Fortune, uma mulher impiedosa. Bertrice small



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— Sim, milorde. Estou certa de que é isso o que quero.

— E eu contrairia com você uma dívida de gratidão, Cecil — anunciou Charlie com expressão significativa.

Lorde Baltimore sorriu.

— Não, Charlie. Será um prazer oferecer à sua irmã e ao ma­rido dela um lugar em minha colônia. Eles são as pessoas que realmente desejo ter comigo. Farão alguma coisa proveitosa da terra que lhes for dada e ficarão para construir a colônia. Venham, vamos conversar em meus aposentos particulares. Contarei tudo que está envolvido na empreitada e o que vocês receberão em troca. — Ele tomou as mãos de Fortune. — Lembro-me de você e de sua irmã Índia na corte. Naquela época, vocês eram duas das mais belas damas naqueles salões. Quando partiu, deixou para trás muitos corações partidos. — Ele os conduziu por um corre­dor de pedras até uma sala de paredes revestidas de madeira. Havia ali um fogo acolhedor. Lorde Baltimore acomodou seus convidados e sentou-se entre eles. — Agora — disse, olhando para Fortune e Kieran — para cada pedaço de terra que eu con­ferir, terei em troca um juramento de lealdade, considerando que sou o proprietário da colônia. Vocês receberão mil acres para cada cinco homens que levarem. Como já têm quinze homens, terão três mil acres, Senhor Devers. Quero vinte libras por cada homem transportado. Mulheres e crianças não pagam pela in­clusão. Cada colonizador do sexo masculino terá cem acres para si mesmo, e se levar a esposa terá mais cem acres. Cinqüenta acres serão acrescidos para cada filho com mais de 16 anos. Eles pagarão vinte pences ao ano como impostos por cada cinqüen­ta acres. Vocês pagarão vinte libras anuais.

Fortune e Kieran ouviam com atenção.

— Cada indivíduo de seu povo deverá ter um mínimo de dois chapéus, dois ternos, três pares de meias, sapatos, um machado, uma serra, uma pá, pedras, uma pedra amoladeira, um espeto, uma grelha, uma panela, uma chaleira, uma frigideira e boa extensão de lona. As mulheres, é claro, levarão ves­tidos no lugar de ternos. Cada homem vai precisar de um mosquete, dez libras de pólvora, dez libras de chumbo, balas, uma espada, um cinturão, uma bandoleira e um recipiente para líquidos. Seu povo, homens e mulheres, terão de saber atirar, pois não poderão depender apenas dos cavalheiros da expedi­ção para se protegerem.

Kieran assentiu.

— Que tipo de suprimentos devemos estocar para nossa alimentação? — quis saber ele.

— Farinha, grãos, queijo, peixe seco, carne e frutas. Barris de cerveja, cidra e vinho. E sementes. Vocês receberão uma lis­ta de tudo que devem levar, pois enfrentaremos um inverno e uma primavera antes de podermos comer de nossa terra.

— Quer dizer que pretende viajar este ano? — Kieran esta­va surpreso. Seu sogro e Charlie haviam dito que acreditavam que a expedição de Lorde Baltimore não partiria antes do pró­ximo ano. Teriam de mandar buscar sua gente e começar os preparativos o quanto antes. Rory Maguire receberia a quantia necessária para providenciar os suprimentos. — Quando? — Estava aflito. Havia muito por fazer.

— No outono. Sei que não é o melhor período para viajar, mas não temos escolha. Diferentemente de meu pai, tenho ini­migos que se opõem à colonização de Mary's Land.

Os representantes da colônia da Virgínia estavam muito agitados. Eles protestavam, alegando ao rei que o estabeleci­mento da colônia de Mary's Land representaria perda de terra e de colonizadores para eles. E se opunham à criação de uma área onde toda gente — católicos, inclusive — poderia praticar sua religião sem interferência. Depois, começaram rumores de que somente católicos seriam aceitos em Mary's Land, e não pouparam esforços para tentar convencer o Rei Charles a res­cindir a permissão concedida a Lorde Baltimore. O rei ouvia todos, mas não perdia de vista a lealdade com que George Calvert servira sua família. Sua jovem rainha católica repetia seus apelos discretos para que ele ignorasse os descontentes.

