outras pessoas acerca das quais dispomos de documentação comparável. Já chamei a atenção para o facto de pessoas que se contentam com uma informação geral sobre outras figuras da Antiguidade quererem saber muito mais no caso de Jesus. Põem-se outros problemas específicos. Um deles consiste no facto de as fontes principais, os Evangelhos do Novo Testamento, constituírem uma leitura amplamente divulgada e serem de acesso direto para o público que lê. Isto exige que o autor esclareça com algum detalhe a forma como utiliza as fontes - tarefa que os biógrafos de outras figuras da Antiguidade podem realizar rapidamente ou mesmo omitir. Todos os historiadores têm opiniões sobre as suas fontes, mas, habitualmente, só têm de as explicar a outros investigadores. A discussão dos problemas postos pelas fontes da Antiguidade é quase necessariamente técnica, o que impõe um fardo suplementar aos leitores. Problema mais importante ainda é o de praticamente toda a gente ter a sua própria opinião sobre

Jesus e, portanto, ter uma ideia preconcebida sobre aquilo que um livro sobre ele deveria dizer. Salvo raras exceções, estas opiniões são extremamente favoráveis. As pessoas querem estar de acordo com Jesus e isto significa, frequentemente, que o veem concordando com elas.

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Os ensinamentos éticos de Jesus, em particular, são aplaudidos em quase todos os campos. Os ensinamentos recolhidos no sermão da montanha (Mt 5-7), sobretudo, o mandamento do amor aos seus inimigos e a oferta da outra face, a par das parábolas em Lucas, como, por exemplo, a história do bom samaritano, serviram, muitas vezes, como súmula da verdadeira religião no pensamento dos grandes e famosos, incluindo daqueles que não tinham simpatia por nenhuma ou quase nenhuma religião organizada. Thomas Jefferson rejeitava a ideia de uma igreja estabelecida (quer dizer, de uma religião oficial de Estado); e esta perspetiva foi incluída na Constituição dos Estados Unidos da América. Mas Jefferson foi ainda mais longe: escreveu que tinha «jurado sobre o altar de Deus uma inimizade eterna por qualquer forma de tirania sobre o espírito humano», incluindo, em particular, as doutrinas de muitas confissões cristãs. No entanto, considerava Jesus um «mestre obreiro», cujo «sistema moral foi, provavelmente, o mais benéfico e sublime alguma vez ensinado». Segundo Jefferson, Jesus era «sensível à incorreção das opiniões dos seus antecessores sobre a Divindade e a moral» e «fez tudo para os conduzir aos princípios de um deísmo puro e a noções mais corretas dos atributos de Deus, a fim de reformar as suas doutrinas morais de acordo com as normas da razão, da justiça e da filantropia e para inculcar a fé num estado futuro». Por outras palavras, Jesus era muito parecido com Jefferson.

Charles Dickens era mordaz em relação à Igreja vitoriana. Assim, escreveu que, num dia de Outono em Coketown (a cidade fictícia de Disckens, na qual era suposto todos os desastres sociais e económicos da revolução industrial tornarem-se patentes), «as cotovias cantavam, apesar de ser um domingo».'? Dickens debruça-se pormenorizadamente sobre os horrores do domingo numa extensa passagem na sua obra intitulada Little Dorrit. Clennam, uma das personagens do romance, recorda uma legião de domingos passados, «todos eles dias de uma amargura e angústia absurdas». No entanto, o autor estabelece um contraste entre os desconsoladores dias de descanso vitorianos e a «história benévola do Novo Testamento», acerca da qual Clennam

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nunca ouviu falar durante as muitas horas que tinha passado na igreja. u Perto do fim do livro, a heroína insta a dura senhora Clennam a não se agarrar à sua religião vingativa, mas sim a deixar-se apenas guiar por aquele «que curava os doentes, ressuscitava os mortos, o amigo de todos os que sofriam e estavam sobrecarregados, o bom Mestre que derramou lágrimas de compaixão pelas nossas fraquezas». O desagrado de Dickens em relação aos domingos não se estendia a Jesus. Os domingos em Coketown poderiam ser sombrios, mas o verdadeiro problema era que os homens que mandavam, como, por exemplo, o senhor Gradgrind, pensavam que o «bom samaritano» era um «mau economista.»



