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QUARENTA E CINCO
ABERDEEN, WASHINGTON, DOMINGO, 26 DE MARÇO, 8H55 PST
— No final das contas somos um ótimo time, Mags — dissera Liz quan­do encerraram o telefonema de uma hora de duração no meio da ma­drugada dublinense.

  • Mesmo que você tenha dito que eu estou desperdiçando a mi­nha vida por não ter marido e filhos.

  • Eu não disse isso. — Houve uma pausa. — Disse? Culpe a falta de sono.

A senha funcionara imediatamente. Não foi necessária qualquer variação, apenas o nome do presidente. Assim que digitou as le­tras, a imagem no site victorforbes.gov subitamente pareceu trans­formar-se em um quadrado cinza escuro, quase preto. A princípio Liz temeu não ter seguido o protocolo programado por Forbes, ou que tivesse acionado um alarme que impedia o acesso de invasores. Mas logo consultou um site sobre esteganografia e descobriu que o escurecimento da imagem era um truque recorrente. Ela só precisou aumentar o brilho da tela de Maggie — uma ação tão simples que até mesmo a irmã entendeu — para que uma nova imagem fosse revelada.

Apesar de não ser, na verdade, uma imagem. Apenas seis números grandes no centro da tela, separados por duas barras.

Uma data, no formato americano. Mês, barra, dia, barra, ano.

Com um pouco mais de investigação, Liz descobriu que Forbes havia acrescentado mais um recurso ao site aparentemente abando­nado. Ele estava programado com um tipo de temporizador: se não fosse acessada por três dias, a página emergiria lentamente do Freenet, despindo-se das restrições da darkweb, para a internet comum.



  • Por que três dias? — perguntara Maggie. — Por que não ime­diatamente?

  • Porque três dias significa que você está mesmo morto. Pode-se ter um infarto e ficar longe do computador por 48 horas, mas isso não quer dizer que se esteja morto. Três dias é um intervalo de tempo mais contundente.

Na verdade, quatro dias tinham se passado desde a descoberta do corpo de Forbes, então o algoritmo sensível ao tempo já estava em ação: o código subjacente do site havia mudado de tal forma que ele logo apareceria em buscas realizadas não apenas por usuários do Free­net, mas por qualquer um que digitasse o nome Victor Forbes no Goo­gle. Neste ponto, explicou Liz, a imagem codificada também passaria a revelar seus segredos. Hora a hora, os pixels do autorretrato de Forbes seriam alterados, de modo que a imagem oculta, a data, afloraria mes­mo que ninguém soubesse que estava ali.

  • Sujeito esperto, o seu Victor Forbes.

  • Ele não é meu.

  • Enfim. Mas ele encontrou uma forma de garantir que, se al­guém o apagasse, esse segredinho emergiria do leito marinho para a superfície.

Maggie sorriu.

  • Você tem certeza de que não quer voltar a escrever, Liz?

  • Você está dizendo que a minha escolha de ser mãe em tempo integral não é válida?

Por um segundo, Maggie temeu que a irmã estivesse prestes a de­sencadear outra discussão eterna. Então Liz riu, disse que Calum esta­va se mexendo na cama e desligou.

Maggie ficou parada, olhando para a tela. A data era 15 de março, há pouco mais de 25 anos atrás, quando tanto Robert Jackson quanto Stephen Baker deveriam estar terminando a faculdade. De repente, ela teve certeza de que qualquer que fosse a mensagem que Forbes desejava mandar do túmulo, devia estar relacionada ao passado em comum daqueles dois jovens que passaram de amigos a inimigos mortais.

Precisava pesquisar mais, e rápido. Mas por onde começar? Jor­nais locais da época... Os dedos disparavam pelo teclado quando ela digitou "Aberdeen Public Library" na ferramenta de busca. Para o seu grande alívio, o site a informou que, devido a uma "iniciativa de envol­vimento com a comunidade", a biblioteca passou a funcionar também nas manhãs de domingo. E mais, que mantinha os arquivos do The Daily World, o jornal de nome grandioso de Aberdeen, sem dúvida cria­do numa época em que as cidadezinhas do Oeste americano realmente acreditavam não haver limite para o seu potencial.

