Fortune, uma mulher impiedosa. Bertrice small



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— Sim, você tem razão, minha cara. Veremos. Porque o jo­vem pode ser um tremendo fiasco, e não vou permitir que mi­nha filha se case com um tolo ou um vilão.

Jasmine Leslie sorriu. Vira a expressão no rosto do marido e sabia que sua paciência era posta à prova. Mesmo assim, ele agia corretamente. Talvez fosse possível ensinar novos truques a um velho cão, afinal.

— É melhor voltarmos à cabine, meu bem — disse a duquesa. — Temos de verificar se tudo foi preparado para o res­tante da viagem.

— Prefiro ficar e apreciar a paisagem, mamãe. Quero ver a terra onde vou passar o resto de minha vida.

— Muito bem — concordou Jasmine, segurando a mão do marido e levando-o dali. — Ela quer ficar sozinha, Jemmie.

Ele assentiu, e o casal deixou o convés.

Fortune permaneceu no mesmo lugar, perdida em pensa­mentos. Essa era a terra de seu nascimento, mas fora levada dali com poucos meses de vida. Irlanda nada significava para ela. Era só um nome. Nada mais. Como seria realmente? E como era Maguire's Ford? O castelo que herdaria não era grande, sua mãe já a prevenira. Seu nome era Eme Rock, e ficava sobre um patamar rochoso. Sua mãe elogiara a beleza do lugar e contara que ela e Rowan Lindley haviam sido felizes ali. Fortune tinha a testa franzida. Poderia realmente ser feliz no lugar onde seu pai fora brutalmente assassinado? O pai que jamais chegara a co­nhecer, porque morrera pouco depois de ela ter sido concebida.

Sentira sua ausência durante toda a vida. Sempre que ia a Cadby, a propriedade de seu irmão mais velho, Henry, passava horas olhando para o retrato de Rowan Lindley na galeria. Alto e forte, Rowan havia sido um homem de traços marcantes.

Queixo quadrado com uma depressão central que conferia charme ao rosto severo, cabelos castanhos e olhos de uma to­nalidade dourada. Sua postura era quase arrogante, natural para um homem cuja família possuía as mesmas terras desde os tem­pos da conquista Normanda. Henry Lindley era parecido com o pai nos traços, mas Índia, uma mistura de pai e mãe, tinha seus famosos olhos. Fortune amava aquele retrato. Gravara cada detalhe dele na mente todas as vezes que teve oportunidade de apreciá-lo, como se assim pudesse obter alguma coisa do pai.

Não era parecida com Rowan Lindley. Nem com a mãe. Nada havia nela que pudesse identificar com o pai. Tinha os olhos azuis esverdeados de sua bisavó de Marisco e os cabelos vermelhos de sua antepassada 0'Malley, como tantas vezes ouvira dizer. Sua avó Gordon sempre apontara que Fortune era o pato no ninho dos cisnes. Fortune sorriu. Tentava imaginar qual seria a aparência de William Devers e como periam os fi­lhos que poderiam ter, caso realmente se casassem.

Uma chuva leve começou a cair, e Fortune se protegeu ajei­tando o manto. Ouvira dizer que chovia muito na Irlanda, mas que o sol aparecia com a mesma facilidade e imediatamente após alguns minutos de chuva. Olhando para cima, viu as nu­vens passando pelo céu, deixando entrever alguns trechos de azul aqui e ali. Rindo, decidiu que gostava disso. O sol retor­nou em seguida, mais forte e vibrante que antes. A embarcação se movia mais lentamente naquele momento, com as velas sen­do recolhidas à medida que penetravam na área do porto. Nor­malmente, as embarcações eram ancoradas na baía, mas hoje usariam as docas em função da grande quantidade de baga­gem que teriam de desembarcar.

Fortune notou que havia no porto um cavalheiro muito alto e sério. Quem poderia ser? Ele se vestia com simplicidade em calça preta, colete de pele de animal e camisa branca. Nos pés, tinha botas de couro. A cabeça estava desnuda, e seus cabelos eram quase tão brilhantes quanto os dela. Bem, pelo menos ela não se destacaria muito. Não enquanto esse cavalheiro estives­se por perto. Ele aguardava ao lado de um grande coche de via­gem atrelado a seis belos cavalos. Como viajavam em um na­vio que pertencia à família e desembarcavam em um porto ad­ministrado também por ela, era fácil deduzir que o coche e os animais também eram bens da família.

