Filha e Rival henri ardel



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CAPÍTULO IX
— Uma surpresa para você esta noite, Sílvia! — Dis­se a Sra. Contal lançando um olhar afetuoso à jovem. que perguntou curiosamente:

— Para mim?

— Não procure adivinhar, querida, e vá depressa pôr o seu vestido branco decotado. Murteaux me en­viou um camarote, para a première de Sarment e, na­turalmente, iremos agradecer-lhe num entreato.

Satisfeita, a moça deu um beijo ardente no rosto que sorria para ela.

— Que felicidade, madrinha! Não conheço o Tea­tro dos Franceses e muito menos camarins de artis­tas. Que excelente idéia teve Murteaux! Será que a linda mulher dele irá também?

— É provável, respondeu a Sra. Contal, indo aprontar-se.

Sílvia não se demorou. Apenas tinham decorri­dos vinte minutos, entrava ela na sala de jantar, mobiliada de acajú, em estilo inglês, e cuja mesa sem­pre estava florida, mesmo quando se achavam na maior intimidade. A Sra. Contal estava à sua espera. Achou-lhe tão lindo o vestido branco, de linhas tão harmoniosas que pensou muito satisfeita, mas sem nada dizer:

— Como é encantadora!

Uma hora depois, ambas penetravam no vestíbulo de mármore branco do Teatro dos Franceses, muito familiar a Sra. Contal, e onde se comprimia a mais variegada multidão. Com seu rosto moreno, o porteiro a sorrir lhes estendeu o bilhete do camarote que lhes estava reservado.

Subiram lentamente a grande escadaria: a Sra. Contal no seu andar de soberana, com um maravi­lhoso casaco de lamé dourado; Sílvia, elegante no seu vestido branco, que a própria Imperatriz Josefina não teria desdenhado. Ao passarem, todos os olha­res se voltavam para elas.

A Sra. Contal explicava:

— Veja aqui, Sílvia, o medalhão do grande Mounet, no papel de Hamlet... ali o retrato de Raquel. . .

Curiosamente, Sílvia tudo olhava e admirava. Nisso, a campainha retiniu. Ambas se apressaram, dirigindo-se para o camarote, onde se sentaram, pois ia principiar o primeiro ato.

Sutil, delicioso, o primeiro ato de Sarment! Sílvia o escutava sem um movimento, com o olhar atento, a alma enlevada. Depois, ao finalizar, aplaudiu com entusiasmo juvenil que agradou a Sra. Contal. No en­tanto, esta a interrompeu:

— Venha, querida, acompanhe-me ao camarim de Murteaux.

E ela e Silvia conseguiram passar através da mul­tidão, sendo cumprimentadas pelas personalidades parisienses de destaque, que muito bem conheciam o rosto expressivo e o andar ritmado da grande cantora.

No foyer2 dos artistas, reinava a habitual anima­ção das noites de première. Jornalistas negligentemen­te trajados, de jaquetão e colarinho mole. Senhoras cujos vestidos, de tão decotados, mais pareciam rou­pas de banho de sol. Atores e atrizes do segundo ato, já caracterizados, conversavam com seus conhecidos. Todos riam, conversavam animadamente, mas tinham os olhos voltados, com discreta curiosidade, para o autor que, um pouco afastado, palestrava com seus amigos.

— Como tudo isto é interessante, madrinha! — Sus­surrou Sílvia a Sra. Contal, enquanto rapidamente se dirigiam para o camarim de Murieau.

Seu camarim era pequeno, mas de harmoniosa tonalidade cinza: cortinas de veludo, estampas, lindas gravuras, numerosas fotografias dele. A do grande Féraudy, com dedicatória ao Mestre do Palco, seu aluno favorito. Sobre a chaminé, em lugar de honra, o retrato de uma linda mulher.

Diante deste retrato, o original em pessoa con­versava com um rapaz a quem imediatamente aban­donou sem a menor cerimônia à entrada das visi­tantes. De um salto, abraçou calorosamente a Sra. Contal.