Ela tomou um banho, sentindo dores por todo o corpo com o esfor­ço, então arrumou as malas e pediu para mudar de quarto, solicitando que alguém levasse a bagagem para o novo aposento mais tarde e a informasse do novo número quando retornasse. Esse era um truque usado por israelenses e palestinos durante negociações secretas. Se es­tiver sob vigilância, não facilite a vida de quem o vigia. Se for um alvo, ao menos seja um em movimento.

As 10h ela estava em frente à bela entrada abobadada da bibliote­ca pública na East Market Street, como os consumidores nas lojas du­rante as liquidações de janeiro: esperando pela abertura das portas. Assim que a porta foi destrancada, ela seguiu direto para o arquivo de jornais.


  • Infelizmente não mantemos mais exemplares físicos — explicou o bibliotecário. Trinta e poucos anos, acima do peso, "s" sibilante. — Eles estão armazenados em microfichas.

  • Microfichas? Não imaginava que ainda existissem.

O homem encarou Maggie com um olhar grave que transmitia tan­to ressentimento pela condescendência da Costa Leste quanto desdém pela ignorância em relação aos métodos de arquivamento.

  • Você precisa que eu mostre como usar a leitora — agora ele se permitiu um sorriso irônico —, ou talvez ainda se lembre delas dos tempos da faculdade? Devia ser tudo microfilmado naquela época, certo?

Engolindo uma resposta desaforada, Maggie sorriu serenamente e pediu uma demonstração, explicando que precisava consultar as edi­ções de dois ou três dias de um ano específico: 15,16 e 17 de março. O bibliotecário arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada. Ele a le­vou até uma sala no segundo andar, vazia e funcional, e reapareceu 15 minutos depois com caixas pequenas que a fizeram lembrar os velhos filmes de 16mm do pai, os rolos guardados em latas. O bibliotecário carregou o primeiro rolo na máquina e saiu da sala.

Maggie ajustou-se ao design dos jornais de outra geração e passou a vasculhar a primeira página em busca de algo relevante. Uma man­chete sobre uma crise orçamentária na capital do estado, Olympia; a demissão de um funcionário do conselho escolar local. Nas páginas internas, acidentes de carro, um jogador de basquete do ensino médio que ganhara uma bolsa de estudos na Duke University e uma coluna de receitas.

Ela não desanimou. A lógica ditava que o jornal de 15 de março podia ser inútil. O que quer que tivesse acontecido naquele dia podia ter sido reportado apenas no dia seguinte ou no próximo. Ela passou para a edição do dia 16 e concentrou-se na capa, na imagem em preto e branco que tremia na tela grande. A reportagem de capa desta vez fazia referência a uma declaração do governador, algo sobre subsídios agrícolas. Havia uma matéria com a resposta de um sindicalista e outra prevendo lucros robustos para a atividade madeireira. Passou para a segunda página.

Agora ela lia mais lentamente, linha a linha, em busca das palavras Forbes, Jackson ou Baker. Olhava cada fotografia, e quase deu um salto quando leu uma manchete na página quatro, "Destinados à grande­za", acima de um grupo de jovens sorridentes. Tinham a idade certa: estudantes da Washington State prontos para embarcar numa viagem para algo inédito na época: cursar o primeiro ano da universidade no exterior. Havia um Locke, um Chan, um Rosenbaum e um Massey. Ne­nhum Baker ou Jackson à vista.

Ela passou para a página seguinte: seis. Nada também. Basicamen­te anúncios na sete, cartas dos leitores na oito, mais anúncios na nove e então uma coluna de conselhos, dicas financeiras e, por fim, esportes. Maggie sentiu uma onda de desânimo e a volta da dor latejante nas costelas. A busca na edição de 17 de março também terminou de forma infrutífera.

Ela voltou o filme, lendo tudo de novo, agora ainda mais lenta­mente. Ainda nada. Então fez o mesmo com. a edição de 16 de março. Primeira página, notícias: nada. Dois, preenchida por um anúncio com cupons para recorte do supermercado Safeway e uma matéria sobre o mercado de carros usados. Três, uma continuação da notícia da véspera sobre as negociações orçamentárias em Olympia e uma tentativa pouco entusiasmada de notícias internacionais com três matérias breves, in­cluindo uma sobre a morte de um soldado em Belfast.

