Fortune, uma mulher impiedosa. Bertrice small



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Foi um dia de grande sucesso, pai — comentou Kieran.

— Sim. Ninguém se feriu nem morreu, apesar de nosso William. Foi sorte o duque de Glenkirk ter vindo desarmado, ou ele poderia ter defendido a honra da enteada depois das graves ofensas proferidas contra ela por seu irmão. Devo admitir que admiro o temperamento controlado do duque. E a jovem Lady... Não conheço mulher que, afrontada como ela foi, não tivesse causado uma lamentável cena para se defender. Qual­quer outra teria exigido que seu irmão fosse imediatamente punido diante de todos, o que ela poderia ter feito revelando a simples verdade dos fatos. Fortune Lindley é uma mulher for­te e de muita fibra.

Era o momento perfeito para a revelação, Kieran decidiu.

— Vou me casar com ela no dia 5 de outubro, pai. Gostaria de poder contar com sua presença, mas compreenderei se não comparecer à cerimônia. William não deve saber de nada até voltar de Dublin com a esposa. Deve entender por quê.

Shane Devers assentiu.

— Sim, eu entendo.

— Não parece surpreso.

— Depois de vê-los juntos hoje? É claro que não estou. Como aconteceu? Você realmente a queria desde o início, Kieran? William estava correto em suas acusações?

— Honestamente não sei, pai. Fortune e eu nos encontra­mos no dia em que vocês partiram para a Inglaterra, quando eu retomava da estrada onde nos despedimos. Depois desse en­contro... — ele encolheu os ombros. — Nós nos apaixonamos.

— Não deve dizer nada à sua madrasta antes da realização do casamento. Quando ela souber que você ficará com Erne Rock e Maguire's Ford...

— Não terei a propriedade, pai. Lady Jasmine decidiu doá-las aos filhos mais novos, ambos Leslie. Minha madrasta pode continuar sonhando com o casamento da primeira filha de William com um dos herdeiros. Talvez isso até aconteça. Fortune e eu iremos para a Inglaterra com o duque e a duquesa. Lorde Baltimore planeja uma expedição para o Novo Mundo a fim de fundar uma colônia católica onde todas as crenças poderão con­viver em paz, especialmente os católicos. Fortune e eu pretende­mos nos juntar a essa expedição e recomeçar a vida em outro lugar longe daqui. Não estaremos por perto quando meu ir­mão voltar. Não vamos permanecer visíveis e vulneráveis aos estratagemas de meu irmão e da mãe dele.

Shane Devers ficou em silêncio por um momento, mas, fi­nalmente, falou:

— É triste que tenhamos de chegar a esse ponto. Meu filho mais velho é deserdado, banido de sua casa e da terra onde nasceu. — Ele sorveu um gole do copo de uísque. Lágrimas corriam por seu rosto cansado. — Previa que seria assim quan­do me casei com Jane, mas não quis lutar. Só queria paz e con­forto para todos nós. Agora você está nos deixando. Kieran serviu mais uísque no copo do pai.

— Sabe que nunca me senti realmente em casa aqui — ar­gumentou ele. — Não entendo o porquê, mas é assim. Ulster não é o meu lugar. Fortune sente o mesmo. Ela já viveu na In­glaterra, na França e na Escócia. É amada pela família, mas nun­ca se sentiu confortável em nenhum desses lugares. Somos como almas gêmeas, unidas apesar de nossas intenções. O Novo Mun­do nos chama, pai. Precisamos um do outro. E temos de deixar esse velho mundo.

— Tem certeza, rapaz? Não está se agarrando a esperanças vãs de uma vida nova só por ter se apaixonado por Fortune Lindley?

Eu tenho certeza, pai. Nós temos certeza.

— Então, que Deus os abençoe, meu filho. Estarei em seu casamento, mesmo sabendo que terei de enfrentar o ultraje de sua madrasta depois.

— Colleen também vai estar lá.

— Este será o primeiro segredo que manterei oculto de mi­nha Jane, rapaz. Deve saber que o amo muito para desafiá-la dessa maneira.

— Meu pai, nunca duvidei de seu afeto por mim. E quero que saiba que sou grato por abençoar minha união com Fortune.

— E eu sou grato por já ter vivido boa parte da minha vida quando vejo todas essas mudanças.

— Mudar com o mundo sem abrir mão de seus ideais e de sua ética é a única maneira de sobreviver, meu pai.