—A permissão será mantida — disse o rei à esposa. — Creio que os sonhadores que seguem nosso bom Calvert acreditam realmente que podem criar um lugar onde todas as religiões serão toleradas e praticadas em harmonia. Sendo a natureza humana o que é... — ele encolheu os ombros. — Mas eles têm o direito de tentar. E nós vamos orar para que tenham sucesso.

Os detratores de Calvert continuavam trabalhando em si­lêncio, tentando destruir o sonho de Lorde Baltimore. Cecil Calvert compreendeu que não poderia seguir com seus coloni­zadores. Não naquele momento. Ele pôs o irmão mais jovem, Leonard, no comando da expedição, e outro irmão, ainda mais jovem, foi feito governador assistente da colônia. Jerome Hawley e Thomas Cornwallis foram nomeados para auxiliar os Calvert como comissários. Os preparativos prosseguiam tendo em vis­ta a partida no outono. Kieran e Fortune voltaram a Queen's Malvern para se prepararem também. Não havia tempo para irem visitar Índia em Oxton.

Em Queen's Malvern, Fortune percebeu que seu elo com os ciclos da lua se haviam quebrado. Esperava um filho. A des­coberta causou-lhe grande agitação. Sabia que, se soubesse de sua condição, o marido não a deixaria seguir viagem para a colônia antes do nascimento do bebê. Se fosse Índia, teria guar­dado o segredo, mas não era. Era a filha prática e sensata, e ainda assim... Ela suspirou.

— O que foi? — perguntou seu irmão ao encontrá-la senta­da em um banco no jardim de Queen's Malvern. Ele se sentou ao seu lado e segurou sua mão.

— Tenho um problema para solucionar — contou Fortune.

— Está em dúvida sobre se quer mesmo deixar a Inglater­ra? — não entendia a decisão da irmã de ir viver em lugar des­conhecido, selvagem e inóspito. Havia católicos vivendo na In­glaterra. Não era fácil, mas...

— Mary's Land é o lugar onde meu marido e eu viveremos. Nunca me senti realmente em casa em nenhum lugar, e Kieran confessou ter essa mesma sensação. Sabemos que lá seremos felizes. Não é essa a minha dificuldade, meu irmão.

— Então, só posso supor que ainda não contou ao seu ma­rido sobre o filho que está esperando.

Fortune estava perplexa.

— Como soube?

Charles Frederick Stuart riu alto.

— Quantos filhos teve nossa mãe? Eu fui o quarto. Cinco vieram depois de mim, Fortune. Sei quando uma mulher espe­ra uma criança. Para quando é o bebê?

— Não sei. E não se atreva a rir de mim, Charlie! Sempre imaginei que mamãe estaria comigo quando meu primeiro fi­lho nascesse. Ela deveria estar aqui para me dizer quanto tem­po uma criança leva para crescer dentro de uma mulher. O que vou fazer? — ela se levantou e começou a andar de um lado para o outro.

— Quando seu elo com os ciclos da lua se rompeu?

— Não vejo meu fluxo de sangue desde que saímos de Glenkirk.

— Provavelmente, no início da primavera, então, mas vou escrever para mamãe para ter certeza. Enquanto isso, sugiro que fale com seu marido, Fortune. Ele precisa saber.

Fortune não sabia como informaria Kieran da chegada de seu primeiro filho e como o convenceria a lhe permitir que o acompanhasse na viagem para Mary's Land. Não conseguia encontrar a coragem necessária para abordar o assunto. Sabia o que ele diria. Insistiria para que permanecessem na Inglaterra até a criança nascer, pois então poderiam viajar com seguran­ça. Afinal, não havia sido essa a decisão que seus pais tomaram no ano anterior em Ulster? E Autumn era o nono bebê de sua mãe, não o primeiro! Talvez devesse esperar para falar quando já estivessem no mar. Sim! Informaria Kieran sobre sua condição quando já fosse tarde demais para voltar atrás. Era a solu­ção perfeita.

Fortune não disse nada e passou a evitar os olhares curio­sos do irmão.

Acordava faminta todas as manhãs e vestia-se apressada para ir ao salão familiar juntar-se a Kieran e Charlie para a re­feição matinal. Comia com entusiasmo. Uma terrina de mingau de aveia com maçãs secas e creme. Pão quente coberto por man­teiga e acompanhado de uma grossa fatia de queijo cheddar. Dois ovos cozidos com sal e uma caneca de cidra doce. De repente, porém, seu estômago começou a se rebelar. Naquele dia, antes que pudesse se levantar, Fortune vomitou a refeição.

