— Levante-se — orientou-a Jasmine. — Vamos caminhar um pouco. Isso ajuda a acelerar o processo, meu bem. Lamento ter de dizer isso, mas os bebês não costumam ser razoáveis ou sensíveis na hora do parto. Eles nascem quando nascem, e isso é tudo que se pode prever.
— Não é particularmente animador, mamãe.
A porta do quarto se abriu, e as duas criadas gêmeas de Jasmine entraram.
— A jovem Bramwell manda perguntar onde quer que seja montada a mesa de parto, milady — adiantou-se Rohana.
— Aqui, perto da lareira. E mande-a trazer também o berço, e toalhas e faixas. — Começava a ser tomada de assalto pelas lembranças. Seu filho, Charlie, havia nascido ali, em Queen's Malvern. O pai dele, o Príncipe Henry, estivera presente. Primeiro se mantivera atrás dela, apoiando seus ombros, encorajando-a com suas palavras doces, massageando seu ventre enrijecido com mãos gentis. Ele parecia ser movido por um instinto, como se soubesse naturalmente o que fazer, embora mais tarde houvesse admitido nunca ter visto outro parto antes. E, quando ficara evidente que a criança estava prestes a nascer, ele chamara Adali para ocupar seu lugar, contornara a mesa, empurrara delicadamente a avó dela, Skye, para o lado, e trouxera ele mesmo o filho ao mundo. Jasmine sentiu as lágrimas brotando em seus olhos e virou-se depressa. Henry Stuart havia sido um homem muito doce.
— Mamãe! — gritou Fortune. — Não sei se posso continuar andando. A dor está ficando pior, e as contrações acontecem em intervalos cada vez menores!
O dia começava a clarear o céu do lado de fora da janela, e Fortune estava em trabalho de parto havia horas.
— Vamos ajudá-la a subir na mesa de parto — orientou Jasmine as criadas.
Toramalli ajudou Fortune a se acomodar, enquanto Rohana se colocava atrás dela para amparar seus ombros.
— Vi sua mãe e seus irmãos nascerem — contou Rohana. — Agora verei seu filho vir ao mundo, milady Fortune. Lamento que tenha de nos deixar. Não verei as outras crianças que você e seu belo marido trarão ao mundo.
— Odeio meu marido! — gritou Fortune. — Como ele pôde fazer isso comigo e depois ir embora para o Novo Mundo enquanto eu fico aqui, sofrendo e sentindo dores? A criança não vai nascer nunca? Mamãe, está demorando demais!
— Está falando como sua irmã Índia — respondeu Jasmine. — Eu avisei, meu bem, que a criança nasce quando nasce. E isso é tudo o que se pode prever.
Várias horas se passaram, até que, no meio da tarde, a cabeça do bebê finalmente apareceu. Jasmine incentivava a filha a fazer força para expulsar a criança de seu corpo. Devagar. Devagar. Primeiro o topo da cabeça. Depois a cabeça inteira e os ombros. Finalmente, o bebê deixou a proteção do corpo materno. Seus olhos se abriram e encontraram os da avó. O grito ultrajado soou forte no quarto.
— É uma menina — anunciou Jasmine, encantada.
— Menina? — perguntou Fortune. Sua voz soava aliviada e exausta. — Deixe-me vê-la, mamãe. Coloque-a em meus braços.
Jasmine atendeu ao pedido, e Fortune gritou.
— Ela está coberta de sangue, mãe! Está ferida?
— O parto é um negócio sangrento, como minha avó disse certa vez ao Príncipe Henry. Vamos limpá-la em um minuto. Ela está ótima, Fortune, e é saudável e forte. Escute-a chorar e abençoe sua filha.
Fortune olhou para a criança em seus braços. O rosto vermelho estava contorcido, como se sentisse raiva, e os olhos permaneciam fechados, embora a boca estivesse bem aberta. Ela chorava furiosamente.
— Shhh, bebê — foram as primeiras palavras dela para a filha. A criança silenciou e abriu os olhos, fitando diretamente os dela. Fortune experimentou uma espécie de choque e foi imediatamente tomada por um amor como jamais imaginara ser possível sentir. — Os olhos dela são azuis! — comentou ela, maravilhada.
— Todos os bebês têm olhos azuis. — comentou Jasmine, satírica. — Deve se lembrar disso, meu bem. Você foi minha terceira filha. Viu muitos irmãos nascerem.