— Os jovens podem mudar. Os velhos não podem. Ou não querem mudar.

— Você não é tão velho assim, meu pai.

— Sou velho o bastante para desejar paz em minha casa e paz na terra.—Sir Shane bebeu seu uísque e levantou-se.—Agora vou me deitar, meu filho. Sugiro que não esteja por perto ama­nhã cedo, quando seu irmão e a esposa partirem para Dublin.

— Não estarei, pai. Talvez siga para Erne Rock ainda esta noite. Não está chovendo, e a lua ilumina o caminho. Diga a Colleen que a verei no dia 5 de outubro. Molly e as meninas também estarão lá. — Ele riu. — Todo o seu rebanho de ovelhas negras, meu pai.

Shane Devers riu.

— As ovelhas negras são sempre mais interessantes que as brancas e dóceis — opinou ele, antes de deixar a biblioteca.

Kieran ainda ficou por mais alguns minutos diante da la­reira; depois se levantou e deixou o copo sobre a bandeja de prata. Do lado de fora, no corredor, olhou para o alto da escada. O pai já se recolhera. A madrasta devia estar dormindo sob efeito do vinho. William, esperava-se, já devia ter vencido a barreira da virgindade de Emily Anne. E faria pouco mais do que isso, Kieran pensou sorrindo, imaginando se haveria alguma pai­xão na união do irmão com sua nova cunhada. Não importa, concluiu, saindo para ir ao estábulo selar seu cavalo.

Cavalgando, pensava que seu casamento com Fortune se­ria muito mais interessante e ativo do que o do irmão. Willy, porém, cumpriria seu dever e daria herdeiros a Mallow Court, filhos que comporiam a próxima geração de Devers. Crianças que seriam mais inglesas que irlandesas, Kieran percebeu, sus­pirando com tristeza. Havia algumas mudanças que ele tam­bém não apreciava.

A cavalgada era tranqüila, embora ele identificasse as som­bras de vários ladrões da região. Os homens, porém, reconhe­ciam seu cavalo e o deixavam passar sem incomodá-lo. Kieran seguiu pela rua principal de Maguire's Ford, passando por dois chalés onde sabia que seria bem-recebido. O cavalo transpôs a ponte levadiça de Erne Rock e entrou no pátio. Um cavalariço sonolento correu para ajudá-lo a desmontar, levando o animal para uma baia enquanto Kieran se dirigia à porta do castelo.

Encontrou o futuro sogro esperando por ele no salão.

— Eu sabia que viria — comentou o duque.

— Contei a meu pai sobre meu casamento com Fortune — revelou Kieran sem rodeios.

— E...?


— Ele estará presente na cerimônia e já nos deu sua bên­ção. Minha madrasta planeja casar uma das netas com um de seus filhos.

James Leslie não conteve uma gargalhada.

— Ela não desiste, não é? Bem, os homens da família Leslie, quando não são prometidos desde o berço, normalmente de­moram a se casar. Ela não vai poder realizar esse sonho tão cedo. Não quero a discórdia entre nossas famílias, Kieran. A dificul­dade está em seu irmão. Caberá a seu pai e à mulher dele man­ter William na linha. Não vou admitir que ele volte a insultar minha enteada. Foi sorte eu ter ido ao casamento desarmado, ou a noiva teria ficado viúva antes da lua-de-mel.

— Eu disse exatamente a mesma coisa a meu irmão.

— Você é um bom homem, Kieran Devers. Terei orgulho em chamá-lo de filho. Só lamento que sua natureza obstinada vá afastar Fortune de sua família, mas, se ela está contente com a idéia de segui-lo, nós devemos nos contentar também.

— Sua família não foi católica no passado, milorde?

— Sim, mas os tempos mudam rapaz, e é inútil discutir a semântica dessa questão religiosa. A fé é o que importa, Kieran. Nosso bom Senhor Jesus já disse que eram muitas as moradas de Seu Pai. Certamente, uma única estrada não pode conduzir a todas essas moradas. Particularmente, não o condeno pela maneira como pratica sua fé, mas sei que existem pessoas que o condenarão e o perseguirão, e existem leis pelas quais pode ser punido por seu inconformismo. Não concordo com essas leis, mas as seguirei até que sejam modificadas. Quando esti­vermos na Inglaterra, deverá obedecer às leis do rei. Não reco­nheço em você a natureza dos mártires e não vou permitir que minha família seja posta em perigo por opções religiosas. Isso está claro, Kieran Devers? Se quer minha ajuda, tem de acatar minhas regras. Entendeu, não é?