Quatro, a fotografia dos jovens de Washington a caminho da Euro­pa. Ela olhou os rostos. Forbes seria um deles, sob um terceiro nome? Baker estava ali? Mas não importava o quanto olhasse, ainda não con­seguia vê-los.

Em seguida vinha a página seis, com a reportagem sobre um rali de carros antigos que seria disputado no fim de semana. Então os anún­cios na página sete.

Ela voltou. Teria acionado o controle da máquina rápido demais? O que acontecera com a página cinco?

Ela voltou à quatro e girou o disco. Lá veio a página seis. Repetiu a operação, ainda mais devagar. Não havia dúvida. A página quatro era seguida pela seis. A página cinco havia sumido.



Quando encontrou o bibliotecário, o homem não fez nenhuma questão de disfarçar a irritação por ser interrompido por um assunto tão banal. Enquanto acompanhava Maggie escada acima, ele fez uma série de perguntas, concluindo que o erro fora dela, ao atrapalhar-se com os comandos de uma máquina simples.

  • Veja — mostrou Maggie, um tanto aliviada por ver que o pro­blema não tinha se resolvido como num passe de mágica, algo que, na sua experiência, acontecia com todas as máquinas quando se buscava ajuda. — Quatro. Então seis. Nada de página cinco.

  • Talvez fosse uma página com anúncios, não transferida para microfilme.

  • Pensei nisso — respondeu Maggie, imediatamente mostrando a inclusão de diversas páginas microfilmadas que continham apenas anúncios.

  • Bem, isso é estranho, pode ter certeza — disse ele por fim, com voz mais branda. — Nunca vi nada assim antes. Precisarei reportar a falta imediatamente. Isso é propriedade da biblioteca. Você tem certeza de que não fez nada?

Outra vez, Maggie engoliu uma resposta desaforada.

  • Absoluta. Há outras cópias do jornal daquele dia? Na sede do The Daily World, por exemplo?

  • Eles mandaram todos os arquivos físicos para nós há oito ou nove anos.

  • Então há cópias físicas em algum lugar?

  • Havia. Mas não tínhamos orçamento para arquivá-las. Então mi­crofilmamos tudo.

  • Os originais foram destruídos?

  • Infelizmente. — A decepção parecia sincera. — Isso aconteceu com dezenas de jornais americanos. Arquivos completos foram inci­nerados. Algumas edições foram salvas por colecionadores. Mas não essa.

  • Então você está me dizendo que a página cinco do The Daily World desta data evaporou? Que ela não existe mais?

  • Não exatamente. O The World digitalizou parte do arquivo. En­tão, se você souber o que está procurando, pode fazer uma busca na base de dados deles. Só é preciso...

  • O problema é exatamente que eu não sei o que estou procurando.

Ele a olhou como se acabasse de confirmar a impressão negativa que tivera antes.

  • O que quero dizer é que saberei quando encontrar — continuou Maggie. — A matéria está relacionada a essa cidade ou essa região na­quele dia.

  • Mas não sabe o que é, certo?

  • Isso.

O bibliotecário empertigou-se e adotou uma postura de autorida­de. Maggie percebeu que ele olhava para o hematoma na sua testa.

  • Você tem certeza de que precisa fazer isso hoje? Não pode fazer uma pausa e voltar amanhã...

Maggie respirou fundo. É claro, ela estava com uma aparência pés­sima; ou pior, parecia uma louca. De repente, teve uma idéia.

  • Desculpe por ser tão exigente. E agradeço pela ajuda. Pode ser que tenha me enganado com o ano. Seria um incômodo muito grande se eu pedisse os microfilmes desse mesmo jornal e das mesmas datas, mas do ano seguinte?

Ele a olhou desconfiado, como se lidasse com um animal domesticado que podia se tornar selvagem a qualquer momento.

Ela sorriu, um gesto que normalmente fazia milagres, mas que pa­recia ter pouco impacto naquele homem. Quando ficou claro que ela não desistiria, ele suspirou.



  • Dias 15,16 e 17 de março, certo? Do ano seguinte?

  • Se não for muito incômodo.