— E ela é careca.
—As meninas normalmente são. Mas já posso ver uma sombra avermelhada — Jasmine tocou a cabeça da neta. — Que nome vai dar a ela?
— Aine. Ela terá o nome da irmã mais nova de Kieran. Não esperava uma menina, mãe. Tinha certeza de que seria um filho e pretendia dar a ele o nome James, como papai. Agora sinto que minha menina deve se chamar Aine. Aine Mary Devers é o nome que ela receberá no batismo. E será batizada católica, pois sei que o pai dela desejaria que assim fosse.
— Não pode trazer um padre à casa de seu irmão, considerando a posição que ele ocupa. Sua filha terá de ser batizada na igreja da Inglaterra. Quando você e sua Aine chegarem a Mary's Land, então poderá fazer o que quiser. Mas aqui, na Inglaterra, seguirá as leis da terra como faz a própria rainha. Entendeu?
Fortune assentiu.
— Agora, deixe-me limpar minha neta, e você também precisa receber os cuidados que sucedem o parto. Precisa expelir a placenta, para que ela seja plantada sob um carvalho na propriedade. Assim, Aine Mary Devers será sempre forte. — Jasmine pegou a criança e a entregou a Toramalli. Depois, encorajou a segunda filha a terminar seu trabalho de parturiente. Quando mãe e filha foram devidamente limpas, Fortune foi posta em sua cama, e Aine, no berço, com a fiel Rohana sentada ao seu lado para velar seu sono. Jasmine serviu à filha uma bebida revigorante.
Devagar, Fortune sorveu o líquido. Sentia-se cansada, esgotada. Seus olhos se fecharam, e Jasmine recuperou o cálice vazio. Ela sorriu ao ver a filha adormecida. Como os anos haviam passado depressa! Mas sentia-se grata por ter podido estar com Fortune naquele momento. Logo sua filha partiria, e era pouco provável que voltasse a vê-la um dia. Não se sentia com disposição para atravessar oceanos. Não mais. Ela acariciou a testa de Fortune com enorme carinho, depois se aproximou do berço para estudar as feições da neta mais nova. A criança era clara como a mãe dela havia sido ao nascer. Kieran Devers não ficaria desapontado, e ainda teriam tempo para muitos outros filhos quando Fortune chegasse em Mary's Land.
— Fique aqui cuidando das duas, Rohana — ela orientou a criada. — Em alguns instantes mandarei Joan, ou Polly, e então você poderá descansar.
— Sim, milady. Ela é uma linda menina, não é? É uma pena que não a veremos crescer.
Jasmine suspirou.
— Também lamento muito, mas Aine tem o próprio destino a cumprir, e só o tempo poderá revelar qual é ele.
Capítulo 16
— Mamãe! Mamãe! O capitão do Cardiff Rose está aqui! — Fortune gritou, animada. — Oh, senhor, já imaginávamos que não viria nunca! Diga-me, como está meu marido? Porfavor! Quando partiremos para Mary's Land? — Ela se virou. — Róis, temos de começar os preparativos com a bagagem!
— Capitão OTlaherty? Sou Jasmine Leslie — apresentou-se a duquesa de Glenkirk, caminhando para o visitante com a mão estendida.
Ualter tomou a mão fina e beijou-a.
— Somos primos, senhora, netos da gloriosa Skye 0'Malley. Como nunca nos encontramos, quis vir pessoalmente para entregar a mensagem de Kieran à esposa, sua filha. Espero que perdoe minha chegada inesperada. Não tive tempo para me fazer anunciar com antecedência. — Ele se curvou com elegância, sorrindo para as duas mulheres e pensando que a beleza de sua prima Jasmine não havia sido exagerada por aqueles que a haviam descrito. O vestido de veludo vermelho que ela usava certamente realçava a intensidade do contraste entre cabelos negros e brilhantes olhos azuis. E a esposa de Kieran era igualmente bela, com seus cabelos vermelhos e olhos verdes. Tão parecida com Skye 0'Malley!
— Você é muito bem-vindo, primo. Deve ser um dos filhos de meu tio Ewan, não?
— Sou o mais novo — confirmou o capitão.
— Fale-nos de Mary's Land — pediu Fortune.