Os dois homens a olharam horrorizados, saltando apressa­dos para não serem atingidos.

— Querida, você está bem? — perguntou Kieran, preocu­pado.

— Ainda não disse a ele, disse? — interferiu Charlie com tom severo.

— Não me disse o quê?

— Sua esposa espera um filho — declarou Charlie, anteci­pando que a irmã poderia inventar uma desculpa qualquer para continuar adiando a revelação. — Ela planejava conversar com você.

— Quando? — indagou Kieran rispidamente. — Quando estivéssemos no mar?

— Sim — reconheceu ela. — Achei que seria melhor. Kieran bufou.

— Poria em risco sua vida e a de nosso filho só para fazer as coisas do seu jeito?

Os criados corriam para limpar o local, e os dois homens levaram Fortune para perto da lareira. Róis, que assistira a tudo, servia para sua senhora uma xícara de chá de hortelã.

— Beba devagar, milady. Vai acalmar seu estômago. De­pois trarei pão seco.

Fortune bebia o chá sentada em uma poltrona estofada. Olhando para o marido furioso, disse:

— Vai partir para Mary's Land sem mim, Kieran?

— É claro que não! — quase gritou para ela.

— Por isso eu não contei antes.

— Não está dizendo coisas coerentes, Fortune.

— Sim, estou, mas você se recusa a me ouvir. E pare de gri­tar comigo, Kieran Devers. Não vou admitir esse tratamento! — ela rompeu em lágrimas, soluçando profusamente.

Kieran não sabia o que fazer. Fortune estava errada e tenta­va envolvê-lo com suas lágrimas. Pois bem, não se deixaria manipular pela esposa. Não fosse pela gravidez, certamente deveria ser punida com a bronca que merecia.

— As mulheres ficam muito sensíveis e emotivas quando esperam um filho — explicou Charlie ao cunhado. — Dê um momento a ela, e tudo vai passar. Fortune, pare de chorar, mi­nha irmã, e explique-nos os motivos de sua decisão.

Ela ainda choramingou por alguns segundos, mas conse­guiu se controlar.

— Se não formos para Mary's Land com os primeiros na­vios, não obteremos as melhores terras. Temos de estar entre os primeiros! Não somos lordes influentes especulando em uma nova colônia, Kieran; estamos entre os poucos colonizadores abastados que pretendem permanecer em Mary's Land. Mui­tos dos nobres que participarão da expedição, se é que real­mente vão participar, em vez de enviar seus agentes, esperam obter lucro rápido. Vão povoar suas terras como puderem, com quem se dispuser a ir, e depois revenderão essas proprieda­des pelas ofertas mais altas. Levaremos nossos cavalos no pró­ximo ano. Precisamos de pastos para eles. Não podemos pas­sar os dias limpando florestas. Se estivermos entre os primeiros colonizadores, teremos os prados e receberemos nossas terras do próprio Lorde Baltimore. Se esperarmos, seremos forçados a comprá-las de outros proprietários. Temos de ir, Kieran! Não podemos ficar aqui!

— Por que não? — reclamou ele. — Há católicos na Ingla­terra. Não podemos comprar uma casa aqui? Teríamos uma vida pacata, simples...

— Você conhece as condições de vida dos católicos na In­glaterra. E os puritanos tornam-se mais poderosos a cada dia. Nem o rei está inteiramente livre de suas articulações, e tudo o que a rainha faz é criticado. E por quê? Porque ela é católica. Considera-me egoísta por desejar partir mesmo estando grávi­da. A Senhora Jones vai cuidar de mim durante a viagem, e eu não tenho medo. E é você o egoísta aqui, Kieran Devers!

— Eu? Como? Por quê? — ele ficou surpreso com a acusação.

