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da sua época (os essénios, os saduceus e os fariseus). Era promissor e ainda um jovem quando foi mandado a Roma para persuadir Nero a libertar alguns reféns judeus. Quando a revolta contra Roma eclodiu, em 66 e.c., foi-lhe entregue o comando da Galileia, apesar de ter apenas vinte e nove anos de idade. As suas tropas foram derrotadas, mas ele sobreviveu à derrota, graças à sorte e à habilidade. Teceu elogios ao general romano vitorioso, Vespasiano, vaticinando que ele haveria de se tornar imperador. Quando isso aconteceu, em 69, Josefo subiu na vida. O filho de Vespasiano, Tito, que ganhou a guerra contra os judeus, utilizou Josefo como intérprete e porta-voz para os judeus que defendiam Jerusalém. Depois da guerra, Tito levou Josefo consigo para Roma, onde lhe ofereceu casa e uma pensão. Josefo escreveu a história da guerra (Guerra judaica). Esta foi publicada nos anos setenta. Mais tarde, escreveu uma grande história dos judeus (Antiguidades Judaicas) que publicou nos anos noventa. Escreveu também uma defesa do Judaísmo contra os seus críticos (Contra Apion) e uma Vida apologética. Era um bom historiador, para os critérios da época, e dispunha de fontes exce lentes para algumas partes das suas narrativas históricas. As exposições históricas que se seguem baseiam-se, em grande medida, em Josefo, visto que ele constitui a nossa única fonte para grande parte delas.
Roma constituía o sucedâneo dos impérios anteriores: o persa, o de Alexandre Magno, e os vários impérios helenísticos que se seguiram a este." Apesar de os impérios terem surgido e desaparecido, os seus sistemas não se alteraram muito. Os povos subjugados pagavam tributo ao
imperador; em contrapartida, eram protegidos das invasões e era-lhes permitido viver em paz - se estivessem dispostos a fazê-lo. Por vezes, os estados subjugados eram governados por autoridades locais «independentes», outras vezes, por um governador do império, que recorria
às autoridades locais para a administração do dia-a-dia. Existem várias
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situações análogas na história moderna. Nos impérios coloniais do século XVIII e XIX, as potências colonizadoras nomeavam um governador e estacionavam tropas no país, mas utilizavam, em certa medida, nativos na administração e na polícia; estes serviam, por vezes, como intermediários entre o governo e a população." A União Soviética recorreu a uma forma alternativa de governo imperial depois da Segunda Guerra Mundial. Estabelecia governos «independentes» nos países da Europa Oriental e só intervinha com as suas próprias tropas quando havia uma insurreição grave ou uma ameaça efetiva ao seu poder hegemónico.
Entre o século VI e meados do século II a.e.c, os judeus da Palestina constituíam uma nação muito pequena no interior de um dos grandes impérios, um povo cujo território se limitava às montanhas da Judeia, sem qualquer acesso ao mar e fora das grandes rotas de comércio. Era governado pelo sumo sacerdote e o seu conselho, que deviam prestar contas ao governador do Império ou diretamente à capital do mesmo. Neste período de cerca de 400 anos, não existiram quaisquer conflitos substanciais entre a Judeia e o poder imperial. Os judeus viviam pacifi camente sob o governo dos monarcas persas e helenistas.
A partir do ano 175 a.e.c., com a subida de Antíoco IV Epifânio ao trono do império selêucida, a situação começou a alterar-se. Alguns dos sacerdotes aristocráticos em Jerusalém queriam adoptar um estilo de vida mais helenista, incluindo a introdução de um gymnasion, uma das principais instituições da civilização grega. O gymnasion educava rapazinhos e jovens e uma parte da educação consistia em exercícios físicos a nu. Isto tornou patente uma diferença fundamental entre a cultura helenista e a judaica: os judeus do sexo masculino eram circuncidados, em sinal da aliança feita entre Deus e Abraão (Gn 17), enquanto os
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gregos, que acreditavam numa mente sã em corpo são, abominavam a circuncisão como mutilação. Alguns judeus submeteram-se a uma operação para disfarçar a sua circuncisão (1 Mac, 1, 14 e segs.).
