Guia para um seqüestro



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O prêmio VÊNUS

Só não estavam no salão de jogos os dois soldados escalados para vigiarem o portão de entrada do Clube Merlin.
Irene fora a primeira a se sentar em frente ao telão que chuviscava, aguardando a chegada das imagens da Capital.
Gilda e seu novo hóspede, acompanhado de outros dois plantonistas, entraram no salão, vindo da ala leste do Clube.
D. Filho não a reconheceu imediatamente. Havia algum tempo que não a via pessoalmente, e não se lembrava qual revista, da ante-sala de seu escritório principal, que trazia a foto dela na capa. A foto era de Irene Fontoura, a toda poderosa presidente do Grupo VÊNUS.
D. Filho perguntou, baixinho, a Gilda se a senhora, bonita, sentada na poltrona da frente não seria a Doutora Irene Fontoura.
Sim, é ela mesmo, eespondeu Gilda, acrescentando que a Doutora iria embora no outro dia.
D. Filho perguntou há quanto tempo ela estava “hospedada” no Clube.
Há exatamente 76 dias. E se o Sr. se lembra das regras, é só essa informação que lhe posso dar, no momento. Caso o senhor quiser saber de algo mais, a esse respeito, pergunte ao senhor Yves. Está bem?
Naquele momento, Yves entrou pela porta principal do salão e se encaminhou para o lado de Irene onde se sentou confortavelmente ao lado da patrocinadora dos prêmios VÊNUS.
Irene, alegre, segurou a mão de Yves, sem tirar os olhos do telão que começara a transmitir algumas imagens de dentro do auditório Aurélio Fontoura, no terceiro andar do imponente edifício envidraçado da Marginal Pinheiros, em São Paulo.
A imagen, muda, focalizava o palco do auditório decorado com bandeiras do Município, Estado e a mais amada por todos os brasileiros, a verde e amarela, azul e branco.
O cameraman começou a dar uma virada para a esquerda, e a imagem da tela se encheu com um auditório lotado de pessoas, todas sentadas, alegres, bem vestidas, conversando umas com as outras. Ao fundo, via-se a imprensa filmando, fotografando, entrevistando.
Repentinamente, saiu o som do burburinho TV afora e Irene se arrepiou toda com seus pensamentos sendo transportados a São Paulo para desejar boa sorte ao seu amado filho.
O mestre de cerimônia anunciou o dia histórico da entrega dos prêmios VÊNUS. Agradeceu a todos os presentes por terem comparecido e apresentou o Dr. Moises Rabinovitch, diretor jurídico, que faria um breve histórico do Grupo VÊNUS.
Boa tarde Senhoras e Senhores.
A VÊNUS é uma Holding cem por cento Nacional e controla várias empresas de diferentes atividades comerciais e industriais no Brasil e Mercosul. O saudoso Aurélio Gomes Fontoura fundou a primeira empresa do Grupo quando tinha 20 anos. De lá para cá, o Grupo VÊNUS não parou de crescer e hoje o conglomerado é dirigido pela Doutora Irene Lafayete Fontoura e seu filho, Sr. Antônio Lafayete Fontoura.
A Doutora Irene não está presente, mas na seqüência vocês assistirão sua mensagem aqui na tela, panorâmica, do auditório. Logo após a mensagem da Doutora Irene, o Vice-Presidente do Grupo VÊNUS, Senhor Antônio Fontoura entregará os prêmios aos distintos administradores dessas organizações não governamentais, por nós eleitas, que souberam escolher seus objetivos com muito trabalho e responsabilidade. Muito obrigado.
O som da TV é tomado por aplausos e o cameraman deu um close-up no próximo candidato a subir ao palco.
Na tela apareceu Antônio, sorridente, acompanhado da namorada, tia e da sua avó, cumprimentando alguns estranhos.
Irene apertou forte a mão de Yves e lágrimas escorreram na sua maquiagem moderna, recentemente esculpida por Gilda. Despreparada, não tinha levado consigo seu nécessaire quando foi raptada. Yves levantou-se, também sem lenço, e pegou um guardanapo de papel de cima de uma das mesas e passou para Irene secar sua triste alegria.
Nesse momento, Irene foi transportada para o telão do Clube e ela estremeceu ao ver a sua imagem no telão. Yves segurou suas duas mãos e lhe deu um beijo, na testa, de parabéns na frente de todos os soldados e do novo hóspede que a tudo assistia e se recusava a querer compreender o que estava acontecendo.
Após a breve mensagem de Irene, todos os soldados aplaudiram, juntamente com os presidentes e diretores das ONGs, jornalistas, diretores da VÊNUS e seus familiares.
Quando D. Filho, animado, com tantas palmas ia, também, começar a esquentar suas mãos, os aplausos cessaram. Sem graça, sorriu para Gilda que o observava com um dos olhos.
A TV mostrou a imagem de Antônio Fontoura subindo para seu début ao palco social da vida. Alegre, vestindo um smoking novo, dirigiu-se à platéia, sem o discurso no bolso, e começou a se comunicar, publicamente, com os brasileiros, pela primeira vez.
Boa tarde Senhoras e Senhores.
Como vocês viram, na tela, minutos atrás, a presidente do Grupo VÊNUS, Doutora Irene Fontoura, fez o nosso discurso, portanto não vou tomar o vosso tempo com mais oratórias.
As senhoras e os senhores viram que a Doutora Irene me pediu para entregar às suas Instituições os prêmios equivalentes a quinhentos mil dólares em moeda corrente nacional. O nosso Real.
É muito pouco dinheiro, vocês não acham?