— Você mesmo me disse que sua fé não é particularmente forte e que só se agarrou ao catolicismo por ser a única coisa que ainda tinha de sua mãe. Acredito que a decisão também foi uma forma de irritar sua madrasta. Porém, agindo assim, deu a ela a arma perfeita para atacá-lo e roubar de você Mallow Court. Mallow Court tem mil acres e Maguire's Ford tem mais três mil. Teríamos sido uma força indestrutível em Ulster, e certa­mente em toda Fermanagh, Kieran, mas você preferiu se agar­rar ao passado e discutir sobre religião como todos os outros. Amo você, Kieran Devers. Abri mão de uma grande e próspera propriedade para viver ao seu lado e não me arrependo dessa decisão. Terei um filho seu no início da primavera, e se não quer que eu deixe a Inglaterra nessas condições, acato sua decisão e permaneço na terra onde cresci. Mas, por Deus, meu marido, vá você com essa expedição e tome para nós os três mil acres de terra que tiverem melhor irrigação e forem mais férteis! Agora você é um homem com uma família, alguém dé muitas respon­sabilidades. Não sou Lady Jane. Não pode mais se esconder atrás de sua fé e usá-la para justificar seu orgulho, Kieran Devers!

Ele estava sem fala e não conseguiu dizer nada nem mes­mo quando Fortune levantou-se e saiu da sala.

— É seu primeiro sermão, suponho — comentou Charlie com uma tentativa frustrada de humor.

Kieran assentiu.

— As mulheres da minha família são temperamentais. É sensato não desafiá-las, se puder evitar o confronto. Elas são inteligentes e orgulhosas, Kieran. Minha irmã tem razão quan­do diz que você deve seguir para Mary's Land, embora ela mes­ma não possa viajar agora. Não são só vocês dois. Não mais. Toda aquela gente em Maguire's Ford espera uma ordem sua para se lançar numa nova vida. E em breve você será pai. Não pode mais fugir do seu dever, meu cunhado.

— Como alguém tão jovem como você sabe tanto sobre a vida? — murmurou Kieran, recuperando finalmente a capaci­dade de falar.

— Tive bons professores. Minha bisavó, Lady de Marisco. Minha mãe e meu padrasto. E, por natureza, minha linhagem conferiu-me grandes oportunidades. É preciso crescer depres­sa em uma corte real, Kieran, particularmente se seu desejo é sobreviver e prosperar. Ser sobrinho do rei nunca foi suficiente para mim.

— Tudo é muito novo e estranho para mim, Charlie. Não entendi realmente em que tipo de família estava ingressando quando me apaixonei por sua irmã. Somos provincianos de­mais comparados a vocês, mas só percebi a real extensão dessa diferença quando chegamos à Inglaterra. No momento em que vi Fortune, soube que precisava tê-la, mas agora me pergunto se não tentei agarrar mais do que posso controlar. Sou mesmo um homem capaz de formar um império em um mundo novo? Não sei. Vou desapontar Fortune se não tiver essa capacidade? E nosso filho? O que será de nosso filho?

— Em primeiro lugar, você precisa entender que todas as mulheres da nossa família trabalham com seus maridos. Todas têm essa mania irritante de ter e criar filhos enquanto adminis­tram seus negócios com grande competência e sucesso. Aceite essa estranha bênção de Deus, Kieran. Sente-se com minha irmã e decida como vão cuidar dessa tarefa de colonizar o Novo Mundo. Entenda que precisa ir e que ela tem de ficar para ter essa criança. Fortune irá encontrá-lo no ano que vem. Então, você já terá construído uma casa para sua família. Não vai que­rer ficar aqui e deixar a responsabilidade de criar o lar de sua família em mãos estranhas. Não há nada nessa situação que não se possa administrar, meu amigo.

— Não tenho escolha, Charlie. Seguirei seu conselho. Sei que você está certo, mas não me agrada a idéia de deixar Fortune.

— Minha mãe virá para cuidar dela. Ou, melhor ainda, Ín­dia! Fortune estava com ela quando minha irmã mais velha teve seu primeiro filho. Peça a ela que conte essa história em outra oportunidade — ele riu. — Agora, já superou o choque? Não deve ser fácil descobrir que se casou com uma criatura incontrolável e...

— Não sou tão terrível assim — defendeu-se Fortune da porta do salão. — Como pode dizer isso? Kieran sabe que não sou assim.

— É claro que sei, meu amor — riu o marido. — Charlie e eu estivemos conversando... Precisamos nos sentar e decidir como vamos cuidar de tudo com relação a essa viagem. Você vai ter de ficar...

Fortune sorriu para os dois.

— Sabia que veria a razão, Kieran. Fico feliz por Charlie ter lhe dado bons conselhos. Agora, senhor, temos muito a fazer e nenhum minuto a perder.