— Sim, milorde, perfeitamente. Farei tudo que puder para que Fortune e eu possamos viver bem e com segurança. Eu prometo!

— Ótimo. Agora, não vejo motivo algum para voltar a Mallow Court, senão para pegar suas coisas. Acha que pode en­contrar o quarto que ocupou quando esteve aqui pela última vez, quando dividiu a cama com seu irmão?

— Sim, milorde, eu posso.

— Então, seja bem-vindo a Erne Rock e à nossa família. Não tem idéia da confusão em que está se metendo — riu o duque. — Ah, e tente não deixar Fortune seduzi-lo antes do casamento. Ela está pronta para arrumar problemas, mas, por outro lado, não creio que um ou dois dias possam fazer diferença. Vá dor­mir, rapaz. E não fique constrangido. Eu seria um tolo se não conhecesse bem as mulheres de minha casa e confesso que elas ainda conseguem me surpreender algumas vezes.

Kieran se curvou para o anfitrião e saiu apressado do salão, subindo a escada para o quarto de hóspedes onde já havia fica­do anteriormente. O aposento estava gelado. As tochas que ilu­minavam o corredor tremulavam de maneira sombria. Ele en­trou no quarto e fechou a porta, depois se virou e teve de conter a respiração para não emitir um grito surpreso.

— Sabia que viria esta noite — disse Fortune, sorrindo. Ela estava deitada na cama dele, nua, usando apenas os cabelos vermelhos como adorno.

— E decidiu seduzir-me, então? — respondeu ele num sus­surro, aproximando-se com passos lentos.

— Sim. Sei que quer ser seduzido. — Ela estendeu a mão para puxá-lo para a cama.

— Você é a virgem mais ousada que jamais conheci.

— Não sabia que havia conhecido tantas assim. — Fortune riu. — Kieran, sabe que sou louca por você, e sei que me ama. Em menos de uma semana seremos marido e mulher. Por que temos de esperar mais? — os lábios úmidos e tentadores esta­vam perigosamente próximos dos dele.

Nesse momento, Kieran teve certeza de que jamais seria um santo. Ele a beijou com avidez e ardor, a cabeça girando pela força do desejo que o consumia. O perfume do corpo dela o envolvia.

— Será apenas uma prova de sabor, minha adorada, e de­pois não mais até o casamento — decretou ele, severo. — Não quero que suba ao altar parecendo saciada e satisfeita. Acha que pode guardar esse tipo de segredo? — uma das mãos já passeava pelo corpo de Fortune, percorrendo as curvas delicadas.

Ser tocada de maneira tão sugestiva era bem diferente do que havia imaginado. Quando decidira esperá-lo no quarto, sentira que essa era a atitude certa a tomar. Agora não tinha tanta certeza de estar preparada para essa intimidade. Quando ele a empurrou sobre os travesseiros, seu coração disparou. Fascinada, ela viu os dedos dele deslizando por seu corpo. Era delicioso, mas de repente se perguntava se ainda haveria al­gum casamento, agora que se oferecera tão completamente. A boca tocava seu pescoço e descia devagar até um seio. Fortune cerrou os punhos com evidente nervosismo. Havia cometido um grave engano. Precisava exigir que ele parasse imediatamente. Choramingando nervosa, ela sentiu a mão dele deslizar por seu ventre, provocando e despertando, até tocar a parte mais ínti­ma de seu corpo.

Kieran podia sentir Fortune tremendo de medo e desejo. Ele se sentou para despir o colete e a camisa. Os olhos dela se abriram ainda mais diante da visão do peito largo e musculoso. Quando se debruçou sobre o corpo delicado para pressionar a pele desnuda contra a dela, Kieran deslizou a língua por sua orelha e murmurou:

— Gosta disso, minha doce Fortune? Sinto que é quente e vibrante, pois tenho seu corpo em minhas mãos.

Era maravilhoso. Fortune suspirou e, ousada, abraçou-o. Não se sentia capaz de falar. O momento era intenso demais. Ama­va-o. Estavam juntos como devia ser com os amantes. Tímida, ela deixou as mãos deslizarem pelas costas dele. Então, de re­pente, ficou tensa. Kieran pressionava o membro rígido contra seu corpo, como se quisesse forçar passagem.

— Não posso! — gemeu ela. Ele se sentou imediatamente.