— Ei, aquele é Rory Maguire! Ele veio nos receber. Que ma­ravilha! — exclamou Jasmine, colocando-se novamente ao lado da filha e acenando com entusiasmo. — Rory! Rory Maguire!

Ele a vira parar ao lado da jovem. Estava mais velha, sim, mas ainda era a mulher mais bela que jamais conhecera. Ele respondeu ao aceno. O navio finalmente aportou e a rampa de desembarque foi baixada. Jasmine desceu depressa, seguida por familiares e criados. Estendeu as mãos para cumprimentar seu administrador.

— Rory Maguire! Quanta gentileza sua vir nos receber! Não imagina quantas lembranças isso me traz. Mais do que posso contar — concluiu ela, com um sorriso emocionado.

Rory tomou as mãos dela e beijou-lhe os dedos dentro das luvas.

Cai mille failte, milady Jasmine. Mil vezes bem-vinda de volta à Irlanda. E meus votos se estendem aos de sua família.

— Este é meu marido, James Leslie, o duque de Glenkirk. Os dois homens trocaram apertos de mãos, cada um deles estudando cuidadosamente o outro. Aparentemente satisfei­tos, ambos sorriram, trocando cumprimentos.

— Minha esposa só tem coisas boas a dizer sobre você, Maguire. Estou ansioso para conhecer a propriedade.

— Creio que vá gostar dela, milorde. A terra é excelente, assim como a localização. — Rory olhou novamente para Jas­mine. — Trouxe o coche, é claro, milady, mas também há cava­los para montar, se preferirem. Imagino que se lembre de Fergus Duffy. Ele veio para conduzir o coche. Se não me engano, seus criados preferem cavalgar.

— Fergus Duffy, é claro! E como está sua esposa, Bride? — perguntou Jasmine ao cocheiro com um sorriso largo. — Mi­nha filha está ansiosa para conhecer a madrinha. — A duquesa puxou a filha para a frente. — Esta é Fortune, Rory. Fergus, esta é Lady Fortune.

O cocheiro inclinou a cabeça num cumprimento respeitoso.

Rory Maguire beijou a mão da jovem Fortune.

— Seja bem-vinda, milady. Espero que Maguire's Ford a agrade o suficiente para querer ficar.

Fortune olhou diretamente para os olhos azuis que a estu­davam e experimentou um súbito e estranho sentimento de re­conhecimento. Mas era só um bebê quando esse homem a vira pela última vez.

— Muito obrigada, senhor — respondeu ela, confusa com as coisas que sentia.

— Tenho aqui uma bela égua negra que talvez a agrade — disse Rory a Fortune.

— Prefiro o garanhão cinza — respondeu ela determinada, recuperando-se rapidamente.

— Ele é um animal imprevisível.

— Eu também sou — respondeu Fortune, rindo. Rory Maguire também riu.

— Acha que consegue dominá-lo, milady? Não quero que seja atirada da sela. Não seria uma boa maneira de celebrar a volta para casa.

— Não existe um cavalo vivo que eu não possa dominar. Maguire olhou para o duque e a duquesa e, quando James Leslie assentiu dando permissão, o irlandês disse:

— O nome dele é Thunder, milady. Venha, vou ajudá-la a montar.

— E minha bagagem?

— Vamos precisar de várias carroças — lembrou Jasmine. — Fortune espera permanecer na Irlanda, por isso trouxe tudo o que tem.

— Podemos alugar transporte aqui na cidade. Eu não esta­va certo se a jovem permaneceria ou não, de modo que não ti­nha previsão da bagagem.

— Isso por acaso quer dizer que William Devers não é um bom pretendente? — perguntou Fortune, ousada.

Rory riu.

— Não, milady. Ele é considerado o rapaz mais belo do distrito. Alto, forte, dono de uma excelente propriedade em Lisnaskea... Bem, não exatamente dono, mas é o herdeiro, en­tão... Não é nada tão grandioso quanto Maguire's Ford, mas é bastante respeitável. Sei que vai haver muita decepção entre as jovens daqui, no dia em que ele escolher uma esposa.

Fortune ficou em silêncio. Então, William Devers era dese­jado por outras damas. E devia ser vaidoso, além de herdeiro de uma grande propriedade.