— Acho que devemos antes oferecer uma bebida e alimento ao nosso primo e convidá-lo a se sentar perto da lareira — disse a duquesa à filha. — Junho é um mês desconfortável. Quente num minuto, frio no outro... Chove há três dias. A viagem deve ter sido gelada e úmida.
— A vida no mar nos ensina a enfrentar qualquer clima sem muitos problemas, especialmente as intempéries, senhora — ele sorriu, aceitando o cálice de vinho que Jasmine oferecia.
Os três se sentaram diante da lareira do salão, e o capitão entregou a Fortune a encomenda de que era portador.
— O que é isso? — perguntou ela, girando o pacote entre as mãos.
— Seu marido manteve um registro diário de suas experiências e agora o envia acompanhado por uma carta, milady Fortune. — OTlaherty saboreava o vinho com prazer e apreciação.
— Ele está bem, capitão? Meu marido...?
— Gozava de excelente saúde e disposição quando o deixei, milady. A travessia foi a melhor possível, e soube por outros capitães habituados a essa rota do Atlântico que nenhum deles jamais teve melhor viagem. O povo da Virgínia nos recebeu bem, e a terra onde será implantada Mary's Land é linda, mais do que se pode descrever. Mas o diário de seu marido contém tudo que deseja saber, minha cara senhora. Trouxemos uma carga de peixe salgado que embarcamos na colônia Plymouth, onde fizemos uma parada durante nossa viagem de volta, e peles de castor e de raposa. Assim, faremos dessa viagem uma fonte de lucro para milady.
— Vai permanecer conosco por alguns dias, primo — convidou Jasmine.
— Será uma honra, senhora.
Fortune abriu o pacote enquanto conversavam. Era uma grande tentação ler antes a carta de Kieran, mas, em vez disso, começou pelo diário da viagem, compreendendo que ele o havia criado com a intenção de integrá-la na empreitada de que não pudera participar, mas que logo seria o ponto de partida para uma nova vida. Ela passou a tarde lendo, e os criados já preparavam a mesa para a refeição noturna quando ela finalmente abriu a carta do marido. A mensagem a fez emitir uma exclamação contrariada e contida.
— Tem idéia do que diz esta carta, capitão?
— Sim, eu tenho — ele confirmou.
— E concorda com a avaliação que meu marido faz da situação? Ele não está piorando o quadro, descrevendo algo mais sombrio do que realmente é a realidade? Sei que Kieran deseja ter tudo perfeitamente arranjado para mim quando eu chegar, mas não precisa ser perfeito, primo.
— Não, milady Fortune. Ele não está equivocado. Mary's Land é selvagem, e a orla norte onde está o primeiro assentamento é uma região de floresta densa e fechada. Ainda há muito trabalho a ser feito até que se possa tornar a área habitável para pessoas civilizadas. As poucas mulheres que viajaram no Ark e no Dove estão enfrentando grandes dificuldades.
Fortune suspirou, irritada. Não era isso o que desejava ouvir.
— Qual é o problema, afinal? — perguntou Jasmine, curiosa.
— Kieran não nos quer na colônia até o próximo verão. A terra ainda não foi dividida, e ele afirma que estão todos vivendo em um povoado indígena com os selvagens. Eu sabia que devia ter ido!
Jasmine olhou para o Capitão OTlaherty.
— Chegamos ao final de março, somente — ele começou a explicar. — A expedição sofreu um atraso depois de ter ficado um mês retida em Isle of Wight. O Governador Calvert mandou uma mensagem ao Cardiff Rose, que estava ancorado em Cape Clear, conforme havia sido combinado. Ele nos orientava a seguir viagem para Barbados. Percorremos uma rota mais longa pelo sul, pois precisávamos nos garantir contra a instabilidade do clima de outono.
— Uma sábia precaução — apoiou Jasmine.
— O Ark só chegou em janeiro. O Dove surgiu no horizonte dez dias mais tarde. Quando terminamos de providenciar suprimentos e água fresca e partimos pelo mar do Caribe, buscando o norte no caminho que passa pelas colônias espanholas, já era primavera. Paramos nas Virgínias, onde permanecemos por alguns dias, e depois seguimos para Mary's Land. A colônia foi fundada no dia 25 de março.
— No dia em que Aine nasceu! — exclamou Fortune.
— Aine? — perguntou ele, confuso.