Estes passos extremos provocaram uma reação. Os judeus não se opunham a todas as formas de influência estrangeira. Assumiram numerosos aspetos da religião e da cultura persa durante o período deste império e, em 175, também já tinham aceite alguns aspetos do helenismo. Mas o gymnasion ia longe de mais, porque levava à remoção da circuncisão, o símbolo da aliança. Prescindimos de uma descrição pormenorizada dos acontecimentos que se seguiram. A resistência judaica levou à tomada de medidas coercivas por parte de Antíoco, para impor a helenização dos judeus. O Templo em Jerusalém foi profanado por sacrifícios pagãos, os judeus foram obrigados a fazer sacrifícios aos deuses pagãos e alguns judeus foram obrigados a comer
carne de porco, assim como a transgredir a Lei de outras maneiras. Isto levou, por sua vez, a uma revolta liderada pelos Asmoneus, uma família de sacerdotes, também conhecidos pelo nome de «Macabeus», por causa de uma alcunha dada a um dos irmãos que liderou a insurreição. O movimento dos Asmoneus acabou por ser bem sucedido, tendo contado, para tanto, com a grande ajuda das guerras de sucessão no império selêucida, após a morte de Antíoco IV.
Os Asmoneus fundaram uma nova dinastia. Governavam a Palestina judaica como sumos sacerdotes e acabaram por assumir o título real. O Estado judaico totalmente independente durou cerca de 100 anos, tempo durante o qual os reis sacerdotais Asmoneus aumentaram consideravelmente o seu território, até este acabar por ter aproximadamente a mesma dimensão do reino de David. Os conflitos internos entre dois irmãos da família dos Asmoneus, Hircano II e Aristóbulo II, puseram fim à independência judaica. Durante a sua luta pelo poder, ambos apelaram à ajuda do general romano Pompeu. Ele respondeu, conquistando Jerusalém e separando uma parte do território recém-conquistado (63 a.e.c.). Nomeou Hircano II sumo sacerdote e «etnarca» («regente da nação», um grau inferior ao de rei); além disso, empossou um idumeu, chamado Antipatro, como uma espécie de governador militar. Em seguida, Antipatro nomeou dois dos seus
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filhos, Fasael e Herodes (que seria conhecido, mais tarde, por Herodes Magno) para governadores da Judeia e da Galileia, respetivamente.
A invasão de Pompeu alterou a posição do governo judaico. Este deixou de ser completamente independente para passar a ser semi-independente. Hircano II tornou-se soberano vassalo. Pagava tributo a Roma e era obrigado a apoiar a política e as ações militares dos romanos no Mediterrâneo oriental. Em contrapartida, gozava de autonomia no seu território; Roma assumiu a obrigação tácita de o proteger e de o manter na sua posição. Aristóbulo II não estava satisfeito com este regime. Ele e o seu filho Antígono revoltaram-se. Aristóbulo foi assassinado por amigos de Pompeu, mas o seu filho prosseguiu a luta, aliando-se aos Partos, a principal ameaça militar contra Roma naquela época. No ano 40 a.e.c., os Partos esmagaram o Médio Oriente, prenderam Hircano II e Fasael e empossaram Antígono como rei e sumo sacerdote. Herodes fugiu e conseguiu chegar a Roma. Foi nomeado rei da Judeia pelo Senado romano, com o apoio de Marco António e de Octaviano (que viria a ser chamado Augusto); além disso, recebeu o apoio das tropas romanas para reclamar o seu direito ao trono.
Herodes foi escolhido porque era forte, um soldado excelente e leal a Roma; no entanto, a sua nomeação também estava em consonância com a política do Império Romano. Herodes tinha sido um apoiante de Hircano lI, a primeira escolha de Roma. Ao nomearem Herodes e ao apoiarem-no militarmente, os romanos apoiavam o seu protegido, opondo-se ao partido de Aristóbulo II e Antígono, que se aliou, ele próprio, ao adversário de Roma. Herodes venceu a guerra civil com a ajuda das tropas romanas. O rei vitorioso mandou Antígono a Marco António, que o mandou executar. No ano 37, Herodes restabeleceu a Palestina judaica como «estado independente» - melhor, como um reino vassalo semi-independente.