Desta vez ela conferiu a numeração das páginas antes. As três edi­ções estavam completas, não faltava nada. Ela começou pelo jornal de 15 de março, exatamente um ano depois da data que Victor Forbes tan­to se esforçara para garantir que alcançasse a posteridade.

Novamente, a primeira página não trazia nada com relevância ime­diata, uma matéria sobre um novo contrato que beneficiaria a Boeing, um dos maiores empregadores do estado, com efeitos imediatos para os fornecedores instalados em Aberdeen. Mais notícias locais, banais e tediosas nas páginas seguintes.

Talvez ela estivesse no caminho errado. Talvez o acontecimento vi­sado por Forbes tivesse projeção nacional ou internacional, algo com relevância política, distante de Aberdeen e da pequena novela Jackson-Baker. Talvez ela devesse pesquisar não no Daily World de Aberde­en, mas no New York Times ou no Washington Post.

Ela faria uma última busca, da última à primeira página. Esportes, coluna de conselhos — nenhuma confissão emocional de inveja de um R. Jackson, ela conferiu — cartas dos leitores, finanças, anúncios, uma reportagem laudatória sobre a reinauguração de um hotel local...



Maggie não tinha lido a reportagem da primeira vez, apenas confe­rira o título e correra os olhos pelo texto em busca de nomes. Mas dessa vez leu o subtítulo.
Funcionários do Meredith Hotel preparam-se para a grande rei­nauguração de hoje, exatamente um ano depois do incêndio que praticamente destruiu o estabelecimento.
QUARENTA E SEIS
TRANSCRIÇÃO DO PROGRAMA MEET THE PRESS, DA NBC, DE DOMINGO, 26 DE MARÇO:
Apresentador: Tópico A — a Presidência em perigo de Stephen Baker. Uma semana de revelações extraordinárias e agora uma ameaça iminente de impeachment. Qual é a situação do presidente? Com a palavra, os nos­sos convidados. Tom, comecemos por você: Baker é capaz de sobreviver a isso?

Tom Glover, do Politico.com: As duas únicas pessoas capazes de dar essa resposta são os dois democratas conservadores da Comissão Judiciária da Câmara, David.

Apresentador: E são apenas dois agora, já que o terceiro integrante daquele grupo...

Tom Glover: Exatamente, ele deixou claro que não votará pelo impeachment, a decisão agora pesa apenas sobre aqueles dois. Você sabe, a maioria é tão apertada na Câmara — pouquíssimos votos separam o número de inte­grantes dos partidos — que basta uma pequena deserção e o presidente estará em grandes apuros.

Apresentador: E o que passa pela cabeça deles, Michelle?

Michelle Schwartz, Wall Street Journal: Bem, neste fim de semana, acredito que ouvirão seu eleitorado, David. O que pensam a respeito de Stephen Baker? Ainda confiam nele?

Apresentador: E o que você tem ouvido?

Michelle Schwartz: Tenho ouvido que ele continua em grande perigo. O povo foi pego de surpresa pelas revelações médicas...

Tom Glover: Sim, Michelle, mas acredito que o resultado foi positivo para o presidente. A população foi receptiva à honestidade, à sinceridade dele, e à mensagem de que a saúde mental...

Michelle Schwartz: Talvez, se tivesse parado por aí. Essa revelação e o grande discurso do presidente. Todos sabemos que Stephen Baker é um orador brilhante.

Apresentador: Você fala como se isso fosse algo ruim, Michelle. [Risos.]

Michelle Schwartz: O que quero dizer é que ele não estaria enfrentando problemas se a situação houvesse parado por aí. Mas então nos deparamos com a Conexão Iraniana e...

Tom Glover: Que ainda é apenas uma conjectura. Ninguém provou nada a não ser que um cidadão iraniano, Hossein Najafi, esteve presente em uma recepção na Casa Branca. Você sabe que Stephen Baker não foi o primeiro presidente a receber penetras em suas festas.

Apresentador: Bem, vejamos o que sabemos a esse respeito. O Washington Post publicou uma reportagem extensa sobre a Conexão Iraniana. Vamos dar uma olhada numa citação:
Especialistas em perícia contábil dizem que é possível que a doação feita pelo Sr. Najafi, apesar de paga por um banco americano registrado em Delaware, pode ser proveniente das Ilhas Cayman e, antes disso, de um banco em Teerã usado pelo Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica, mais conhecido como Guarda Revolucionária.
Tom Glover: Há muitos "ses" nisso, David.