As risadas de concordância e aplausos no auditório chegaram rapidamente ao Clube Merlin, pegando Yves e Irene de surpresa.
Muito bem! continuou Antônio.
Agora! As senhoras e os senhores que concordaram comigo que os quinhentos mil dólares doados aqui, nesse momento, é pouco dinheiro, então, por favor me respondam se as dezenas de milhões de dólares depositados na Suíça e em outros paraísos fiscais, em nome de homens que ocupam ou ocupavam cargos públicos no Brasil, recentemente, é muito dinheiro ou não.
A ovação, em pé, no auditório, foi instantânea.
O cameraman teve dúvidas para onde dirigir o foco da câmara. Tentava focalizar, no auditório, o público delirante e, ao mesmo tempo, o corajoso empresário que falava publicamente sobre corrupção e desvio de dinheiro do povo brasileiro. Finalmente decidiu-se pelo executivo de 25 anos que acabara de entrar, sem querer, na vida política brasileira, sem saber que, também, algumas de suas empresas contribuíram, como muitas outras brasileiras e multinacionais, para engordar os depósitos de certos homens públicos no exterior.
O inocente Antônio Fontoura aguardava a euforia dos espectadores da platéia se acalmar para continuar a entrega dos prêmios.
Quando todos cessaram os aplausos e se sentaram, Antônio continuou seu desabafo, improvisado, falando que se sentia orgulhoso em poder entregar o prêmio VÊNUS a tão distintos merecedores e que esperava que esse gesto, histórico, servisse de exemplo para que outras empresas também contribuíssem com a motivação de pesquisadores, cientistas, protetores da natureza, saúde, educação e, por que não mencionar, também, daqueles que desenhavam o futuro do país.
Antônio foi aplaudido mais uma vez e auxiliado pelo mestre de cerimônias, chamou a primeira ONG para receber o Diploma VÊNUS e o milionário prêmio em dinheiro.
Ao mesmo tempo, Júlio apareceu no palco, escoltado, por quatro seguranças armados, com revolveres calibres 38 e escopetas calibres 12. Eram os protetores do Banco de Irene que carregavam, em um carrinho de quatro rodas, uma pilha enorme de Reais, em notas de 50 e 100, empacotadas em plástico transparente.
Uma a uma, as Ongs subiram ao palco para receber os seus milhões, seguidas da imprensa que tudo via e filmava.
O diretor financeiro, Sr. Júlio, pediu aos ganhadores do prêmio VÊNUS um minuto de atenção.
Todos no auditório e palco ficaram calados a espera de novas instruções.
Júlio falou aos presentes que, devido à violência e à falta de segurança na maioria dos bairros de São Paulo, o Banco do Grupo VÊNUS poderia, se as ONGs assim quisessem, deixar o dinheiro depositado no próprio Banco ou a VÊNUS transportaria a importância em seus carros- fortes, blindados, para onde os ganhadores determinassem.
A discussão foi generalizada entre as ONGs ganhadoras. Após deliberarem, todas, com exceção do MBN, concordaram com o perigo que rondava a maior cidade da América Latina, por isso decidiram não desfilarem por São Paulo com aquela montanha de dinheiro, optando pelo depósito em conta corrente. Duas das ONGs já tinham contas com o Banco de Irene, o que facilitou as tramitações.
Enquanto as assessorias de imprensa das ONGs filmavam seus diretores assinando os formulários das aberturas de contas, o pessoal do MBN empacotava o seu prêmio em quatro sacolas de nylon pretas.
Houve diversas seções para fotos,individuais e em grupo após a entrega dos prêmios e cada um dos representantes das organizações não governamentais declamou um relato sobre seus objetivos e agradeceu pela importante contribuição ora recebida.
Dr. Moisés encerrou a cerimônia, agradecendo, mais uma vez aqueles que se destacaram pelos projetos, tão necessários, para o desenvolvimento do Brasil. Convidou todos para irem até o salão nobre onde seriam servidos os aperitivos.
O telão do Clube Merlin mostrou todos do auditório se levantando em meio a aplausos e se dirigindo para os corredores que levavam para o hall de entrada, onde seriam servidos os cocktails.
Ao chegar no hall social, o representante do MBN perguntou ao Sr. Antônio Fontoura se ele poderia dar uma entrevista ao seu repórter.
Será um prazer, declarou Antônio.
Antônio apareceu, sorridente, no telão do Clube Merlin.
Irene ficou eufórica vendo seu herdeiro chegando até ela no telão.
O repórter do MBN perguntou o que levou o Grupo VÊNUS a tomar a decisão de contribuir com uma soma bastante elevada para várias organizações não governamentais.
Antônio, calmo e confidente, respondeu que a Doutora Irene já tinha dado essa resposta em sua mensagem, mas que ele responderia assim mesmo.
Eu sou formado em administração de empresas e ultimamente tenho trabalhado muito para equilibrar as contas do Grupo VÊNUS. A crise financeira, globalizada, que também afeta o Brasil, já atingiu, no coração, as organizações não governamentais, que não possuem um fluxo de caixa constante, igual ao das empresas de grande porte.
As ONGs são as primeiras a não conseguirem recursos para tocar seus pprojetos sociais. Como você bem sabe, a maioria delas sobrevive de doações e parcerias mesquinhas para executar seus necessários projetos. Por isso nós da VÊNUS, com um fluxo de caixa ainda em condições razoáveis, e pensando nas futuras gerações, decidimos fazer essa doação.
O repórter perguntou, em seguida, por que a comparação entre a quantia doada e o dinheiro da corrupção que sai para fora do País.
É simples, respondeu Antônio. Com um sorriso de deixar amarelados os garotos propaganda de pasta de dentes.
Hoje a VÊNUS doou, em dinheiro, a importância equivalente a cinco milhões de dólares os quais serão de extrema utilidade e importância para a implantação de diversos projetos sociais. Agora o Senhor imagine o que essas organizações não governamentais e o próprio governo poderiam desenvolver e implementar com as dezenas de milhões de dólares que saem do País, frutos de corrupção, para render juros no exterior em nome de meia dúzia de intocáveis.
O repórter agradeceu ao patrocinador do evento e o cameraman mostrou mais uma vez o burburinho na ante-sala do auditório e congelou sua imagem em uma escultura de bronze do fundador do Grupo VÊNUS.
Irene, alegre e nervosa, largou a mão de Yves e se dirigiu até o bar para tomar um copo de água natural.
Yves foi ao encontro ao novo hóspede, Sr. D. Filho, e lhe comunicou que viajaria no outro dia. Sugeriu que eles almoçassem juntos no domingo para discutirem sua estadia no Clube.
D. Filho, ainda confuso com aquele sonho real, concordou que o encontraria para o almoço na varanda do clube às 13 horas de domingo.
Yves reencontrou Irene e a convidou para dar uma caminhada pelo bosque do Clube.
Irene aceitou a sugestão e os dois partiram em direção ao mato.
Yves perguntou a Irene o que ela achou da entrega dos prêmios.
Foi muito boa. Mas quando é que vocês vão parar de escrever o nosso discurso? perguntou Irene.
Como assim? responde Yves.
O discurso e a entrevista do Antônio foram completamente políticos. Você não deveria tê-lo envolvido daquela maneira. Ele é tão jovem e inexperiente. Eu gostaria que você preservasse as decisões dele. Está bem? pediu Irene.
Se você está se referindo à comparação que ele fez entre o dinheiro doado e o da corrupção, sinto muito, mas o parâmetro não foi idéia nossa. Pelo jeito partiu dele mesmo ou de seus diretores. A única interferência nossa, com respeito à doação, foi o seu discurso, que, por sinal, foi muito aplaudido e politicamente correto.
Irene, que estava preocupada com a possibilidade de Antônio estar seguindo ordens do MBN, agora ficara surpresa com o modo espontâneo e objetivo de seu filho se comunicar. Ponderava consigo mesmo se isso era bom ou ruim.
Yves pareceu adivinhar os pensamentos de Irene, comentando que Antônio teria um futuro político brilhante se quisesse seguir por esse caminho de turbulências e céu de brigadeiro.
Ele ainda não leu os nossos estatutos e objetivos sociais, mas sua linguagem é como se já estivesse diplomado pelo MBN. Quem sabe, mais tarde, quando a sociedade nos abraçar de vez, ele queira nos representar e chegar até topo do Planalto
Não! Yves, por favor, ele é tão ingênuo, deixe-o fora disso. Eu vou ajudá-lo, já estou doutrinada. A única coisa que não estava em meus planos foi essa paixão ardente que sinto dentro de mim. Não sei por que fui me apaixonar pelo homem que me seqüestrou...
Com tantos marmanjos atrás do meu dinheiro e de mim, fui gostar justamente de você. Ainda não tenho a menor idéia o que vou dizer ao meu filho e aos meus diretores, quando os vir.
Yves continuava o passeio, de mãos dadas com Irene, por entre as árvores. Respirou fundo, inalando o Caraná-AM misturado com o cheiro de eucaliptos silvestres que tentavam competir com o olente amazônico e falou, em tom sério, para Irene:

Eu não tenho o mesmo problema seu, mas no seu lugar eu esperaria um pouco mais para dar qualquer tipo de explicações a quem quer que seja. Primeiro, você terá que ter certeza do que realmente você quer da vida. Na hora que você souber isso, o resto virá naturalmente.


Se sua paixão transformar-se em amor já é um bom sinal.
Veja eu, por exemplo.
Acho que estou apaixonando por você, também. Mas essa paixão não vai parar o meu avião se arremetendo. Você já viu que o outro hóspede me espera para negociar e outros virão depois deste. Pelo menos por dois anos estarei ocupado com essa atividade do MBN, dando uma de espião e Robin Hood, ou de chantagista, ladrão e de bandido, se, por acaso, algum de nossos parceiros resolverem virar a casaca e nos denunciarem.
Eu, com certeza absoluta, às vezes terei que enfrentar situações em que vidas humanas estarão em jogo e nem isso me fará parar o que já comecei. Para mim isso é um vício com tempo determinado para curar. Já lhe disse que serão dois anos.
Para nós do MBN, é uma aposta, política, que sabemos que vamos ganhar, porque temos a vantagem de saber e provar os podres de todos aqueles que têm muito dinheiro nesse país.
O jogo político no Brasil, por trás dos bastidores, é como numa jogatina de pôquer. Nós do MBN vamos entrar no jogo para valer. Cada vez que tivermos um Royal Straight Flush na mão e, ainda por cima, do naipe de ouro, apostaremos tudo o que temos!
Você tem razão em estar preocupada com o Antônio, porque hoje, na sua oratória improvisada, ele não sabia dos males que eu sei sobre suas empresas. No futuro, se for preciso, eu o ajudarei a reverter qualquer respingo sobre o incidente de hoje. Creio que isso vai passar batido, mas seria bom que o próximo smoking dele seja de teflon.
Eu já sou um homem vivido e já vi a morte de perto diversas vezes. Ela já não me assusta mais. Não que eu queira acelerar esse processo, mas para mim a vida é também um jogo. Quando ganho, ganho mais coragem de ir um passo a mais. Até hoje ainda não perdi...

OH! Yves, você vai me matar, antes da hora, com essas suas idéias de criar um Brasil novo. Por favor, vamos embora juntos. Vamos tirar umas férias e ir para a Europa ou Nova York. O Antônio cuida dos meus negócios e a Gilda dos seus. Na volta você se decide. Está bem?


Yves terminou a caminhada colocando o seu dedo indicador sobre os lábios sedutores de Irene, pedindo silêncio.
Abraçou-a contra uma árvore e a beijou-a loucamente, sob a sombra dos eucaliptos, que não conseguiam roubar o aroma do Caraná-AM que exalava daquele corpo trêmulo. Ali mesmo, em cima do gramado, arfantes, um despia o outro com o mesmo desejo veemente.
Sentaram, deitaram, deitados rolaram, gemeram de bruços, de costas, de lado, por cima, por baixo. E de todas as partes, daqueles corpos esculturais, brotavam paixões, até que lentamente recuperaram a lucidez.