A ênfase que coloquei na relativa independência da Palestina judaica deve-se ao facto de os investigadores do Novo Testamento, em particular, pensarem que Roma «dominava» ou «ocupava» a Palestina no tempo de Jesus, com soldados romanos em cada esquina. A situação variou de época para época e de local para local (como veremos), mas, em geral, Roma governava à distância, contentando-se com a cobrança do tributo e com a preservação de fronteiras estáveis,
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a maior parte das vezes, mesmo a execução destas tarefas era deixada aos governadores e líderes locais leais a Roma.
Herodes e a sua família eram idumeus, originários de uma região no sul da Judeia, que tinha sido conquistada pelos judeus com a força das armas durante o tempo dos Asmoneus. Muitos judeus consideravam-no só meio-judeu e tinham uma atitude de ressentimento em relação ao seu governo. Além disso, ele tinha suplantado a família dos Asmoneus, que, embora estivesse parcialmente desacreditada devido a conflitos internos, continuava a contar com a fidelidade de uma grande parte da população. Herodes casou com Mariamne, uma princesa Asmoneia, mas sabia que isto não era suficiente para ser amado pelo povo. Receava uma revolta e, ao longo dos anos, foi eliminando os membros que restavam da família dos Asmoneus, incluindo Mariamne e os dois filhos que teve dela.
Depois de ter conquistado a Palestina, dominou-a com mão forte, até à sua morte, 33 anos depois. As tropas romanas, que o tinham ajudado na conquista, retiraram-se para outras regiões e Herodes era senhor absoluto na sua própria casa. É claro que não podia agir contra os inte resses romanos: Augusto tinha a última palavra nas questões decisivas; mas, nas restantes, Herodes governava o seu reino como lhe apetecia. Lançou-se em grandes projetos de construção que empregaram dezenas de milhares de trabalhadores, promoveu o negócio e aumentou a prosperidade das terras reais. Esmagou impiedosamente qualquer oposição, nem que fossem protestos mínimos. No fim da sua vida mandou executar três dos seus filhos por ter suspeitado que eles eram traidores. Augusto, que aprovou o julgamento dos primeiros dois filhos, comentou que preferia ser o porco de Herodes do que o seu filho", Herodes seguia a Lei judaica com bastante rigor e não comia carne de porco.
Tudo somado, Herodes era um bom rei. Não quero com isto dizer que lhe devêssemos conceder a nossa aprovação moral, mas que as suas fraquezas, para os critérios daquele tempo, não eram demasiado graves, sendo, em parte, compensadas por qualidades mais positivas.
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Os ideais que motivam as democracias modernas ainda não tinham surgido. Em comparação com Augusto, um dos seus patronos, Herodes era desnecessariamente cruel e de visões curtas. No entanto, se o compararmos com os quatro imperadores romanos que se seguiram a Augusto (Tibério, Calígula, Cláudio e Nero), ele parece quase benévolo e misericordioso e era mais eficaz como governador. O que o distingue como um bom rei é o facto de ter aumentado a importância da Palestina no mundo, de ter prosseguido a política do seu pai no sentido da obtenção de benefícios para os judeus fora da Palestina, de não ter permitido que estalasse a guerra civil, que tinha deteriorado a situação no tempo dos Asmoneus e que haveria de se reacender na insurreição contra Roma e de, mais importante ainda, ter mantido os cidadãos judeus à distância dos soldados romanos. Enquanto a Palestina judaica fosse estável e forte, Roma deixava-a em paz.
Quando Herodes morreu, no ano 4 a.e.c., Augusto analisou os testamentos que ele tinha deixado (eram dois) e decidiu dividir o reino entre três filhos. Arquelau recebeu o título de «etnarca» e foi nomeado governador da Judeia, Samaria e Idumeia. Antipas e Filipe foram nomeados «tetrarcas», «governadores de um quarto»; Antipas herdou a Galileia e a Pereia, enquanto Filipe recebeu as regiões mais remotas do reino de Herodes. Antipas revelou-se um vassalo fiel e governou a Galileia durante quarenta e três anos, até 39 e.c. Arquelau teve menos sorte; os seus súbditos protestaram contra algumas das suas medidas e Roma deu-lhes razão, destituindo-o e exilando-o (6 e.c.). Augusto nomeou, então, um funcionário romano para governar a Judeia, a Samaria e a Idumeia.
