Filha e Rival henri ardel



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CAPÍTULO XV
Quando, momentos depois, Sílvia penetrava no estabelecimento a fim de buscar a água que sua madrinha lhe havia pedido, encontrou-se frente a frente com Noel, que vinha de volta de delicioso passeio em companhia de Marise. Na ruidosa balbúrdia reinante ali, não pudera ele encontrar a mãe que já tinha voltado para o hotel. Parou à frente da jovem com prazer tão evidente que por momentos rá­pidos se avivou o brilho das faces sem pintura de Sílvia, às quais o sol e o agreste odor dos pinheiros faziam bem. O rapaz estendeu para ela a mão aberta, com o mesmo gesto com que o teria feito Bob: no en­tanto, beijou-lhe os dedos nus.

— Bom dia! Então, é preciso vir à fonte para vê-la em liberdade, ó criatura esquiva, que vive fechada nos seus domínios, sem a menor piedade para com aqueles que anseiam por ir procurá-la, mas que não ousam arriscar-se a isso!

Tendo-se recobrado da surpresa do primeiro mo­mento, Sílvia replicou, gracejando, mas sem se deixar perturbar:

— Os que desejam ver-me sabem muito bem onde poderão encontrar-me. Pergunte-o ao meu amigo Bob! Ainda esta manhã, jogamos uma disputadíssima partida de tênis.

— É para enciumar-me que diz isso?

— Absolutamente. Não tenho tão mesquinhas in­tenções! Pelo contrário, acho muito natural que você prefira um passeio ao tênis, se é o coração que o exige.

Entre ambos, pairava a sedutora imagem de Ma­rise; nenhum deles, porém, queria evocá-la. De resto, nesse momento Marise passara para plano secundário. Noel não via senão o radiante rosto de Sílvia, coberto pelo chapeuzinho de palha; devorava com sofreguidão o mistério juvenil das suas pupilas sempre límpi­das e profundas, os lábios ainda não tocados e que, não mais que os olhos, não confessavam facilmente o seu segredo. Um pouco irritado por verificar mais uma vez quanto, sem a menor coqueteria, Sílvia se comprazia em o ocultar, Noel continuou, em tom de brincadeira, enquanto, a seu lado, ela esperava pela água pedida:

— Srta. Sílvia, será que lhe falaram mal de mim? Ou talvez a tenha eu desgostado em alguma coisa? Que foi? Caso a tenha magoado, queira dizer-me em que foi, para que possamos fazer as pazes. Depois que a fiquei conhecendo, sempre desejei que nos tor­nássemos amigos. Em Paris, a senhorita era muito mais acessível do que aqui!

Sílvia lembrou-se do juízo que dele fizera sua ma­drinha e do qual o próprio Noel depressa se encarre­gara de provar a exatidão. Isto, porém, ela não lhe podia dizer. Noel bem compreendeu que ela pensava em coisas que absolutamente não lhe confiaria, pelo menos no momento. Um pouco autoritário, mas deli­cadamente, tomou-lhe das mãos a garrafa de água, enquanto lhe ouvia a resposta:

— Em Paris não o conhecia muito bem e me aven­turava no desconhecido do mesmo modo que as crian­ças, isto é, cegamente.

— E logo se tornou clarividente quanto ao que diz respeito à minha pessoa, à qual, aliás, julga com a severidade de um velho filósofo sem ilusões. Sin­to-me bastante pesaroso por isso, porquanto havia imaginado agradáveis perspectivas em relação a nos­sa permanência em Bex...

— Que quer dizer?

E o olhar azul de Sílvia procurava o dele. Re­soluto, Noel a conduziu para o lado das imensas por­tas, abertas para o céu sem nuvens, enquanto sorria alegremente.

— Vamos pela álea das tílias? Ali poderemos con­versar melhor do que no meio desta balbúrdia, e me será possível contar-lhe aquilo que me decepcionou muito. Eu estava disposto a gozar, em sua compa­nhia, os prazeres deste delicioso recanto, ao qual sou muito agradecido por inspirar-me tão generosa­mente...

— Está trabalhando aqui?— perguntou a moça, es­tupefata e incrédula.

— Sim, e você não parece acreditá-lo. Ao ouvir-me, aparenta um ar cético, muito injusto, aliás... Não creio que pense que foi por simples dis­crição que não lhe confessei meu desejo de ouvi-la cantar os novos trechos que compus para O Vergel de Amores — algumas melodias inspiradas aqui em Bex, e, também, mas de outro gênero, os fragmentos da missa que mamãe me pediu que escrevesse para um convento pelo qual muito se interessa.

— Peça-o à madrinha, que tem muito mais expe­riência do que eu.