— Oh, minha querida amiga, como é gentil em vir ver-me. Receava que não pudesse vir.

E olhava afetuosamente para a Sra. Contal. Esta lhe apresentou Sílvia:

— Minha afilhada e filha adotiva por uns tempos, a quem você já viu em casa no domingo passado. Está encantada por ter vindo. Deve esse pra­zer a seu marido.

Nesse momento a porta do camarim se abriu e entrou o Sr. Murteaux. Cortesmente beijou a mão de Suzana e se inclinou diante de Sílvia:

— Quem já viu a senhorita uma vez, jamais a esquece. Então, gostou de Sarment, senhorita? E que acha desta nossa velha casa de Molière, onde pe­netra pela primeira vez, creio?

E com a maior naturalidade se pôs a conversar com ela, que logo se interessou pela sua brilhante palestra. Durante esse tempo, Brígida Murteaux se lem­brou de uma presença masculina por ela esquecida tão pouco cavalheirescamente. Com um sorriso en­ganador, desculpou-se:

— Como sou mal educada, Daubert! Perdoe-me, mas sempre me esqueço dos outros quando me en­contro com Suzana. Felizmente você não é formalista. Está trabalhando muito atualmente. Como vai o Vergel de Amores?

O Vergel de Amores! Ao ouvir este nome, Sílvia prestou atenção e olhou para o jovem que estava a um canto. A voz de Murteaux se lhe tornou longín­qua. .. Então, a visita abandonada com tanto descaso pela Sra. Murteaux era João Noel Daubert? Que coin­cidência! Agradável, era certamente, a julgar pela cintilação por que um instante apareceu nos olhos azuis da moça. Pelo menos assim o pensou a Sra. Contal.

Não, Daubert não tinha ficado magoado com o procedimento da Sra. Murteaux. Esperava paciente­mente sua vez de cumprimentar a Sra. Contal e sua encantadora afilhada.

Baixinho repetiu a frase de Murteaux:

— Quem já viu a senhorita uma vez, jamais a esquece!

Teria mesmo acrescentado:

— Quem a ouviu cantar uma vez, deseja ouvi-la novamente.

No entanto, apenas disse alto:

— Minha senhora, é demasiada bondade sua não se ter esquecido do Vergel de Amores. Ele florirá quando chegar a sua hora, o que é para breve, es­pero. Meu único pesar é não ter por intérprete a Srta. Sílvia, cujo talento sem dúvida conhece.

Brígida Murteaux perguntou, muito interessada:

—- A senhorita canta? Oh, como desejaria ouvi-la! Com uma professora como Suzana e com a aprova­ção de um exigente como Noel, não poderia deixar de ser uma perfeita artista.

— Você tem razão. — Afirmou Suzana Contal. — Sílvia merece ser ouvida e eu os convido desde já, a você e seu marido, a comparecer à minha última audição de junho, no salão Debussy.

A Sra. Murteaux bateu as mãos de contentamento.

— Certamente que irei, assim como Raul. — Res­pondeu. — E você também, não, Daubert?

Afetuosamente abraçava Suzana que se despe­dia e dizia a Sílvia com seu modo espontâneo e in-dolente:

— Sua madrinha foi minha professora de canto no tempo em que eu tinha dezoito anos, não duvi­dava de coisa alguma e representava papéis de co­madre nas revistas dos Cassinos. Tive, após meu ca­samento, um repertório mais sério — dirigiu um terno olhar ao marido — representei papéis de criada de ve­lhos párocos, de jovens bretãs muito tolas e de espertalhonas criadas de quarto parisienses. Toco a músi­ca do espetáculo daqui de trás dos bastidores, e as grandes coquetes que têm um papelzinho a repre­sentar e vestidos elegantes a lançar... Graças a isto, tomo parte em todas as peças da Comédia Francesa e jamais me separo. de meu marido.

