História do brasil moderno ernesto geisel



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42.O Estado-Maior das Forças Armadas foi criado em 25 de julho de 1946, pelo De- creto nº 9.520, com o nome de Estado-Maior Geral. Em 1948 adquiriu sua denomina- ção atual. 43 No dia 5 de agosto de 1954 o jornalista de oposição Carlos Lacerda sofreu um atentado na rua Tonelero, do qual resultou a morte do major-aviador Rubens Vaz. La- cerda responsabilizou o governo de Getúlio Vargas pelo ocorrido, e as investigações, inicialmente a cargo da polícia, passaram a ser feitas pela Aeronáutica na base aérea do Galeão. Com a confirmação do envolvimento da guarda pessoal do presidente no atentado, a oposição intensificou sua campanha exigindo a renúncia de Vargas, que vi- ria a se suicidar em 24 de agosto de 1954. #



televisão falar e rabiscar suas denúncias no quadro-negro e galvani- zava a atenção de muita gente, inclusive na área militar, principal- mente na Aeronáutica. Houve o problema da morte do major Vaz, que sensibilizou e se prestou à exploração da classe, embora sem muita razão, porque ele estava ali realmente como um guarda-cos- tas do Lacerda. Mas, em essência, era um assassinato.

Lacerda também era um homem muito contraditório. Conheço a história dele no tempo em que Castelo era presidente. Era muito inteligente, um homem terrível na hora do discurso, na argumenta- ção. Basta recordar a guerra que fez contra o jornalista da Última Hora, o Samuel Wainer: "Samuel Wainer foi financiado pelo Banco do Brasil, sob o patrocínio do Getúlio!" A acusação foi terrível. Cul- minou na comissão parlamentar de inquérito da Câmara para pro- var que Samuel Wainer não era brasileiro e, por isso, não podia ser jornalista.

Ao lado da influência do Lacerda entre os militares, principal- mente no Rio, verificava-se que Getúlio estava muito desgastado nas Forças Armadas. Achávamos que, depois que deixou o governo em 45, Getúlio não deveria ter voltado. Mas voltou e voltou muito enfra- quecido. Apesar de ter tido uma grande votação na eleição, a oposi- ção foi muito grande. Havia fortes correntes contrárias a ele, por causa da influência do Jango, da política trabalhista que ele estava executando. Tudo culminou no incidente da morte do major Vaz, com o comprometimento do Gregório, o chefe da segurança presi- dencial. Não víamos com bons olhos aquela guarda pessoal do Getú- lio, que foi organizada pelo Benjamim. Eram indivíduos desclassifica- dos, na maior parte recrutados em São Borja. Esse quadro foi se tornando muito desfavorável ao Getúlio. Pessoalmente, ele tinha pre- dicados admiráveis. Era um homem sereno, corajoso, honesto e com muito espírito público. Entretanto, a imagem dele já era muito diferente da que tinha tido na época de 30. Aquele problema do Vaz e as conclusões do inquérito efetuado no Galeão levaram à reunião ministerial em que Getúlio se licenciou e, a seguir, ao suicídio.

Com a posse de Café Filho, o senhorfoi para o Gabinete Militar Como se deu isso?

Rodrigo Otávio era o subchefe da Casa Militar, sob a chefia de Juarez. Eu era amigo do Juarez e tinha boas relaçôes com Rodrigo Otávio, embora divergindo em muitas questões. Aconteceu que hou- #



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ve uma crise no governo e foi exonerado o ministro da Viação e Obras Públicas.44 Rodrigo Otávio foi nomeado ministro em seu lu- gar, e ficou vago o cargo de subchefe da Casa Militar. Rodrigo se lembrou de mim para substituí-lo, e Juarez concordou. Eu não que- ria aceitar o cargo porque iria interromper minha arregimentação. Acharam porém que era necessária a minha designação. Eu tinha co- nhecido Café Filho nos meus tempos de Rio Grande do Norte e, em- bora não tivesse depois cultivado relações com ele, acabei indo tra- balhar no Catete. Com isso, minha carreira militar ficou novamente truncada, porque, como já disse, o oficial superior precisava ter dois anos de comando.