Herodes fundou uma pequena dinastia e, ao que parece, os seus sucessores assumiram - ou, melhor, foi-lhes atribuído - o seu próprio nome. Tal como os sucessores de Júlio César se chamaram «César», os sucessores de Herodes receberam o nome de «Herodes». Em consequência disto, no Novo Testamento, há várias pessoas chamadas Herodes. A nota identifica os vários «Herodes» do Novo Testamento. Designarei sempre os filhos e os netos de Herodes pelos seus nomes próprios.
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O governo da Galileia no tempo de Jesus
Na Galileia do tempo de Jesus (entre 4 a.e.c. e 30 e.c., aproximadamente), a situação política era a mesma que tinha existido antes da morte de Herodes. Antipas governava a Galileia como o seu pai tinha governado um estado muito maior e governava-a nos mesmos termos e condições: pagava tributo, colaborava com Roma e mantinha a ordem pública. Em contrapartida, Roma protegia-o de invasões, não através do estacionamento de tropas no país ou nas fronteiras, mas pela ameaça implícita de retaliação contra os invasores. Antipas podia fazer o que quisesse no seu território, desde que os requisitos básicos fossem cumpridos. Por exemplo, cunhava as suas próprias moedas - um dos principais sinais de «independência». Tal como o seu pai, também Antipas era bastante cumpridor da Lei judaica. Mandou decorar o seu palácio com figuras de animais, o que muitos judeus consideravam uma transgressão ao mandamento que proibia os ídolos. Provavelmente, ele era de opinião que o seu palácio era um assunto da sua conta. No entanto, as suas moedas só tinham símbolos agrícolas, o que os judeus consideravam aceitável. Não existem indicações em nenhuma fonte de que ele tivesse tentado impor à população judaica costumes e instituições greco-romanas. As instituições nas cidades rurais e nas aldeias da Galileia eram completamente judaicas. É possível concluir dos Evangelhos que existiam sinagogas em todas as pequenas cidades e aldeias. As escolas eram judaicas e eram juízes judeus que julgavam os casos segundo a Lei judaica.
Se Herodes foi um bom rei, em geral, Antipas foi um bom tetrarca. Correspondeu às exigências mais importantes de uma governação bem sucedida. Da perspetiva romana, isto significava que
pagava tributo, não permitia perturbações à ordem e defendia as
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suas fronteiras (referir-nos-emos mais adiante a uma exceção a este último ponto). Assim, Roma não precisava de intervir na Galileia e Antipas impedia que os cidadãos judaicos e os soldados romanos entrassem em conflito.
Josefo não regista nenhum caso no qual Antipas tivesse sido obrigado a recorrer à força para reprimir um levantamento. O facto de a população judia tolerar bastante bem o seu governante revela, provavelmente, duas coisas. Por um lado, que Antipas desprezava publicamente a Lei judaica. No entanto, o único exemplo de uma infração semipública da Lei, a decoração do seu palácio, teve repercussões anos depois da destituição de Antipas. Durante a insurreição contra Roma, a turba judia destruiu o palácio por causa da sua decoração. Podemos concluir daqui que muitos dos súbditos de Antipas o desaprovavam enquanto estava no poder e pensavam que ele não era um judeu suficientemente devoto, mas não se insurgiram contra ele. O facto de não ter existido qualquer insurreição também revela que Antipas não era excessivamente repressivo e que não cobrava impostos excessivamente altos (isto é, que estes não eram exorbitantes para os critérios da época). Além disso, Antipas, tal como o seu pai, empreendeu grandes projetos de construção que contribuíram para reduzir o desemprego. Os galileus no tempo de Jesus não tinham a sensação de que as coisas que lhes eram queridas estivessem seriamente ameaçadas: a sua religião, as suas tradições populares e a sua subsistência.
