Fortune, uma mulher impiedosa. Bertrice small



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— Quem é você para dizer? Pelo amor de Deus, somos to­dos filhos do mesmo Deus, embora o adoremos de maneiras diferentes.

— O Deus deles é um ídolo, milorde, não nosso verdadeiro Deus. Não consegue entender a diferença?

James Leslie fechou os olhos e respirou fundo. Era inútil argumentar com idiotas, pensou cansado. Esse tipo de atroci­dade nunca teria fim? Quando abriu os olhos novamente, os tinha cheios de frieza e determinação.

— Liberte essas pobres almas imediatamente! Tenho mais autoridade aqui do que seu estúpido Sir William e vou incen­diar o que restadeste lugar se não me obedecer agora mesmo!

Atrás dele, doze homens do clã esperavam silenciosos, mas ameaçadores.

O ferreiro pensou em desafiar o escocês, pois não reconhe­cia sua autoridade, mas deteye-se horrorizado ao ouvir suas próximas palavras.

— Gostaria que suas filhas tivessem o mesmo destino da pobre Aine Fitzgerald?

— Abram o curral! — gritou Robert Morgan para seus com­panheiros sem nenhuma hesitação. — Eles pegarão o que têm e sairão de Lisnaskea. Ninguém deve impedi-los!

— Nem segui-los! — avisou James Leslie. — Estamos dian­te de mulheres, crianças e velhos. Gente com quem vocês con­viveram em paz por anos, até se deixarem contaminar pelo pre­conceito. Dividiram momentos felizes aqui e choraram juntos por mortos conhecidos de todos. Tiveram filhos, dançaram nos casamentos e celebraram aniversários. Lembrem-se dessas da­tas, não do que aconteceu ontem à noite.

O duque ordenou que seis de seus homens ficassem ali su­pervisionando a libertação dos católicos enquanto ele, Kieran e os outros iam resgatar os corpos das Fitzgerald.

Quando chegaram à casa de tijolos, perceberam que a porta da frente ainda estava aberta, pendendo das dobradiças quebra­das. Ao entrar, foram surpreendidos pela presença de Padre Culleen Butler. Ele explicou que o sacerdote em Lisnaskea havia sido assassinado na noite anterior com o clérigo protestante. A morte do Padre Brendam enfurecera os católicos e os levara a matar, como faziam os protestantes. Até aquele momento, eles haviam se ocupado apenas de defender-se, mas, com a morte brutal de seu líder religioso, a revolta fora inevitável.

— Alguém tinha de vir orar por essas pobres mulheres — disse o padre com tom comovido. — Não poderão sepultá-las aqui. O cemitério foi destruído. E também não poderão enter­rá-las em Maguire's Ford, porque suas sepulturas seriam amar­gas lembranças do ódio entre protestantes e católicos. Elas te­rão de repousar em algum lugar tranqüilo, sem marcas, mas seguro. Eu mesmo consagrarei o solo e farei tudo o que for ne­cessário. Melhor seus homens cuidarem do enterro, James Leslie, pois assim ninguém jamais saberá onde Molly Fitzgerald e suas filhas foram sepultadas. Quando Kieran partir, não ha­verá mais ninguém para chorar sobre suas sepulturas.

Kieran Devers olhou para os dois corpos ho salão. O sacer­dote os libertara do abraço mortal e agora repousavam lado a lado no chão. A ferida de Maeve não era visível.

— Onde está Aine? — perguntou Kieran ao sacerdote.

— Onde William Devers a deixou. Biddy a cobriu antes de partir.

Sem dizer mais nada, Kieran Devers subiu a escada da casa e entrou no quarto onde Aine Fitzgerald jazia. Da sala era pos­sível ouvir os soluços doloridos que brotavam de seu peito. Todos sabiam que, depois de Colleen, Aine era a irmã que Kieran mais amava. Quando desceu a escada, levava nos braços o cor­po sem vida e envolto no cobertor que Biddy providenciara.

— William vai ter de pagar por isto — anunciou ele em voz baixa.

— Deus vai julgá-lo. Só Deus — respondeu o padre. — Agora você tem uma esposa, um futuro brilhante! Não se deixe apri­sionar aqui, no passado que é a Irlanda. Não ponha em risco sua alma imortal por um momento de vingança.