Na Casa Militar acompanhei o governo do Café Filho. Tive boas relações com ele, embora eu nunca abordasse problemas políticos do governo. Quando se anunciou a descoberta de petróleo no Amazonas, num poço perfurado em Nova Olinda, fui com Café até Manaus e, a seguir, para o local do poço. A informação do geólogo responsável pe- la área foi de que se comprovava o pouco valor da estrutura do lo- cal, sendo muito limitadas as reservas descobertas e não se justifican- do seu aproveitamento. Voltamos, como era natural, muito decepcio- nados. Foi o meu primeiro contato objetivo com nosso problema de petróleo. Viajei também na comitiva de Café Filho na sua visita a Por- tugal. Fomos de avião até Casablanca e de lá, num navio de esqua- dra, a Lisboa. A recepção e o tratamento que os portugueses nos dis- pensaram foram excepcionais. Ficamos vários dias em Portugal, hospedados no palácio de Queluz. Estivemos em Coimbra, na univer- sidade, no Porto e, por fim, visitamos, com acompanhamento de gran- de marcha popular, Guimarães, a cidade de Afonso Henriques, de on- de se originou o reino português. Nosso regresso foi por via aérea. Minhas conversações eram, principalmente, com o Juarez. Dava-me também com o chefe da Casa Civil, o deputado Monteiro de Castro. E ficamos ali convivendo com crises. A maior era a crise cambial, o déficit da balança comercial, a falta de divisas. Toda semana se fazia leilão de divisas para atender a um e a outro, para poder importar o necessário. Era um problema muito complicado.

44 Trata-se de Lucas Lopes. que se exonerou diante da anuência de Café Filho em ler, em 29 de janeiro de 1955, um manifesto de generais contra a candidatura de Jusceli- no Kubitschek. a quem era ligado. #



Quando o senhor estava no Gabinete Militar Juarez foi secretário- geral de um Conselho Coordenador de Abastecimento Nacional. O senhor participou disso?

Não, mas eu sabia dos problemas. Houve um muito complica- do, em matéria de preços de gasolina. A Cofap, que depois virou Sunab,45 era chefiada por Pantaleão Pessoa, um general reformado de muito renome, e o ministro da Fazenda era o Gudin. Gudin que- ria aumentar o preço da gasolina e Pantaleão era contra, porque is- so influía no custo de vida. Gudin achava que a influência no custo de vida era pequena e que havia justificativa para aumentar. Então houve uma discussão acirrada e, ao final, Pantaleão saiu da Cofap.

O Gabinete Militar se mantinha totalmente à margem dos proble- mas políticos?

O Gabinete era solicitado pelo quadro político. Quiséssemos ou não, o ambiente levava a isso, e às vezes pediam nossa opinião. Tratou-se do problema da sucessão presidencial. Houve inicialmente uma tentativa de acordo com o Jânio para a candidatura ao gover- no. Jânio naquele tempo já era meio maluco. Conheci-o quando se inaugurou a refinaria de petróleo em Cubatão.46 Fui a Cubatão acompanhando Café Filho, e, terminada a inauguração, Jânio convi- dou o presidente para ir à cidade de São Paulo. Fomos de automó- vel, Café Filho, Jânio, eu e o motorista. Na conversa Jânio queria passar o parque do Ibirapuera para o governo federal. Tinha havido lá uma exposição, e ele queria que todo o acervo ficasse a cargo do governo federal, juntamente com o parque. Café Filho ficava só ou- vindo e dando um risinho. Era muito irônico. Conversaram muito e depois já noite, sem que Jânio nos tivesse oferecido sequer um ca- fé, voltamos de avião de São Paulo para o Rio.

45 A Comissão Federal de Abastecimento e Preços, criada em dezembro de 1951, fa- cultava ao governo federal intervir no domínio econômico para assegurar a livre distri- buição de produtos necessários ao consumo. Foi substituída pela Superintendência Nacional de Abastecimento, criada em setembro de 1962. 46 A Refinaria Presidente Bernardes [Cubatão-SP) teve seu projeto aprovado em 1949, foi construída entre 1950 e 1954 e foi inaugurada por Café Filho em 16 de abril de 1955. #



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Houve a seguir o problema da candidatura do Juarez. Cordei-

ro era muito contra. Era governador de Pernambuco, e quando apa-

recia se manifestava contra a candidatura do Juarez, a quem fazia

restrições. Quando o Juarez se exonerou para ser candidato, apro-

veitei a circunstância para sair também e me arregimentar, desta

vez no Regimento Escola de Artilharia, em Deodoro, onde eu havia

servido como capitão. Para mim era muito agradável voltar lá como

coronel e comandar o regimento. O substituto do Juarez foi o gene-

ral Bina Machado, e o meu, indicado por mim, foi o coronel José

Canavarro Pereira, que depois comandou o Exército em São Paulo.