Um marido muito querido, aliás. — Concluiu Suzana. — Agora, Sílvia, saiamos que já soou o sinal para o segundo ato.

Acompanhadas de Noel, desceram a escadaria, cruzando com atores conhecidos cujos olhares se di­rigiam para Sílvia. Logo chegaram ao camarote. Noel deteve-se à porta, discretamente.

— Entre, que vai começar o segundo ato. Há lu­gar aqui para você. — Disse a Sra. Contal.

Sem se fazer de rogado, Noel sentou-se atrás e se pôs a assistir ao segundo ato. Este lhe pareceu muito melhor do que o primeiro. Seria o ambiente do camarote, onde feliz acaso o fizera entrar? De seu lugar, ele olhava Sílvia, admirava-lhe a linha pura do perfil, o lindo colo e os perfeitos ombros. Com­pletamente desatento à peça de Sarment, pensava:

— Que linda criatura esta jovem! Possui um dom raro, uma voz maravilhosa. Que carreira não faria no teatro!

Como que em resposta a seu pensamento, os olhos azuis de Sílvia se voltaram para Suzana, tão límpidos que o rapaz sinceramente acrescentou ao seu pensa­mento de há pouco:

— No entanto, seria prejudicial para ela. Teria, sem dúvida, um enorme triunfo, mas um triunfo peri­goso . . . Merece mais e melhor do que uma vida de aventuras.

Chegou afinal o segundo entreato.

Noel não pensava mais em voltar para a sua solitária poltrona e a Sra. Contal não teve a crueldade de lembrar-lhe. Conversava com ela, sobretudo com Sílvia, quando a chegada de um visitante amigo da Sra. Contal, lhe proporcionou um tête-à-tête que ele não deixou de aproveitar.

A Sra. Contal lhe dissera:

— Daubert, enquanto organizo com o Sr. Dantenay o programa de minha audição do dia 8, quer ter a gentileza de mostrar a Sílvia o foyer do teatro? Lá, ela encontrará nas vitrinas interessantes recordações de Raquel, de Coquelin, o Velho, e de Mounet-Sully.

— Oh, obrigada pela lembrança, madrinha!

E docemente a jovem acompanhou o improvisado cicerone, cuja íntima satisfação nem sequer suspeitava. Acompanhar uma linda mulher em lugar público sem­pre é incumbência muito agradável para um homem. E Noel desempenhou bem a sua tarefa: mostrou a Síl­via a riqueza de recordações das vitrinas; depois, a célebre estátua de mármore de Voltaire, sem se es­quecer do famoso quadro Uma leitura na Comédia Francesa. Explicou, comentou tudo com uma anima­ção que intimamente ele achava graça. Ficaria sur­preso dias antes se lhe dissessem que passaria uma encantadora noite como cicerone de uma jovem pro­vinciana.

Teria tido Sílvia a intuição do que o rapaz pen­sava?Sentada numa banqueta ao alto da grande escadaria, Noel de pé a sua frente, ela disse gentil­mente, com um sorriso zombeteiro a bailar-lhe nos lábios:

— Quanto trabalho está tendo comigo! Na ver­dade estou confusa.

Ao que o jovem respondeu muito sinceramente:

— Afirmo-lhe que o prazer é unicamente meu. Não acha tediosa sua primeira noite passada no Tea­tro dos Franceses?

— Oh, não, acho-a encantadora. A peça de Sarment me encanta, e o casal Murteaux é muito sim­pático. Parece-me um casal verdadeiramente per­feito. A Sra. Murteaux é sedutora.

Noel concordou:

— Sem dúvida nenhuma. Acompanha o marido a toda a parte, o faz ensaiar seus papéis, admira-o de todo o coração, mas como amiga clarividente cuja opinião lhe dirige sempre os esforços no sentido de uma arte mais perfeita. Possuir-se uma tal esposa é uma felicidade!