— Aine Mary Devers, minha filha. A criança que me reteve aqui. Tive uma filha no dia 25 de março, e Róis, minha criada, esposa de Kevin, teve um filho, Brendan, dois dias mais tarde, em 27 de março.
— Seu marido ficará muito feliz. Ele se preocupou muito com sua saúde e a da criança, milady. Mal posso esperar para ver a expressão em seu rosto quando eu der a notícia.
— Eu mesma irei dizer a ele — afirmou Fortune.
— Espere, meu bem — interferiu Jasmine, firme. — Quero saber mais sobre as condições de vida em Mary's Land. Como estão as coisas por lá neste momento, primo?
— Os colonizadores encontraram um povoado dos índios Wicocomoco à margem de um pequeno rio ao norte do Potomac. O governador gostou da região e pediu permissão ao chefe local para começar o assentamento ali. A área é irrigada e tem um local de águas profundas para receber os navios. Os índios enfrentavam dificuldades com uma tribo maior, os Susquehanocks, mais belicosos. Eles planejavam transferir o povoado para outra localização. Concordaram em dividir a área conosco, desde que fornecêssemos a proteção necessária até que eles possam se mudar. Os colonizadores estão vivendo em cabanas indígenas, habitações feitas de mato, lodo e galhos, cobertas por peles de animais. Tudo é muito primitivo e rústico. Quando os índios finalmente partirem, os colonizadores construirão primeiro uma fortificação com um quartel, uma pancada e um galpão, que servirá de depósito para armazenar comida. Esse trabalho vai exigir a cooperação de todos os homens. Ninguém vai poder construir a própria casa até que o forte seja erguido.
"Agora mesmo o Cardiff Rose está embarcando mais suprimentos para a colônia. O governador deu ordens para que não sejam levadas mais mulheres, e certamente crianças, até o ano que vem, quando a colônia estará mais habitável. Seu marido vai para a Virgínia comprar animais de criação e galinhas. Na verdade, ele já se preparava para viajar quando eu parti. Seus homens trabalhavam duro. A Senhora Jones e Taffy são uma verdadeira bênção para a colônia. E era esse o panorama geral no dia em que deixei o local."
— Se o governador deu ordens, você não pode ir, Fortune — decidiu Jasmine. — É simples. Ou vai comigo para Glenkirk, ou permanece em Queen's Malvern. Sei que Charlie não vai se incomodar se ficarmos. Eu ficarei com você, é claro, até o momento de sua partida, meu bem.
— Como suporta passar tanto tempo longe de papai? Não, mãe. Você deve voltar para Glenkirk.
— Seu pai não vai se opor a mais um verão na Inglaterra, desde que possa voltar à Escócia para a temporada de caça.
Jasmine riu. Ela não tinha a intenção de deixar Fortune. A segunda filha nunca fora tão voluntariosa quanto a primeira, mas sabia que ela seria bem capaz de seguir para Liverpool e embarcar com Róis e as crianças no Cardiff Rose valendo-se da autoridade de proprietária. E isso era algo que ela não podia permitir. Sua filha esperaria até o governador anunciar que mulheres e crianças podiam seguir para Mary's Land.
— É melhor escrever para Rory Maguire e informá-lo dos últimos eventos. As mulheres na Irlanda precisam saber que terão de aguardar um pouco mais pelo momento de partir. Explique as condições primitivas e não se esqueça de dizer que todas vocês viajarão no próximo verão — sugeriu a duquesa.
— Ainda acho que o Governador Calvert está exagerando na cautela — resmungou Fortune.
Jasmine sorriu brandamente.
— Assim vai ser melhor para as crianças, meu bem — justificou ela.
— Mas não para Róis nem para mim. Sinto falta de meu marido em minha cama, e sei que Róis também sente falta de Kevin.
Jasmine e Ualter OTlaherty riram do comentário franco.
É uma alegria constatar que as mulheres da família ainda têm sangue quente nas veias — comentou o capitão, rindo ao ver Fortune corar violentamente.
James Leslie chegou de Glenkirk para se juntar à esposa e às filhas em Queen's Malvern. Com a neta mais nova nos braços, sorria orgulhoso, e não poupava elogios à beleza da menina. Sua filha mais nova escondia o rosto entre as mãozinhas cada vez que via o pai nas primeiras duas semanas dele em Queen's Malvern. Então, um dia, Autumn sorriu para o pai, e já eram amigos novamente. Foi um alívio para o escocês, que já havia encontrado um local especial para aquela menina em seu coração. Não conhecera Índia nem Fortune nessa idade tão tenra.