Fui comandar o Regimento-Escola, mas estava lá havia apenas

três meses e meio quando me chamaram. Tinha havido uma crise

na refinaria de petróleo de Cubatão, um problema de ordem pes-

soal entre facçôes que se digladiavam pelo domínio da refinaria. Ha-

via indisciplina. Num acidente em uma das unidades de operação,

um operador havia morrido. Era preciso que alguém fosse normali-

zar o trabalho na refinaria, que era a única de maior porte que o

Brasil tinha na época. Refinava 45 mil barris de óleo por dia. Relu-

tei em ir. Sofri pressão do ministro Lott e incentivo do Edmundo de

Macedo Soares. Contra meu argumento de que não entendia nada

de refino, ouvia o argumento de que não se tratava de um problema

técnico, mas de um problema administrativo, disciplinar. Acabei ten-

do que ir para Cubatão.

7 - Desenvolvimentismo

e cisões militares

Que problemas o senhor encontrou em Cubatão?

Havia lá duas facções. Uma era a facção que tinha construído a refinaria, que havia trabalhado nas obras de engenharia com mui- to sacrifício e achava que tinha o direito de ocupar postos. Havia também uma equipe técnica que vinha de fora e que tinha sido pre- parada para operar a refinaria - o que era adequado. Muita gente se envolveu entre essas duas correntes para ver quem realmente pre- dominava. Um desses foi o ex-superintendente da refinaria, amigo do Juracy, que era um técnico militar. Ele me contava a sua histó- ria e, por fim, me perguntava: "Você não acha que eu tenho razão?" Eu respondia: "Não acho nada. Se disser que você tem razão, passo a tomar partido e não terei autoridade para resolver a situação". Aí vinha a outra corrente cantando a ladainha toda: "O senhor não acha?" Eu respondia: "Não acho nada. Vamos trabalhar".

Fui para Cubatão em setembro de 1955 e me pus a trabalhar, auxiliado principalmente por dois técnicos da Petrobras que levei comigo, e conseguimos resolver uma série de problemas. Afora os problemas de ordem pessoal, havia outros: um deles era o da am- pliação da refinaria, na base de um projeto que visava a aumentar #

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a capacidade para 60 mil barris por dia; outro era o da água de re-

frigeração captada no rio Cubatão, que tinha elevada quantidade de

descarga sólida e produzia o entupimento dos intercambiadores

que deviam assegurar o resfriamento dos equipamentos e trocas de

calor com o óleo bruto a ser refinado. A refinaria era obrigada a

desligar os equipamentos e fazer uma parada para a limpeza dos in-

tercambiadores, passando a ter um funcionamento irregular, com

elevados prejuízos. Conseguimos, com outros técnicos, resolver esse

problema eliminando a carga sólida por intermédio de uma barra-

gem que fizemos no leito do rio. O terceiro problema foi ultimar a

construção da fábrica de asfalto, anexa à refinaria, e cuja obra se fa-

zia com muita lentidão. Foi a primeira fábrica de asfalto do Brasil.

Por outro lado, as divergências do pessoal também foram resolvi-

das, com a efetiva atribuição aos técnicos dos encargos operacio-

nais. A área administrativa estava em Santos, separada da refina-

ria. Determinei sua mudança para Cubatão, junto da refinaria, o

que me permitia acompanhar pessoalmente todas as atividades. Eu

percorria a refinaria várias vezes por dia, mantendo a presença jun-

to aos locais de trabalho e o contato com todos os setores. Atuei

muito, também, na parte administrativa e acabei conhecendo o pro-

blema técnico da refinação e o problema do petróleo em geral. Mi-

nha preocupação foi obter a coesão interna, acabar com a dissidên-

cia, fazer com que a refinaria produzisse o que tinha de produzir e

resolver os problemas do dia-a-dia. Constatei, por exemplo, que ha-

via um grande desperdício de material espalhado no terreno da refi-

naria. Mandei recolher, catalogar, pôr no almoxarifado e computar

na contabilidade.