De maneira um tanto vaga, Sílvia tinha a impres­são embriagadora de caminhar em sonho. Jamais se lhe havia deparado semelhante encanto na álea das tílias, com seu horizonte de montanhas azuis, prados aveludados, cuja relva, da cor da esmeralda, era ir­rigada por pequenino ribeiro, ao pé das árvores da floresta de frondes já meio amarelecidas pelo verão muito quente.

Noel respondeu imediatamente:

— Bem compreende que, estando a Sra. Contal em Bex para uma cura de repouso, não posso permitir-lhe que se interesse pelo meu trabalho. Com res­peito à senhorita, atrevo-me a tanto, pois está no desabrochar de sua maravilhosa mocidade. Por esse motivo, não pude escapar à tentação de lhe subme­ter como, quando travamos conhecimento, o resulta­do de meu trabalho, desejoso de ouvi-lo interpretado pela deliciosa voz cujo precioso timbre, ardente e pu­ro, não posso esquecer. Não seja cruel assim, obrigando-me a procurar tolas distrações, convencido de que minha presença lhe causa tanta inquietação quanto um mau agouro. Pode agora adivinhar o re­sultado?

Se Marise tivesse ouvido. . .

— Seria muito melhor se tocarmos e cantarmos juntos! Mas ao menos de vez em quando não quero parecer-lhe um importuno!

Noel esquecera-se por completo do salão de chá em Paris e da promessa que ali fizera a Sra. Contal. Apenas via os olhos brilhantes da jovem dirigidos para os dele e estava muito interessado para que pudesse enganar-se quanto à sinceridade da atenção dela. Sílvia repetiu:

— Então, está mesmo trabalhando em Bex?

Com seu modo terno e imperioso, Noel respon­deu alegremente indignado:

— Se estou trabalhando? Por Deus que sim! Per­mita-me prová-lo obtendo da Sra. Contal consentimen­to para sentar-me a um piano a seu lado, no salão do hotel ou na pequena sala que aluguei em casa de Louise, negociante de músicas, com o fim de poder trabalhar no silêncio do seu jardim.

Sílvia olhava para ele um tanto perplexa, mas terrivelmente tentada; enchia-os a mesma curiosida­de de, cada qual, saber o segredo do outro. No entanto, nenhum dos dois desejava traí-lo. Sílvia, sobretudo.

Noel, avisado com antecedência por Suzana Contal para conservar-se afastado de Sílvia, facilmente se tinha deixado levar para a esfera em que a esperta Marise o atraía. Lindas moças da qualidade de Marise já tinha ele encontrado em grande número, e em toda a parte. E ele estava enjoado delas...

Agora, e muito mais jovem, aparecia-lhe Sílvia Herblay, encantadora como o seu nome, espontânea e indomável, zelosa da sua intimidade que não con­cedia a qualquer um, e de intensiva vida interior que Noel entrevia no seu olhar inconscientemente re­velador. Adivinhava-a muito inteligente, de espí­rito independente, artista até o âmago da alma, de uma sinceridade que facilmente se notava e que despertava no rapaz um desejo ardente de deliciar-se com sua maravilhosa voz e penetrar-lhe no coração fechado.

— É verdade, você é uma jovem companhia mui­to dedicada a Sra. Contal; além disso, joga tênis com o desembaraço de uma garota do outro lado da Mancha. Quando não está a passeio, passa o tempo no par­que com algum livro de capa amarela, agradavelmente atraente, ou um rebarbativo volume. Digno de qual­quer estudante. Seria mesmo capaz, do que estou certo, de interessar-se por assuntos políticos.

— E por que não, se eles são tão interessantes? — perguntou a moça, zombeteira.

Em todo caso, você tem nessas ocasiões um ar tão absorto que me parece seria muita indiscrição de minha parte interrompê-la. . . como quando me infli­ge o suplício de Tântalo, fazendo-me ouvi-la cantar de longe!

— Pois bem, ao menos sobre este ponto, fique contente. Disse-me a madrinha esta manhã que sua mãe lhe tinha expressado o desejo de ouvir-me cantar. Por isso haverá hoje, depois do meio-dia, em nos­so apartamento, uma pequena audição íntima com restrito número de convidados, entre os quais penso que a madrinha com prazer o incluirá.

Noel lembrou-se então da conversa que tivera com a Sra. Contal em Paris e tornou-se cético quanto ao prazer que a Sra. Contal teria em convidá-lo. Nada, porém, deu a perceber e apenas disse, com entoação que não surpreendeu à moça, que muito bem sabia a que ponto era ele dominado pela sua pai­xão pela arte:

— Que deliciosa esperança você me dá! Com­preende quanto me alegro com isso?