— Quero que volte para casa comigo em setembro — disse James à esposa certa noite, quando estavam sentados no salão.
— Receio deixar Fortune sozinha. Temo que ela embarque para o Novo Mundo para ir se juntar a Kieran. Ela sofre com a ausência do marido.
— Fortune é uma mulher adulta. Farei com que ela dê sua palavra de honra de que vai esperar pelo Cardiff Rose para levá-la no ano que vem, querida Jasmine. Quero-a de volta em Glenkirk. Se você e Autumn ficarem aqui, ela me esquecerá novamente. Não posso ficar e deixar Patrick sozinho por tanto tempo. Ele precisa da nossa orientação para um dia poder comandar o lugar. Você precisa voltar para casa, Jasmine.
— Não, meu Jemmie, eu devo ficar. Quando Fortune for embora, quando voltarei a vêla? Autumn vai fazer apenas 2 anos. Volte para Glenkirk em setembro e retorne para se juntar a nós antes do Natal. Patrick é um homem. Ele pode cuidar de tudo sem sua ajuda. Vai mesmo ser capaz de voltar para a Escócia no final do verão, sabendo que nunca mais verá Fortune? Precisamos de você conosco, meu amor. Serão só alguns meses.
Ele concordou, como Jasmine sabia que seria. O verão chegou, e no final de agosto, o duque de Glenkirk voltou para a Escócia, prometendo retornar em dezembro. Charlie juntara-se a eles para o verão e agora retornava à corte para apoiar o rei na interminável batalha contra os puritanos. Eles se fortaleciam a cada ano e desaprovavam abertamente tudo que se relacionasse ao rei e à sua rainha francesa e católica, apesar de ela já ter dado ao marido e ao reino quatro filhos — dos quais três estavam vivos e dois eram homens — e de estar novamente grávida. Nem mesmo o batismo de cada príncipe e princesa na Igreja da Inglaterra os contentava. O Parlamento fora dissolvido anos antes, mas os puritanos eram cada vez mais difíceis e não hesitavam em condenar e criticar o rei.
Em outubro, um cavalheiro chegou a cavalo na entrada de Queen's Malvern. Ele se apresentou como Sir Christian Denby e informou que herdara recentemente uma propriedade vizinha.
— Não sabia que Sir Morton Denby tinha um filho — confessou a duquesa, analisando o rapaz diante dela. Ele se vestia com simplicidade e de maneira severa em seus trajes pretos. Só o colarinho branco quebrava um pouco a austeridade do conjunto.
— Ele não teve, milady. Sou filho de seu irmão mais novo. Meu tio foi generoso o bastante para deixar Oakley para mim, já que meu irmão mais velho herdará tudo que pertence a nosso pai. Vim inspecionar minha propriedade e decidi me apresentar aos vizinhos.
— Lamento, mas meu filho, o duque de Lundy, não está na residência, Sir Christian. O tio dele, o rei, solicitou sua presença, como faz boa parte do ano. Sou a duquesa de Glenkirk, e esta é minha filha, Lady Lindley.
Sir Christian se curvou para as duas damas, depois aceitou um cálice de vinho servido por Adali.
— Mora aqui, senhora? — a pergunta era ousada, mas Jasmine decidiu se divertir com ela, em vez de ficar ofendida. Obviamente, o rapaz tentava entender a situação da terra onde em breve se instalaria.
— Apenas nos meses do verão, senhor. Minha casa fica na Escócia, e minha filha está aqui enquanto o marido está no Novo Mundo. Como ela não pode ir se juntar a ele até o ano que vem, decidi ficar com ela e com minha neta. Trouxe minha filha mais nova comigo porque ela ainda é muito pequena para ser separada da mãe. E sua esposa, senhor? Não o acompanha?
— Ainda não recebi as bênçãos matrimoniais, madame. Encontrar uma esposa hoje em dia não é tarefa fácil. Gostaria de uma jovem dama que se contentasse com a vida no campo. Ela deve ser devota em sua fé, modesta em sua forma de vestir e falar, obediente à minha vontade, capaz de cuidar de minha casa apropriadamente, capaz de me dar filhos e filhas de boas maneiras e costumes aceitáveis, e também deve ter um dote respeitável. Considero as mulheres de hoje muito irreverentes, ousadas demais.
