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DOIS WASHINGTON, DC, SEGUNDA-FEIRA, 20 DE MARÇO, 8H07



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DOIS
WASHINGTON, DC, SEGUNDA-FEIRA, 20 DE MARÇO, 8H07
Não teria tempo para ir ao banheiro: fora convocada para vê-lo "ime­diatamente". Mas não havia a menor possibilidade de ir até a Residên­cia com aquela aparência. Maggie abriu a porta do banheiro feminino rezando para não encontrar ninguém com quem precisasse falar.

Merda.


Tara MacDonald, diretora de comunicações, primeiro da campa­nha de Baker e agora da Casa Branca, uma negra mãe de quatro fi­lhos e matriarca incontestável, bem-arrumada e confiante no auge da meia-idade, saía de uma das cabines e se encaminhava ao espelho para conferir a maquiagem.

  • Olá, Maggie. Como está, querida?

Maggie congelou, relutante em assumir uma posição em frente ao espelho da vaidade. Insegura, lavou as mãos de cabeça baixa.

— Tudo bem.



  • Você me parece um pouco, você sabe, agitada.

Maggie se voltou para MacDonald tentando sorrir, ainda que tensa.

  • Acabo de ser convocada. À Residência. Acho que é melhor... — disse gesticulando para o espelho —, ... você sabe, ficar apresentável.

A mudança instantânea no semblante de Tara — como se os mús­culos usados para sorrir houvessem sido subitamente paralisados — disse a Maggie que ela cometera um erro.

  • Verdade? A Residência? Isso é uma honra e tanto — comentou, contraindo os lábios.

  • Tenho certeza de que não é nada importante. Provavelmente, ele quer alguma informação antes do discurso nas Nações Unidas.

  • Querida, ele tem um conselheiro de Segurança Nacional para isso. — Tara MacDonald voltou ao espelho, mas Maggie viu que ela não havia terminado. — Mas então você é uma inside, das que têm aces­so a informações confidenciais. E eu aqui pensando que fosse apenas uma burocrata do Conselho de Segurança Nacional.

Maggie ignorou o comentário, olhando para o espelho, ciente de que devia estar ali havia mais de um minuto — ou seja, já estava um minuto atrasada. Além do mais, aquele tipo de farpa já não era novidade.

O rosto que a encarava estava pálido e tenso: o que não era uma surpresa, é claro, dada a cena excruciante que se desenrolara a pou­cos instantes na sala do chefe de gabinete. No pânico apressado para chegar lá aquela manhã, esquecera-se de aplicar a maquiagem dis­creta de sempre: simplesmente não teve tempo de passar corretivo nas olheiras ou a base hidratante, excelente para ocultar os pequenos pés de galinha que agora se espalhavam nos cantos dos olhos, além das rugas ao redor da boca provocadas pelos cigarros. Um toque de rimei e um pouco de batom cor de boca foi tudo o que conseguiu passar, o que era evidente. Nenhum indício no momento do que a coluna de fofocas do City Paper qualificara como a "adorável Maggie Costello".

Depois de outra tentativa de domar um pouco os cabelos, ela pôs-se a caminho — andando o mais rapidamente possível sem acionar seu alerta de segurança. Maggie atravessou a sala de imprensa, então saiu e acompanhou as colunas rumo à Residência da Casa Branca, lar, havia pouco mais de dois meses, de Stephen Baker, da esposa Kimberley, da filha de 13 anos do casal, Katie, e do filho de 8 anos, Josh.

Os agentes do serviço secreto a conduziram sem perguntas, certa­mente já a aguardavam. Depois de passar por uma porta e então por outra, Maggie teve a sensação de entrar em apenas mais um lar ameri­cano às 8hl0 da manhã. Havia caixas de cereal sobre a mesa, mochilas escolares das quais transbordavam roupas de educação física e vozes de criança no ar. A não ser pelo pequeno detalhe dos agentes armados do lado de fora e dos equipamentos de comunicação com criptografia ultramodernos em todos os cômodos, aquela parecia ser a casa de uma família comum.

Stephen Baker não estava sentado à mesa com óculos de leitura devorando o The New York Times, como ela esperava. Em lugar disso, estava no meio da cozinha, sem paletó, segurando uma maçã. A sua frente, a três metros de distância e com o olhar concentrado, estava Josh, segurando um taco de beisebol.