Sílvia o compreendia muito bem, do mesmo mo­do que tinha a certeza de que, pelo menos no mo­mento, Marise não o preocupava em coisíssima al­guma. Seus olhares se encontravam alegremente quando se ouviu soar o primeiro toque de sineta para o almo­ço. Ambos estremeceram. Sílvia exclamou:

— Ouviu? Vou chegar atrasada, é horrível! Vou para lá depressa!

— Sim, sim, vamos depressa. Pode ter a certeza de que correrei tanto quanto você.

— Sim, acredito-o — respondeu a moça, travessamente.

Tão ligeiro como Sílvia, ele descia pelo estreito caminho que conduzia da álea das tílias ao hotel. O sino da igreja ressoava as badaladas sonoras do meio-dia.

Rapidamente Sílvia alcançou o parque, de onde os hóspedes se dirigiam para o salão de refeições.

Via-se entre eles Estevão Rimbault, muito alegre, com seu terno olhar dirigido para o rosto radiante da Sra. Albert, ao lado da qual vinha Jocelina. Esta, que conseguira dominar-se, conservava, entretanto o ros­to fechado.

A Sra. Contal estava no terraço folheando uma revista; ao ver a afilhada, exclamou:

— Até que afinal você chegou, Sílvia! Começa­va a ficar inquieta.

Sílvia a abraçou.

— Desculpe-me, madrinha. Sem querer, fui for­çada a dar um passeio que não esperava. Depois lhe contarei tudo!

Tal felicidade iluminava o rosto da jovem que a Sra. Contal sorriu com o mesmo prazer que teria tido se aspirasse o perfume de uma rosa.

— Pois bem, minha flor, você me contará en­quanto almoçamos.

Os últimos alarmes do sino da igreja morriam no céu que prenunciava tempestade próxima.

Imóvel junto à janela do salão de refeições, Marise esperava pela mãe, sempre atrasada. Enquan­to isso conversava com Hugo de Pradon que perfei­tamente compreendia, com sua experiência de ho­mem, que o pensamento de Marise errava longe dele.

E tinha razão. De onde estava e enquanto dava os retoques finais da obra de arte de sua beleza, Ma­rise vira chegarem, a correr, Noel e Sílvia, um ao lado do outro, sorridentes. Ambos pareciam entender-se perfeitamente; separaram-se sem se apertar as mãos, mas mesmo assim, os finos lábios de Marise se con­traíram um pouco.
CAPÍTULO XVI
A exposição de Sílvia fora cuidadosamente ver­dadeira e terminara com o almejado convite a Noel. Durante o café que foi servido antes debaixo das ár­vores do parque, a Sra. Daubert aproximou-se da ca­deira de lona de Suzana Contal e, estendendo a mão a Sílvia, lhe disse com o seu irresistível sorriso:

— Sua madrinha me avisou de que logo terei o grande prazer de ouvi-la cantar, minha querida ami­ga; meu filho também disse que você desejava can­tar-nos alguma das últimas composições dele, para melhor fazer-nos apreciá-las. Devo confessar-lhe que a música muito moderna deste jovem compositor ma desconserta um pouco... No entanto, como sei que é pianista notável, peço-lhe, caso seja possível, fazer-nos ouvir algumas obras clássicas, tais como o Largo de Haendel, o Adágio da sonata patética...

— Com a maior boa vontade tocarei o que a senho­ra desejar.

— Sem muita contrariedade, não é?

— Pelo contrário, com muito prazer, respondeu a moça.

E o céu bem sabia quanto Sílvia era sincera res­pondendo desta maneira. Nesse ponto a conversação foi interrompida pela aproximação discreta de um criado que, a meia voz, disse a Sra. Contal:

— O Sr. Cura de Bex manda perguntar se po­derá recebê-lo.

— O Sr. Cura de Bex?.. . Mas, se não o conhe­ço... Não há engano?

— Não, minha senhora. O Sr. Cura espera no ter­raço.

— Pois bem, peça-lhe para entrar na sala de visitas. Irei para lá.

Resignada, a Sra. Contal levantou-se da sua pol­trona, sem o menor desejo de deixar a fresquidão das árvores, fresquidão deliciosa por causa do forte ca­lor reinante. Dirigiu-se para a álea onde avistara a curiosa figura do velho Cura, arfando e verme­lho pela caminhada que fizera. Depois alcançou a sala de visitas.

Todo perturbado, o Sr. Cura olhava para a linda senhora que tão amavelmente o recebia na sua boni­ta sala, velada pelos cortinas descidas. Desculpava-se por ter-se atrevido a interrompê-la, mas fora leva­do a isso pela comunicação que lhe fizera o vigário e por ter sido encorajado por Monsenhor Sidoine, também hospedado no hotel.