Charles Frederick Stuart, o duque de Lundy, sorriu malicio­so atrás da irmã. A mensagem para o cunhado era bem clara. Dizia: Entende agora? Tudo o que tem de fazer é seguir o que ela diz!

Capítulo 15

Fortune e Kieran mandaram uma mensagem urgente a Maguire's Ford informando que os homens que pretendiam acompanhá-los deveriam estar prontos para embarcar no Cardiff Rose em poucos meses. Rory Maguire recebeu uma lista com todos os itens que cada homem deveria levar, conforme havia sido re­passado pelo próprio Lorde Baltimore aos Devers. A única mulher no grupo viajaria como acompanhante da Senhora Jones, a médica, porque seus serviços seriam de grande valia nos primeiros meses da empreitada. Ela foi aconselhada a le­var não só suas ervas secas, raízes e sementes, mas mudas de plantas e pés já desenvolvidos também, pois não sabiam dizer que tipo de espécies encontrariam em Mary's Land.

As outras mulheres do grupo e as crianças permaneceriam em Ulster até o verão seguinte, quando o Cardiff Rose retornaria para buscá-las, e então viajariam na companhia do Highlander, a embarcação onde seriam transportados os cavalos e os outros animais de criação. O plano era construir uma casa para os Devers e para os outros durante o inverno, de forma que, quan­do as mulheres chegassem com seus filhos, todos pudessem ser adequadamente abrigados contra os fenômenos atmosféricos.

Assim que alcançassem o destino do outro lado do mar, os homens comprariam um touro da Virgínia, uma vaca leiteira e um cavalo para Kieran. Assim que a primavera chegasse, po­deriam começar a lavrar a terra. Já sabiam que os colonizado­res da Virgínia não seriam muito amigáveis, pois invejavam o status especial conferido a Mary's Land. Fortune sabia, porém, que a quantia adequada superaria qualquer relutância, e por isso aconselhou o marido a negociar com astúcia, mas sempre com o propósito de obter tudo o que fosse necessário para o sucesso da família — ou seu fracasso, dependendo de como as coisas transcorressem no Novo Mundo.

— Você é tão sensata — comentou ele um dia, quando re­visavam juntos uma relação do que já havia sido providen­ciado. — Lamento não poder tê-la a meu lado nesses primeiros meses, minha querida.

Ela sorriu para o marido.

— Quero muito ir com você, mas compreendo que, neste momento, é melhor para todos se eu ficar. Você precisa se con­centrar inteiramente em tornar nossa propriedade lucrativa, Kieran. Eu seria apenas um fardo, uma distração, pois estaria sempre preocupado com minha condição.

Ele tocou o ventre que começava a ganhar forma mais arre­dondada.

— Odeio pensar que não estarei com você quando nosso filho nascer. Meu pai, que Deus o tenha em Sua glória, sempre contava que a parteira tirou-me do útero de minha mãe para colocar-me nas mãos dele. Gostaria de poder viver essa mesma felicidade, minha querida. — Ele acariciou a barriga da esposa. — Meu filho... — disse, quase intimidado.

— Nosso bebê — corrigiu Fortune com ternura. — Pode ser uma menina, Kieran. O que não faz nenhuma diferença para mim, desde que seja saudável.

Ele a beijou nos lábios.

— Concordo, Fortune. Minha adorada... Já pensou que há um ano, nessa mesma época, estávamos nos apaixonando?

Ela riu, um som que o encheu de alegria.

— Você é o homem mais sentimental que já conheci, Kieran Devers. Sabia que estava certa quando decidi viver meu amor por você, mesmo que essa decisão tenha me custado Maguire's Ford.

O verão terminou. Jasmine, com seu bebê Autumn Leslie, seguiu para o sul, para a Inglaterra. Elas iriam para Queen's Malvern, e o duque e seu filho mais velho permaneceriam em Glenkirk. A duquesa não abriria mão de estar com a segunda filha no momento do nascimento de seu filho. Como Autumn já tinha quase um ano de idade, podia viajar com um pouco mais de conforto. Kieran se sentia melhor sabendo que a mãe de Fortune estaria com ela quando seu filho nascesse.