Apresentador: Esta é a citação. O que você acha, Michelle?

Michelle Schwartz: Como sempre acontece, o que importa é o contexto. Acho que devemos ser honestos e mencionar a terceira base desse tripé — a morte de Victor Forbes. E se...

Tom Glover: Ah, por favor...

Michelle Schwartz: ... não fossem as indagações persistentes resultantes disso...

[Interferência na transmissão.]



Tom Glover: ... sobre Stuart Goldstein? Quer dizer, se formos mencionar mortes misteriosas. E, aí? Vamos nos sentar aqui no Meet the Press e de­bater qual republicano matou Goldstein? E, ao contrário de Forbes, aque­le sim era um servidor comprovado do povo americano. Quer dizer, isso é indigno...

Michelle Schwartz: Eu não estava dizendo...

Tom Glover: ... e improvável.

Apresentador: Muito bem, previsões para a semana. Michelle?

Michelle Schwartz: Não quero voltar a ofender Tom, mas acredito que tudo depende do que mais for revelado a respeito do falecido Sr. Forbes. Se descobrirmos algo, com o acréscimo da Conexão Iraniana, acho que o fim do presidente será decretado.

Apresentador: Tom?

Tom Glover: Bem, odeio concordar com a minha colega, mas acho que ela está certa. Não deveria depender do incidente Forbes, mas temo que seja assim. Se outra bomba estourar, algo que mude a nossa visão sobre como ele morreu ou o que estava prestes a dizer, acho que a situação ficará bem delicada.

Apresentador: Muito bem, obrigado a ambos. Foi um prazer tê-los conosco. Voltaremos depois dos comerciais...
QUARENTA E SETE
ABERDEEN, WASHINGTON, DOMINGO, 26 DE MARÇO, 11H29 PST
Maggie tentou agir primeiro pelos canais oficiais, e verificou se havia rastros documentais em instituições públicas a serem seguidos e inves­tigados. Mas deparou com uma série previsível de obstáculos, ainda mais definitivos pelo fato de ser domingo e as sedes administrativas estarem fechadas. Ela telefonou para o Corpo de Bombeiros de Aber­deen e perguntou se mantinham registros das ocorrências — o que ela tinira em mente era um simples livro de registros, com as ocorrências de uma noite em especial há quase trinta anos. Após quatro ligações, foi transferida a um oficial de plantão que confirmou a existência dos registros, mas que não sabia a partir de que ano. Além do mais, eles não podiam simplesmente fornecer informações desse tipo a um cidadão comum: era necessária uma autorização por escrito do comandante. Seria preciso preencher uma solicitação...

Em seguida, tentou o Departamento de Polícia e recebeu a mesma resposta de forma menos educada.

Então foi ao Meredith Hotel, dirigindo ao recepcionista — um se­nhor oriental na casa dos 60 anos — o mesmo sorriso que não conse­guiu derreter o bibliotecário.


  • Eu sei que a pergunta pode parecer muito estranha — começou, fazendo o máximo para aprender com o erro cometido com o bibliote­cário e não bancar a doida. — Mas será que o senhor poderia me dizer qual é o funcionário mais antigo do hotel?

  • Como?

  • Quem trabalha neste hotel há mais tempo?

Sem uma palavra, ele saiu detrás do pequeno balcão, passou pela porta giratória do hotel e ergueu o braço, chamando um táxi que ele avistara como uma águia-pescadora espreita um peixe abaixo da su­perfície do oceano a quarenta metros de altura.

Depois de acompanhar o hóspede que aguardava até o carro, aju­dar com as malas e embolsar uma gorjeta de um dólar com um sorriso de gratidão, ele voltou a atenção para Maggie e sua estranha pergunta. Para um hotel pequeno em uma cidade estagnada, ele era um recep­cionista e tanto.



  • O funcionário mais antigo? Seria eu, senhora.

Bom. Exatamente como ela esperava.

  • Estou pesquisando a história da região e gostaria de saber se o senhor pode me ajudar com uma coisa. Soube que ocorreu um incêndio aqui há muitos anos.

  • Antes do meu tempo, senhora.

