História do brasil moderno ernesto geisel



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O general Frota era um membro da linha dura ou foi envolvido por ela?

De certa forma era da linha dura, mas não era extremado. Quando comandou o I Exército, aqui no Rio, muitas vezes ia à noite ao DOI-Codi para impedir a repressão, evitar atos de violência. O Frota era considerado, dentro da linha dura, um homem relativa- mente moderado. Mas ele também queria que o pessoal estivesse do seu lado, e por isso não era muito exigente. Procurou ter o apoio da linha dura. #


O senhor não o identificava como uma pessoa que lhe pudesse ser desleal?

O que aconteceu com o Frota - estou fazendo aqui um juízo que pode ser um pouco subjetivo - é que ele era um homem mo- desto que se cercou de alguns auxiliares muito mais inteligentes do que ele, que procuraram se aproveitar dele. Meteram na cabeça do Frota que ele é que tinha que salvar o país do comunismo. Daí ele acabou endossando a campanha para fazê-lo presidente da Repúbli- ca, por influência do ambiente em que vivia. Agora, problemas com o Frota, com o Exército, do ponto de vista militar, da organização militar, não havia. Eu não tinha nenhum programa de expansão ou de reaparelhamento para o Exército, que teria apenas que assegurar sua vida diária e seu funcionamento normal, inclusive na manuten- ção da ordem interna.

Mas ofato é que durante seu governo o senhor viveu vários mo- mentos de tensão com o general Frota. Quando começaram os de- sentendimentos?

Não houve propriamente desentendimentos, havia apenas diver- gências. Ele aparentemente acatava o que eu dizia. Tinha que aca- tar. Toda vez que tínhamos despacho conversávamos. Além da roti- na, dos papéis, conversávamos sobre a situação do país, as diferen- tes coisas que aconteciam.

Seus problemas com a área militar só começaram no momento da demissão do general Ednardo d'Ávila do comando do II Exército?

Esse não foi um problema com a área militar. Talvez tivesse si- do com um setor, mas não com a área militar considerada no seu conjunto.

O primeiro problema que tive foi quando se resolveu reatar re- lações diplomáticas com a China, no começo do meu governo. Silvei- ra tinha conversado sobre o assunto e, após analisá-lo, acabei con- cordando. O Frota veio a mim, manifestar-se contrário: achava que não era conveniente. Outro que no começo também foi contrário foi o Henning, da Marinha. O Araripe, da Aeronáutica, era mais ou me- nos contra e chegou a conversar ligeiramente sobre o assunto. To- dos traziam as opiniões e o pensamento de escalôes hierarquicamen- te inferiores. Reuni os três e lhes perguntei: "Por que nós não va- #

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mos reatar relações com a China?" A resposta foi que a China era um país comunista. "Por que então vocês não vêm me propor rom- per relações com a Rússia? Se o Brasil tem relações com a Rússia, por que não pode ter com a China? Se vocês querem ser coerentes, então vamos cortar relações com a Rússia também e vamos nos iso- lar, vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos." Tinha ha- vido um problema no início da Revolução de 64 com uma missão chinesa que estava no Brasil tratando de relações comerciais e que foi presa e submetida a inquérito. Havia, desde então, um precon- ceito contra os chineses. Argumentei com a posição geográfica da China em relação ao Brasil, com o fato de que a China representava um grande mercado para os nossos produtos exportáveis. Estáva- mos liberalizando o país, que já era adulto, não se justificando um complexo de inferioridade. Tínhamos o próprio exemplo dos Esta- dos Unidos, o campeão do anticomunismo, que mantinha relaçôes com a China.

O senhor convenceu seus ministros ou decidiu sozinho?

Os ministros sofriam pressões da classe, mas apesar disso re- solvi reatar com a China. Depois de conversar com eles, reuni for- malmente o Conselho de Segurança Nacional, que aprovou a deci- são. É preciso entender que o Conselho de Segurança não é um ór- gão deliberativo, é um órgão de consulta do presidente, em que cada ministro externa a sua opinião. Em função do que ali ouve e do que pensa, o presidente toma a decisão que achar melhor. É um fórum que permite que cada um diga seu ponto de vista, mas que não obriga o presidente a decidir de acordo com a maioria. Ele pode discordar. Aliás, seria um absurdo que os ministros, que são, pela Constituição, apenas auxiliares do presidente da República, pu- dessem impor-lhe uma decisão. É evidente que, no caso da China, a maioria do Conselho de Segurança foi a favor do reatamento das relações.

O mesmo problema surgiu quando reatei as relações com An- gola. A mesma história: "É um país comunista, os Estados Unidos estão subsidiando a revolução contra o governo de Angola, e nós so- mos solidários com os Estados Unidos!" Respondi: "Não, nesse pon- to eu não sou solidário. Acho que os Estados Unidos não têm o di- reito de fomentar a revolução em outro país. Não concordo com es- se posicionamento. E tem mais: Angola é fronteira marítima com o #
Brasil. Nossa fronteira oriental é toda a costa oeste da África. En- tão não vamos ter relaçôes com um país fronteiriço? Além disso, Angola é descendente de Portugal, fala como nós, a mesma língua! E há outro interesse: as perspectivas são de que o litoral angolano tenha petróleo, e nós poderemos obter suprimento em Angola". Res- pondiam: "Mas o governo é comunista!" E eu: "É, é subsidiado pela Rússia, mas a revolução que existe em Angola é subsidiada pelo americano. O americano está financiando uma revolução lá dentro!" A Unita, até hoje, ainda é subsidiada pelo americano em armamen- to, em munição, em dinheiro e tudo mais. "Que direito têm os Esta- dos Unidos de intervir no país e lá provocar uma revolução? Não temos nada com isso, não temos nada com a Unita. No passado sempre transacionávamos com Angola e agora temos interesse em trazer petróleo de lá." Foi outra discussão. Eu dizia: "Vocês têm que abrir os olhos, o mundo é outro! Vocês não podem ficar nesse círculo estreito!" Eles engoliram a solução, mas evidentemente res- mungando.