  • Certo — disse o presidente. — Está pronto?

O menino fez que sim.

  • Aí vai. Três, dois, um. — Ele atirou a maçã, lentamente e na altu­ra certa para ir de encontro ao taco do filho.

Rebatida com vigor, a fruta passou voando pelo presidente e espa­tifou-se na parede às suas costas.

Uma voz veio do cômodo ao lado, a plenos pulmões:



  • Josh! O que eu falei sobre jogar bola dentro de casa?

O presidente olhou para o filho com uma expressão de preocupa­ção e então, conspiratório, levou o dedo aos lábios.

  • Está tudo sob controle, amor — disse ele em voz alta, depois pegou a maçã no chão e limpou a parede. Em seguida, vendo o olhar do agente que testemunhara a cena, moveu os lábios sem verbalizar as palavras. "Você também. Nenhum pio."

Mesmo ali, sem os paramentos e a grandeza do cargo, ele era im­pressionante. Com l,90m de altura e cabelos castanhos cheios, era sempre o primeiro a ser notado em qualquer lugar. Um homem esbelto, com feições finas. Mas eram os olhos que capturavam a atenção. Verdes, penetrantes, e mesmo quando tudo mais nele era vivo e ágil, pareciam operar em ritmo mais lento, fitar com firmeza, sem nunca se desviarem. Durante os debates na TV, as câmeras pareciam buscá-los, como se estivessem tão hipnotizadas quanto a platéia. Quando os ana­listas políticos escreviam que o candidato Baker exalava calma e fir­meza, Maggie sabia que não eram as respostas ou os projetos que eles queriam dizer. Eram os olhos dele.

E agora aqueles olhos estavam voltados para ela.



  • Ei, Josh, olha quem está aqui. Sua tia irlandesa preferida.

  • Oi, Maggie.

  • Oi, Joshie. O que está achando da escola nova?

  • É legal. Eu jogo beisebol, é muito maneiro.

  • Isso é legal. — Maggie estava radiante. Josh Baker concorria ao posto de menino mais fofo dos Estados Unidos e, por conhecê-lo há quase dois anos, ela sentia como se quase o tivesse visto crescer.

O primeiro encontro aconteceu num sábado de verão em Iowa, na Feira Estadual de Des Moines. Stephen Baker visitou-a com a família — Josh, então com 6 anos, insistia o tempo todo para andar nos carrinhos bate-bate enquanto o candidato tentava cair nas graças do perspicaz e crucial povo de Iowa. Na época, Baker era o azarão dos democra­tas, o pouco comentado governador do estado de Washington. Era um desconhecido total, sem experiência nacional ou qualquer vantagem regional: historicamente, os democratas preferem governadores do Sul, capazes de reunir um grande volume de votos, algo praticamente inalcançável para candidatos de outras regiões. Estado de Washington? Nas primárias presidenciais, isso era considerado um obstáculo.

Ainda assim, Rob — o velho amigo de Maggie dos tempos de Áfri­ca, que agora trabalhava no Departamento de Estado e acabava de des­ferir o golpe fatal em sua carreira incipiente — insistira.



  • Apenas conheça-o — disse ele. — Você entenderá de imediato.

Maggie ficou na defensiva, resistiu, recusando-se a ser influencia­da pela torrente de telefonemas, e-mails e mensagens de texto que se seguiu. Maggie Costello? Trabalhando para um político? A idéia era ridícula. Ela tinha ideais, pelo amor de Deus, e ideais não tinham espa­ço no covil de cobras da política moderna. Com relação aos políticos, a jovem Maggie Costello só sentia desprezo. Viu o que eles e outros se­dentos por poder fizeram com regiões esquecidas da África, os Bálcãs e o Oriente Médio, primeiro atuando em organizações humanitárias e depois nos bastidores, como diplomata. Soava piegas, mas na opinião dela existia apenas uma missão que importava: fazer do mundo um lugar melhor, principalmente para as vítimas de guerra, de doenças e da pobreza. Para ela, os políticos tendiam na melhor das hipóteses, a, interferir nesse processo; na pior, a lucrar com os problemas alheios.