  • Achei que tivesse dito que...

  • Trabalho aqui há 15 anos. Mas isso foi...

  • Há mais de 25 anos.

  • Sim.

  • E não há ninguém que possa saber algo sobre aquela noite?

  • Como eu disse, ninguém trabalha aqui há mais tempo do que eu.

  • E quanto aos donos?

  • O hotel foi vendido há oito anos. Faz parte de uma rede da Pensilvânia agora.

O rosto de Maggie deve ter traído a decepção que sentia, pois o recepcionista pareceu ficar condoído, ansioso por ajudar.

  • O que a senhora quer saber?

  • Qualquer coisa que o senhor saiba.

Ele apoiou-se no balcão.

  • Ouvi dizer que foi um grande incêndio. Destruiu o interior do hotel. Precisaram reconstruir e redecorar. O hotel ficou fechado por um ano.

Tudo aquilo já fora mencionado na reportagem sobre a reinauguração.

  • E ninguém sabe como começou?

  • Dizem que foi um mistério. Apesar de uma das antigas faxinei­ras, ela já morreu, ter dito que foi um cigarro. Que incendiou as corti­nas, no terceiro andar.

  • Mas ninguém morreu.

  • Onde a senhora ouviu isso?

Maggie tirou do bolso uma fotocópia da reportagem do Daily World sobre a reinauguração, que pegara na biblioteca. Com uma olhada rá­pida, conferiu o texto outra vez. Não havia qualquer menção a vítimas. Ela concluíra que todos haviam sobrevivido. Ela voltou a olhar para o recepcionista.

  • Entendi errado?

  • Acho que sim, senhora. O aniversário do incêndio foi há algu­mas semanas, certo?

  • Sim, foi. — Ela sorriu outra vez. — Estou impressionada que se lembre da data.

  • Bem, é difícil esquecer. Eles vêm todo ano.

  • Quem vem?

  • A família. Em 15 de março, todo ano. Colocam uma coroa de flores em frente ao hotel. Muito educados, sempre pedem permissão.

  • Que família?

  • Da pessoa que morreu no incêndio.

  • E eles fizeram isso duas semanas atrás?

  • Sim. Como sempre.

  • Qual é o nome da família?

  • Ah, não sei. Eles nunca dizem.

  • E a coroa ainda está aqui?

  • Joguei fora ontem.

Droga. Ela pensou em oferecer uma nota de 20 dólares ao recepcio­nista, pedir que conferisse se a coroa ainda estava nos fundos do pré­dio, mas achou melhor não. Podia levantar suspeitas. Então agradeceu ao senhor pelo tempo, entregou-lhe uma nota de 5 dólares e saiu. Cinco minutos depois, estava na entrada de carga e descarga nos fundos do hotel, com seus latões de lixo gigantes e algumas vagas. Antecipando o fedor, abriu a tampa do primeiro latão. Apenas garrafas de vidro. Havia um latão azul cheio de papel e, ao lado deste, um preto, com a tampa afastada.

Maggie puxou a tampa preta e foi atingida pelo fedor. O latão es­tava cheio de sacos de lixo escuros, mas muitos haviam rasgado, espa­lhando restos de comida e cascas apodrecidas. Respirando pela boca, ela puxou com agilidade um saco para o lado e curvou-se sobre o latão. Então ouviu o som de passos às suas costas. Ela se virou, o coração ba­tendo forte, imaginando como seria fácil se alguém quisesse simples­mente empurrá-la para dentro da lixeira. Havia um homem a alguns metros de distância — mas era apenas um hóspede do hotel, que abria o carro e se preparava para sair.

Ela voltou à tarefa, rasgando cada saco, olhando para entranhas de peixe, pedaços duros de pão e lenços de papel sujos de sangue.

E estava para desistir quando viu uma ponta verde. Usando a bei­rada do latão como apoio, com o corpo curvado sobre ele, puxou-a. A coroa estava em péssimo estado, as flores mortas e amarronzadas, as folhas murchas. Mas um pequeno cartão branco ainda estava preso a ela, úmido, amassado e fedido. Depois de jogar de volta a coroa no lixo, ela examinou o cartão. Havia uma única palavra, escrita à mão em tinta manchada, mas ainda legível.

Pamela.


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