— Deduzo que é um puritano, então — arriscou Jasmine com tom simpático.
— Sim, eu sou — respondeu o rapaz desafiante, como se esperasse ouvir algum tipo de crítica.
— Somos anglicanos — revelou Jasmine.
— Seu marido está nas Virgínias? — perguntou Sir Christian a Fortune, que nesse momento tinha a pequena Aine nos braços.
— Em Mary's Land, senhor.
— A colônia católica? O rei não devia permitir isso, e não permitiria, por certo, não fossem as intrigas maldosas de sua rainha e dos amigos dela! Seu marido é católico, então.
— Sim, ele é, mas Mary's Land é um lugar onde todos os homens e mulheres de boa vontade poderão viver em paz. Muitos colonos são protestantes, senhor.
— Sim, é o que querem fazer crer, mas nós conhecemos a verdade. Lorde Baltimore espera invadir as Virgínias e conquistá-las para os espanhóis, seus aliados.
Fortune riu alto.
— Nunca ouvi nada mais ridículo, senhor. É um tolo se acredita nesses rumores, e é errado repetir mentiras e maledicências.
— Então, por que, madame, se me permite a ousadia, não está com seu marido?
— Porque ainda não há abrigo decente para nós, senhor. Irei na primavera, quando a situação estará um pouco melhor.
Sir Christian olhou para a pequena Aine. Estendendo a mão, tocou o queixo pequenino e redondo do bebê.
— Sua filha será criada na Igreja católica?
Aine olhou para o desconhecido e começou a chorar.
— Tire a mão de minha filha, senhor — exigiu Fortune em voz baixa, confortando o bebê.
— Foi um prazer conhecê-lo, senhor — encerrou Jasmine a visita com toda a polidez de que era capaz naquelas circunstâncias.
Sir Christian levantou-se.
— Como pode permitir que sua neta seja criada católica?
— É atrevido demais em suas indagações, senhor, e devo dizer que tenta se envolver em assuntos que não são de sua alçada.
Sir Christian curvou-se rapidamente e saiu. Finalmente, Aine parou de chorar.
— Que homem desagradável — comentou Fortune. — Espero que não tenhamos de voltar a vê-lo.
Autumn Leslie comemorou seu 2º aniversário no final de outubro. Jasmine e Fortune fizeram uma viagem de dois dias a Cadby para conhecerem a jovem que Henry Lindley pensava tomar por esposa. Ele se recusara a revelar à mãe o nome de sua pretendida, provocando-a em suas cartas com a promessa de uma grande surpresa. E realmente foi uma surpresa. Henry Lindley havia decidido se casar com Cecily Burke, a filha de Lorde Burke de Clearfields, que era tio de sua mãe. Cecily era três anos mais jovem que Henry, e muito bonita, com seus cabelos escuros e os olhos azuis esverdeados da família. Ela era a filha mais nova de Padraic e Valentina.
— Mas como...? — reagira a duquesa com espanto genuíno.
— Entendo sua surpresa, mãe. Não nos víamos desde a infância, quando nos encontramos em uma festa grandiosa em Queen's Malvern. Estive na corte no último inverno a convite de Charlie, e lá estava Cecily, dama de companhia da rainha, escolhida entre muitas por falar perfeitamente o francês. Foi amor à primeira vista, mamãe. Estive em Clearfields várias vezes, e Cecily esteve aqui em Cadby com sua família em outras ocasiões.
— E você nunca me contou nada? — Jasmine não sabia se devia estar feliz ou zangada. Fortune ria.
— Henry, nunca pensei que fosse um romântico — provocou ela o irmão mais velho.
— Oh, prima, ele é o maior dos românticos — Cecily contou, sorrindo.
Todos riram do comentário ingênuo da futura noiva.
— Tio — falou Jasmine para Padraic Burke — não podia ter me prevenido? Ainda é capaz de escrever, e não se finja de enfermo ou fraco, porque não vai me convencer!
— O que eu poderia dizer? Eu nem tinha certeza de nada! Não até seu filho pedir minha permissão. Ele estava muito preocupado por Cecily ser sua prima, mas como não são primos de primeiro grau, decidi que o laço consangüíneo não é de grande importância. O que pensa sobre tudo isso, minha sobrinha?
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