Rory a viu se aproximar do animal e dizer algumas pala­vras em voz baixa. Tivera uma sensação estranha ao vê-la de­sembarcar. Havia sido como se a conhecesse, o que não era pos­sível. Ainda não superara completamente essa sensação, mas aprovava sua conduta com o animal. Unindo as mãos, ele a ajudou a montar. A agilidade e a segurança exibidas pela jovem indicavam que ela estava habituada a cavalgar animais de gran­de porte. Ele soltou o cavalo do anel onde amarrara as rédeas.

Thunder dançou um pouco, tentando acomodar a nova car­ga. Movia à cabeça puxando o arreio, mas Fortune o segurava com firmeza, usando uma das mãos para acariciar seu pescoço.

— Acalme-se, rapaz — dizia ela, fazendo-se familiar. Aos poucos, o animal se acalmou e aceitou o comando. Rory Maguire sorriu e assentiu satisfeito. A jovem era uma cavaleira habilidosa. Virando-se, ele notou que caixas e arcas começavam a ser retiradas do navio.

— Maria, Mãe de Deus! — resmungou, assustado. — Nun­ca vi tanta bagagem reunida!

O duque riu. Tivera a mesma reação ao ver a bagagem de Fortune quando se preparavam para sair de casa.

— Mandei o capitão ir à cidade procurar carroças para trans­portar os bens de minha filha. Não precisamos esperar. Há ca­valos para minha esposa e para mim?

— Sim, milorde. A senhora pode montar a égua preta. Já montou esse mesmo animal na última vez em que esteve em Maguire's Ford, milady — lembrou ele, sorrindo. — E tenho um belo garanhão para o duque. Ele foi treinado há pouco. Não suportei a idéia de castrá-lo, por isso tenho de mantê-lo separa­do do rebanho para procriação. Provavelmente, vamos acabar vendendo esse belo animal para alguém que queira iniciar uma criação. Ele alcançará bom preço, como todos os animais que vendemos. Os descendentes de Nightwind e Nightsong são animais muito valiosos. Quem vai viajar no coche?

— Adali e Rohana — respondeu Jasmine.

— Ah, então eles também vieram! O que aconteceu com a outra jovem, milady?

— Toramalli se casou. Ela e o marido ficaram em Glenkirk, nosso lar na Escócia, cuidando de nossos três filhos. Patrick tem 14 anos, e os mais novos têm 13 e 10. Pensamos em trazer Adam e Duncan conosco, mas eles preferiram aproveitar o ve­rão longe de nós.

— Quer dizer que pretende voltar logo para casa?

— Sim, Rory, o quanto antes. William Devers foi recomen­dado por meu primo sacerdote e pelo Reverendo Steen. Se ele e Fortune se entenderem, haverá um casamento antes do final do verão e, então, a filha que tive em Maguire's Ford fará da Irlanda seu lar. Espero que seja esse o futuro de Fortune, por­que gostaria de ver minha filha feliz e assentada.

— É o desejo de todas as mães — respondeu Rory. Ah, como ela era linda, apesar da idade. Ele quase suspirou.

— Bom dia, Mestre Maguire — disse uma voz, arrancando-o de seu breve devaneio.

Assustado, ergueu os olhos e viu o fiel servo de Jasmine, Adali. O homem não havia mudado nada, pensou ele, um pouco irritado. O rosto bronzeado ainda era brando e suave, e os olhos escuros eram penetrantes.

— Não imaginei que voltaria a vê-lo, Adali.

— No entanto, aqui estou eu — Adali sorriu, exibindo den­tes ainda fortes e muito brancos. — Tudo pronto para a longa jornada?

— Sim, tudo preparado.

— Então, podemos ir — decidiu Adali. — Rohana, entre no coche. Irei me juntar a você em seguida. — Virou-se para o du­que. — As carroças para o transporte da bagagem de milady logo estarão aqui, milorde. Rohana reuniu tudo que será ne­cessário para a viagem e levou para o coche. As carroças farão um progresso mais lento que o nosso. Imagino que não che­guem em Erne Rock senão um dia depois de nós. Porém, as damas certamente vão querer alguns dias para descansar antes de se entreter.

—Excelente—decidiu o duque, montando o garanhão com facilidade espantosa.

O dia, que até então era radiante, tornou-se novamente cin­zento, com uma garoa fina caindo sobre o grupo.

— Um dia como o primeiro que passei na Irlanda — co­mentou Jasmine, sorrindo. — Rory, como vai meu primo?