— Consegue me pedir isso enquanto olha para o corpo des­ta menina inocente? Ele a violou! Estuprou a própria irmã! Uma criança, pura como um dia de primavera! E depois a assassi­nou. Como posso perdoá-lo?

— É necessário, meu filho. Pelo bem de sua alma. Aine, Maeve e a Senhora Fitzgerald agora estão seguras no reino de Deus, porque a maneira como morreram certamente as pou­pou da provação do Purgatório. Seu meio-irmão enegreceu a própria alma e vai responder por isso, garanto Kieran Devers. Não ponha a perder sua alma esvaziando a autoridade de Deus e agindo em Seu lugar. A vingança é minha, disse o Senhor.

— Vamos enterrá-las.

— Providencie uma carroça — ordenou o duque a um de seus homens.-

Quando a carroça foi levada à frente da casa, os corpos foram postos nela para serem levados ao local onde seriam enterrados.

— Preciso de um momento — anunciou Kieran, voltando ao interior da casa.

Quando saiu de volta, o grupo partiu, retornando a Lisnaskea para que o duque pudesse se certificar de que os católicos so­breviventes haviam sido libertados. Todos haviam partido, e os homens do duque se juntaram ao cortejo fúnebre. Os protes­tantes de Lisnaskea alinharam-se pela única rua do vilarejo para vê-los passar. Alguns se mantinham sérios, contidos, mas ou­tros choravam. Um homem de rosto ainda jovem correu até a carroça para identificar as mortas e, ao vê-las, disse apenas:

— Aine! — E se afastou correndo.

James Leslie deteve a procissão. Olhando para o povo ali reunido, disse, em voz alta e firme:

— Isto é o que o ódio e a intolerância trouxeram para vocês. Espero que consigam viver com essas imagens e lembranças. — Depois, fez sinal para que seus homens seguissem em fren­te. Atrás deles, a casa que havia sido de Molly Fitzgerald e suas filhas ardia em chamas, pois Kieran a queimara para garantir que nenhum dos assassinos ficasse com os bens que haviam sido dela e das filhas.

Eles seguiram viagem até a metade do caminho para Maguire's Ford e, lá, no meio de um bosque, abriram uma cova larga, onde depositaram os corpos de Molly e suas duas filhas. O túmulo foi coberto cuidadosamente e camuflado com mus­go e folhas secas. O sacerdote havia consagrado o solo antes de as três serem postas em seu repouso eterno e depois fez breves orações em latim para encaminhar suas almas. Kieran rezou com ele, sua bela face rígida. James pensou em quanto ele ha­veria acatado as palavras do sacerdote sobre esquecer a vin­gança. Manteria os olhos bem abertos sobre Kieran, pois não queria a enteada viúva e infeliz. Ulster, ele decidiu, era um lu­gar impossível. Um assassinato levava a outro, e a outro. Não havia espaço para acordos.

O sol se punha quando o duque e seu grupo retornaram a Erne Rock Castle. Biddy cochilava ao lado da lareira, perto de Jasmine e Fortune.

Fortune levantou-se de um salto ao vê-los.

— E Sir Shane? Ele está bem? Kieran, por que está tão páli­do? — Ela correu para abraçar o marido.

— Enterramos Molly e as meninas — disse ele.

— E seu pai?

— Morto. William o matou.

Jasmine não conseguiu conter uma exclamação chocada.

— Ele é o próprio diabo — resmungou Biddy, repentina­mente acordada. — Vai queimar no inferno por sua crueldade, e quanto antes, melhor.

— Encontramos Sir Shane prisioneiro em sua própria casa — disse o duque para a esposa e a filha. — Nós o libertamos, mas depois William apareceu. O pai o expulsou de Mallow Court e disse que ele deveria levar a esposa e a mãe. O pobre homem estava revoltado com a maneira como o rapaz se gabava de ter matado Molly Fitzgerald e suas filhas. William se descontrolou e relatou com detalhes como a pobre Aine havia morrido. Sir Shane sofreu um ataque fulminante e caiu morto.

Fortune chorava abraçada ao marido. Jasmine tinha os olhos úmidos. Segurando o ventre, ela disse:

— Isso tudo é horrível! Agradeço a Deus por Fortune não ter se casado com aquele homem. Ele é louco!

A noite havia caído. Rory Maguire juntou-se ao grupo no salão e ficou muito preocupado com o que ouviu.