— Levou tempo demais para chegar a essa conclusão, me­gera provocante. — Ele segurou a mão dela e a colocou sobre seu membro pulsante. — Seu toque vai acalmá-lo. É isso ou...

— Como sabia? —Fortune perguntou confusa enquanto o acariciava.

— Sou experiente, minha querida. Você é uma criatura quente e passional, mas não é uma meretriz.

— Mas não desejo mais ser virgem!

— E deixará de ser em alguns dias.

— Sente-se melhor assim? — perguntou ela, afagando-o e sentindo sua curiosidade crescer.

— Sim, muito melhor.

— Também preciso de conforto, Kieran Devers. Não existe uma maneira de me saciar sem arruinar a surpresa da nossa noi­te de núpcias? Deve haver alguma coisa que você possa fazer!

— Até onde vai sua coragem, Fortune? — indagou ele com um misto de provocação e deboche.

— Não sei.

— Então, fique deitada e confie em mim — ordenou ele, deitando-se de lado e usando uma das mãos para tocá-la entre as pernas. Os dedos a acariciavam de um jeito provocante e delicioso.

Fortune fechou os olhos, um pouco assustada, mas deter­minada a descobrir o que ele pretendia. O contato começou a provocar arrepios. Ela se movia, incapaz de conter-se, mas ten­tava se manter concentrada nas sensações que Kieran provoca­va. Um único dedo começou a se mover por sua intimidade, pres­sionando entre as dobras da carne macia. Fortune ficou tensa.

— Relaxe, minha adorada. Confie em mim.

Ela relaxou, mas não conteve uma exclamação de espanto quando ele tocou aquele que era, aparentemente, o ponto mais sensível de seu corpo.

— Kieran!

— Esse é o seu botão do amor. Tocado da maneira correta, pode dar prazer extraordinário. — O dedo friccionava a protuberância inchada. — Gosta disso, Fortune?

— Ohhh, sim — Era maravilhoso. Por que ele não havia feito isso antes? Experimentava um prazer inimaginável. Era celestial. Ela murmurava palavras incompreensíveis e gemia baixinho, sentindo que o prazer crescia como uma onda pres­tes a se quebrar na praia. Quando a onda se rompeu, um único dedo a penetrou, movendo-se para dentro e para fora de seu corpo.

— Oh.... Ohhhhh...

Ele a beijou. Foi um beijo profundo, erótico, e Kieran sentiu que poderia explodir de desejo por ela. Não a possuiria de fato enquanto não fossem marido e mulher, mas conter-se seria muito difícil!

— Não tenho mais medo — declarou ela, sorrindo. — Não quero esperar, Kieran. Por favor!

Ele removeu o dedo de seu corpo úmido e quente.

— Não, minha adorada. Não enquanto não formos marido e mulher. Só então viveremos a plena experiência da entrega e do prazer.

— Odeio você! — exclamou ela com ardor quase infantil, virando-se de costas para ele. — Odeio você! Acho que nem quero mais ser sua esposa, Kieran Devers!

Ele olhou para as nádegas nuas e, incapaz de conter-se, afagou-as.

— Depois de ter provado seu sabor, minha amada, não te­nho a menor intenção de deixá-la. Nunca mais. Em poucos dias estaremos casados, e então, minha querida, poderei saciar por completo seus desejos picantes, e até despertar alguns que você nem imagina. — Ele deu uma palmada na nádega arredondada.

Fortune virou-se para encará-lo.

— Suponho que agora queira que eu volte para o meu quarto — disse.

— Acho que é uma boa idéia. Tente não acordar Róis. Temo que ela possa ficar chocada. Entende por que estou fazendo tudo isso, Fortune?

— Não, eu não entendo. Por quê?

— É um velho costume deixar pendurado na janela o len­çol sujo de sangue na manhã seguinte à noite de núpcias. As­sim, os vizinhos podem ter certeza de que a noiva era real­mente pura. Amanhã, em Mallow Court, Lady Jane exibirá orgulhosa o lençol manchado de sangue, a prova de que Willy foi o primeiro homem na vida de sua esposa Emily. Ela não aprecia nem aprova o costume, mas sabe que essa é a atitude esperada, e certamente haverá muitos comentários se o lençol não for pendurado na janela. Quero ter meu lençol para exibir. Não vou admitir que ninguém duvide de sua pureza em nossa noite de núpcias. Especialmente meu irmão Willy! Não quero ter de matá-lo, mas não hesitarei em fazê-lo, caso ele atente no­vamente contra sua honra.