Irene, desenviuvada para sempre, suada, molhada, estremecida, esperava outra investida daquele que seria o seu segundo e verdadeiro amor.
Yves com o coração ritmado, na mesma velocidade que quando caía em queda livre, abraçou Irene, novamente, recomeçando aquela alucinógena, excitante e apaixonante aventura.
Já era noite quando voltaram para o Clube. Irene foi direto para sua suíte e com muito receio passou em frente ao canil, onde meia dúzia de Pit Bulls tentavam mordê-la por entre os vãos do alambrado.
Yves, disfarçando, acompanhou dois soldados que davam ração para os cachorros. Perguntou por onde andava Gilda. Um dos soldados respondeu que ela deveria estar jantando com o novo hóspede.
Yves sentou-se ao lado dos dois e disse para uma das soldados garçonetes que queria um suco de laranja. Perguntou a D. Filho como é que estava a perna e se a comida era de seu gosto.
D. Filho respondeu que Gilda e a garçonete o estavam atendendo muito bem. Aproveitou e perguntou a Yves se ele queria conversar à noite em vez de amanhã na hora do almoço.
Yves sugeriu o café da manhã.
D. Filho falou que estaria preparado e pediu para Gilda acompanhá-lo a sua suíte. Gilda fez sinal para que dois soldados viessem ajudá-la a levar D. Filho para seus aposentos. Na saída, pediu para Yves aguardá-la.
Yves interfonou para Irene e perguntou o que ela queria para o jantar e se poderiam jantar juntos em sua suíte.
Irene gostou da idéia e pediu uma salada de salmão com pupunha e suco de acerola, natural, sem gelo.
Enquanto Gilda não vinha, Yves foi até a sala onde estava os monitores e tirou três pecinhas que controlavam as mini-câmeras da suíte de Irene. A última cena que viu, no monitor, foi Irene ensaboando-se por entre as pernas e axilas.
Gilda chegou sorridente dizendo que quase mandou os soldados atrás dele, pois demorou muito para voltar.
Yves respondeu que estava se apaixonando por Irene e lhe entregou as três peças das mini-câmeras para Gilda guardar. Perguntou como estava se comportando o D. Filho e o que ela achara da estréia do MBN na mídia.
Gilda falou a Yves que não estava surpresa com o romance, pois desde o primeiro instante quando vira os dois descendo de pára-quedas no Clube pressentiu algo no ar.
Quanto ao D. Filho, parecia estar apavorado e não parava de se ajoelhar em seu quarto, rezando o tempo todo. Parecia que iria ser mais fácil convencê-lo do que a Doutora cheirosa.
A nossa estréia foi muito boa na TV e me parece que você já tem um, candidato natural, a candidato para quando chegar a hora certa. Não? riu Gilda, perguntando logo a seguir se o romance não iria interferir nos planos futuros do MBN.
Quanto ao nosso novo hóspede amanhã lhe comunicarei o nosso estilo e hoje à noite eu faço o script de sua primeira mensagem.
Com respeito ao meu envolvimento com Irene, não deixarei, em hipótese nenhuma interferir com os nossos objetivos políticos. Irene terá que fazer o que for melhor para ela. É uma decisão exclusivamente dela e eu não vou influenciá-la a meu favor. Vou jogar limpo com ela e esperar para ver o que vai dar.
Primeiro vem o MBN, depois Irene. O resto é simplesmente o resto.

A última noite de Irene no Clube Merlin

O jantar, na suíte, seria à luz de velas cor de mel. Gilda improvisou rosas vermelhas, do jardim, misturadas com flores silvestres, recém-colhidas, e as arranjou no vaso de cristal da mesa onde os dois apaixonados jantariam.


Yves, para facilitar a vida do cozinheiro, ordenara a mesma salada light de salmão de Irene e resolveu provar o suco de acerola.
Tomou uma ducha fria, fez a barba, colocou um par de calças e camisa, de algodão puro, e um side walk sem meias. Optou por não colocar a sua colônia, Live Jazz, do seu xará francês, para não interferir com o Caraná-AM de Irene.
Ela estava vestida com uma saia branca, curta, acima do joelho e uma blusa, rosa clara, quase transparente, sandálias brancas e amarrara o cabelo estilo pony tail.
Recentemente amada, em sua profundidade, ela estava radiante, expelindo sua viuvez nos campos de Avaré, longe de casa. Seu Caraná-AM continuava esvaindo tentações.
Yves bateu três vezes na porta, como mandava a regra do Clube, e entrou sem se anunciar. Irene o recebeu com um abraço apertado, seguido de um beijo calado, cada vez mais demorado, cada vez mais extasiada.
Ali ficaram grudados pela mesma paixão, não programada, mas inevitavelmente atraídos um ao outro por suas peles imantadas de solidão e desejos.
Yves quebrou aquela ternura de carinhos para dizer a Irene que trouxera um simples presente e que se ela gostasse poderia ficar com ele.
O que é? perguntou Irene.
É um CD do Luiz Miguel que contém alguns boleros antigos e outros novos.
No tempo de Academia, na Força Aérea, sempre íamos a alguns bailes e, naquela época, o bolero era muito popular. Mas nunca consegui encontrar a mulher para sonhar, acompanhado de tão lindas músicas. Agora que achei essa mulher, os boleros estão démodés, mas espero que aceite essa viagem ao passado e ao futuro como prova de que, realmente, me apaixonei por você.
Irene desembrulhou o pequeno presente e perguntou qual das músicas seria a dela.
São todas suas, responde Yves sorrindo, mas creio que a terceira veste melhor a mulher por quem me enamorei.
Irene abriu o CD e procurou a terceira música, La Gloria Eres Tú, de José Antônio Mendez. Correu para o Sony e colocou o CD com uma rosa vermelha no centro para rodar no estéreo nipônico.
Enquanto Irene programava o aparelho para tocar o CD na terceira música, três vezes seguidas, Yves abriu o champanhe Veuve Clicquot Ponsardin. A única decente, que Gilda encontrara em Avaré para ocasiões especiais no Clube Merlin. Yves serviu as duas taças espumantes e esperou a música romântica selar para sempre aquele momento único na vida de dois adultos que, pelas forças do destino, se cruzaram.
Gilda não estava escalada para o plantão daquela noite, mas não resistiu à tentação de ver a abordada, em seu cativeiro, jantar com seu chefe e este jurando paixão de pé juntos a uma das mulheres mais rica e bonita do Brasil. Ela mesmo serviu as saladas e os sucos enquanto escutava Luiz Miguel incendiar aquele ninho de apaixonados que esqueceram do mundo lá fora, vivendo o momento, recuperando o tempo perdido e não se preocupando com o futuro.
Yves sutilmente teve que indicar a direção da porta para que Gilda acordasse de seus sonhos latinos e fosse cuidar de suas responsabilidades em outro lugar. Lá fora, sentiu-se tentada em colocar aquelas três pecinhas de volta no monitor que controlava aquele quarto voluptuário.
Irene quebrou o silêncio após três rodadas de La Gloria Eres Tú e duas taças de champanhe para agradecer a Yves por ter-se lembrado que ela não era só uma executiva milionária, mas também uma mulher de carne e osso sujeita a se apaixonar inesperadamente. Sem dúvida, essa era a sua situação agora.
Perguntou se esse era o tipo de música que ele gostava.
Yves disse que, desde o dia da abordagem, desenterrou os boleros por sua causa, mas que o gosto dele era variado e não era influenciado pelas 100 vezes ao dia das rádios promotoras de cocô.
Constantemente e, principalmente, no trânsito caótico de São Paulo, escutava muito Mark Knopfler tocando Sultans of swing, Once upon a time in the west e Private investigations. Pretty woman com Roy Orbison, Layla e Alberta com Eric Clapton. Já era fã do Santana antes de sua ressurreição.
– Minha preferida dele, ainda é, Oye como vá. Da Diana Krall toca-me muito a Just the way you are. Tenho, também, a original de Billy Joel. Do George Benson, sou tarado pela This mascarade e On Broadway. Do Sting, gosto de quase todas. Private dancer da Tina Turner é minha favorita porque me faz lembrar uma Go Go dancer nos Estados Unidos que dançou só para mim, em um de meus aniversários quando lá passei. Dos brasileiros, gosto muito da Elis Regina, Caetano, Tom Jobim, Rita Lee e do Chico Buarque. Esse último não grava mais. Parece-me que perdeu seus talentos, juntos com os militares, quando liberaram o Brasil à Democracia. É uma pena!
Como você pode notar, vou do bolero ao rock, de vez em quando descubro algo novo que me interessa.
Irene agradeceu pela franca exposição de seus gostos musicais e confessou que ele acertou, no alvo, com o Luiz Miguel. Ela tinha um disco dele, mas não lembrava do La Gloria Eres Tú, que agora ficará gravado para sempre em seu coração.
Parecia que a letra da música se encaixava bem no relacionamento dos dois, a única reclamação era que não queria ser uma ilusão. Ao contrário, queria que isso continuasse o mais real possível.