Winston Churchill, embora não tivesse nada contra o cristianismo oficial, tinha a mesma opinião sobre Jesus. Segundo um cronista, numa longa conversa com Harry Hopkins e outros, em 1941, Churchil ventilou a questão da tarefa de reconstrução do mundo quando a Guerra acabasse, finalmente. «Não podíamos encontrar um fundamento melhor do que a ética cristã e quanto mais seguirmos o sermão da montanha, tanto mais probabilidade teremos de ser bem sucedidos nos nossos esforços.» Onze anos mais tarde, Churchill continuava a ver no sermão da montanha «a última palavra em matéria de ética.»

O facto de Jesus gozar de uma aprovação tão generalizada prova que os autores dos Evangelhos cumpriram bem a sua tarefa. Eles pretendiam que as pessoas se convertessem a ele, que o admirassem e acreditassem que ele tinha sido enviado por Deus e que segui-lo levaria à vida eterna. Raramente as expectativas foram cumpridas de forma tão total. Na perspetiva dos autores, a admiração por Jesus e a fé nele iam a par. Mateus e Lucas (aos quais devemos o sermão da montanha e a parábola do bom samaritano) não teriam gostado que os ensinamentos de Jesus fossem separados da própria convicção teológica, que eles próprios possuíam de que Deus o tinha enviado para salvar o mundo. Apesar disso, a forma como construíram os seus livros permite ao leitor escolher aquilo que lhe agrada e foi isso que muitos leitores

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fizeram, admirando Jesus, mas discordando da teologia cristã. Nestes casos, alguns dos objetivos dos evangelistas foram alcançados.



É destino do historiador ser a pessoa que submete os Evangelhos a um tratamento severo. Ele pode aderir ou não à teologia dos Evangelhos, isto é, à ideia de que Deus atuou através de Jesus. Seja como for, tem de ter consciência de que os autores tinham convicções teológicas e de que é provável que tenham revisto os seus relatos para que estes apoiassem as suas convicções. O historiador também tem de suspeitar que a doutrina ética que impressionou tanto o mundo tenha sido acrescentada através da sua utilização homilética e dos aperfeiçoamentos redaccionais ocorridos entre o tempo de Jesus e o surgimento dos Evangelhos. Independentemente destas suspeitas, o historiador tem a obrigação profissional de submeter as fontes a um interrogatório cruzado rigoroso: «Tu afirmas que "todos os habitantes de Jerusalém" foram ouvir João Baptista (Mc 1,5) e que Jesus curou "todas as doenças e todos os males" (Mt 4,2.3). Eu digo-te que estás a exagerar muitíssimo.» É óbvio que, nestas duas passagens, o historiador não observa senão exageros de retórica. Mas é necessário colocar outras questões: «Tu afirmas que os seus inimigos eram astuciosos e cheios de maldade. Eu digo-te que alguns eram sinceros, honestos e piedosos e que, por isso, o conflito não se reduzia a um esquema a preto e branco, como se fosse um western:» E o exame continua ao longo de todo o relato. Portanto, ao contrário dos políticos, romancistas ou moralistas, o historiador não pode limitar-se a escolher aquelas partes do Evangelho que testemunham nobreza e que podem servir de inspiração a outros. O historiador escolhe, mas com base em critérios diferentes: o que pode ser provado, o que não pode, o que está entre uma coisa e outra?

O livro tem a seguinte estrutura: nos próximos cinco capítulos apresento mais material introdutório. O capítulo 2 constitui um esboço preliminar da vida e da época de Jesus; o capítulo .3 consiste numa breve apresentação da situação política que se vivia na Palestina no século I; o capítulo 4 consta de algumas questões fundamentais sobre o Judaísmo como religião; nos capítulos 5 e 6 são debatidos alguns dos problemas inerentes às nossas fontes. O cerne do livro é constituído pelos capítulos nos quais se procura proceder a uma reconstrução histórica daquilo que Jesus fez e ensinou, dos seus conflitos com outros e da sua morte. No epílogo, faço uma reflexão sobre as narrativas da sua ressurreição.