Governantes como os herodianos tinham de pensar sobre a melhor forma de manter a ordem pública. Não precisavam de procurar a popularidade, embora alguns o tenham feito. O que era necessário era que avaliassem com prudência o que a população suportaria. Por exemplo, queriam cobrar tantos impostos quanto possível, mas não queriam uma revolta por causa dos impostos. Todos os governantes da Antiguidade sabiam que, quando surgia um conflito público, umas vezes, deviam acalmar a população e, outras, discipliná-la. Arquelau não conseguiu encontrar o equilíbrio entre ambas as coisas na Judeia. O tetrarca da Galileia teve um reinado pacífico e longo, em parte, porque a Galileia era menos difícil de governar e, por outra parte, porque era mais prudente do que Arquelau.
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Antipas cometeu, no entanto, um grande erro. Como a história envolve João Baptista, que batizou Jesus, e ilustra Antipas como um governante-vassalo «independente», vamos analisá-la. Antipas apaixonou-se por Herodíade, a sua meia-sobrinha que já era casada com um outro tio seu, um dos meios-irmãos de Antipas. (Os herodianos casavam frequentemente entre si. Herodes tinha dez mulheres, pelo que tinha muitos filhos, que tinham imensas possibilidades de estabelecer relações de meios-irmãos. O casamento entre tio e sobrinha é permitido na Bíblia hebraica.) Para poder fazer de Herodíade a sua nova esposa, Antipas planeava repudiar a sua esposa anterior. Ela fugiu para casa do seu pai, um rei árabe de nome Aretas. Este ficou furioso e invadiu o território de Antipas, causando-lhe uma pesada derrota, antes de se retirar novamente. Aretas não se confrontou com tropas romanas, mas sim com o exército pessoal de Antipas, Roma recorreu, mais tarde, às suas tropas estacionadas na Síria para retaliar o ataque contra o seu vassalo. Tanto o Novo Testamento como Josefo associam estes acontecimentos a João Baptista. De acordo com o Evangelho de Marcos 6, 17-'29, João tinha criticado Antipas publicamente por este ter casado com a mulher do seu irmão, o que levou à sua execução. Segundo Josefo, Antipas receava que João, que tinha muitos seguidores, incitasse uma revolta, pelo que mandou executá-lo. Eram muitos aqueles que consideravam que João era um profeta e a população viu na derrota que Antipas sofreu, na batalha contra Aretas, o castigo de Deus pelo facto de o tetrarca ter mandado executar João Baptista.!
Por volta do ano 39 e.c., anos depois da morte de Jesus, a ambição de Herodíade provocou a queda de Antipas. Não estava satisfeita com a posição de tetrarca ocupada por Antipas e queria que ele obtivesse o título de rei. Antipas foi a Roma para exigir esta promoção. Mas havia acusações contra ele. Foi considerado culpado de armazenar armamento e foi deposto. Foi para o exílio, juntamente com Herodíade.
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A Judeia no tempo de Jesus
A Judeia - unidade política composta naquela época por três regiões geográficas, a Samaria, a Judeia (incluindo Jerusalém) e a Idumeia - passou por uma história completamente diferente no tempo de Jesus. Arquelau teve sérias dificuldades com o povo por causa de algumas atitudes que o seu pai, Herodes, tomou no fim da sua vida (este mandou executar dois mestres que eram muito estimados e nomeou um sumo sacerdote impopular). Arquelau não tratou do assunto de forma hábil. É possível que as suas tentativas de apaziguar a multidão tenham sido desadequadas e que os seus esforços para reprimir a insatisfação não tenham sido suficientemente severos. Seja como for, os protestos públicos acabaram por levar os romanos a demiti-lo. É necessário dizer, para lhe fazer justiça, que esta parte da Palestina era mais difícil de governar do que o território de Antipas, uma vez que incluía Jerusalém e Samaria. Os judeus reagiam com muita sensibilidade ao que acontecia em Jerusalém; além disso, as grandes concentrações que ali ocorriam por ocasião das festas religiosas criavam condições favoráveis à eclosão fácil de distúrbios. Havia uma grande hostilidade entre os judeus e os samaritanos, o que também provocava conflitos.