Yves respondeu que a ilusão e a realidade às vezes caminhavam lado a lado e que era difícil separá-las, mas que ela poderia estar certa de que ele faria o máximo de esforço para tirar bom proveito dessa incerteza.


Yves chamou a soldado garçonete para tirar os pratos e trazer dois sorvetes de cupuaçu, seu favorito.
Enquanto aguardavam a sobremesa, Yves perguntou a Irene, que o abraçava incansavelmente, o que ela sabia sobre o novo hóspede.
Irene disse a Estevão que o Sr. Alvarento era cliente do Banco há muito tempo.
É o mais conhecido, pão duro, no mercado financeiro de São Paulo. Não sei quem lhe deu o nome de Alvarento ao Sr. Alvaro.
A história é a seguinte.
Nos anos 70, quando a sua esposa, diabética, ficara paralítica, o Sr. Álvaro contratou uma enfermeira, Srta. Eva, para cuidar da esposa enferma. Dessa, contratação, nasceu um romance entre patrão e empregada.
Após dois anos, sem nenhum progresso, otimista, com a doença que até hoje, mata aos poucos, a senhora Djalma Filho, os dois amantes se cansaram de cuidá-la, tiraram uma férias de sete dias e voaram até Nova York para se libertarem dos olhos que os vigiavam da cama hospitalar.

Sr. D. Filho, como é conhecido agora, nunca acreditou em cartões de créditos e tampouco em travellers checks do Amex. Na histórica viagem e com medo de ser roubado, levou vinte mil dólares, em dinheiro, nas sete cuecas que usaria na viagem. Eva costurou nos bolsos, adaptados, o dinheiro para as esperadas compras.
Lá chegando, foram direto para o Harlem, sem saber que era o bairro mais perigoso e pobre de Nova York. Fizera a reserva do hotel em uma das agências de viagens em São Paulo. Para fechar o melhor pacote, na época, escolhera, sem saber, um hotel situado naquele bairro degradante e em transformação.
Constrangidos, mas nem tanto, D. Filho e Eva não se arriscavam a perambular, a pé, pelo bairro nova-iorquino à noite.
No primeiro dia, na Big Apple, foram ao Empire State Building e passearam pela 5ª Avenida. Eva, que se intitulara a guia da viagem, encantou-se com os casacos de peles, perfumes, botas, bolsas, vestidos e com tudo que via na rica e perfumada avenida.
D. Filho, quando averiguou os preços das pretendentes compras que Eva se disporia a fazer, quase teve um infarto na esquina da 5ª Avenida com a Rua 46.
No outro dia, após falar em castelhano, mal hablado com um dos recepcionistas portoriquenhos do Holliday Inn, D. Filho descobriu a América.
Aquele latino, amigo, que sabia o valor do dólar lhe deu o endereço de um Goodwill Store (Lojas tipo do Exército da Salvação) onde as roupas usadas eram doadas por familiares daqueles que perderam um parente com o armário cheio. Os preços eram atrativos e variavam entre um a dez dólar por peça.
D. Filho, arrastando Eva, pela mão, depois de percorrerem mais de onze Goodwill Store em Nova York e Nova Jersey voltaram para São Paulo com oito malas cheias de roupas e outras quinquilharias cheirando a funerária.
D. Filho ao chegar em casa, orgulhoso, contabilizava o dinheiro que nunca saíra de suas cuecas. Totalizou dezenove mil, seiscentos e vinte e sete dólares, suados, mas que, graças a Deus, não desbotaram, devido à boa qualidade da tinta usada na casa da moeda em Washingotn DC.

Yves riu muito da história verídica de Irene e perguntou se o D. Filho ainda continuava duro na queda com seus dólares ou se estava mais amolecido.