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2. Esboço da vida de Jesus

Tal como acabei de mencionar, temos de estudar muito material introdutório, antes de podermos iniciar uma exploração pormenorizada da atividade e da mensagem de Jesus. Teremos de descrever o mundo político e religioso no qual Jesus nasceu, assim como a natureza dos problemas e das nossas fontes. No entanto, pode ser útil começar com um breve resumo da vida de Jesus, o qual pode servir, em parte, como um enquadramento, e por outra parte, como um ponto de partida para uma apresentação mais completa. Acrescentarei um parágrafo sobre a forma como os discípulos encararam retrospetivamente a vida de Jesus; apesar de tal não constituir o tema do livro, é necessário têrmo-lo em conta.

Não existem dúvidas substanciais sobre o curso geral da vida de Jesus: quando e onde viveu, quando e onde morreu, aproximadamente, e o que fez durante a sua atividade pública. Quando começamos a investigar mais a fundo, surgem dificuldades e incertezas, mas, por agora, ficaremos à superfície. Começarei por apresentar uma lista de afirmações sobre Jesus que cumprem dois critérios: são praticamente indiscutíveis e dizem respeito ao enquadramento da sua vida, especialmente à sua vida pública. (Se fizéssemos uma lista de todas as informações sobre Jesus que possuímos, ela seria consideravelmente mais longa.)

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Jesus nasceu aproximadamente no ano 4 a.e.c., por volta da data da morte de Herodes Magno;

passou a sua infância e os seus primeiros anos de adulto em Nazaré, uma aldeia na Galileia;

foi batizado por João Baptista;

reuniu discípulos à sua volta;

ensinou em pequenas cidades, aldeias e na região rural da Galileia (ao que parece, não nas grandes cidades);

anunciou o «Reino de Deus»;

por volta do ano 30, foi a Jerusalém, para a festa da Páscoa;

causou distúrbios no recinto do Templo;

tomou uma última refeição com os seus discípulos;

foi preso e interrogado pelas autoridades judaicas, mais precisamente, pelo sumo sacerdote;

foi executado por ordem do prefeito romano, Pôncio Pilatos.

Podemos acrescentar aqui uma pequena lista de factos igualmente seguros sobre os acontecimentos que se seguiram à sua morte:

Os seus discípulos começaram por fugir;

viram-no (não se sabe, em que sentido, ao certo) após a sua morte;

por consequência, acreditaram que ele voltaria para instaurar o Reino;

criaram uma comunidade para aguardar o seu regresso e procuraram persuadir os outros a acreditar nele como Messias enviado por Deus.

A maior parte dos pontos nesta lista será discutida ao pormenor mais adiante. Gostaria agora de completar o esboço com um breve resumo sob a forma de narrativa.

Não se sabe exatamente qual o ano do nascimento de Jesus. Voltaremos mais tarde às narrativas do nascimento em Mateus e Lucas, no entanto, gostaria de fazer aqui algumas observações sobre a data. A maioria dos investigadores - entre os quais também eu me encontro - considera decisivo o facto de Mateus concatenar a data do nascimento de Jesus com a morte de Herodes Magno. Herodes morreu no ano 4 a.e.c.; portanto, Jesus nasceu nesse ano ou pouco tempo antes; alguns investigadores preferem o ano 5, 6 ou, até, 7 a.e.c.

O facto de Jesus ter nascido alguns anos antes do início da era que começa com o seu nascimento constitui uma das pequenas curiosidades