Além disso, ela argumentou com Rob, faltava mais de um ano para as eleições; a candidatura de Baker tinha apenas alguns meses de idade e o mundo da política de Washington já o considerava carta fora do baralho. O consenso geral era de que ele se preparava para uma futura indicação como vice-presidente, tentando ganhar visibilidade. A única pesquisa que Maggie vira dava a Baker menos de um por cento dos votos, um número pequeno demais para estimar. E, afinal, o que ela entendia da política presidencial americana?

— Isso não tem importância — insistira Rob. — Você entende de relações internacionais. Ele é governador de um estado sem representatividade: o mais próximo que ele chega da política externa é quando almoça na International House of Pancakes. Apenas vá, conheça-o e entenderá o que eu quero dizer. Ele é diferente, especial.

Então, suspirando consigo mesma, ela foi até a Feira Estadual de Iowa e observou Baker se entrosar com os criadores de porcos, o que culminou com a coroação de um porco enorme como vencedor do aguerrido Concurso de Porcos Gigantes.

—- Ele é maior do que eu, mais bonito — declarou Baker ao entre­gar o troféu. — Por que o candidato a presidente não é ele? — a piada recebeu aplausos entusiasmados. Maggie esperou para se apresentar. Antes queria vê-lo em ação.

Não foi preciso muito tempo para ver que o homem tinha um caris­ma natural. A postura dele era despreocupada, o interesse pelos outros era percebido como genuíno, não a sinceridade sintética dos políticos com cabelos engomados e dentes branqueados, considerados os can­didatos perfeitos a presidente. Ao contrário da maioria, ele conhecia a diferença entre escutar e ficar em silêncio à espera da sua vez de fa­lar. Ele escutava. E qualquer que fosse o traço de personalidade que conquistara Rob, o seu amigo cético, parecia funcionar também com o povo geralmente cauteloso de Des Moines — gente desconfiada da procissão de pretendentes que invadia o estado a cada quatro anos com sorrisos brilhantes voltados para as câmeras de TV, fazendo promessas que nunca cumpriam. Por outro lado, Baker conquistara a multidão: ela o observava avidamente, refletindo suas expressões, sorrindo quan­do ele sorria, transmitindo de volta a simpatia que sentia por ele. E, ao contrário dos outros candidatos, que pareciam cair de paraquedas em um evento daquele tipo como se vindos de outro planeta, ele parecia estar se divertindo de verdade, fazendo contato genuíno com toda a população, em vez de usá-la como figurante para fotografias.

Por fim, ela se aproximou e o cumprimentou.


  • Então você é a mulher que levou paz à Terra Santa — dissera ele, limpando a mão suja de gordura no avental enquanto colocava de lado a espátula que usava para virar costeletas em uma churrasqueira, ao lado da banca da Associação de Produtores Suínos de Iowa. — É um prazer conhecê-la.

  • Quase — respondera ela. — Quase levei a paz.

  • Bem, quase é muito mais do que qualquer um conseguiu antes.

Eles trocaram algumas palavras enquanto Baker apertava mais al­gumas mãos, posava para fotos de celular ou disparava comentários espirituosos para algum repórter local. Ele fazia uma pausa — para ad­mirar uma vaca em tamanho natural esculpida com manteiga ou brin­car nos carrinhos bate-bate com Josh — e então retomava a conversa exatamente no ponto interrompido.

Por fim, convidou-a a juntar-se a eles no carro que os levaria para o próximo evento, um discurso em Cedar Rapids naquela noite. Kimberley e as crianças ficariam no banco de trás; ela poderia seguir com ele na frente. Quando Maggie olhou-o confusa, imaginando como arruma­riam espaço, ele sorriu.



  • Tenho o trabalho mais importante da campanha "Baker para Presidente": eu sou o motorista.

Eles conversaram durante toda a viagem de duas horas. Os três Baker no banco de trás logo caíram no sono, a cabeça das crianças re­pousando nos ombros da mãe. Ele escutava tanto quanto falava. Que­ria saber como fora o início da carreira de Maggie. Fazia mais pergun­tas sobre o trabalho voluntário na África, logo após a formatura, do que sobre o trabalho como diplomata de alto escalão em Jerusalém, que a tornara famosa.