E, a guisa de conclusão, acrescentou:

Pudesse eu um dia, na minha carreira de ar­tista, encontrar uma companheira assim ideal!

Sílvia sorriu. Seu sorriso tinha uma graça extre­ma. Uma idéia extravagante atravessou o espírito do rapaz: talvez a longínqua companheira de seus sonhos tivesse a graça daquele sorriso.



CAPÍTULO X
Cinco horas. Lindo dia de fim de outono.

A Sra. Contal e a afilhada desceram do carro na sossegada rua Daru, diante da porta de Pleyel. No vestíbulo, deliciosamente fresco para quem vinha do grande calor de fora, apinhavam-se os espectado­res, desejosos por não faltarem à última audição de Suzana Contal. Esta, de maneiras muito simples, distribuía sor­rindo, ao entrar, boas tardes rápidos, agradecia àque­le público de escola pela sua pontualidade em ir ao recital. Desta forma, criava ao seu redor o ambiente que lhe era necessário para continuar a ser a can­tora incomparável cuja dicção e estilo já tinham con­quistado Paris.

Sílvia, toda radiante, notava a emanação de sim­patias que cercava a madrinha. Também ela, de to­do coração, a admirava, esquecida de si mesma; por isso, quase estremeceu ao ouvir uma voz amiga ao passarem:

— Sílvia, fique em nossa companhia; reservamos-lhe um lugar. Veja, Suzana fez milagres! Para ouvi-la e conhecer-lhe a voz, fui pontual: meu marido chegou a resumir o seu ensaio.

Sem parar de falar, a Sra. Murteaux fê-la sentar-se entre ela e o marido que estava encantado pelo fres­cor primaveril que sugeria Sílvia, lindamente vestida.

Atrás dos Murteaux, porém, surgira um novo es­pectador. Sílvia sentiu o coração bater-lhe descompassadamente enquanto Noel se curvava diante dela:

— Que prazer para mim ouvi-la hoje!

Tal satisfação se notava no tom de sua voz que a jovem enrubesceu. No entanto, confessou com fran­queza:

— Acho tudo muito intimidante, um público tão conhecedor, tantos artistas...

— Ora, não tenha o menor receio, interrompeu-a a Sra. Murteaux. Primeiro, você está admiravelmente vestida: esse verde lhe fica às mil maravilhas, À primeira vista, o público será conquistado. Em seguida, depois que ouvirem sua voz, você ficará tran­qüila. Eu sei como são essas coisas. Além disso, não estamos nós aqui? Você nos olhará, nós lhe faremos pequenos sinais animadores e você cantará para nós três.

“Você cantará para nós três”. Teria sido esta ousada conclusão que a acalmou? Não se via mais nenhum vestígio da inquietação de pouco antes. Es­perava impacientemente pela sua vez, apreciando a interpretação dos vários números pelas melhores alu­nas de sua madrinha.

Com sua graça envolvente, Suzana percorria o salão, dando boa tarde a uns, sorrindo para outros; sentava-se perto de uma senhora, cumprimentava uma outra. De longe, escutava com extrema atenção a sua aluna que cantava naquele momento. Depois, aproximava-se dela, falava-lhe sobre a melodia inter­pretada, dando-lhe o valor que merecia, em termos tão justos que era um prazer para o público que a escutava. Esse público era formado de senhoras da sociedade, artistas conhecidos, cantores estrangeiros, vindos para ouvir sua aprovação e conselhos.

Por um instante, Suzana esteve sentada ao lado da célebre artista Huguette Guibert, cujos olhos vivos e inteligentes acompanhavam a lição. A jovem que terminara a Harmonia da tarde, de Baudelaire, faltara expressão. Com seu tato delicado e gestos inacabados, Suzana começou a crítica com que devia esclarecer a aluna que a interpretara tão mal. Esta, longe de se aborrecer, escutava atenta­mente as palavras da mestra. Suzana Contal não cantou, apenas recitou versos de Baudelaire, que, com o timbre comovedor de sua voz, evocou de súbito a cor e a penetrante emoção da tarde. Em seguida, cheia de entusiasmo, exclamou:

— Como é lindo este poema de amor!