— Bem, e satisfeito como um rato em sua toca no inverno. Ele é um bom homem, apesar de ser padre. Não julga, não acusa, nem é pequeno de alma e pensamentos como a maioria deles. Como ele mesmo admite, Roma não o aprovaria, mas Roma está muito distante daqui. Em Maguire's Ford, ele é uma bênção.

— E os protestantes que assentamos com seu ministro?

— São boa gente, um povo muito trabalhador — respon­deu Maguire. — Samuel Steen é muito parecido com seu pri­mo, milady. É sensato e aberto a novas idéias. Não tivemos di­ficuldades, embora elas tenham existido em outros vilarejos, e nós dois sabemos por que é assim.

— Rezo a Deus para que possamos manter Maguire's Ford um lugar de paz e gente boa, trabalhadora.

Eles cavalgaram por várias horas, até finalmente pararem em uma pequena hospedaria.

— Este lugar me é familiar — comentou Jasmine. — Mas não estava aqui na última vez. Havia uma fazenda, uma casa... uma mulher abandonada e seus filhos, uma família miserável. Sim, era isso. O que aconteceu com essa mulher, Rory?

Ele riu.

— Então não sabe? Seu falecido marido, o marquês inglês, mandou-me de volta aqui um mês depois de terem se instala­do em Maguire's Ford. Ele comprou a casa da Senhora Tully e depois a contratou para cuidar da hospedaria onde antes havia a casa. Como recebia um dinheiro por seu trabalho, ela podia se dedicar somente a essa atividade e ainda manter a terra que seu marido não comprou e todo o terreno em volta da casa. Não notou o nome do lugar? Leão Dourado. A Senhora Tully diz que o inglês parecia um leão de juba exuberante. Este é o único lugar decente onde um viajante pode se hospedar entre o porto e Maguire's Ford. Muitos ingleses não gostam da hospedaria, mas nada podem fazer, já que ela pertence ao renomado e abso­lutamente britânico marquês de Westleigh e sua família.

— Meu filho nunca disse nada sobre isso — comentou Jasmine.

— Ele provavelmente não sabe. A administração da hospe­daria foi confiada a mim em Maguire's Ford. O marquês achou que seria melhor assim.

— Meu Deus! Todos esses anos e eu nunca soube! Rowan tinha bom coração. Lembro-me dessa pobre mulher com aque­la barriga enorme e os pequenos agarrados em sua saia, cho­rando de fome. O lugar era sujo, dilapidado... E você me con­tou que o marido a deixara para seguir com os condes, mas que ela se recusara a sair de suas terras. E olhe só para isso agora! — Jasmine olhou em volta, identificando a casa original entre os vários edifícios que a cercavam.

Tudo havia sido caiado e limpo, com rosas e outras flores crescendo em lindos canteiros. Havia um estábulo grande que devia comportar pelo menos duas dúzias de cavalos. Havia vi­draças nas janelas e várias chaminés fumegando suavemente. Ela podia sentir o aroma tentador de carne assada e mingau. O cheiro de cerveja de boa qualidade podia ser sentido mesmo do lado de fora do estoque. Vários rapazes correram do estábu­lo para pegar os cavalos.

— Vamos — convidou Rory Maguire, ajudando Jasmine a desmontar. —Venha rever a Senhora Tully. Agora ela sabe falar inglês. Em pouco tempo, a mulher percebeu que esse era um conhecimento indispensável à sua sobrevivência.

O duque de Glenkirk estava um pouco incomodado com o comportamento casual do irlandês com sua esposa. Porém, ele se consolou por saber que, com exceção de Adali e Rohana, Maguire só conhecia Jasmine. A posição em que se encontrava o homem não era confortável. Ele não era exatamente um cria­do, porque havia nascido na nobreza. Mas não possuía mais as terras, e agora apenas administrava a propriedade de uma se­nhora inglesa, que por acaso era a duquesa de Glenkirk. Preci­sava conhecê-lo melhor. Afinal, parecia ser um bom homem, e havia agido com honestidade durante todos esses anos, cui­dando bem das terras e das posses de sua esposa.

Jasmine quase não reconheceu a Senhora Tully, agora corada e até rechonchuda. A mulher cumprimentou-a com entu­siasmo, inclinando-se várias vezes e agradecendo profusamente pela bondade de Rowan Lindley tantos anos atrás.