Parece que continua o mesmo, respondeu Irene, comentando que sua ex-secretária, agora, vice-presidente e amante, tinha procuração para tratar de alguns negócios com o Banco dela. A procuração é com poderes limitados, e, no fim, D. Filho tem que comparecer para finalizar as transações.
Não sei se você sabe. Ele tem uma filha, legítima, divorciada. Ele a vê somente uma vez por mês quando dá uma mesada mesquinha para ela e os netos se manterem afastados de seus negócios.
Com o nosso banco, ele fez muitos negócios e sempre honrou todos os compromissos. No momento, não sei se existe alguma pendência de suas empresas ou não com o banco.
Olha, Yves, eu não quero falar de negócios hoje. Está bem! Eu quero ficar com você e saber mais de você e do nosso relacionamento. Depois que eu for embora você fala com o D. Filho e pergunte a ele, pessoalmente, sobre seus negócios. Está bem?...
OK! OK! meu amor. Vamos dançar um pouquinho. OK?
Irene, que não esperava tal proposta, se animou com a idéia de movimentar-se, lentamente, colada ao corpo de Yves, ao som de Luiz Miguel, já, estava programado para tocar a noite toda.
Após dançarem, agarrados, até à meia noite, foram para o leito, despindo-se aos poucos, redescobrindo o caminho do prazer. Na cama, amaram-se a noite toda. Só paravam para recomeçar. Recomeçavam para não parar. E assim amanheceram, dormindo, abraçados, exaustos, mas felizes com a esperança de encontrarem uma fórmula duradoura para suas paixões.
Yves acordou primeiro. Vestiu-se, sem fazer ruído, beijou Irene na testa, que sonhava profundamente com os cavalos que tivera em sua infância feliz. Saiu para o encontro de D. Filho. Não chaveou a porta atrás de si.
D. Filho esperava, ansiosamente, por Yves. Estava acordado desde as seis da manhã e já tinha feito a sua simples terapia para se recuperar da cirurgia forçada.
Yves o cumprimentou pela mão perguntando se tudo corria bem e se ele já tinha lido a mensagem que seria filmada e depois direcionada a sua vice-presidente, a senhora Glorinha.
Sim, respondeu D. Filho. Mas francamente acho que os senhores estão exagerando quanto à quantia pedida e às condições.
Em primeiro lugar eu não tenho esse dinheiro todo. Em segundo, só eu é que tenho acesso às contas das minhas empresas e se eu não estiver lá para assinar os documentos e os cheques, ninguém vai conseguir retirar um centavo para o Senhor.
A Glorinha só tem poderes para assinar cheques em conjunto comigo. Sozinha, ela não assina nada, e a minha filha não participa em nada nas empresas.
Yves falou ao Sr. D. Filho que o MBN sabia de todos esses detalhes, mas que o dinheiro que eles estavam interessados não era o dinheiro, legal, depositados em bancos, em nome de suas empresas. O MBN queria os dólares que estavam escondidos no fundo falso de seu banheiro, no escritório da Avenida Paulista.
Se não me engano em um cofre muito grande e pesado que foi colocado lá, em 1982, quando o senhor construiu o prédio próprio. Pelo que sabemos essa é a cópia da nota fiscal e da garantia do produto.
Yves lhe passou duas fotocópias, sendo uma da nota fiscal com o valor pago pelo cofre BERNARDINI, datada de 1º de abril de 1982 e uma outra com a garantia do fabricante.
Yves o analisava, enquanto D. Filho olhava, incrédulo, para aqueles documentos esquecidos ao tempo.

Nervoso com o mágico, sem cartola, na sua frente, que sacara do bolso aquela prova da compra de sua caixa de segredos e com a possibilidade de alguém, além da Glorinha, ter a combinação exata de certos números que manuseados corretamente, para direita e para a esquerda, acompanhada da chave, verdadeira, abrir o seu escondido BERNARDINI, onde estavam guardados, entre outras coisas, mais de 30 anos de seu caixa dois, D. Filho começou a soluçar.


Finalmente encarou Yves nos olhos e perguntou quando foi que a Glorinha tinha lhe passado os documentos.
Yves respondeu que os documentos vieram de outras fontes, as quais ele não podia revelar, mas que era interessante saber que a Sra. Glorinha também sabia da combinação e tinha a chave do cofre.
Agora para nós se tornarão mais fáceis as negociações falou, encarando D. Filho nos olhos. Vamos precisar refazer a mensagem, já que Sra. Glorinha sabe do segredo e com certeza a quantia, em dólares, dentro do cofre.
Um momento! Sr. Yves. Um momento, por favor.
Eu perguntei se ela tinha lhe passado os documentos fiscais. Eu não disse que ela tinha acesso ao cofre. Ela sabe onde está guardada a combinação e uma chave falsa que não abre o cofre. Só quem abre o cofre sou eu e a chave verdadeira, acho que a perdi, no dia que vocês me seqüestraram. A minha esposa guarda uma outra com suas jóias, no envelope original, nunca foi usada e talvez ela nem se lembre que é uma chave de um cofre. Ela está muito doente.
Yves, imediatamente, pressionou D. Filho dizendo não acreditar que ele perdera a chave. D. Filho tentou engolir a língua solta e maldita que tinha que falar demais. Relutando e quase chorando, disse que, de fato, perdera a chave na hora do tiroteio no restaurante, juntamente com um chaveiro de ouro.
Captando a atenção de D. Filho, Yves começou o seu jogo da verdade, colocando ainda mais pressão sobre o seu hóspede.
Primeiro, falando e demonstrando com provas contidas em um dossiê que Gilda colocara em cima da mesa, sobre os negócios sujos de suas empresas, envolvendo corrupção e propinas milionárias para liberação de alvarás e mudanças no zoneamento em alguns bairros de São Paulo e da baixada santista, onde ele tinha vários imóveis já construídos e outros em planejamentos. Falsificações, aluguéis e venda de avaliações de imóveis, super valorizadas, para dar em garantia contra empréstimos em bancos estatais e federais. Sonegação de impostos municipais, estaduais e acertos milionários, como os dos recolhimentos de impostos federais em todas as obras executadas pelo seu grupo incorparador e construtor.
Nós sabemos tantas coisas sobre o senhor, sua família e amantes, que vai ser difícil o senhor acreditar como é que sabemos tanto a seu respeito, inclusive coisas íntimas que o tempo já o fez esquecer.
Por exemplo, sabemos até do dinheiro que o senhor levou nas cuecas para Nova York e trouxe de volta.
Segundo, disse Yves, mentindo. Eu sei exatamente quantos milhões de dólares o senhor tem em seu cofre. O resto dos documentos e outros valores que o senhor tem lá nós não vamos encostar a mão. Se sumir alguma coisa, o senhor poderá perguntar à Glorinha, OK?
O senhor deu a ela, o mais importante, o mais difícil, Que é justamente o segredo. A chave, um bom chaveiro ou um ladrão de cofre faz uma, em meia hora, igualzinha a sua perdida no restaurante.
Nós não sabíamos que o senhor contara o segredo da porta do galinheiro à raposa.
Senhor D. Filho, eu vou viajar e na minha volta nós vamos gravar a mensagem para a senhor instruir a Sra. Glorinha a nos entregar o nosso pedido, OK? Até a minha volta, em uma semana, o senhor terá tempo suficiente para memorizar a mensagem. Daqui a pouco, Gilda vai lhe trazer o novo texto readaptado. Agora que sabemos o que não sabíamos antes, o texto ficará mais interessante.
Yves ainda comentou que mudaria, então, a quantia pedida inicialmente pelo MBN por uma porcentagem dos dólares escondidos no cofre. E se por acaso ele não tivesse dinheiro algum, no cofre, que ele seria libertado no mesmo dia e não precisaria contribuir com nada para o MBN.
D. Filho tentou argumentar sobre a porcentagem mencionada por Yves no cofre, mas Yves já se levantava para atender seus soldados que de longe a tudo assistiam.
Irene acordou sem a presença de seu homem na cama, olhou para o relógio que marcava 9:15h. Assustada, levantou e olhou pela janela da suíte para ver se via Yves pelo pátio do Clube. Com sorte, avistou-o conversando com seis soldados ao lado da piscina. Tomou um rápido banho, não vestiu a roupa rotineira para montar, resolveu colocar algo leve e confortável. Arrumou-se e saiu à procura de seu amado.
Ficou muito feliz em encontrar na porta um bilhetinho com a letra de Yves dizendo que a porta não estava chaveada e que ela poderia sair quando quisesse.
No corredor, deu de cara com D. Filho. Os dois sem jeito se cumprimentaram. D. Filho perguntou se poderia lhe falar em particular.
Yrene perguntou à Gilda e a outro soldado que escoltavam D. filho se isso era possível, já que não estava nas regras do clube alguma informação específica sobre esse tipo de comportamento.
Gilda chamou Yves no rádio e perguntou se os dois hóspedes poderiam falar em privado.
Yves respondeu que sim.
Gilda perguntou onde os dois gostariam de conversar.
Irene sugeriu o salão de jogos e os dois hóspedes se encaminharam para o salão onde tinham se visto na tarde anterior.
Irene se sentou em uma das mesas sociais e perguntou se ele estava bem e sobre o que gostaria de conversar.
D. Filho, nervoso, quis saber se ela estava no Clube na condição de seqüestrada.