— Os protestantes aqui estão alterados — contou. — O re­verendo e eu fizemos tudo o que podíamos para manter a paz até hoje. Creio que alguns homens de Lisnaskea se infiltraram entre os de Maguire's Ford e os envenenaram, e agora estão tentando semear a discórdia entre os nossos.

— Os protestantes não podem ser tolos como seus irmãos de fé em Lisnaskea — disse Jasmine. — Nós os acolhemos no vilarejo quando não tinham onde morar, e os ingleses insistiam em mandá-los de volta depois de o navio em que viajavam, o Speedwell, ter quase naufragado no Mar da Irlanda. Eles vivem com mais conforto aqui do que teriam na Colônia Plymouth. Precisamos manter a paz em Maguire's Ford! Não permitirei que a intolerância destrua a herança de meus filhos!

Rory olhou para ela e para a filha que não podia reconhe­cer. O mesmo preconceito que causara o massacre em Lisnaskea expulsaria Fortune e Kieran de Ulster. Sua velhice seria tão so­litária quanto fora toda a sua vida. Nunca teria o prazer de ver os netos crescendo, mesmo que eles nem soubessem quem ele realmente era.

— Os católicos são igualmente ruins, mas juro que mante­rei a paz aqui, milady Jasmine — prometeu Rory com fervor.

— Vamos mantê-la juntos, Rory. Ninguém vai destruir o que fizemos aqui, o que você construiu ao longo de todos esses anos. Cullen, pode falar com o povo novamente?

— Sim, é claro, prima.

Nos dias seguintes, Erne Rock foi cercada por uma calma quase sinistra. A duquesa de Glenkirk proclamara sua vontade pessoalmente em cada igreja de Maguire's Ford.

— Se não pode viver em paz com os vizinhos como sempre viveu — dizia ela ao povo — é melhor ir embora daqui. Não vou admitir que aconteça aqui o que aconteceu em Lisnaskea. Bom povo, católicos e protestantes morreram naquele horrível confronto, e para quê? Todos nós adoramos o mesmo Deus, meus amigos. Acreditam mesmo que nosso Deus aprova a violência e o assassinato daqueles que são diferentes de nós? A Bíblia não prega o amor e a paz? Qual é o quinto mandamento, afinal? Não matarásl Esse mandamento não diz que não se deve matar?

Sir Shane foi enterrado sem incidentes, com Colleen Kelly e o marido na posição de pontos de neutralidade entre Lady Jane, William e Emily Arme, de um lado, e Kieran, Fortune e os Leslie de outro. Ela havia dito com toda a franqueza ao meio-irmão que nunca o perdoaria pelo que fizera com o pai e com as Fitzgerald.

"Você sempre foi mais próxima delas", William responde­ra por entre os dentes. "Sua família não é mais bem-vinda em Mallow Court."

"Você é um caso perdido, William", respondeu ela, triste.

A paz em Maguire's Ford se manteve, apesar dos rumores diários e das infiltrações de agitadores das duas vertentes. Vá­rios sobreviventes de Lisnaskea com familiares em Maguire's Ford buscaram refúgio no vilarejo e foram aceitos, o que ame­drontava alguns protestantes, que temiam que essas pessoas pudessem buscar vingança contra todos os que não fossem católicos.

Kieran Devers conversou com Padre Cullen, pois tinha uma idéia que talvez pudesse resolver parte do problema.

— O duque me disse que será mais fácil eu ser aceito na expedição de Lorde Calvert se tiver meu próprio barco e colo­nizadores que possam ajudar na construção desse novo povoado quando for escolhido o local da colônia. Como a pro­posta é fundar uma colônia basicamente para católicos, pensei em levar comigo uma embarcação cheia de homens e mulhe­res irlandeses.

Fortune ouviu a sugestão do marido e concordou imedia­tamente.

— Tenho dois navios que fazem aquela rota — contou ela. — Um deles é velho, mas lindo e muito sólido, o Cardiff Rose, que trouxe mamãe da índia há muito tempo. Em breve deve retornar pela rota da índia. Há também um navio mais novo, o Highlander, no Mediterrâneo. Ele voltará para a Inglaterra na próxima primavera. — Fortune olhou para o padrasto. — Não podemos preparar os dois navios, papai, e mandá-los para o Novo Mundo?

— Acho melhor comprar meu próprio navio — protestou Kieran.

— Não seja tolo — a esposa o censurou. — Vamos precisar desse dinheiro para outras coisas. Se vai se sentir melhor as­sim, pode me pagar uma taxa pelo uso das embarcações.