Nesse meio tempo, quando Café Filho estava hospitalizado,

deu-se o golpe do Lott com a participação dos políticos, aqui no

Rio de Janeiro. Eu estava fora do Exército, não tinha nada com

aquilo, mas evidentemente fui contra. Achei que o Lott não podia fa-

zer o que fez. Houve uma tentativa de levar o governo para São

Paulo, e foram feitos preparativos nos hotéis, em Santos, para rece-

ber o pessoal que estava no cruzador Tamandaré. Mas a guarnição

militar de São Paulo resolveu apoiar a ação do Lott, e Jânio não

sustentou qualquer reação. Conseqüentemente, o Tamandaré não

veio a Santos. A situação se manteve calma e não houve maiores

problemas. #

< DESENVOLVIMENTISMO E CISÕES MILITARES 121>

Nesse episódio do 11 de novembro de 1955, o senhor não tinha contato com nenhuma das duasfacções em choque?

Não. A justificativa para o golpe era que estaria em marcha uma conspiração para não deixar Juscelino tomar posse. Nessa su- posição foi dado o golpe, em caráter preventivo. Não sei se realmen- te havia fundamento. Certamente algumas cabeças mais radicais pen- savam em impedir a posse de Juscelino, mas não tinham maior ex- pressão. Eduardo Gomes talvez fosse contrário à posse, Juarez também, mas eles não teriam condiçôes de levar a força do Exército a ser contra.

Em meio a esse clima, houve o enterro do general Canrobert, quando Mamede fez um discurso que foi considerado por Lott uma infração à disciplina. Não conheço o teor do discurso, mas acredito que devia ser realmente de natureza política e infringir a disciplina. Por isso Lott quis punir o Mamede. Este, no entanto, não estava sob a jurisdição do Ministério do Exército, pois servia no Estado- Maior das Forças Armadas. Mas Lott era teimoso e queria prender o Mamede. Teve uma audiência com o presidente interino, o deputa- do Carlos Luz, que foi de uma inabilidade incrível: fez o Lott espe- rar numa ante-sala, por muito tempo, antes de recebê-lo. Foi uma desconsideração. O presidente da República com uma audiência mar- cada para receber um ministro, e deixar o ministro cozinhar numa cadeira? Lott insistiu na necessidade de punir o Mamede, e diante da negativa do Luz, pediu demissão e foi para casa. Quem articulou todo o movimento foi o Denys, que comandava o I Exército. Lott, em casa, não tinha pensado em golpe. O Denys foi convencê-lo, e o Lott acabou concordando. Naquela noite Golbery foi preso, juntamen- te com os oficiais que estavam no palácio do Catete. Prenderam to- dos, inclusive o Juarez.

Quando Lott pediu demissão, o ministro que tinha sido esco- lhido para o seu lugar era o Fiúza de Castro. Quis tomar posse na- quele dia mesmo, mas o Lott disse: "Não! Vou preparar os papéis, você vem tomar posse amanhã". Naquela noite houve o golpe. De- pois o Fiúza teve um encontro com Lott e aí deu-se um diálogo mui- to interessante. Lott se desculpou por ter enganado o Fiúza naquela ocasião, ao que o Fiúza respondeu: "Não, você me enganou toda a sua vida!" #

<122 ERNESTO GEISEL>

Qualfoi a posição de seu irmão Orlando nesse episódio?

Meu irmão Orlando, em 1955, servia numa unidade do Rio sob o comando do general Denys e foi a favor da ação do Lott e do golpe. Montaram a seguir a censura à imprensa, designaram o gene- ral Lima Câmara para ser o censor, e ele teve o Orlando como auxi- liar. Assim, o Orlando ficou vinculado à área do Lott. Nós estáva- mos em campos opostos, divergindo, mas éramos amigos, embora nossa intimidade não fosse mais tão grande como era antes.