  • Você não quer saber nada daquilo — ela acabou dizendo, com um gesto envergonhado.

  • Não, quero sim. Pelo seguinte: você sabe quem eu vou ser nesta campanha? Eu vou ser o caipira. "O filho do lenhador de Aberdeen, Washington."

  • Mas esse é um de seus pontos fortes. Você é o Sonho Americano.

  • Sim, sim. O povo gosta disso. Mas vou concorrer com o Dr. Anthony Adams, o Ph.D. de Nova York. Eu sou o garoto do interior. Precisarei convencer Georgetown, o New York Times e o Conselho de Relações Internacionais, toda essa turma, de que não sou provinciano demais para ser presidente.

  • Eu acreditava que você quisesse ser o forasteiro: como no filme A mulher faz o homem em que o sujeito do interior vai para Washington.

  • Não, Maggie. Eu quero vencer.

Logo ele revelou como, depois de conseguir uma bolsa em Harvard, conheceu pessoas que passavam as férias em Paris ou Londres e viajavam de jatinho para as Bahamas nos fins de semana. Ele, por sua vez, precisava voltar para Aberdeen e trabalhar na madeireira ou na fá­brica de peixe congelado: o pai estava com enfisema e não havia outro jeito de pagar as contas.

  • Mas acabei indo para fora. A primeira viagem para fora do país. E fui para a África. Assim como você.

Ele tirou os olhos da estrada tempo o bastante para sorrirem um para o outro.

  • Fui para o Congo, o Zaire, como era chamado na época. Caram­ba, vi coisas terríveis. Terríveis. E elas ainda estão acontecendo, se não lá, em outros lugares. É como se fosse um revezamento: Ruanda, Serra Leoa, Darfur. As aldeias em chamas, os estupros, as crianças órfãs. Ou pior. — Baker voltou a olhar para ela. — Eu sei que você viu a sua cota de coisas terríveis, Maggie.

Ela fez que sim.

  • Bem, já faz muito tempo. — Baker fez uma longa pausa, até que Maggie se perguntou se deveria dizer alguma coisa. Então ele voltou a falar. — Acredito que posso vencer, Maggie. E se isso acontecer, que­ro fazer algo de que apenas um presidente americano é capaz. Quero destinar parte dos enormes recursos deste país a dar um basta naquela carnificina.

Ela franziu a testa.

  • Não estou falando em enviar as nossas forças armadas para in­vadir países. Já tentamos isso. O resultado não foi dos melhores. — Agora ela sorriu. — Precisamos pensar em outras formas de fazê-lo. E por isso que preciso de você. — Baker deixou aquela frase pairar enquanto ela o observava, surpresa.

  • Algo me diz que você não esqueceu o que viu quando tinha 21 anos, Maggie. Nunca esqueceu. É isso que faz com que trabalhe tão duro, mesmo agora, tantos anos depois. Estou certo?

Maggie olhou pela janela do carro, pensando no que consistia sua vida atualmente: relatórios e reuniões intermináveis. Ela sentia que a cada dia se afastava mais da jovem impetuosa de 21 anos que foi um dia. Mas ele estava certo. O que a impulsionava ainda era a fúria que sentiu por toda aquela violência e injustiça — todo o sofrimento — no mundo e a determinação de fazer algo a respeito. Naquela altura da vida, os ideais pareciam ter se tornado tão distantes que era uma luta enxergá-los. Entretanto, Stephen Baker acabava de lembrá-la de que eles ainda existiam. Ela se voltou para ele e assentiu.

  • Sinto a mesma coisa. Nunca esqueci o que vi por lá. E daqui a cerca de 18 meses terei a chance de fazer algo a respeito. Algo im­portante. — Ele reduziu uma marcha do carro. — Você estará comigo, Maggie Costello?

Agora, quase dois anos depois, o presidente segurava uma lancheira de plástico vermelha com uma das mãos e abria a geladeira com a outra.

  • Então, o que vai ser, filhão? Maçã ou pera?

  • Não posso levar um chocolate?

  • Não, filho, não pode. Maçã ou pera?

  • Maçã.

Stephen Baker se virou com uma expressão de profunda seriedade.