— É uma solução prática — disse o duque ao genro. — E sei que o Cardiff Rose e o Highlander estão em bom estado de con­servação, tanto acima quanto abaixo da linha da água. Não pode ter essa mesma certeza comprando um navio que não conhece, a menos, é claro, que mande secar a área onde ele está atracado para uma inspeção completa antes da aquisição, e duvido que o proprietário aceite essa idéia, pois o custo é muito alto.

— E o Cardiff Rose tem uma cabine maravilhosa para nos abrigar durante a viagem — comentou Fortune com um olhar apaixonado.

James Leslie riu. Como a jovem era parecida com a mãe, embora nem percebesse!

— Lamento estragar seu sonho romântico, meu bem, mas é pouco provável que alguma mulher seja aceita na expedição de Lorde Calvert, pelo menos até que se decida onde a colônia será fundada e as casas sejam construídas — disse o duque.

— Isso é ridículo! — reagiu Fortune.

— Mesmo assim, é como provavelmente será. Receio que não tenha escolha, querida — informou ele.

— Então, não iremos — decidiu Fortune com firmeza.

— E onde pretende viver? — quis saber o duque.

— Compraremos uma casa perto de Cadby, ou Queen's Malvern, ou perto de Oxton, onde vive minha irmã índia.

— Com um marido católico? Fortune empalideceu.

— Céus... — murmurou, percebendo de repente que devia parecer tola.—Os puritanos na Inglaterra são tão radicais quan­to os protestantes em Ulster, não é? Bem, podemos ir para a França, ou para a Espanha.

— E lá, minha querida esposa, você seria tão discriminada quanto eu em terras protestantes — lembrou Kieran. — Não há alternativa, Fortune. Se vamos viver juntos e em paz, temos de ir para o Novo Mundo; e se Lorde Calvert me aceitar, irei sozi­nho para a colônia construir um abrigo seguro para receber nossas mulheres.

Antes que Fortune pudesse dizer mais alguma coisa, Adali entrou no aposento.

— Padre Cullen manda avisar que um grupo de cavaleiros se aproxima do vilarejo vindo da direção de Lisnaskea, milor­de. Já demos início aos preparativos, conforme suas instruções.

— Que preparativos? — perguntou Jasmine ao marido.

— Para a defesa do vilarejo e do castelo — explicou o du­que. — Não podemos permitir que aquela gente estúpida de Lisnaskea faça com Maguire's Ford o que fizeram com o pró­prio ninho. — Ele se levantou. — Devo me juntar aos outros.

— Que outros? — indagou Jasmine, assustada, tentando se apoiar sobre os pés inchados. — Vou com você, Jemmie. Afinal, estas terras são minhas, e acho importante que me vejam.

James queria convencê-la a ficar, mas sabia que ela estava certa em sua argumentação. Além do mais, não poderia mes­mo dissuadi-la do propósito de agir.

— Vamos, então, senhora.

— Nós também vamos — anunciou Fortune.

O duque de Glenkirk riu, mas seguiu na frente sem dizer mais nada. Eles se reuniram no centro de Maguire's Ford, na praça cujo centro era marcado pela cruz celta feita de pedra. O Reverendo Steen, Padre Culleen e os líderes locais, protestantes e católicos, esperavam por eles. Todas as casas do vilarejo haviam sido trancadas. Não havia sequer um gato ou um ca­chorro perambulando pelas ruas. O céu era cinzento, e nuvens pesadas anunciavam uma tempestade de outono, mas no hori­zonte uma faixa de ouro e vermelho brilhava, lembrando que o sol se punha atrás das nuvens.

O grupo se aproximava, liderado por William Devers. To­dos portavam tochas e exibiam expressões duras, impiedosas. Ao ver o grupo reunido na praça, os cavaleiros pararam, e seu líder adiantou-se devagar até se deter diante do duque e da duquesa. Ele olhou para os dois com ódio.

— Se veio em paz, Sir William, é bem-vindo aqui — disse Jasmine. — Se não, peço que se retire.

Ele a ignorou, dirigindo-se a James Leslie como se a du­quesa nem existisse.

— E seu costume, milorde, permitir que uma mulher fale por você? — provocou.

James Leslie riu debochado.