Quando Juscelino tomou posse, pedi demissão da refinaria de Cubatão, no dia 31 de janeiro de 1956. Meu compromisso era ficar ali durante o governo Café Filho, no máximo. Voltei ao Rio, apresen- tei-me, e Lott mandou-me chamar e contou-me a história toda. Tam- bém mandou chamar o Golbery. Tinha sido instrutor do Golbery e gostava muito dele. Praticamente, queria me convencer de que o pro- cedimento que tivera fora certo e, assim, conseguir o meu apoio. Não concordei e lhe disse: "O senhor não podia fazer isso. O se- nhor não podia nunca ser contra o presidente que o nomeou minis- tro. O senhor não podia se insurgir contra Café Filho". Ficamos nis- so. Aí comecei a tratar da minha arregimentação, para completar o tempo que me faltava.

Nessa ocasião Lott me disse: "Andei pensando, vou substituir o comando da Escola Militar, e o senhor podia ser o novo coman- dante". Respondi: "Não posso ser". Ele: "Mas por quê?" Eu: "Porque não fica bem. O comando da Escola Militar é de general e eu sou um coronel relativamente moderno. O senhor vai passar um atesta- do de incompetência a todos os coronéis que estão na minha frente, e não posso servir para isso". Dali a uns dias, ele de novo: "O se- nhor tem razão. Então o senhor vai comandar a guarnição de San- tos". Respondi: "É um lugar para onde eu não posso ir. Porque se eu for para a guarnição de Santos, a minha casa vai estar todos os dias cheia dos engenheiros da refinaria, que vão conspirar contra o novo superintendente. Irão lá me contar as coisas que o superinten- dente está fazendo, dizer que ele está destruindo o que eu fiz, e as- sim por diante. Vão me obrigar a tomar partido na guerra dentro da refinaria. Não devo ir". Ele: "Ah, é, o senhor tem razão". Lott con- seguira colocar na presidência da Petrobras o Janary Nunes, e me perguntou também por que eu não tinha ficado na refinaria de Cu- batão, dizendo que o Janary era muito bom administrador. Minha resposta foi que, sendo eu um coronel do Exército e o Janary ape- #

nas capitão, não ficaria subordinado a ele. Meu sentimento de disci- plina, de hierarquia, não permitia isso. Janary Nunes era capitão ou major da reserva e tinha sido governador do território do Ama- pá, onde criou nome. Achavam que ele era um administrador extra- ordinário, e Juscelino o colocou na presidência da Petrobras.

Essa foi a minha história com Lott. Ele se relacionara bem co- migo quando eu era subchefe da Casa Militar. Ia ao despacho com o presidente Café Filho, mas geralmente, antes ou depois, passava pe- la Casa Militar e conversava comigo.

No início do governo Juscelino houve uma homenagem a Lott, para lhe oferecer uma espada de ouro. O senhor lembra disso?

Houve, e o Castelo foi contrário. Era amigo do Lott, ambos oriundos da infantaria, e haviam estado juntos em Paris, cursando a Escola de Estado-Maior francesa. Quando Lott foi convidado por Juscelino para permanecer como ministro do Exército e resolveu pe- dir a opinião dos generais sobre a aceitação desse convite, Castelo manifestou-se com a opinião de que ele não devia continuar no car- go no novo governo. A partir daí, Castelo passou a ter problemas com Lott, que chegou a puni-lo.

E ofato é que no início do governo Juscelino o senhor voltou para São Paulo.

Sim. Acabei indo para Quitaúna, em fins de março de 1956, para comandar um grupo de artilharia antiaérea e terminar minha arregimentação. Lá tive dois problemas complicados. Um, quando eu já estava no fim da arregimentação, foi o falecimento do meu fi- lho. Era um rapaz muito bom, muito benquisto. Estava fazendo o curso secundário em Osasco, tinha 16 para 17 anos. . . Era muito bom aluno, muito dedicado. Uma tarde, no quartel, havia um jogo de futebol, e ele foi assistir. Foi de bicicleta. Para chegar ao quartel devia atravessar a via férrea. Não havia cancela, nem sirenes ou se- máforos. Não sei se foi imprevidência ou distração dele. Foi atropela- do por um trem em alta velocidade e teve morte instantânea. Foi uma morte estúpida, um drama terrível na nossa vida. Ficou aí uma ferida que custa a cicatrizar. Depois disso, eu não podia mais ficar em Quitaúna, principalmente pela minha mulher. #