O tom era tão profundo, que talvez ao dizer estas palavras tivesse pensado no amor dos seus vinte anos, que os aplausos ecoaram de todos os lados. Sua velha amiga Lina Meliani, a grande cantora, estreitou-a contra o coração, num abraço fraternal. — Suzana, ninguém canta como você!

Tudo isto foi tão rápido, tão comovente como o aperto furtivo de mão amiga...

— Sílvia, agora é a sua vez.

A jovem levantou os olhos e encontrou o olhar de sua madrinha no qual ainda se vislumbrava o re­flexo da emoção experimentada.

Diante do piano de cauda, o célebre pianista Jaques Royer estava pronto para acompanhá-la. Co­meçou... e sob a magia dos seus dedos A Caverna, de Debussy, arrebatou a assistência.

Este arrebatamento, sentiu-o Noel primeiro, com o seu temperamento de músico. Parecia-lhe que Síl­via, um pouco pálida, ereta e esbelta diante dele, en­carnava perfeitamente a Náiade, a sereia sonhada pelo mestre ao escrever O Passeio dos Amantes. A jovem tinha um corpo ao mesmo tempo casto e perturbador e possuía uma voz de ouro. Quando sua magnífica voz se elevou, Noel teve a sensação de completo en­levo. Nem mesmo ouviu a Sra. Murteaux, encantada como ele, murmurar-lhe:

— Esta jovem é extraordinária, não acha, Daubert?

Diante dos aplausos, Sílvia se inclinou, tão sim­ples na sua radiante mocidade, que houve da parte da assistência um fluxo de simpatia por ela. A Sra. Murteaux e Noel fizeram-lhe a merecida ovação. Suzana sorriu para ela. Por um instante Sílvia os olhou. Nos seus olhos se lia a felicidade de sentir-se assim compreendida. Mas ela ainda devia cantar O Natal das crianças que não têm casa. Ao interpretar esta canção de Debussy pôs nela toda a sua alma, toda a sua alma vibrante.

— Muito bem, muito bem. — Murmurou Suzana, ao finalizar tão comovida como a Sra. Murteaux.

Esta tinha os olhos cheios de lágrimas mas, mes­mo através da névoa dessas lágrimas, observou a Noel atentamente. O público, insaciável, aplaudia sem cessar.

— Sílvia, cante agora O Bosque Espesso, de Lulli, pediu-lhe Suzana, encantada com o sucesso da afi­lhada.

E a voz de Sílvia, para satisfação de todos, difundiu-se as lindas sonoridades apaziguadoras daquela can­ção. Foi como água purificadora sobre os nervos entusiasmados dos espectadores, dando como que uma impressão de grandeza e pureza. Afinal, sob o estrondo dos aplausos, Sílvia desceu a pequena escada do palco e espontaneamente se ati­rou aos braços de Suzana.

— Madrinha, minha querida madrinha, como é bom cantar aqui, cantar para todas estas pessoas!

“Cantar para todas estas pessoas!”

Estas pala­vras ainda zuniam aos ouvidos de Suzana quando, terminado o concerto, recebia as despedidas das pes­soas que tinham vindo à sua audição. Todos ou qua­se todos falavam de Sílvia. Afinal, onde estava ela, a heroína do dia? Suzana a procurou com os olhos. Avistou-a num canto da sala, a conversar com um rapaz. Este fez um movimento e Suzana logo o reconheceu. Era Noel, que a retinha sem o menor embaraço à uma hora tão tardia. Parecia ao rapaz que coisa alguma devia interromper o encanto desse tête-à-tête... Ao acaso, seus lábios pronunciavam palavras banais; entre am­bos, porém, tremia o laço sutil que a música havia tecido. ..