— São muito sensatos, meus queridos — disse Jasmine ao genro. — Adiar a partida de Fortune foi uma decisão correta. Nunca se sabe ao certo quando vai nascer um bebê, especial­mente se ele é o primeiro de uma mulher. É melhor que Fortune permaneça aqui conosco. Charlie partirá para a corte em breve, e nós teremos Queen's Malvern só para nós.

Charles Frederick Stuart comemorou seu aniversário de 20 anos. Seu irmão, Henry Lindley, marquês de Westleigh, a irmã mais velha, Índia, condessa de Oxton, e seu marido, Deveral Leigh, chegaram para participar da celebração. Naquela noite, Jasmine olhou para todos no salão. Ali estavam seus quatro fi­lhos mais velhos. Houve um tempo em que haviam sido muito próximos. Agora eram todos crescidos, e todos se desdobra­vam em atenção e carinho pela pequena Autumn Leslie, a ca­çula da prole.

Jasmine olhou para seu filho Stuart.

— Você é a imagem de seu pai — disse. — Ele tinha 20 anos quando morreu. Graças a Deus você possui uma constituição mais forte. Quando ele nasceu, na Escócia, todos os trataram como se fosse uma espécie de ídolo indiano de minha terra na­tal. Henry foi carregado pelos criados até ter quase 4 anos de idade. Certa vez, contou-me que, à noite, quando ficava sozi­nho sem os criados, levantava-se da cama e corria pelo quarto. Não fosse por isso, suas pernas seriam tão fracas quanto às do irmão, ainda um bebê. Seu próprio tio Charles era menos aven­tureiro e sofreu muito quando aprendia a andar. Deve notar Charlie, que ainda hoje ele manca um pouco.

— Já me havia perguntado qual poderia ser a razão desse estranho caminhar — respondeu Charlie. — Meu pai era mais novo que você, não, minha mãe?

— Três anos e meio, mas ninguém nunca se importou mui­to com isso. Acho que todos ficaram aliviados por ele ter final­mente tomado uma amante, provando assim sua masculinidade. Conhece os rumores que sempre cercaram seu avô, o Rei James. — Ela sorriu. — E você, meu filho? Alguma jovem já roubou seu coração? Charlie corou.

— Sou sobrinho do rei. Mesmo tendo nascido de uma união ilegítima, ainda sou seu sobrinho, e as damas me tratam sem­pre com muita gentileza.

— Pena que mamãe não tenha se casado com o Príncipe Henry — interferiu Henry Lindley. — Agora você seria rei, e um rei melhor do que o pobre, velho e régio Charles. Ele não é capaz de tomar uma única decisão relacionada à administra­ção do reino sem ruminá-la centenas de vezes! E não se pode discordar dele, porque Charles não aceita sugestões nem críti­cas com facilidade.

— Ele não é um mau rei — Jasmine defendeu o monarca.

— Sim, é — protestou o marquês de Westleigh — mesmo que não seja mal-intencionado, mamãe. De qualquer maneira, pelo menos nosso Charlie não teve de se casar com Henrietta Marie — ele riu. — A rainha é católica, orgulhosa e excessiva­mente piedosa em sua fé. Sua existência causa dificuldades.

— Henry! Não esqueça que seu cunhado é católico. Não o criei para manifestar nem mesmo considerar esse tipo de pre­conceito — Jasmine censurou o filho mais velho.

— Mamãe, não sou contra os católicos. Sou prático, ape­nas, e o que digo é verdade. Diria o mesmo se a rainha fosse uma puritana exacerbada. Extremismo não é bom para um país nem para seu governo. A Inglaterra está mudando, e não sei se gosto muito das mudanças.

— Os ingleses são unilaterais nessas questões religiosas há séculos — manifestou-se Kieran. — Talvez não o povo inglês, mas seus governantes.

— O povo também — disse Henry Lindley com tom fatalista.

— Pensei que estivéssemos aqui para comemorar meu ani­versário — lembrou Charlie, sorrindo. — Não quero discutir política nem religião. Estamos reunidos aqui como nunca mais estaremos. Logo nossa irmã nos deixará para começar sua vida nesse novo mundo que tanto a encanta. Quero comer, beber e construir boas lembranças esta noite. E lembrar tempos doces e cheios de aventura. Lembram-se de quando todos nós fugimos para a França porque meu avô, o Rei James, e minha avó, a Rai­nha Anne, decidiram que Jemmie Leslie seria o marido perfei­to para mamãe?


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