Quando Augusto decidiu que Arquelau não era um vassalo satisfatório como governador da Judeia, em vez de entregar o país a outro membro da família de Herodes preferiu nomear um procurador (6 e.c.). A administração foi entregue a um funcionário romano da cavalaria, que correspondia a uma espécie de aristocracia inferior, abaixo das ordens dos cônsules e dos pretorianos.!" Uma epígrafe encontrada há pouco permite concluir que, no período entre 6 e 41 e.c., este oficial era um «prefeito», enquanto, de 44 a 66, tinha o título de «procuradora.»
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o prefeito (existente no tempo de Jesus) vivia em Cesareia, na costa do Mediterrâneo, num dos luxuosos palácios que Herodes Magno tinha mandado construir. O prefeito dispunha de tropas com cerca de 3000 homens, o que não era suficiente para resolver problemas graves. Havia uma pequena guarnição romana na fortaleza Antónia, em Jerusalém, bem como em outros fortes da Judeia, mas Roma não governava a Judeia no dia-a-dia. As cidades e as aldeias eram governadas, como sempre o tinham sido, por um pequeno grupo de anciãos, entre os quais um ou vários serviam de magistrados. Quando havia dificuldades que poderiam levar ao derramamento de sangue, os cidadãos mais importantes mandavam uma mensagem ao prefeito. Os distúrbios mais significativos exigiam a intervenção do legado da Síria, que era superior ao prefeito da Judeia e dispunha de grandes contingentes militares (quatro legiões, num total de, aproximadamente, 20000 homens da infantaria e de uma cavalaria de 5000 homens).
Durante as festas mais importantes, o prefeito romano vinha para Jerusalém e o contingente de tropas era reforçado para garantir que as multidões não se descontrolassem. As reuniões públicas, em geral, eram vigiadas cuidadosamente em todo o mundo antigo e as festas em Jerusalém eram conhecidas por serem perigosas: durante os 150 anos anteriores à morte de Jesus, temos conhecimento de, pelo menos, quatro grandes levantamentos iniciados durante uma festa - e isto apesar de os governadores judeus e romanos estarem preparados para enfrentar os problemas que surgissem e de terem concentrado forças nos arredores.
Só o prefeito tinha o direito de condenar alguém à morte - com uma exceção: Roma permitia aos sacerdotes afixar avisos em grego e latim no Templo proibindo aos prosélitos a entrada num determinado sector do Templo. Quem infringisse essa proibição, mesmo que fosse um cidadão romano, era executado imediatamente, sem que o culpado fosse enviado ao prefeito. Excetuando este caso, o direito do prefeito
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a condenar à morte não só era exclusivo como também era absoluto; ele podia mandar executar até um cidadão romano, sem precisar de formular uma acusação que fosse apresentada perante um tribunal romano. Neste posto avançado do Império, um prefeito tinha de ser capaz de fazer tudo quanto considerasse necessário para defender os interesses de Roma e isto incluía o poder para disciplinar o exército. Se tinha o direito de executar um oficial romano sem um julgamento
romano regular, então podia tratar os habitantes do país submetido mais ou menos como lhe apetecesse. A maioria dos prefeitos eram pessoas sensatas e não condenavam à morte de forma arbitrária. Mas, se um prefeito fosse extraordinariamente cruel, os súbditos não tinham grandes meios para se defenderem. Podiam reunir-se em massa e persuadir os seus líderes a tentar que o prefeito fosse mais benevolente. Se os seus líderes os apoiassem, podiam apresentar uma petição ao legado na Síria e este talvez interviesse. O legado da Síria podia, por exemplo, mandar o prefeito da Palestina a Roma para responder ali pelos seus atos. Por fim, a população do país submetido podia ser autorizada a mandar uma delegação diretamente a Roma. Para tal era provável que precisassem da autorização do legado e este podia proteger-se a si próprio fazendo reféns, para não se tornar o alvo da delegação.!? Nem Augusto nem o seu sucessor Tibério estavam interessados num levantamento ou numa insurreição. Por isso, Roma, às vezes, respondia positivamente a essas petições. No período sobre o qual nos debruçamos aqui, Roma destituiu dois governantes nativos (Arquelau e Antipas), bem como dois funcionários romanos, um dos quais era Pilatos.
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