— Maguire's Ford e seu castelo pertencem à minha esposa, Sir William. Não posso falar por ela, como ela também não fala­ria por mim na defesa daquilo que me pertence. Agora, senhor, minha esposa fez uma colocação séria e clara. Tenha a cortesia de responder a ela, ou podemos pensar que sua mãe não o edu­cou como deveria ter feito.

William Devers corou. O duque zombava dele diante de seus homens, e isso era algo que não o agradava. Alguém riu, mas ele não se virou para identificar o traidor porque tinha or­gulho demais para isso.

— Viemos em busca dos seus católicos. Entreguem-nos, pois assim poderemos limpar Maguire's Ford de sua imundície. Então iremos em paz.

— Saia de minhas terras e leve seu bando com você — A duquesa ordenou em tom gelado. — Acha que sou Pilates para trair inocentes, entregando-os a mãos intolerantes como as suas e de seus homens? Protestantes e católicos sempre viveram em paz em Maguire's Ford. Como ousa vir até aqui tentando cau­sar problemas? Temos aqui igrejas para as duas vertentes, e to­dos vivem em igualdade. É muita presunção sua, William Devers, pensar que tem a permissão de Deus para vir matar e espalhar o caos em minhas terras, e justamente na véspera de Todos os Santos. Você é mais discípulo do diabo que desse Deus que diz defender. Agora vá, antes que eu ordene um ataque contra você e seus homens!

— Senhora, não sairei daqui sem realizar meu propósito.

— Ele se virou para os homens que comandava. — Vasculhem as casas e tragam os católicos — ordenou.

De repente, uma flecha negra cruzou o céu cinzento sobre o vilarejo, e os sinos das duas igrejas começaram a dobrar violen­tamente. As portas dos templos se abriram, e a população de Maguire's Ford inundou a praça vindo das duas direções, cer­cando os homens de Lisnaskea. Todos estavam armados com alguma coisa, desde antigos mosquetes a rústicos utensílios de cozinha, como panelas e facas.

— Nosso povo não vai permitir que plante entre nós a se­mente da discórdia — informou Jasmine a Sir William. — To­dos aqui adoramos o mesmo Deus.

— Escutem-me! — gritou William do alto de sua montaria.

— Como podem conviver com esses imundos papistas, homens de Maguire's Ford? Limpamos Lisnaskea dessa gente torpe, e agora, com a ajuda de vocês, faremos o mesmo aqui! Juntem-se a nós!

O Reverendo Steen falou por seu rebanho.

— Ninguém aqui vai seguir seus passos trôpegos, William Devers! Vá embora!

— Uniu-se às legiões dos malditos, Samuel Steen? — pro­vocou William.

O ministro protestante gargalhou.

— Não presuma julgar-me ou aos meus, William Devers. Desrespeitou todos os mandamentos de Deus. Matou. Cobi­çou a mulher do próximo. Quer roubar terras que não são suas. Deixou de honrar pai e mãe! Não é um bom líder, homem. É só um desequilibrado invejoso, um homem frustrado e mimado. Saia daqui e leve sua gente com você!

William Devers instigou o cavalo, que saltou para frente e derrubou Jasmine e o Reverendo Steen. Um grito de ultraje ir­rompeu entre o povo de Maguire's Ford, mas, para surpresa de todos, um único disparo ecoou no ar úmido. Com uma expres­são completamente aturdida, William caiu de sua montaria.

— Eles mataram Sir William! — gritou um dos homens de Lisnaskea. — Precisamos vingá-lo!

— Não! — uma voz respondeu no meio do grupo. — Não foram os homens de Maguire's Ford. Fui eu.

O grupo se abriu para deixar passar um de seus cavaleiros.

— E Bruce Morgan, o filho do ferreiro — disse alguém.

O Reverendo Steen levantou-se, enquanto o duque ajuda­va a esposa a levantar-se.

— Por que fez isso? -- quis saber o religioso. — Por que matou Sir William? — Ele desarmou o rapaz, surpreso com o disparo tão preciso.

— Por Aine — soou a resposta devastadora. — Por Aine, pelo que ele fez com ela. Ouvi os rumores, mas não pude acre­ditar neles, então entrei na casa das Fitzgerald enquanto eles tentavam salvar os que morriam na igreja incendiada. Vi o que ele fez com minha adorada. Pretendíamos nos casar um dia. Eu a amava.