— Desejava falar comigo, Sr. Cura? perguntou a Sra. Contal — Sorridente e apiedada diante do embara­ço e timidez do velho. — Posso servir-lhe em alguma coisa?

— Em muito! Em muito, minha senhora! E torcia nervosamente a aba do chapéu.

— Soube por intermédio de monsenhor Sidoine, que a senhora é uma grande artista, muito célebre e muito boa. Soube também que está hospedado no hotel um jovem compositor de renome. Por isso pen­sei que, para a próxima festa de 15 de agosto, talvez me fosse possível, já que se me deparava à oportuni­dade, organizar uma missa acompanhada de núme­ros musicais. Monsenhor Sidoine diria algumas pa­lavras alusivas ao ato, a senhora cantaria e o jovem compositor faria ouvir algumas de suas composi­ções. . . Tudo isto em benefício dos nossos pobres. Creio que todos os hóspedes de Bex seriam atraídos pelo lindo programa. Ainda mais que têm sempre disposição para aceitar as menores distrações que lhes alterem de vez em quando a monotonia da es­tação de cura.

No arrebatamento de sua convicção, o Sr. Cura perdera a timidez. Deteve-se, porém, porque lhe faltou o fôlego e também porque estava um pouco inquieto com o silêncio da bonita senhora que sorria para ele sem lhe prometer coisa alguma, tornando-o, com isso, mais consciente de seu atrevimento. Mas ele não podia suspeitar que sua interlocutora procurava um meio para desenganá-lo da sua inocente confiança. Como se, de súbito, o tivesse adivi­nhado, continuou com transporte:

— Minha senhora, tenha a bondade de consentir em fazer-nos ouvir, em nossa missa, alguns trechos de canto para que possamos incluir o seu nome no programa. Nossos pobres lucrariam tanto!... Se para a senhora é um sacrifício, faça-o em nome de Deus que lhe ficará reconhecido. Ajude-nos em nossa festa em benefício dos pobres!

Tinha o velho Cura um ar tão ansioso e súplice que a Sra. Contal estava contrariada e ao mesmo tem­po consternada por precisar responder com uma ne­gativa.

Entretanto, começou a falar brandamente com muita precaução:

— Sr. Cura, muito desejaria ser-lhe agradável mas, atualmente, estou condenada a completo repou­so e minha voz não se acha em condições de fazer-se ouvir, o que iria causar decepção a todos. No en­tanto. .

A Sra. Contal vira contrair-se o rosto ansioso do bom velho que de repente ficara tão desapontado que ela causou a si mesma a impressão de ser um mons­tro de egoísmo. Por isso, continuou, persuasiva:

— Sei entretanto que o jovem compositor, a que o senhor se referia ainda há pouco, compôs uma mis­sa muito interessante que poderia, com destaque fi­gurar na festa de 15 de agosto. De minha parte, en­carrego-me de conseguir do compositor a necessária autorização para serem cantados alguns trechos.. .

— Pela senhora?

— Não por mim, mas por uma jovem cantora, minha aluna, que possui magnífica voz e que me substituirá com inteira satisfação do auditório.

Em primeiro lugar, Suzana não estava muito certa de conseguir autorização de Noel; depois, maldizia a desastrada idéia do Sr.Cura e a intempestiva piedade que lhe havia inspirado, levando-a a proceder contra suas prudentes resoluções.

Tranqüilizado, mas ainda um pouco duvidoso, o Sr. Cura perguntou:

— A magnífica cantora a que a senhora se referiu encontra-se aqui? E ela aceitará cantar?

— Sim, se eu lhe pedir.

— E a senhora lhe pedirá, não é verdade? Seria de sua parte uma ação tão boa e sua amiga também seria recompensada pela sua caridade.

O velho sacerdote mostrou-se satisfeito, enquan­to indefinível sorriso aflorava aos lábios da Sra. Contal, que muito bem guardou o segredo que tinha em mente. Despediu se do velho cura que estava exultante de alegria e tão reconhecido que Suzana ficou comovida, lastimando agora um pouco menos o que chamava sua “imprudência”.

Quando voltou para o terraço, viu que a Sra. Daubert ainda se achava ali. Perto dela, um pouco isolados, Noel e Sílvia examinavam trechos que a jo­vem ia cantar; enquanto o rapaz lhe dava as expli­cações necessárias, tinha ela o rosto levantado para ele, na alegre atitude de escolar cujos olhos atentos recolhem avidamente o pensamento do mestre. Noel parecia encantado de confiar-lhe a interpretação de seu trabalho.

— Minha querida Sra. Contal, o Sr. Cura veio pedir uma ajuda para os seus pobres, não é verdade? — per­guntou a Sra. Daubert que estava disposta a atender generosamente ao pedido, que adivinhara, do velho Cura.

A Sra. Contal, porém, se pôs a rir.