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da história. Nesta obra, utilizo as letras a.e.c. para significarem «antes da era comum» e e.c. para significar «era comum». («Comum» que dizer aceite por todos, incluindo os não-cristãos.) As abreviaturas tradicionais, contudo, são a. C. («antes de Cristo») e d. C. (depois de Cristo»). Estas letras dividem a história entre os anos antes e depois de Jesus ter nascido. Mas, então, como é que ele poderia ter nascido no ano 4 a. C. (ou a.e.c.)? No século VI, um monge cítico, que vivia em Roma, chamado Dionísio Exíguo, introduziu um calendário litúrgico que contava os anos «a partir da encarnação» (nascimento de Jesus) e não de acordo com o sistema estabelecido pelo imperador romano Diacleciano, um pagão. No entanto, os conhecimentos de que Dionísio dispunha eram limitados. Não conseguiu fixar com exatidão nem a data da morte de Herodes (Mt 2), nem a do censo de Quirino (Lc 2), parecendo ter feito um cálculo baseado numa outra informação dada por Lucas: João Baptista, o precursor de Jesus, começou a pregar no décimo quinto ano do império de Tibério (Lc 3,1); Jesus tinha cerca de trinta anos quando começou a ensinar (Lc 3,23). O décimo quinto ano do império de Tibério foi (segundo o calendário atual) o ano 29 e.c.; ao atribuir o espaço de um ano à missão de João Baptista, Dionísio Exíguo concluiu que Jesus tinha iniciado o seu ministério no ano 30 e.c. Se Jesus tinha precisamente trinta anos naquela altura, então é porque nasceu no ano 1. Este deve ter sido o raciocínio que levou ao nosso calendário atual. 1 Os investigadores da atualidade consideram que a idade de Jesus, indicada em Lucas 3,23, constitui um número redondo e que tanto Lucas como Mateus, colocam o início da história no «tempo do reinado de Herodes» (Lc 1,5). Tal como já referi, esta parece ser a prova mais segura no que diz respeito à data de nascimento de Jesus. No entanto, o calendário baseado nos cálculos de Dionísio, nos quais o ano de morte de Herodes não desempenha qualquer papel, ganhou o apoio geral no século VI e nos séculos seguintes, pelo que, atualmente, os investigadores colocam o nascimento de Jesus alguns anos «antes de Cristo».

Jesus viveu com os seus pais, em Nazaré, uma aldeia da Galileia. O governador da Galileia durante praticamente todo o tempo da vida

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de Jesus (exceto nos primeiros anos, quando Herodes Magno ainda era vivo) era um dos herdeiros de Herodes Magno, Antipas. É muitíssimo provável que a atividade de ensinamento de Jesus, à exceção das últimas duas ou três semanas, tenha decorrido praticamente toda na Galileia de Antipas." Jesus não era um citadino. As grandes cidades na Galileia - Séforis, Tiberíades e Citopólis (Beth-Shean, em hebraico) - não aparecem nos relatos sobre a sua vida pública:" Ele conhecia, seguramente, a cidade de Séforis, que ficava apenas a alguns quilómetros de Nazaré; apesar disso, parece ter considerado que a sua missão se adequava mais aos judeus nas aldeias e nas pequenas cidades da Galileia. A própria Nazaré era uma aldeia bastante pequena. Situava-se numa região montanhosa, longe do mar da Galileia, mas Jesus ensinava principalmente nas aldeias e nas pequenas cidades junto ao mar. Alguns dos seus seguidores eram pescadores. Nos ensinamentos que lhe são atribuídos encontram-se, com bastante frequência, imagens da vida rural.



Jesus era ainda um jovem, provavelmente, perto dos trinta anos, quando João Baptista começou a pregar na Galileia ou nos arredores. Este anunciava a necessidade urgente de arrependimento face ao juízo que se aproximava. Jesus ouviu João e sentiu-se chamado a aceitar o seu batismo. Os quatros Evangelhos apontam todos estes acontecimentos como algo que mudou a vida de Jesus. Segundo a descrição de Marcos, Jesus «viu os céus abrirem-se e o Espírito descer sobre ele, como uma pomba; ele ouviu também uma voz que disse: «Tu és o meu Filho amado» (Mc 1,9-11).

Antipas prendeu João porque este (segundo os Evangelhos) criticava o seu matrimónio com Herodíade ou porque (segundo Josefo) receava que a pregação do Baptista levasse à insurreição - ou por causa de ambas as coisas. Jesus começou a sua vida pública mais ou menos por essa altura. Enquanto João tinha pregado fora das povoações, Jesus andava de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando,

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na maior parte das vezes, nas sinagogas, ao sábado. Reuniu à sua volta um pequeno número de pessoas para serem seus discípulos e eles acompanhavam-no nas suas viagens. Ao contrário de João, Jesus não só pregava como também curava os doentes. Ganhou fama e as pessoas insistiam em vê-lo. Depressa teve, também ele, de pregar ao ar livre, por causa das multidões.