— E acha que eu o deixaria casar com uma maldita vadia católica, uma meretriz sem pai e filha de uma mulher sem mo­ral? — explodiu o pai, Robert Morgan, adiantando-se, furio­so. — Veja só o que fez, menino estúpido! Matou nosso líder. Não é mais meu filho!

— Sir William era diabólico, pai. — Bruce Morgan ergueu os ombros, e, de repente, todos constataram que o menino era agora quase um homem. — E eu não teria permitido que me impedisse de casar com Aine. Nunca me incomodei com essa questão religiosa, pai. Eu amava minha Aine!

— Estúpido! Eu mesmo o enforcarei para limpar a vergo­nha que trouxe sobre meu nome!

Houve um gemido abafado, e o Reverendo Steen gritou:

— Sir William não morreu. Está ferido, mas vivo! Kieran Devers aproximou-se do jovem Morgan e, tocando seu ombro enquanto os outros estavam distraídos, disse:

— Vá para o castelo, rapaz, antes que eles se lembrem de você. Não quero que seja enforcado. E Sir William não vai perdoá-lo pelo que fez. Vá!

O rapaz correu para o castelo.

— Providenciem alguma coisa para usarmos como maca — ordenou a duquesa de Glenkirk. — Não permitirei esse homem em minha casa, mas talvez o Reverendo Steen possa chamar um médico e abrigar Sir William até que ele tenha novamente con­dições de viajar. — Ela olhou para a multidão, forçando-se a erguer os ombros, apesar das dores que a castigavam. — Ho­mens de Lisnaskea, alguém aqui viu Bruce Morgan disparar o tiro que feriu Sir William? Se não, pelo bem do pai dele, guar­dem silêncio. Não verão mais aquele jovem, e quando Sir William e sua família considerarem quem fez o disparo, Bruce Morgan estará muito longe de Ulster. Ele é só um menino e amava uma criança que foi violentada, abusada e morta por Sir William. Todos vocês sabem que o que ele fez com Aine Fitzgerald foi uma iniqüidade, e um pecado, também. Não quei­ram adicionar seus próprios pecados aos dele ou ao desse ga­roto desesperado. Voltem para Lisnaskea. Não vou permitir que criem problemas em Maguire's Ford.

Os homens se retiraram em silêncio, suas tochas brilhando até desaparecerem na escuridão. Jasmine Leslie caiu de joelhos.

— Seu filho vai chegar antes do previsto, Jemmie — anun­ciou ela por entre os dentes.

— Mamãe! — Fortune correu para perto da duquesa.

James Leslie nem pensou em esperar pela ajuda. Empurran­do a enteada para o lado, ergueu a esposa nos braços e carregou-a pelo vilarejo, pela ponte levadiça e para dentro do castelo.

Ao vê-lo entrar no salão, a velha Biddy gritou:

— Tem uma mesa de parto, milorde?

Rohana juntou-se ao grupo.

— Eu cuido de minha senhora — disse ela. — É o que faço desde que ela nasceu.

— Deixe Biddy cuidar da criança depois do parto — Jasmi­ne ordenou, evitando que a velha criada se sentisse ofendida por Rohana. — E ela pode ajudá-la agora, porque tem muita experiência. Esta criança não vai esperar por ninguém, agora que decidiu vir ao mundo! Não vai ser como você, minha Fortune, que levou uma eternidade e ainda teve de ser virada em meu útero para poder deixá-lo. Já posso sentir a cabeça do bebê. Ele vem vindo...

James Leslie sabia o que fazer. Ele deitou a esposa sobre a mesa da sala e segurou seus ombros para que as outras pu­dessem ajudá-la. Não havia tempo para gentilezas e detalhes. Jasmine gemia de dor. Nunca tivera um parto tão rápido, mas já podia sentir a cabeça da criança passando pelo canal do nas­cimento.

— Rohana?

A criada ergueu suas saias e olhou por entre as pernas de sua senhora.

— Tem razão, milady, ele já está nascendo. Na próxima contração, faça força. Oh! Está quase aqui! Nunca vi um bebê nascer tão depressa, minha princesa. Oh! — Rohana amparou o bebê que brotava com facilidade do corpo da mãe. A criança chorou quase imediatamente, agitando os braços num pro­testo veemente contra ter sido arrancada do abrigo sereno e aquecido.

— O que é? — quis saber Jasmine.

— Uma menina — James Leslie gritou, eufórico. — Uma linda menina de temperamento explosivo, como suas irmãs!


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