— Trata-se de uma ajuda de gênero especial, um pedido que estou encarregada de transmitir a Noel, e também a você, Sílvia. Prestem atenção que vou dizer-lhes do que se trata.

E contou a conversa que tivera com o sacerdote, sendo ouvida pelos dois jovens com a maior atenção. No fundo do olhar do rapaz havia, no entanto, certo brilho zombeteiro e triunfante que já uma vez sur­preendera a Sra. Contal. Compreendia muito bem que ele pensava, como aliás também ela, na conversa que tinham tido no salão de chá, em Paris. Aceitando com bom humor a derrota, perguntou-lhe:

— Então, meu jovem compositor, não está zanga­do comigo por ter assumido esse compromisso?

— Foi magnífica a idéia que teve, minha cara se­nhora, e lhe fico muito agradecido, como também a Srta. Sílvia por contribuir para me tornar conhecido.

— Talvez se iluda quanto a meu talento e eu não esteja à altura de seus trabalhos — observou a moça.

— Pode ficar tranquila a respeito, minha querida — observou a Sra. Contal. — Nós a ajudaremos.

Suzana Contal estava bastante tranquila quanto à voz e prendas musicais da afilhada; menos, porém, o estava quanto às consequências de uma aproximação que sua prudência lhe havia aconselhado que evitasse. Este pensamento a impediu de dormir nessa noite. A tempestade que durante o dia pairara ameaçadora no céu, desencadeava-se afinal. O céus estava riscado de relâmpagos e estrugiam na noite trovões. De repente, a Sra. Contal percebeu que no salão vizinho a luz ainda se conservava acesa.

— Você não está dormindo, Sílvia?— perguntou.

— Não, madrinha, não consigo dormir com esta tempestade. Além disso, tenho a cabeça cheia de música. Como não me é possível conciliar o sono, exa­minava as músicas que Noel me deu, as mesmas que, juntos, examinamos há pouco. Que artista! É deli­cioso trabalhar com ele!

— Sim, mas agora não é hora de pensar nisso. Procure dormir, mesmo com a tempestade e a cabeça cheia de música, minha querida entusiasta. Do con­trário, cuidado com as desilusões...

Sílvia teve um pequeno sorriso e, sem nada res­ponder, dirigiu-se para o quarto ao mesmo tempo que formidável trovão retumbava no céu em fogo.


CAPÍTULO XVII
"Minha querida vovó

Imagine que hoje chove, apesar de estarmos em pleno verão, o que é de estranhar; e chove de verdade, terrivelmente, em seguida à formidável tempestade que de noite não deixou dormir senão aos corajosos. Destes, fiz parte eu, depois da meia-noite. A essa hora, com o frescor da chuva diluviana que tamborilava nas vidraças de meu quarto, acalmou-se a pequena febre que eu tinha, febre aliás deliciosa; meu cérebro ainda es­tava ressoante da hora de música que proporcionei a Sra. Daubert, em presença de Noel, na pequena sala de visitas da ma­drinha.

Desde o princípio toquei com toda a minha alma o que ela me tinha pedido, certa de estar sendo ouvida por uma conhecedora que não desgostava da música clássica, por mais mo­derna que ela fosse. Tendo suas palavras me revelado quanto tinha eu sido compreendida, fiquei trêmula de alegria quando, depois de Haendel e Beethoven, interpretei a própria música de Noel, reproduzindo ma melhor maneira que me foi possível toda a inspiração que ele pusera no seu trabalho.

Creio que Noel o adivinhou logo; sem que eu saiba como fez-se o milagre: o jovem mestre, a caminho da celebridade, deixou de ser para mim um estranho muito amável, o chichisbéu4 de Marise, a quem eu qualificava como uma espécie de bor­boleta, por causa do que minha madrinha dissera, e por sua causa também, vovó, pois que a achava reticente a respeito dele. Em pouco tempo, o Noel reencontrado em Bex desaparecia diante do verdadeiro filho da Sra. Daubert, encantador pelo talento e extrema simplicidade.

Não me parecia de nenhum modo colocado sobre um pedestal, do qual aliás ninguém recearia vê-lo cair, tão sobera­namente cativo se mostra pela sua arte, pronto a sacrificar por ela, adivinha facilmente, todas as Marises do mundo, caso ten­tassem distraí-lo ou perturba-lhe a inspiração muito dócil, que pode tomar as mais diversas e inesperadas formas, com sonoridades de um modernismo ousado, aliadas às belas e largas on­dulações, arrebatadoras, nascidas da sensibilidade palpitante da qual há pouco senti tão fortemente o roçar, ao tocar e cantar as páginas que nos encerravam num círculo encantado.