— Também não quero a morte de Willy em minha cons­ciência. Não vou permitir que você se coloque em tal posição por minha causa, Kieran. Porém, se seu irmão ousar me ofen­der novamente, eu mesma o matarei, e para o inferno com mi­nha consciência!

Assustado com seu tom firme, ele a encarou e constatou que Fortune não estava brincando.

— Sou uma excelente espadachim — revelou ela. Kieran Devers riu.

— Você nunca deixará de me surpreender, minha adora­da. Agora, vista-se e volte para o seu quarto. Onde estão suas roupas?

Rindo, Fortune levantou-se e caminhou nua para a porta, por onde desapareceu no corredor escuro.

— Jesus! — exclamou Kieran, aturdido. Depois riu com vontade.


Capítulo 10


— Fique quieta, milady — suplicou Róis enquanto escova­va os cabelos de Fortune.

— Não sei por que tenho de manter o cabelo solto. Emily Anne ostentava um belo penteado quando se casou com Will.

— Os ingleses não seguem costumes próprios, milady.

— Sou parcialmente inglesa — lembrou Fortune.

— Pode ser, mas foi criada por um padrasto escocês, e ele, como sua mãe, sabe o que é certo. Agora fique quieta por mais um instante enquanto desembaraço as últimas mechas.

Fortune permaneceu em silêncio, olhando para o próprio rosto no espelho. Era o dia de seu casamento. Não poderia es­tar mais elegante do que se estivesse se casando em Londres na corte. Decotes baixos e quadrados ainda eram moda na Irlan­da, mas Fortune preferia os que exibiam os ombros. O vestido era de veludo castanho com uma gola de renda drapeada cor de creme. As mangas eram divididas por fitas douradas em dois gomos bufantes, sendo o superior decorado com botões de topázio. As metades inferiores e os punhos eram de renda, e havia uma fita de seda prendendo-as ao punho. Os saiotes que apareciam pela fresta da saia do vestido eram de tafetá de seda cor de creme bordado com fios de ouro. A saia caía em camadas e era mais cheia na parte posterior. As meias eram de seda dou­rada, e os sapatos eram decorados por pérolas. Fortune usava brincos de pérolas que faziam conjunto com um colar longo de uma só volta.

— Pronto! — anunciou Róis, orgulhosa. — Você tem cabe­los lindos, milady. Eles parecem ter vida própria. Está anima­da? Mestre Kieran é um belo cavalheiro e... — ela baixou a voz

— bem, as mulheres que o conhecem dizem que é um grande amante. Fogoso, mas terno, também. Como conseguiu ser tão paciente, milady? Fortune riu.

— Não foi fácil. Acho que desejo me deitar com ele desde que o vi pela primeira vez, embora não tenha admitido nem para mim mesma.

— Esta noite poderá realizar seu desejo, milady, e amanhã exibirá o lençol manchado para que todos vejam e comprovem sua pureza. Estamos todos muito felizes por seu destino, senhora! Veio a Ulster em busca do amor e o encontrou! Certa­mente sentirei sua falta quando voltar para a Inglaterra.

Surpresa, Fortune se virou para olhar para a criada.

— Mas eu quero que vá comigo! Por que fala como se pre­tendesse ficar?

— Milady, não posso deixar meu Kevin.

— Nesse caso, vocês devem se casar, e ele irá conosco. Te­rão mais oportunidades conosco no Novo Mundo do que aqui na Irlanda, Róis. Seu Kevin é bom com os cavalos, e dizem que parte da América, para onde vamos, é um excelente lugar para criar esses animais. Kevin terá essa incumbência. Não é me­lhor do que ficar aqui esperando Rory Maguire envelhecer? Duvido que ele algum dia fique velho — riu Fortune.

Róis estava pensativa. Poder se casar com seu amado antes do que planejava era uma idéia tentadora, por certo. Mas não sabia se era corajosa o bastante para viajar até o Novo Mundo. Porém, se Kevin estivesse ao seu lado, sabia que sua coragem cresceria.

— Preciso perguntar a ele, milady. Confesso que sua oferta me agrada.

A porta do quarto se abriu e Jasmine entrou.