— Hum, hum, já é tempo de intervir. — Pensou Suzana.

E com um gesto chamou a afilhada.


CAPÍTULO XI
A Sra. Contal entrou no salão de chá quase de­serto, porquanto já passava muito de meio-dia. Avis­tou Noel sentado a uma mesa onde havia duas xícaras. Ele a esperava, conforme o convite telefônico que recebera. A Sra. Contal adivinhou a decepção que o rapaz tivera ao vê-la aparecer sem a afilhada. Ele lhe perguntou imediatamente:

— Não trouxe a Srta. Sílvia? No entanto, bem que ela merecia um lanche reconfortante depois das emoções por que passou no concerto de ontem.

— Quanto a isso, fique tranqüilo. Neste momen­to está lanchando em casa, sem dúvida nenhuma. E eu prefiro vê-lo a sós, pois daqui em diante nossos momentos estão contados. Como seguiremos no fim da semana para Bex-les-Bains, temos agora muito que fazer. Sílvia e eu estamos fora de circulação, preocupadas com arrumações de bagagens. Compre­ende, não?

— Compreendo perfeitamente que não devo to­mar-lhes o tempo e que minha visita, embora seja de despedida, seria importuna...

A Sra. Contal inclinou a cabeça e respondeu em tom de brincadeira:

— Justamente! Sirva-me agora o chá, por obsé­quio, senão esfriará. Deveria contentar-me com estas declarações por sua causa mas, por motivos não me­nos imperiosos, parece-me necessário fazer outras.

Noel dirigiu o olhar para os olhos vivos da interlocutora.

— Muito bem. Queira falar.

— Pois bem, fiquei um tanto aborrecida quando o ouvi dizer, outra noite, que a senhora sua mãe ia fazer uma estação de águas em Bex-les-Bains.

— E então? A senhora não tem intimidade com mamãe, é verdade, mas posso afirmar-lhe que mamãe é uma companhia agradável, companhia que estou certo que irá agradar-lhe.

— Não tenho a mínima dúvida a respeito e, não obstante o meu feroz mau humor desde o início das férias do verão, estou certa de que nos compreende­ríamos perfeitamente, ainda mais tendo a você como laço entre nós, meu caro amigo.

— Nesse caso, está tudo muito bem.

— Tudo estaria muito bem se a Sra. Daubert e eu estivéssemos em Bex apenas nós duas... Mas você bem sabe que sou agora “mãe de família”, pelo menos neste verão. Segundo suas próprias palavras, você tem a intenção, pela qual aliás o louvo, de fazer companhia à senhora sua mãe por algum tempo.

— É verdade. E então, minha senhora? Tem toda razão em me considerar um tanto obtuso mas confes­so-lhe com toda a humildade que não compreendo muito bem o que querem dizer as suas palavras.

Suzana Contal dirigiu seu olhar penetrante para o rosto do rapaz. Nele vislumbrou uma curiosidade não inteiramente sincera. Compreendia-o muito bem...

— Isso é verdade? Então vou por os pontos nos ii, a fim de evitar um desagradável equívoco en­tre nós dois. A verdade é que parto um tanto preocupada com a jovem que me foi confiada. Sílvia tem um físico sedutor, possui um entusiasmo ardente pelo culto da arte que também o seduz. Ora, este culto, pelo menos até que se prove o contrário, acho pruden­te que não o pratiquem juntos e, sim, cada um de seu lado. Isto para felicidade de minha afilhada. Sei que a acha extremamente encantadora, e não desejaria que ela tivesse a mesma opinião a respeito do autor de O Vergel de Amores.

— E por que não? — Perguntou o rapaz tão com­bativamente quanto lhe permitiam a delicadeza e o afetuoso reconhecimento que tinha por Suzana Contal.

— Por que não?... Ora, você o sabe tão bem como eu!

Noel não se atreveu a contradizê-la.