  • Mas não para jogar beisebol, certo?

O menino sorriu.

  • Não, pai.

  • Josh.

  • Prometo.

O presidente guardou a fruta na lancheira, fechou a tampa e a entre­gou para o menino. Então se curvou e beijou a cabeça do filho. Maggie notou que ele fechou os olhos ao fazê-lo, como se num momento de prece, de agradecimento. Ou apenas para sentir o cheiro dos cabelos de Josh.

  • Está bem, filho, cai fora.

Naquele exato instante, Kimberley Baker entrou, segurando uma mochila estufada com a roupa da educação física. Loira e bela nos anos de faculdade, ela agora costumava ser descrita como "cheinha", ou "gorducha" pelos mais maldosos. As revistas ficaram obcecadas com o peso dela quando o marido anunciou a candidatura, a imprensa de celebridades publicava fotos das celulites ou closes dela de costas, ves­tindo um terninho nada aconselhável. Ela foi a um programa matinal, falou sobre como havia engordado durante a gravidez de Katie e como tentara diversas dietas — "inclusive as malucas!" — para perder al­guns quilos, mas sem sucesso. Declarou que atualmente assumira o próprio corpo e decidira dedicar sua energia a algo mais útil do que o tamanho da cintura. As mulheres na platéia se levantaram e aplau­diram, a apresentadora a abraçou e, um ou dois dias depois, ela foi declarada um modelo do poder feminino no país.

De igual importância foi a decisão dos analistas políticos de que Kimberley Baker era um ativo importantíssimo para o marido. Há mui­to tempo, as eleitoras, em especial, tornaram-se céticas quanto às espo­sas de políticos com corpo de Barbie e comportamento autômato; por isso, elas consideravam favorável a Stephen Baker ter uma mulher de carne e osso, e não artificial e sem falhas. E o fato de ela ser da Geórgia, o que o aproximava do Sul, rico em votos, era um benefício extra.

Os Baker não podiam dizer que estavam acostumados à vida na Casa Branca, apesar de Tara MacDonald já ter soltado para a revista People que eles estavam amando morar lá. Mas, sem dúvida, Kimberley se esforçava, principalmente pelo bem dos filhos. Ela ficou preocupada desde o início, apreensiva com o fato de um menino de 8 anos e uma menina de 13 enfrentarem algumas das fases mais difíceis da vida pe­rante os olhos do mundo. Lembrava-se da própria adolescência como uma longa fase de constantes constrangimentos: a noção de enfrentar isso com uma muralha de câmeras permanentemente ao redor, esqua­drinhando as suas roupas e o seu cabelo, e de que essas imagens che­gariam aos quatro cantos do mundo beirava o insuportável. Durante a campanha, Stephen Baker sempre brincava que os únicos que queriam que fosse derrotado eram o adversário e a esposa.

Agora Kimberley ralhava com Josh e a tímida, desajeitada e bela filha adolescente. Ela levou-os até a porta e os entregou a uma mulher de 20 e poucos anos vestida de modo casual que se parecia com uma babá. Na verdade, ela era Zoe Galfano, uma das agentes da equipe do serviço secreto responsável por proteger os filhos de Baker.



  • Maggie, quer beber alguma coisa? Café, chá, suco?

  • Não, obrigada, senhor presidente. — A frase ainda saía com di­ficuldade, mas era inevitável. Todos se dirigiam a ele da mesma for­ma, inclusive os conselheiros mais próximos e os amigos mais antigos, ao menos dentro da Casa Branca. Ele percebera cedo que, se pedisse para alguém chamá-lo pelo nome, aqueles a quem não fez a mesma oferta ficariam ofendidos. Acabaria dizendo a todos "me chamem de Stephen", o que era casual demais. Melhor manter a formalidade — e a coerência.

Ele conferiu o relógio.

  • Quero falar sobre a África. Li o seu relatório. A matança reco­meçou no Sudão; centenas de milhares de pessoas correm perigo em Darfur. Quero que elabore uma alternativa.