< 124 ERNESTO GEISEL>

Ocorreu também em Quitaúna um outro problema que revela a mesquinhez do Lott. Havia uma vaga de subcomandante no grupo de artilharia, e ele classificou para essa vaga um oficial que eu já co- nhecera anteriormente, e que, no meu modo de ver, não prestava. Era o Jefferson Cardim de Alencar Osório, reconhecido comunista. Mais tarde, em 64, ele se exilou e, com o apoio do Brizola em Mon- tevidéu, fez uma incursão armada pelo Rio Grande com uma dúzia de malucos como ele. Chegou quase até o Paraná, de onde foi repeli- do e fugiu. Havia acontecido o seguinte. O grupo de artilharia de Quitaúna tinha apoiado o golpe do Lott, e esse foi um dos fatores, talvez um dos mais decisivos, para consolidar sua posição em São Paulo e evitar que Jânio acolhesse os fugitivos e procurasse montar lá um governo dissidente. O grupo tinha muito poder de fogo. Ao la- do havia um regimento de infantaria que aderiu ao grupo e também apoiou Lott. Pouco tempo depois que cheguei, houve uma eleição no Clube Militar, disputada pela chapa amarela e a chapa azul. A cha- pa amarela era a que vinha do Estillac Leal, era a do pessoal da es- querda e do Lott. E a azul era a da Cruzada Democrática. No quar- tel-general da região militar havia uma urna onde cada sócio do clu- be depositava seu voto. A grande maioria dos oficiais votou na chapa azul.47 Eu não tratei desse assunto no quartel, de maneira al- guma, mas foram dizer ao Lott: "O senhor está vendo? O Geisel es- tá há pouco tempo lá e todo mundo já virou, estão todos com a cha- pa azul". Lott resolveu, então, colocar o comunista atrás de mim. Acabei tendo que puni-lo pelas faltas que veio a cometer. Era um ele- mento perturbador na vida do quartel. Eu o conhecia desde quando fui adido militar no Uruguai. Seus assentamentos continham nume- rosas punições. Sua história pessoal também era complicada. Ele ti- rou a mulher de um oficial do Exército uruguaio e se juntou com ela. Lá pelas tantas, pelo que consta, ele "a suicidou" e se casou com a filha dela. História terrível! E essa filha criava problemas em Quitaúna, na Vila Militar, onde residiam os oficiais com suas famí- lias. Tinham dois filhos. Depois de muitas observações que lhe fiz e conselhos que lhe dei, tive que puni-lo, poucos dias antes da morte do meu filho.

47 Ainda assim, nas eleições de maio de 1956 para a presidência do Clube Militar, a chapa amarela, encabeçada pelo general João de Segadas Viana, venceu a chapa da Cruzada Democrática, que tinha à frente o general Nicanor Guimarães de Sousa. #

Terminado o meu tempo de arregimentação, e como eu não queria mais ficar em Quitaúna, vim para o Rio. Fui servir no Estado- Maior do Exército como chefe da 2ª Seção, que trata de informa- ções. Encontrei no Estado-Maior o Golbery, servindo como subchefe na 3ª Seção, a de operações. Estavam no Estado-Maior outros com- panheiros que eram do nosso grupo, entre eles Ednardo d'Ávila Me- lo, que depois eu tive que exonerar do comando do II Exército em São Paulo.

O senhor evidentemente não se identificava com o general Lott, a despeito de suas teses nacionalistas. Inversamente, se identificava com Juarez Távora?

O que nós mais víamos no Juarez era o revolucionário: o revo- lucionário de 22, de 24 etc. Ele tinha muitas idéias com as quais eu não concordava, mas indiscutivelmente era um homem de méri- to, tinha valor. Muitos dos meus camaradas não eram propriamente do grupo do Juarez, não tinham relações pessoais com ele. Golbery por exemplo, tinha apenas relações superficiais.

A propósito da posição nacionalista do Lott e da posição mais internacionalista do outro grupo, que eu apoiava, e da aparente in- coerência da minha posição, posso dizer que esse fator não era leva- do em conta. O que realmente nos preocupava, e era motivo funda- mental da nossa divergência, era a situação interna do país, a influ- ência crescente dos oficiais comunistas, a maneira excessivamente centralizadora de o Lott administrar o Exército, e o governo do Jus- celino, cujo conceito pessoal era muito desfavorável.


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