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O Ancião recostou-se e pensou no passado, nas dificulda­des de vida, nos poucos, pouquíssimos prazeres e nos muitos, numerosíssimos sofrimentos. Vida dura, sim, pensou. Mas, gra­ças a Deus, era a última volta da roda, a última estada na terra. E agora, matutou, praticamente fiz tudo que havia no sótão e até mesmo joguei fora o lixo.

— Não, ainda não — disse uma voz muito conhecida e muito querida. — A tarefa não terminou ainda. Você fez mais do que devia, mas... a tarefa não está ainda terminada.

O Ancião voltou-se sobre um dos lados e, à direita, muito perto, viu a figura superastral do Lama Mingyar Dondup, sorrindo com uma brilhante radiação dourada.



  • O senhor me deu um susto — disse o Ancião — e gostaria que apagasse as suas luzes agora. Elas me lembram de quando estive na Inglaterra, em Londres.

  • Oh, o que foi? — perguntou o Lama Myngyar Don­dup. — Algo que eu não saiba?

  • Forçosamente, sim — respondeu o Ancião. — Deixe que eu lhe conte. Eu me encontrava num edifício em South Kensington muito tarde da noite, pensando no escuro, ape­nas pensando em coisas, meditando e, por algum motivo, não corri a cortina. Inesperadamente, ouvi uma violenta batida na porta do térreo. Com o susto, recuperei a consciência e desci para verificar qual a causa da agitação. Encontrei dois musculosos policiais londrinos.

  • Senhor — disse o primeiro, um sargento, pelas divi­sas — o que está fazendo neste edifício?

  • Fazendo? — perguntei. — Acho que não estava fa­zendo coisa alguma. Estava simplesmente sentado, para dizer a verdade.

  • Bem — respondeu o sargento — fomos chamados aqui com toda urgência porque o senhor emitia luzes muito brilhantes pela janela.

  • Oh — repliquei — tenho certeza que não, mas, se estivesse, seria isso crime?

O sargento olhou para o subordinado e, encolhendo os ombros, disse:

— Bem, poderia ser. O senhor poderia estar enviando si­nais a uma quadrilha, dizendo que o caminho está livre ou qual­quer outra coisa. — E tomou uma decisão. — Eu quero dar uma busca neste lugar.

Perguntei:


  • Tem um mandado?

  • Não — respondeu — mas se não conceder permissão para dar a busca, deixarei o guarda aqui vigiando-o enquanto saio para conseguir o necessário mandato.

Encolhi os ombros e respondi:

— Muito bem, façam o que quiserem.

E assim os dois policiais andaram pela casa, examinaram cada coisa e, mais extraordinário de tudo, puxaram as gavetas de minha escrivaninha e lhe examinaram o interior. Não tenho idéia do que pensavam encontrar ali. Mas, de qualquer modo, após três quartos de hora, pareceram convencidos e no momen­to em que saíam, o sargento disse:

— Não faça isso novamente, senhor, por favor. Dá mui­to trabalho. — E foram embora.

O Lama Mingyar Dondup riu.

— Tudo que você faz, Lobsang — disse — parece atrair a atenção errada. Não posso lembrar-me de outra pessoa que fosse quase presa por mostrar a aura enquanto medita.

O Ancião, parecendo um tanto triste, respondeu:

— Então, o senhor pensa que minha tarefa não termi­nou ainda, hem? Desta vez o que foi que eu deixei de fazer?

Replicou o Lama Mingyar Dondup:


  • Você fez tudo. Não é uma questão do que deixou incompleto. Você fez mais, muito mais do que veio aqui fazer, mas acontece que, em virtude do fracasso de outros, há mais.

  • O quê? — perguntou o Ancião.

O Lama Mingyar Dondup olhou para baixo e tentou su­primir um sorriso ao dizer:

— Talvez outro livro, para formar uma dúzia. Teremos de pensar a esse respeito. Seria, sem dúvida alguma, aprecia­do. Mas há outra pequena tarefa a ser feita, algo ligado com uma invenção que talvez ainda exploda sobre um mundo sur­preso.

Durante algum tempo, o Ancião e o Lama Mingyar Don­dup discutiram o assunto, mas este não é o lugar para revelar o que foi dito. O Ancião, quase moribundo, com as contas médicas subindo sem parar, além de outras despesas vitais, per­guntou-se como poderia resistir, mesmo por mais alguns me­ses. Finalmente, o superastral do Lama Mingyar Dondup des­vaneceu-se e a luz minguante do dia envolveu-o novamente.