A mente de Maggie passou a funcionar rápido. Magnus Longley estava decidido a demiti-la e lá estava o presidente oferecendo a opor­tunidade dos seus sonhos. Aquilo era perverso — e doloroso. Entre­tanto, sentia uma onda do mesmo otimismo que sempre a colocava em apuros — e também fazia com que desse conta do recado. Ela respirou fundo. Talvez, de alguma forma, o imbróglio com o Idiota Adams fi­casse para trás.

  • Uma alternativa para ação? — perguntou.

Baker estava prestes a responder quando uma cabeça apareceu na porta. Stu Goldstein, o principal assessor do presidente: o arquiteto da campanha eleitoral, que ocupava a sala mais invejada da Casa Branca, vizinha ao Salão Oval. O veterano da política nova-iorquina que arma­zenava um milhão de fatos sobre a política americana em um cérebro fenomenal, sustentado por um corpo ofegante e morbidamente obeso.

  • Senhor presidente, precisamos ir para o Salão Roosevelt. O senhor tem que sancionar a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher daqui a dois minutos. — Uma ligeira inclinação da cabeça. — Oi, Maggie.

Baker tirou o paletó do encosto de uma cadeira da cozinha e o ves­tiu com um movimento ágil.

  • Venha comigo.

No instante em que começou a se mover, ela percebeu a mudança na postura dos agentes do serviço secreto, um deles sussurrando na lapela. "Vaga-lume em movimento". Vaga-lume era o codinome esco­lhido pelo serviço secreto para Baker. Os blogueiros ficaram ocupados por uma semana, tentando desvendar os sentidos subjacentes.

  • Que tipo de opções o senhor tem em mente, senhor presidente?

  • Quero algo que dê conta do recado. Uma área do tamanho da França está se transformando em campo de matança. É impossível mo­nitorar algo assim do solo.

Ao caminharem, dois agentes se aproximaram e mantiveram-se três passos atrás.

  • Então o senhor está falando de vigilância aérea?

Ele voltou-se para Maggie e a fitou com aqueles olhos verdes im­passíveis e profundos. Ela entendeu na hora.

  • O senhor está sugerindo equipar a União Africana com helicópte­ros americanos, senhor presidente? O bastante para que monitorem toda a região de Darfur do ar?

  • É como você sempre disse, Maggie. Os criminosos escapam im­punes porque ninguém está olhando. E ninguém está olhando.

  • Mas se a UA tivesse Apaches ultramodernos com tecnologia de vigilância, equipados com visão noturna e lentes infravermelhas de alta definição, poderíamos ver exatamente o que estão fazendo e quan­do — completou Maggie lentamente, pesando bem as palavras. Não haveria lugar para se esconderem. Poderíamos ver quem incendeia as vilas e mata os civis.

  • Nós não, Maggie, a União Africana.

  • E se as pessoas sabem que estão sendo vigiadas...

  • Elas se comportam.

Maggie sentia o coração batendo mais forte. Aquilo era algo pelo que qualquer testemunha dos massacres em Darfur rezava havia anos: um "olho no céu" capaz de dar um basta à matança. Mas a União Afri­cana nunca tivera os recursos necessários para pôr a idéia em práti­ca: eles não possuíam os helicópteros para monitorar o solo, então os assassinos sentiam-se livres para massacrar impunemente. Agora ali estava um presidente americano prometendo oferecer as ferramentas pelas quais os mortos e moribundos clamavam. A centelha de entusias­mo estava se transformando em chama — até ela lembrar que estava prestes a ser demitida do emprego.

  • Temos uma maioria muita apertada na Câmara e no Senado, se­nhor. O senhor acha que...

Ele sorriu. O sorriso amplo e satisfeito de um homem confiante.

  • Esse é o meu trabalho, Maggie. Só me dê as opções.

Eles haviam chegado à Ala Oeste, estavam no corredor que levava ao Salão Roosevelt. Um assessor tentou e não conseguiu entregar um texto ao presidente, outro se aproximou e o lembrou de quem estava na primeira fila e precisava ser reconhecido. Um terceiro se adiantou para aplicar quatro pinceladas precisas de pó facial, tendo as câmeras em mente. Alguém perguntou se ele estava pronto e Baker assentiu.

As portas duplas foram abertas e uma voz grave invisível proferiu as palavras ao mesmo tempo eletrizantes e familiares.



  • Senhoras e senhores, o presidente dos Estados Unidos!


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