— Como pode ver, milady, o bom coração desse homem foi nossa salvação. Não sei como teria sobrevivido sem sua valio­sa ajuda.

Todos se sentaram em uma sala privada para uma refeição de carneiro assado, cebolas, cenouras e batatas. Havia também um pato recheado com pão e maçãs, um salmão grelhado com ervas, pão fresco, manteiga e queijo. Havia vinho e cerveja.

— Lamento não podermos passar a noite. — comentou James Leslie, após a refeição.

— Se ficássemos para dormir, não chegaríamos em Maguire's Ford no final da manhã — explicou Rory.

— E onde vamos passar a noite, Maguire? — quis saber o duque.

— No único lugar disponível para nós, a propriedade de Sir John Appleton.

— Ele ainda vive? — Jasmine espantou-se. — Se bem lem­bro, ele e a esposa eram muito desagradáveis com os irlande­ses. Uma gente esnobe, arrogante... Ele tinha alguma função pouco importante na corte da Rainha Bess.

— Sim, ele ainda vive — disse Rory Maguire com tom som­brio — e tornou-se ainda mais arrogante e cruel com o passar dos anos. A esposa faleceu, mas a filha e o genro moram com ele. E não são muito melhores que o velho.

— Que deliciosa perspectiva para a noite — resmungou James Leslie com ironia.

— Oh, eles se desdobrarão para agradar meus senhores, milorde. Somos nós, os irlandeses, que recebemos seu desdém — riu Maguire.

— Não há outro lugar?

— Infelizmente, não, milorde.

Sir John Appleton era agora um homem gordo e velho com um pé castigado pela gota. Sua filha, Sarah, e o marido dela, Richard, eram carrancudos e mal-humorados. Estavam aber­tamente lisonjeados por receberem em sua casa o duque e a duquesa de Glenkirk e sua filha e herdeira. Sentaram Fortune à mesa ao lado de seu filho, John, e esperaram por um milagre. Mas o milagre não ocorreria, porque John, normalmente alegre e ruidoso, estava sem fala diante da beleza e da confiança de Lady Fortune Lindley. Ela era diferente de todas as outras jo­vens que conhecera, e sentia-se francamente intimidado por sua presença altiva. De sua parte, Fortune o ignorava. O jovem John Appleton tinha o rosto cheio de espinhas e mãos úmidas. O fato de permanecer em silêncio, como se não tivesse nada de interessante para dizer, só o diminuía ainda mais aos olhos da herdeira de Maguire's Ford. Ela o julgava tolo e desprovido de encantos.

— A reputação de seus cavalos é impressionante — comen­tou o velho Sir John. — Estou admirado, considerando que mantém em sua propriedade, trabalhadores católicos irlande­ses. Eles devem roubar muito, suponho.

— Há católicos e protestantes trabalhando em nossa proprie­dade — respondeu Jasmine. — E os dois grupos sempre me pres­taram bons serviços. Aliás, não consigo identificar nenhuma di­ferença entre eles, Sir John. São todas pessoas muito decentes.

— Papistas adoradores de ídolos — resmungou o velho com tom venenoso.

— Os católicos não idolatram ídolos — interferiu Fortune, irritada. — Idolatram Deus! Quanta tolice!

— Senhora! Reprima sua filha! Ela é muito ousada e tem idéias erradas — Sir John impacientou-se.

— Fortune, por favor, peça desculpas a Sir John. Ele não tem culpa da própria ignorância — disse a duquesa de Glenkirk à filha.

— Sim, senhora—respondeu Fortune obediente. — Senhor, peço que me desculpe por sua ignorância. — Ela sorriu com doçura. Depois se levantou e fez uma graciosa mesura. —Ago­ra devo me retirar — explicou, deixando a sala em seguida.

Sir John e sua família não sabiam ao certo se Fortune real­mente se desculpara, mas ninguém ousava questionar a duque­sa de Glenkirk. A jovem era inteiramente inadequada para John, decidiram em silêncio. Era bonita demais, e ousada demais. Sem dúvida, teria um fim amargo. Foi com grande alívio que ouvi­ram os hóspedes anunciarem que pretendiam se recolher.

Rory Maguire, Adali e Rohana haviam comido na cozinha. Os criados desconfiavam do irlandês e de seus dois compa­nheiros de aparência estrangeira. Depois de comerem, foram informados de que Rohana poderia ir encontrar sua senhora, mas os dois homens teriam de dormir no estábulo.