Sim, respondeu Irene.


Hoje o Yves vai me libertar e eu ainda não escolhi para onde quero ir. Talvez vá para a minha casa ou a de meu filho. Na hora de sair daqui, vou decidir-me.
Você pagou? Quanto foi que eles tiraram de você?
Paguei. Mas não vou discutir as condições e quanto foi com o Senhor ou qualquer outra pessoa.
Para mim isso, já, faz parte do passado. A questão não é o dinheiro e sim quanto dele se desfazer quando estamos com o rabo preso.
Aqui aprendi algumas coisas e vou voltar para São Paulo, tocar os meus negócios e a minha vida. Em dois ou três meses recuperarei o dinheiro.
O senhor viu, ontem, a entrega daqueles prêmios milionários aqui no salão. Não foi? Pois é, eu considero aquele evento, apesar de ter custado caro, um bom investimento. Obviamente que toda a quantia será dedutível do imposto de renda. No fim, vamos tornar nossos produtos mais atrativos ao público, apoiando causas nobres e politicamente corretas.

É só isso que o Senhor quer saber? perguntou Irene.
Acho que sim, mas eu não tenho menor idéia de onde estou e receio que eles irão me matar.
Irene sorriu e disse que o local era fantástico e que ela, também não tinha a menor idéia onde estavam.
Quanto ao seu medo de que eles irão lhe matar. Esqueça! A única coisa que eles matam por aqui é urubu.
Não se preocupe! Faça que nem eu. Negocie profissionalmente. É apenas uma questão de dinheiro. E nisso somos todos iguais...
Eu conheço o senhor e o meu banco já fez negócios com suas empresas. Faça o melhor possível, e se o senhor estiver com problemas de liquidez, o meu banco poderá lhe adiantar o que for preciso. O senhor tem crédito garantido com o Grupo VÊNUS.
Lembre-se que dinheiro nós faremos, de novo, e rapidinho, principalmente, se o MBN emplacar...
Irene encontrou Yves nas baias instruindo dois soldados para prepararem Copper para viajar no próximo dia. Abraçaram-se ali mesmo, e Copper, segurado por um dos soldados não o mordeu, desta vez.
Yves perguntou se ela já tinha tomado o café da manhã.
Irene o puxou pela mão em direção à varanda do Clube, dizendo que o seu café estava sendo servido, mas que ela precisava de companhia.
Yves perguntou a que horas ela gostaria de partir e para onde.
Irene, brincando, disse que não ia partir. Resolvera ficar no Clube até ser expulsa pelos cachorros.
Yves, sorrindo, concordou com a idéia e disse que após o almoço ele teria que voltar para São Paulo para trabalhar.
Irene perguntou quantos Ilustres membros receberiam no Clube nos próximos meses.
Yves, ainda sorrindo, falou que por motivo de segurança não podia responder à sua pergunta, mas, para segurança do MBN, o Clube Merlin, após as negociações com o Sr. D. Filho, seria desativado.
Irene, desapontada, disse que queria ir para a casa de seu filho nos Jardins.
Você quer chamá-lo e dizer que está a caminho? pergunto Yves.
Irene começou a chorar, impulsivamente, e com muita dificuldade conseguiu falar que adoraria falar com seu filho.
Yves fez um sinal para Gilda trazer o telefone verde.
Gilda trouxe um telefone internacional e perguntou se a conversa seria feita via Rio de Janeiro ou Porto Alegre.
Yves respondeu que qualquer das opções estaria bem.
Gilda ligou para um número de um telefone celular no Rio de Janeiro e pediu em código uma transferencia para outro celular em São Paulo.
Antônio estava em seu apartamento quando seu celular especial tocou. Nervoso, atendeu o celular, notando que o bina indicava uma chamada vinda do Rio de Janeiro.
– Alô, Antônio...
Antônio estremeceu todo ao reconhecer a voz de sua mãe vinda do celular. Emocionado, sentou-se e tentou entender, em meio aos soluços, a voz rouca de sua mãe dizendo que ela o amava muito e estava a caminho de casa.
Enquanto soluçava, Yves lhe passou um papel escrito – 20:00 horas em seu apartamento.
Irene voltou a falar com Antônio comunicando que ela estava bem, mas muito emocionada em falar com ele. Pediu para ele esperá-la em seu apartamento às vinte horas. Deu-lhe mil beijos e passou o celular para Gilda.
Gilda saiu para levar o celular de volta ao escritório enquanto Yves se sentou ao lado de Irene tentando consolá-la. Abraçando e encorajando-a para tomar seu café com leite, o pão doce caseiro mais o suco. Falou a Irene que tudo acabara, que ela era uma hóspede livre e após o almoço ela seria levada para São Paulo.
Irene voltou a chorar, novamente, desta vez no peito de Yves, pedindo-lhe para abandonar tudo aquilo e partir com ela, para sempre. Sugeriu que ele poderia trabalhar com ela, na VÊNUS, ser o presidente se assim o quisesse. Ela daria um jeito para que todos o aceitassem e o respeitassem.
Yves a beijou com suas lágrimas escorridas, doces e salgadas, dizendo que ela teria que esperar dois anos. Depois disso, eles poderiam ficar juntos para sempre. Até lá, quando fosse possível, eles se encontrariam, secretamente, em locais seguro para ambos.
Irene não o largava e se negava a aceitar, no momento, aquela sugestão aventureira de encontrar-se com seu amado só de vez em quando. Ela o queria só para si, o tempo todo, para sempre.
Almoçaram juntos, pela última, vez no Clube Merlin. Desta vez, sentaram lado a lado e, quando não seguravam os talheres, davam-se as mãos.