Não sabemos quanto tempo durou este ministério itinerante, mas, ao que parece, deve ter sido apenas um ou talvez dois anos. Depois de pregar e curar na Galileia durante esse período de tempo, Jesus foi passar a Páscoa a Jerusalém com os seus discípulos e outros seguidores. Jerusalém era na Judeia, que, ao contrário da Galileia, era uma província romana. Jerusalém, em si, era governada pelo sumo sacerdote dos judeus, que estava subordinado a um prefeito romano. Jesus entrou de burro na cidade e algumas pessoas aclamaram-no como «filho de David»." Quando foi ao Templo, agrediu os cambistas e os vendedores de pombas. O sumo sacerdote e os seus conselheiros decidiram que Jesus era perigoso e que tinha de morrer. Depois da ceia pascal com os seus discípulos, Jesus afastou-se para rezar. Um dos seus discípulos traiu-o e os guardas do sumo sacerdote prenderam-no. Foi julgado num simulacro de processo e entregue ao prefeito romano com a recomendação de ser executado. Após um breve interrogatório, o prefeito ordenou a sua execução. Foi crucificado como agitador juntamente com outros dois.

Jesus morreu depois de um período de sofrimento relativamente curto. Alguns dos seus seguidores colocaram-no num túmulo. Segundo alguns relatos, quando voltaram, dois dias depois, para ungir o seu corpo, encontraram o túmulo vazio. Depois, os seus seguidores viram­ -no. Estas experiências da ressurreição convenceram-nos de que Jesus regressaria e que Deus tinha agido na vida e morte de Jesus para salvar a humanidade. Os discípulos começaram à. persuadir outras pessoas a acreditar em Jesus. Atribuíram-lhe vários títulos, incluindo «Ungido» («Messias, em hebraico, e «Cristo», em grego, «Senhor» e «Filho de Deus»). Estes títulos revelam que, à medida que o tempo foi passando, os discípulos de Jesus e os que estes converteram desenvolveram várias perspetivas acerca da relação de Jesus com Deus, bem

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como do seu significado no plano de Deus para Israel e para o mundo. O movimento deles acabou por se separar do judaísmo e tornou-se a Igreja cristã. No entanto, quando os Evangelhos foram escritos, a cristologia (explicação teológica da pessoa e da obra de Jesus) ainda estava numa fase embrionária e a separação entre o cristianismo e o judaísmo ainda não era completa.



Volto a dizer: cada frase deste esboço exige uma explicação e nós iremos investigar mais detalhadamente a maior parte destes pontos. Agora, temos de fazer um enquadramento, descrevendo a situação política e religiosa na Palestina daquela época e, depois, examinando as fontes das nossas informações sobre Jesus.

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3. Situação política

Quando Jesus nasceu, o Mediterrâneo oriental estava dominado por Roma. A sua execução foi ordenada por um administrador romano. No entanto, durante a maior parte da sua vida não esteve sujeito ao poder direto das autoridades romanas. Vamos examinar o ambiente político, no qual ele viveu e trabalhou, visto que temos de saber quem tinha poder sobre vários aspetos da vida nas diversas regiões da Palestina. No final dos anos vinte e no início dos anos trinta, havia uma tripartição do poder. Herodes Antipas era o tetrarca da Galileia e de Pereia, Pôncio Pilatos era o prefeito da Judeia e da Idumeia (que, naquela época, englobava três zonas geográficas (Samaria, Judeia e Idumeia) e José Caifás era o sumo sacerdote em Jerusalém. Esta divisão é mais fácil de compreender se começarmos com um breve resumo da história política que esteve na sua origem. Mas, primeiro, vou apresentar o homem a cujos escritos devemos a maior parte dos nossos conhecimentos sobre a Palestina na época de Jesus.

Josefo, filho de Matatias, nasceu no ano 37 e.c., pouco tempo depois da execução de Jesus, numa família aristocrática de sacerdotes. Josefo era um grande conhecedor da lei e da história bíblicas, tendo estudado, também pormenorizadamente, os partidos religiosos mais importantes


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