Tempo. Que coisa estranha é o tempo artificial. Pode-se viajar daqui para o mundo astral e voltar num pestanejar de olhos. E, no entanto, aqui na terra, a pessoa vive presa ao re­lógio e ao movimento do sol, que o controla. Aqui em Nova Brunswick, o sol estava morrendo. A alguns milhares de quilômetros de distância, Valeria Sorock, aquele paradigma de lealdade e correção, provavelmente estaria saindo do escritório e, também provavelmente, pensando no chá. Sim, com toda certeza, pensou o Ancião, Valeria estaria pensando no chá, porque uma de suas fraquezas era que ela pensava demais em aumentos. "Tenho que falar-lhe a respeito da dieta", pensou o Ancião.

Na outra direção, as Sras. Worstmanns estariam, com toda probabilidade, escutando rádio em casa em fins da noite, talvez muito tarde, talvez estudando, e talvez uma delas estivesse pres­tes a entrar de serviço no turno da noite.

No aposento do Ancião, Taddy e Cleo, as duas senhori­tas, empenhavam-se na diversão vespertina, correndo atrás do brinquedo favorito, este era um belo e macio cinto de um rou­pão. O Ancião pensou em Taddy e Cleo, que desde que haviam nascido receberam o tratamento de crianças, que tudo fora feito para que sentissem que eram entidades tão importantes como seres humanos. A tarefa produzira os melhores frutos, pois, de fato, as duas eram pessoas reais. De meia-noite até o meio-dia, o nome da Srta. Cleo era mencionado em primeiro lugar e, de meio-dia até meia-noite, o da Srta. Taddy. Assim, tinham certeza de tratamento absolutamente igual, sem o me­nor traço de favoritismo.

A Srta. Taddy, volumosa, gorda, de aparência satisfeita, adora agachar-se por trás de uma das almofadas de coçar, en­quanto a extremamente bela, esguia e graciosa Srta. Cleo salta para cima e para baixo e faz ginásticas felinas totalmente in­críveis.

A noite, porém, adensava-se. O ar esfriava e havia ainda uma sugestão de geada no ar. No lado de fora, caía o termô­metro e as pessoas na rua andavam bem agasalhadas.

O Ancião esperara ansiosamente por esse dia, o dia em que terminaria o undécimo livro e poderia afastar todos os pensamentos e dizer: "Nunca mais, acabou, nada mais a escrever, o meu tempo na terra está quase no fim." Mas agora, com a visita do superastral do Lama Mingyar Dondup... Bem, pensou o velho, não é verdade que a tarefa nunca termina, que a pessoa é levada pela estrada como um carro raquítico até fi­nalmente cair aos pedaços? Eu estou praticamente em peda­ços agora, pensou. Mas é assim, o que tem que ser, será, e quando uma tarefa precisa ser completada, não o será até que haja alguém para terminá-la. Assim, pensou o Ancião, preciso esforçar-me para durar um pouco mais e, quanto a escrever outro livro, quem sabe? Talvez valha a pena elevar o número em inglês para doze. "Eu gostaria de dizer a todas as pessoas em todo o mundo", pensou, "que estes livros são autênticos, que tudo aqui relatado é autêntico, e isto é uma declaração categórica!"

Assim, chegamos ao fim do que não é, afinal de contas, um dia perfeito, porque a tarefa não foi terminada, resta ven­cer a batalha final, há mais a fazer e pouco tempo e pouca saúde para fazê-lo. Posso apenas tentar.

Aqui e agora, permitam-me manifestar meus agradecimen­tos mais sinceros à Sra. Sheelagh Rouse, conhecida como Buttercup, pelo imenso cuidado e trabalho com que datilografou meus livros, cuidado e trabalho que aprecio talvez mais do que ela pensa.

Permitam-me, ainda, agradecer a Ra'ab pelo cuidado ex­tremo e exatidão com que ela conferiu cada palavra e fez su­gestões realmente valiosas. Ela ajudou-me em minha tarefa.



E por fim, embora não em último lugar, deixem-me agra­decer à Srta. Tadalinka e à Srta. Cleópatra Rampa pelo estímu­lo e divertimento que me proporcionaram. Estas duas queri­das pessoazinhas fizeram com que valesse a pena continuar um pouco mais, pois nunca em seus quatro anos de vida mostraram qualquer despeito, o menor mau humor, a mais leve irritação. Se os seres humanos fossem tão equânimes e de na­tureza tão doce como as duas, não haveria problemas nem guerras na terra. Haveria, realmente, a Idade de Ouro pela qual o mundo terá ainda que esperar.

E, por último, chegamos neste livro ao momento em que podemos dizer: "Fim".
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