A senhora avalia, vovó, a que ponto estava eu interessada! E notei que a madrinha também o estava, enquanto nos escuta­va, ao lado da Sra. Daubert que, junto da janela aberta, fazia tricô para os seus pobres. Em geral, nossas impressões musicais, minhas e de Noel, se combinavam inteligentemente. Nem todas, porém. Nesse caso, quanto às minhas, conservava respeitoso silêncio, inclinava-me diante da competência dele. No entanto, bem depressa Noel o notou e, como é muito sincero nas suas opiniões e verdadeiro amigo da verdade, pe­diu me que externasse o que eu tinha no íntimo do pensamento. Insistia depois para fazer-me pensar como ele. Muito me di­vertiu ao dizer-me todo convencido:

Peço-lhe que não faça o papel da jovem muito bem edu­cada que não se permite o mínimo desacordo de opinião. Recebeu excelente educação musical para não ter o direito de ex­primir sua opinião própria.

Nesse caso a darei, embora valha pouco — e não a tome em nenhuma conta, se a achar muito tola.

É claro que sim, concordou com uma arrogância que nos fez rir a ambos, igualmente divertidos com a sua franqueza.



Na verdade Noel me parece uma mistura complexa do melhor, do bom, do menos bom e do inferior mesmo. Do inferior, muito pouco, penso. Possui o altruísmo do homem muito rico, a que nesta qua­lidade é fácil e, por conseguinte, instintiva; bastante diferente da caridade inteligente e muito mais útil de meu velho amigo Felipe.

Em suma, conhecendo-o melhor, e mesmo sem levar em conta o seu talento, acho-o muito interessante de observar. Pode ficar tranquila, vovó, que não me esquecerei do juízo da madri­nha a respeito dele. Noel foi muito mimado pela vida para que não julgue as mulheres como destinadas a servir-lhe de distração. O bom senso me manda viver em boa harmonia com ele, mas cada um de seu lado — a minha porta muito bem fechada à curiosidade dos outros. “Prudentemente me lembro disso.”

Vovó querida, sem dúvida nenhuma, quando o Sr. Cura veio, em nome de Nossa Senhora, e em benefício dos pobres, solicitar o consenti­mento da madrinha, de Noel e, também, meus humildes préstimos, não duvidava em absoluto do interesse que iria provocar entre os veranistas de Bex, mais desejosos ainda de se distraírem, pelo fato de o tempo persistir em continuar lastimavelmente brusco depois da forte chuva de há dias. Imediatamente as mamães acharam que era seu dever dis­trair as filhas; estas, entretanto, achavam-se muito à vontade sós, satisfeitas por poderem dançar quanto quisessem no salão do seu hotel.

Não figuro, porém, entre estas por causa dos absorventes e deliciosos ensaios para a missa cantada que a madrinha, cum­prindo a palavra dada, tomou o encargo de dirigir. Que idéia genial teve o Sr. Cura! Por isso tenho cuidado com a minha voz, como uma mãe com o filhinho. Não posso imitar o exemplo de Marise que passeia à vontade, encantadora sob sua capa cin­zenta de borracha que deixa à mostra suas lindas botinhas hún­garas. Traz uma elegante boina de feltro que atrevidamente deixa escapar alguns cachos dos seus sedosos cabelos "auburn"5. Assim ataviada é tão bonita quanto sua vaidade poderia dese­já-lo. Disso, porém, quem se aproveita no momento é Hugo de Pradon, uma vez que Noel se tornou fervente adorador da música. Além disso, muitas pessoas elogiam antecipadamente os mé­ritos de nossa missa. A Sra. Charret, tomada de irritação, re­solveu organizar uma festa de caridade, uma quermesse-concerto também em benefício dos pobres de Bex. Por esse motivo pediu o salão de festas do hotel que, como é obvio o gerente não pôde recusar a uma cliente de tanta importância. Marise reservou para ela um número de dança a fantasia, na qual Hugo de Pradon, embora não tenha a esbelteza necessária, lhe servirá de par, muito satisfeito de ficar ao lado dela. Também a Sra. de Brolles parece muito interessada por esta quermesse. Por felici­dade, ela e a Sra. Charret são muito bem educadas, de maneira que está afastada qualquer possibilidade de conflito entre estas duas potências dirigentes.

Neste momento, Bex-les-Bains, repleta de veranistas, parece tomada de excessiva vontade de se divertir. Apenas as pessoas de idade, as despreocupadas como a madrinha, ou as prudentes como a Sra. Daubert, evitam deliberadamente o ambiente que as envolve. Os jovens pulam de contentamento, com exceção de Jocelina, que se mantém afastada. De minha parte a meu modo, estou tão entusiasmada quanto às de Brolles, esforçando-me para ficar acordada enquanto as luzes se conservam acesas. Neste instante tenho a alma em festa, sendo-me possível esque­cer a tola inquietação que me causaram as ingênuas cartas de Marta, nas quais me conta que mamãe se enraizou em Paramé, retida pela solicitude do Sr. tesoureiro.