Irene pediu a Yves para mandar Copper direto para a Limoeiro, especificando o tipo de ração que ele estava habituado, no Clube, para não estranhar outra quando chegasse lá. Queria os papéis do cavalo para registrá-lo na Associação Brasileira de Criadores de Quarto de Milha.
– OK! OK! respondeu Yves lhe dizendo que o cavalo seguiria amanhã de manhã com o frete terceirizado e segurado. Quanto aos papéis, seguirão junto com o cavalo. Já providenciei a transferência para o seu nome, uma vez que tenho todos os seus dados para o cadastro.
Irene perguntou se ele ia levá-la para São Paulo e do que iriam. De carro ou de avião?
Parece que você seguirá de ambulância, deitada em uma maca bem macia, com ar condicionado, e eu a acompanhando como seu médico particular, a caminho de uma clínica para ricos e famosos em São Paulo.
A brincadeira é muito boa, mas gostaria de saber como vou, para vestir-me apropriadamente, falou Irene séria.
Já lhe disse, Irene. Vamos de ambulância. É uma Sprinter grande, super confortável. Serei o seu médico e você poderá usar o que quiser. Sugiro alguma coisa prática. É para a sua própria segurança. Só assim ninguém a reconhecerá e quando chegarmos no apartamento de seu filho você poderá descer um pouco antes, ou melhor ainda, você desce na frente do prédio só assim se confirmam os boatos de que você estava se recuperando em algum lugar.
Só espero que, de fato, seja uma ambulância confortável e com o ar condicionado funcionando. Está bem? falou Irene, aceitando o seu novo e inovador meio de transporte.
Prometo cuidar de você como se fosse minha única paciente. No caminho faremos os planos de como, onde e quando vamos nos ver no futuro. Vou lhe dar um número de um celular internacional que só você terá acesso. Falaremos somente o necessário. Você vai me chamar pelo nome código de Ás de Ouro. Quando você ligar e por acaso eu não atender, é porque eu devo estar trabalhando. Assim sendo, você deixa um recado e quando eu puder, ligo de volta. Na ambulância, eu vou substituir aquele seu telefone internacional que quebrei na Limoeiro.
Sugiro que você, também, por enquanto, deveria ter um nome código. Quer escolher ou eu escolho?
Você deveria, mesmo, vir trabalhar comigo. Você é um ótimo planejador. Não preciso me preocupar com nada. Quando penso em alguma coisa. Zaaaam! você já providenciou. Zaaam! você já fez. Parece até o Super Homem. Por favor, Yves, vamos morar juntos em São Paulo. Está bem?..Esqueça o resto!
Logo, logo, respondeu Yves, sugerindo o código para seu nome de Lady Amazonas. OK! Tem tudo a ver com você, cavalos e o Caraná-AM.
Às 17:00h, chega a ambulância de Irene.
Após o almoço Irene preparou sua pequena valise de viagem e resolveu seguir o conselho de Yves. Gilda lhe fizera uma maquiagem simples e escovara seu cabelo. Irene colocou uma calça jeans, blusa branca e decidiu-se por um par de tênis Nike branco.
Estava alegre por estar livre novamente, voltar para sua casa e seus familiares. Estava triste por deixar o lugar, romântico, onde se apaixonara pelo seu seqüestrador.
Quando partiu, todos os plantonistas vieram se despedir. Nenhum usou máscara, nenhum a ameaçou. Todos sorridentes lhe desejaram boa sorte. Estavam tão confidentes de que ela não iria denunciá-los que essa idéia às vezes a assustava.
O Senhor D. Filho a tudo assistia da varanda do Clube. Gilda lhe fazia companhia. Antes de entrar na ambulância, Irene lhe acenou à mão.
D. Filho e Gilda acenaram de volta.
Yves já a esperava dentro da ambulância, literalmente vestido de médico. O estetoscópio lhe caia no peito e sua maleta, de cor bege, tinha uma cruz vermelha em cada lado. Só Deus e Yves sabiam que tipo de armas estariam dentro daquela maleta médica.
A ambulância era novinha. Na parte de trás onde carregavam os pacientes os vidros eram opacos e não dava a ninguém a possibilidade de ver o que quer que fosse dentro da ambulância. Essa técnica dava aos passageiros enfermos toda a privacidade. Na parte da frente, dois soldados enfermeiros estavam prontos para levar de volta a primeira contribuinte do MBN.
Irene, à vontade, perguntou a Yves se era para deitar-se ou se poderia ir sentada na cama-maca.
Yves respondeu que em qualquer posição ela era muito tentadora, mas que se ela deitasse, ele, também, poderia acomodar-se ao lado dela para desfrutarem da viagem.
Seguiram abraçados até chegarem em São Paulo. Só diminuíram a velocidade quando dos pedágios da Rodovia Castelo Branco.
Irene, emocionada, dividida, sabia que ficaria arrasada ao se despedir de Yves. Para alegrar-se, metade dos seus pensamentos estavam no adorado filho.
Com os faróis ligados, luzes piscando, usando o som da sirene francesa a todo o vapor, aliada à força das cruzes vermelhas estampadas nas laterais e no teto da ambulância chegaram, aos Jardins, em São Paulo sem encontrar resistência do costumeiro trânsito caótico mesmo sendo domingo.
Yves alertou Irene que, por motivo de segurança, ele mudara os planos e iria deixá-la em um hotel, nos Jardins. De lá, ela chamaria Antônio e ele viria buscá-la.
Irene não gostou muito da idéia, porém concordou com a precaução de Yves.
A ambulância silenciou seu choro dramático e estacionou. Um dos soldados enfermeiros avisou Yves que eles haviam chegado ao hotel.
Os dois namorados beijaram-se, longamente, e Yves mais uma vez bebeu aquelas lágrimas doces e salgadas que alimentariam sua solidão até o próximo encontro.



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