— Por ora, Sílvia não pode ser para você outra coisa senão o fruto proibido. Ela merece muito mais do que o flerte que a sua fantasia poderia oferecer-lhe, pelo menos nesta ocasião. Será a felicidade de ambos. Você ainda não está amadurecido para o casamento e sabe isso tão bem como eu. Reconheço-o com sin­ceridade!

Noel ficou por alguns minutos em silêncio, despei­tado e furioso, compreendendo muito bem que a Sra. Contal tinha razão.

— Por isso — prosseguiu ela — quero evitar uma de­cepção a esta jovem que merece muito mais do que a humilde vida que você poderia proporcionar-lhe no presente. Na sua idade, para a realização dos seus ar­dentes projetos, são lhe necessários caminhos acidenta­dos, cheios de imprevistos, pelos quais você caminha­rá guiado apenas pelo seu capricho, sem nenhum empecilho, sem o peso de alguma cadeia que o ligue a um outro ser, que suas evoluções poderiam magoar. Por esse motivo, deve prosseguir generosamente no seu rumo, sem se deter para colher, como a uma so­litária flor à beira da caminho, uma jovem que trouxe para minha companhia unicamente para o prazer dela mesma — e não para o seu, pois a você, a este respei­to, não é preciso senão o trabalho de escolher.

— Oh, minha senhora...

— Em Paris, diversas circunstancias e o seu de­sejo o aproximaram de Sílvia. Suponho breve essa aproximação, nela não vi nenhuma inconveniência; mas achei perigoso verem-se juntos na intimidade ten­tadora do campo. Essa a razão por que acho neces­sário pedir-lhe que se afaste. Não alimente, intencionadamente ou não, ilusões a essa jovem que, depois, poderia vir a sofrer muito. Divirta-se sem ela, não lhe faltarão ocasiões para isso. Como me parece quase impossível que fique ao lado dela apenas como bom camarada, o que seria tão perigoso como andar numa corda esticada, peço-lhe, por amizade a mim, que pro­ceda dignamente, procurando evitá-la. Está prome­tido e não falaremos mais a respeito, não é assim?

E a Sra. Contal sorria para o rapaz com a graça que lhe dava tão grande poder. Por sua vez, ele olha­va para ela, vencido pelo apelo feito à sua delicadeza.

— Ufa! Por este sermão eu não esperava! Minha querida amiga, a senhora é de uma prudência terrí­vel! Julga-me assim tão temível?

—- Não, mas estimo Sílvia e lembro-me de minha mocidade, além da experiência que tenho da vida. Penso que as jovens de vinte anos que se lançam, ig­norantes, na sua nova vida de mulher com o coração .e o espírito cheios de curiosidade, esperanças, desejos, não calculam — as coitadas! — as possibilidades que há de estragarem a vida.

Os grandes e vivos olhos de Suzana Contal fita­ram atentamente os do rapaz que respondia sincera­mente ao apelo feito à sua lealdade:

— Seja como à senhora o deseja. Dou-lhe a pa­lavra que me pediu, minha prudente senhora.

Curvava-se diante da mão que ela lhe estendia, prestes a se despedir, depois de tomarem o chá.

— Muito bem, e obrigada de todo o coração. Agora, volto depressa à arrumação das bagagens. Adeus, Noel. Por ora, minha porta está fechada, mas nos encontraremos em Bex.

— Mesmo assim, queira apresentar minhas respei­tosas homenagens a Srta. Sílvia, suplicou o rapaz.

— Falo-ei, esteja tranquilo.

— De maneira que meu afastamento não a fa­ça pensar mal de mim, não é assim? O que, aliás, seria injusto, como bem o sabe.

— O céu o recompensará no momento oportuno, pode estar certo, meu amigo.

E após um aceno amistoso a Sra. Contal se afastou.



Só no salão de chá, Noel a via afastar-se. Depois, teve um levantar de ombros e um sorriso, ao lembrar-se da desastrada promessa que fizera. E, por sua vez, saiu também.
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