— Meu senhor não permite gente como vocês dentro da casa — explicou a cozinheira de má vontade. — Seríamos to­dos mortos em nossas camas!

— Duvido de que exista um único homem vivo capaz de chegar perto da cama daquela mulher — comentou Adali rindo quando ele e Maguire encontraram um lugar para deitar sobre a palha seca do estábulo. Estendeu o manto sobre o leito impro­visado. — Já dormi em lugares piores — disse.

— Eu também — concordou Rory, imitando o criado in­diano e forrando a palha antes de se deitar. Acomodado, dis­se: — Ela parece feliz.

— Ela está — confirmou Adali.

— Que bom.

— Nunca se casou, Mestre Maguire?

— Não. Não via propósito nisso. As terras não eram mais minhas; eu nada possuía para oferecer a uma mulher. Filhos só teriam complicado minha vida, pois seriam católicos de fé, ir­landeses de sangue, e estranhos em sua própria terra enquanto a Inglaterra a mantiver ocupada. Nem eu mesmo tenho certeza do futuro. Não devo querer assumir a responsabilidade de uma esposa e filhos.

— Não sente necessidade de uma mulher?

— Depois dela? — foi a resposta.

— Foi só uma hora no meio da noite há quase 21 anos, Mes­tre Maguire. Está me dizendo que não houve outra desde en­tão?

— Exatamente. Bem, confesso que de tempos em tempos tinha um ataque de luxúria que satisfazia com uma viúva do vilarejo, uma conhecida. Ela é conhecida por ser generosa com homens como eu, mas, por ser muito discreta, ninguém a cha­ma de meretriz.

— É capaz de ser tão discreto quanto essa viúva, Mestre Maguire?

— É claro que sim! — respondeu Rory. — Não fui sempre discreto? Sei que ela nada sabe sobre o que aconteceu. Eu não ousaria perturbá-la com isso.

— Ótimo. Ela o considera um amigo, Mestre Maguire. Acre­dito que não queira perder a amizade de minha senhora. Ela ama James Leslie, e ele a ama. Os dois construíram uma vida muito boa juntos na Escócia, onde criam os filhos.

— Não tema, Adali — disse Rory Maguire com grande tris­teza na voz. — Ela nunca me viu como algo mais do que um amigo, e isso é o melhor que posso esperar. Não farei nada que possa pôr em risco essa pequena dose de atenção. Não por um sonho tolo que nunca se realizará. Eu daria minha vida por Lady Jasmine, Adali, mas ela jamais saberá qual foi o meu papel na sua recuperação daquele doloroso luto. Ela não precisa saber como salvei sua vida, porque essa revelação só nos envergonharia.

— Não, não houve nenhuma vergonha nisso, Mestre Maguire — protestou Adali. — Você, o sacerdote e eu fizemos o que ti­nha de ser feito. Nada mais do que isso. Não há nenhuma des­graça no que aconteceu, nem deve se sentir culpado. E agora, espero que tenha uma boa noite. Falaremos amanhã.

— Boa noite, Adali — respondeu Rory Maguire em voz bai­xa, virando-se de lado e se enrolando no manto. De olhos fe­chados, pensou que os próximos meses seriam os mais difíceis de sua vida.

Capítulo 2
Eles deixaram a casa dos Appleton antes de o sol nascer. Os anfitriões ainda dormiam, mas ninguém queria prolongar a estadia um minuto além do necessário.

— Por favor, informe seu senhor — o duque de Glenkirk instruiu o mordomo, que também parecia bastante sonolento. — Diga a ele que somos gratos pela hospitalidade, mas nossa jornada é longa, tediosa. Se quisermos concluí-la ainda hoje com a luz do dia, devemos partir imediatamente, embora seja ainda muito cedo.

O mordomo curvou-se, obsequioso como seu empregador.

— Muito bem, milorde. Sir John vai lamentar não ter tido a oportunidade de se despedir apropriadamente.

— Diga a ele que não se incomode com isso. — James Leslie respondeu, distinto, com um gesto de sua mão enluvada. Virando-se, escoltou a esposa e a enteada da saída do grande sa­lão à úmida e nebulosa manhã.

O coche que levava Adali, Rohana e a bagagem, já havia partido. Rory Maguire esperava por eles e segurava as rédeas dos animais. Todos montaram rapidamente e partiram, afas­tando-se da propriedade dos Appleton.


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