Na verdade é de crer que nos deslumbrantes verões como o de agora, paire no ar quente, saturado de perfumes, invisível pólen oferecido às criaturas humanas, mesmo àquelas que passa­ram da idade de recolher com seus ávidos lábios este maná abençoado.

Vovó, não acha natural que eu me divirta em ver desen­volverem-se, como duas irmãs sorridentes e de mãos dadas, a missa de caridade e a quermesse-concerto? Para os amadores, a fértil imaginação da Sra. Charret organizou a venda de pequenas e lindas prendas, obra de mãos que gostam de fazer bem, que serão vendidas pelas patrocinadoras; estas conseguiram convencer a riquíssima Sra. Daubert a fazer parte de seu grupo. Oh, quanto lastimo esta fortuna que me obriga a considerar a mãe de Noel como uma ilha encantada da qual não posso aproximar-me sob pena de provocar comentários nada lisonjeiros da parte de todos — de Marise, principalmente, que não tem em absoluto o ar de hesitar em fazê-los!

Evito da melhor maneira seu acolhimento afetuoso, como também o grande reconhecimento de Noel, muito sensibilizado pelo entusiasmo que mostro em cantar a sua missa, tal como o deseja. Ambos têm a mesma imperiosa necessidade de se apro­ximar o mais possível do perfeito. Noel explicou ontem, com seu modo ao mesmo tempo meigo e imperioso:

Meu pai estará aqui no dia 15. Conto com seu auxílio para reconciliá-lo completamente com a minha música que, até aqui, somente conhece pelas críticas que lê sem muita benevolência. Como, porém, é muito inteligente, não se revolta contra o irrevogável. No entanto, no seu altivo silêncio, não deixa de pensar...



Neste ponto, interrompeu-se. No estado de espírito em que está, lastimo a atitude do pai, pois o admira muito, julgando-o dotado de inteligência superior, notável condutor de homens — em política, é claro (o Sr. Daubert é conselheiro, geral sena­dor, etc.); considera-o habilíssimo para dirigir suas fábricas on­de as greves são raras, graças à sua administração generosa, in­teligente e firme."

Minha querida vovó, finalmente é amanhã o esperado dia 15 de agosto. Che­gou o Sr. Daubert, com quem travamos conhecimento num am­biente de sorrisos e bom humor. É' um homem seco e magro, com aspecto elegante de ofi­cial. Possui olhos vivos, dum azul de aço, sobrancelhas imperio­sas, como também a linha da boca. Lê-se nos seus traços fisio­nômicos um caráter autoritário impossível de se contrariar e que mostra logo à primeira vista que o contato entre ele e uma índole semelhante à sua pode tornar-se muito difícil, se a afeição não for bastante para moderar a força das vontades em jogo. Foi o próprio Noel quem me apresentou a ele, como prova de gratidão que muito me sensibilizou. O Sr. Daubert foi bastante amável para comigo, mas me dirigia constantemente seu olhar um pouco irô­nico, no qual se vislumbrava uma discreta curiosidade.

Então, senhorita, a música deste rapaz conseguiu agradar-lhe?

Sim, e bem o merece — respondi sinceramente.

Creio que me fará compreendê-la, não é assim?

Assim o espero, tanto como o senhor como com os de­mais. Todos nós almejamos que o senhor a aprecie.

Procurarei não parecer-lhe por mais tempo uma verda­deira nulidade em matéria de música — observou com bom humor.



É natural que, achando intérpretes como a senhorita, ele se torna ainda mais teimoso e decidido a perseverar no seu erro. Meu único desejo é que Noel não venha mais tarde a arrepender-se de fazer parte do bando dos tocadores de gaita... O que seria inútil e talvez mesmo perigoso, pelo menos na opi­nião dos homens de idade, que receiam ver-se arrastados a um terreno inacessível à sua compreensão. . .

Esta última opinião sobre ele mesmo era tão justa que nada lhe respondi, temendo prejudicar a causa de Noel. Marise, porém, que bem o tinha compreendido, encarregou-se disso, com a audácia de moça bonita a quem todas as opiniões são permitidas. Envolvendo o Sr. Daubert com seu olhar e sor­riso feiticeiros, respondeu, com inteira aprovação da parte dele:

Eu, que devo contentar-me com representar um número de dança, em matéria de música pertenço à multidão dos sim­ples profanos. . . Ou melhor, sou dos que têm razão, pois, pelo que lhe ouvi há pouco, Sr. Daubert, sou de opinião igual à sua.