— Deixe-me ver minha filha — disse ela. — Ah... — Seus olhos azuis se encheram de lágrimas emocionadas. — Linda, meu bem. Linda. — A duquesa de Glenkirk sentou-se sobre a cama. — Não sei para onde foram os anos — lamentou ela como se pensasse em voz alta. — Tenho a impressão de que foi ontem que você nasceu aqui mesmo, em Erne Rock. Rowan ficaria or­gulhoso de você, Fortune. Eu sinto em meu coração. Fortune foi abraçar a mãe com os olhos úmidos.

— Estou tão feliz! — disse.

— Róis, desça e avise a todos no salão que iremos em um minuto. Você fica, criança. Não precisa subir novamente.

— Sim, milady. — Róis saiu e fechou a porta. Não era tola. Sabia que a duquesa queria conversar com a filha sem interfe­rências. E já haviam falado sobre os deveres maritais de uma mulher.

— Por que mandou Róis sair, mãe?

— Porque o que tenho a dizer só interessa a você. Há quase um mês Rohana tem trazido todas as manhãs uma caneca do que ela chama de poção de fortalecimento. O líquido que você tem bebido nada tem a ver com vitalidade, meu bem. É uma receita dada à sua bisavó Skye pela irmã dela, Eibhlin, a parteira. Serve para prevenir a concepção. Não queria que subisse ao altar hoje com um segredo em seu ventre.

Fortune corou.

— Mas nós não... Jasmine riu.

— Eu sei. Ele é um homem muito teimoso, não é? E honra­do, também. Porém, um pouco de cautela nunca fez mal a nin­guém. Agora você vai se casar com Kieran Devers. Sei que vocês dois querem filhos, Fortune, mas, se quer um conselho, espe­rem até terem saído da Irlanda. Não confio nos Devers, porque Sir Shane, pobre homem, quer a paz a qualquer preço. William ainda pensa estar apaixonado por você, o que o torna um inimi­go perigoso, apesar do casamento. Lady Jane cobiça Maguire's Ford, apesar de saber que dei a propriedade aos meus dois fi­lhos mais novos. Escrevi para seu irmão, o duque de Lundy, e pedi a ele que fale com o rei sobre Maguire's Ford. Quero que Adam e Duncan Leslie sejam confirmados em seus direitos às terras e ao castelo.

— E então?

— Ontem, depois de um mês de espera, recebi uma carta de seu irmão contando que o rei concordou, e que a nova pa­tente está sendo redigida, mas não chegará aqui antes da pri­mavera. Até que eu possa exibir publicamente esse documen­to, acredito que os Devers, mãe e filho, usarão essa falta de provas legais como desculpa para nos atormentar, para causar dificuldades por causa de seu casamento com o católico Kieran. Devemos proteger Maguire's Ford e todo o seu povo, protes­tantes e católicos, desse perigoso fanatismo. Os fanáticos nun­ca mudam. Agora tenho de mandar você e Kieran para a Ingla­terra, mas sou egoísta. Quero ter minha filha comigo por mais um tempo. Quando partir para o Novo Mundo, é pouco prová­vel que voltemos a nos ver, minha querida. Além do mais, os ventos de outono já começam a soprar do norte, e atravessar a fronteira para a Inglaterra ou a Escócia seria perigoso agora.

— Ficarei ao seu lado enquanto for possível, mãe, e concor­do com o que diz sobre esse não ser um bom momento para ter­mos filhos. Kieran, é claro, não deve saber. Suspeito de que pa­pai nunca tenha sabido dessa poção, e é melhor assim, certo?

Jasmine sorriu.

— Você sempre foi minha filha mais prática — disse, abra­çando Fortune com imenso carinho. — Agora vamos descer, meu bem. Padre Cullen a espera para casá-los em particular antes da cerimônia aberta ao público, que será realizada pelo Reverendo Steen. Rohana continuará servindo sua poção to­das as manhãs e, quando chegar a hora de você nos deixar, ela lhe dará a receita e os ingredientes. Você vai decidir se Róis de­verá saber disso ou não.

— Por que deixou de tomar a poção, mamãe? Jasmine pôs as mãos sobre o ventre distendido e sorriu. —Pensei que houvesse passado da idade fértil. Meu Jemmie e eu nos deliciamos com os esportes de alcova há dois sem res­trições nem reservas. Bride Murphy me disse, porém, que isso pode acontecer com uma mulher na minha idade. Prometo que serei mais cuidadosa no futuro. Havia esquecido quanto é difí­cil a gravidez perto de seu final. E esse seu último irmão é uma criatura ativa.


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