Talvez isto não fosse lisonjeiro para o Sr. Daubert, mas poderia ele enfadar-se com uma opinião emitida com graça incomparável por uma boca encantadora?

Vovó querida, vitória, vovó, vitória! Bem imagina a senhora que, pre­parada pela madrinha, não nos era possível deixar de ganhar a batalha. Adivinha também a que ponto com toda a minha alma estou arrebatada de alegria e, em voz baixa, sem o querer con­fessar, orgulhosa como um pavão. A igreja estava repleta, o que fazia o Sr. Cura corar de contentamento. Sem a menor dúvida a missa ultrapassou tudo quanto os mais ambiciosos desejos po­deriam ter ousado esperar.

Do alto, onde ficava o órgão eu dominava a multidão de fiéis que se comprimia na nave; verifiquei ao primeiro olhar que o público era seleto. Noel, sentado ao órgão, sussurrou-me:

Chegou o momento. Você está pronta? Não tem nem um pouco de medo?

Oh, não! Não tenho medo algum. Sei que minha voz está em ótimas condições e confio na música de João Noel Daubert.

Ele me envolveu com um olhar que jamais poderei esque­cer, mesmo quando a vida, no seu caminho inflexível, nos levar cada um para o seu lado, como dois estranhos destinados a se­guir caminhos diferentes.

Noel modulou as primeiras notas do prelúdio e minha voz se elevou como nos melhores dias. Ouvi-a elevar-se para o alto da nave sonora do templo e notei que diversos rostos se vol­viam em minha direção; depois, cantamos sós, eu e Noel, a sua música, cujo poder senti que se exercia soberano, devido ao si­lêncio atento que reinou entre os ouvintes, dominados de súbito por emoção profunda.

Ao terminar, com os nervos extremamente tensos, ouvi Noel, um pouco pálido, mas com os olhos brilhantes, murmurar, ape­nas para mim:

Oh, obrigado, Sílvia, obrigado! Esteve admirável, eu não poderia desejar melhor intérprete!



Respondi, tão sinceramente como ele:

Que você esteja satisfeito, é tudo quanto desejo.



Minhas faces estavam deliciosamente ardentes, com a cer­teza de uma estréia que prometia o triunfo. Avistei então minha madrinha que me fazia um pequeno sinal de aprovação.

Oh, bem certa estava eu de que a partida seria ganha, e não me havia enganado. Nosso programa foi coroado do feliz êxito que havíamos desejado: o Sr. Cura, para os seus pobres; Noel, para seu renome; minha madrinha, para seu amor-próprio de organizadora e eu — para meu prazer, meu grande prazer — constituído de sentimentos complexos dos quais somente mais tarde eu teria consciência.
Passaram-se alguns dias.

Com muita razão Sílvia poderia exclamar: Vi­tória! A reputação artística de Noel se impôs tão cla­ramente depois do concerto-quermesse, que se seguiu à missa-cantada, que o Sr. Daubert não mais podia lastimar a desobediência do filho a seus projetos pes­soais, embora ele mesmo se reconhecesse incapaz de avaliar o mérito do compositor. Entretanto, inclina­va-se diante do julgamento do público de Bex, no qual tomaram parte conhecedores de música, atraídos para ali pela fama das águas minerais daquele lugar. Numerosas opiniões emitidas haviam formado esse juí­zo e o Sr. Daubert era bastante inteligente para ne­gar-lhe o valor.

Haviam-no principalmente impressionado as elo­giosas palavras do diretor do Murador, que partira de Bex no dia seguinte ao do concerto, após ter confes­sado a Noel o grande prazer que teria em ouvir uma audição completa de Vergel de Amores, desejo este que no íntimo muito alegrou Sílvia.

Entretanto, tudo estaria bem para o Sr. Daubert se instintiva desconfiança não tivesse perturbado sua satisfação devido aos encantos da intérprete, os quais, tanto como o seu talento, haviam contribuído para o sucesso de Noel. Com sua clarividência, o Sr. Daubert havia cen­surado a fraqueza materna que facilitara tão perigo­sa aproximação. Incisivo e claro, tinha expressado sua opinião a respeito chamando a atenção da esposa para as ilusões possivelmente despertadas, e inutil­mente, no coração daquela jovem tão nova.

Depois de externar seus diplomáticos agradeci­mentos a Sílvia, o Sr. Daubert partiu de Bex, chamado por múltiplas ocupações na sua propriedade dos Vosges, onde ficaria à espera da Sra. Daubert, depois de terminado o tratamento. Desta maneira quisesse ou não quisesse, Noel seria separado da encantadora moça. Em Paris, fatalmente, o absorveriam ocupações de toda espécie. E, deste modo, as coisas corre­riam bem..


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