Como foi definida em seu governo a política de combate à subver- são?

Nos focos subversivos que ainda existiam continuava a haver combate. Eu reagia muito com relação a certas ações repressivas iso- ladas e estabeleci que elas não podiam ser empreendidas sem o meu conhecimento. Certa vez, eu disse ao Frota: "Nós estamos, des- de o levante de 35 na Praia Vermelha, combatendo o comunismo. E você vem me dizer, na nossa conversa, que o comunismo está cada vez mais ativo, cada vez mais forte e perigoso. Vamos admitir que is- so seja verdade. Qual é a conclusão a que vamos chegar? Se o co- munismo está sendo combatido desde 1935 e nós já estamos além de 1970 e ele está cada vez mais forte, cada vez mais poderoso, en- tão o método de luta que estamos adotando não serve, está errado! A solução atual de matar, de esfolar, de brigar não serve. Vamos ter que encontrar outra solução, pois essa que estamos usando há 40 anos não resolve". O raciocínio claro era esse: vamos estudar, va- mos ver uma outra maneira de enfrentar o adversário. É claro que, no fundo, isso não é um problema militar. É também um problema social, é um problema político. Há uma série de razões para que o comunismo possa proliferar. #

<366 ERNESTO GEISEL>

No início de seu governo ainda havia a guerrilha do Araguaia. As operações de combate ficavam a cargo de quem?

No início do meu governo essa guerrilha estava praticamente eliminada, não restando quase nada por fazer. Quem cuidava do as- sunto era o ministro do Exército e o pessoal que estava lá.

O senhor acompanhava de perto o que se passava lá?

Com detalhes, não. Quem mais acompanhava e estava informa- do era o SNI. Eu era informado pelo SNI.

Durante seu governo houve uma grande investida contra o Partido Comunista. O senhor era informado disso?

Sempre se procurou acompanhar e conhecer o que o partido fazia, qual era a sua ação, como ele se conduzia, o que estava pro- duzindo, qual era o seu grau de periculosidade. Isso aconteceu du- rante todo o período revolucionário. Mas não havia grande coisa, porque o partido estava muito enfraquecido. Ainda assim, continua- va em atividade. Estavam sempre conspirando. No fim do governo, o Dilermando, já no comando do II Exército, atuou em São Paulo so- bre uma grande reunião dos chefes comunistas. A questão não era mais a força que eles tinham, mas não podíamos deixar o comunis- mo recrudescer. Fizemos tudo para evitar um recrudescimento das ações comunistas. Porque houve época em que eles matavam, rouba- vam, faziam o diabo.

Mas o Partido Comunista nunca teve esse tipo de atitude. Quem fazia isso eram as outras organizações de esquerda.

Mas que eram ligadas aos comunistas. A Igreja também era, fez muita coisa com as tais organizações, explorando os estudantes. Os estudantes sempre foram explorados, acham que estão fazendo campanhas reivindicatórias, mas na verdade estão sendo explorados.

A ação repressiva contra o Partido Comunista não teria sido um tanto despropositada?

Pode ser que agora se ache aquela ação despropositada, mas na época, em face das informações que se tinha, não era. #
Quando o general Frota mandava fazer prisões, ele comunicava ao senhor?

Mas ele não mandava fazer prisões, quem fazia era o CIE, às vezes mesmo à revelia dele. E ele também não me comunicava. Eu, como presidente da República, não ficava o dia inteiro com esse pro- blema. Meus problemas eram muitos.

Mas esses assuntos chocavam a opinião pública.

Apenas parte da opinião pública. Havia muita gente que era a favor. Estávamos ainda em um regime de exceção, e esse era o lado negativo da história. Embora com um Congresso constitucional, era um regime em que se achava que o combate ainda não estava ter- minado. Eu considerava, contudo, que depois da liquidação de Xam- bioá o problema comunista estava em fase de extinção, estava pro- gressivamente perdendo importância.

As informações que o senhor recebia vinham sempre pelo SNI?

Sim. E algumas informações eu achava que eram válidas, ou- tras não. Quando o Figueiredo as apresentava, eu dizia: "Não concor- do com isso, discordo daquilo". Eu conversava muito mais com ele sobre as coisas que aconteciam do que com o Frota. O SNI era o ór- gão de informação que eu tinha. O SNI informava sobre o que o CIE fazia, mas não tudo, porque havia muita coisa que o CIE fazia e não dizia. O grande erro dessa história toda foi a criação do CIE. Como já narrei, no governo Castelo propuseram a criação desse ór- gão, eu fui contra e o Castelo também não aceitou. Mas, assim que o Costa e Silva assumiu, ele foi criado.

E quanto às informações sobre a área militar? De onde vinham?

Além do SNI, eu tinha muitos amigos nas Forças Armadas que me visitavam, conversavam comigo no Alvorada ou no Riacho Fundo e me davam informações. Havia ainda os oficiais do Gabi- nete Militar. Durante as viagens que eu fazia pelo interior, conver- sava muito com os oficiais que lá serviam e assim colhia novos dados. #



<368 ERNESTO GEISEL>

O senhor estava sempre informado do que os comandantes milita- res faziam?

Sim, mas apenas do essencial. Procurava não interferir nas

Forças Armadas, para evitar o desprestígio dos ministros.

O senhor não recebia informações diretamente do CIE?

Às vezes o Ministério do Exército também me dava súmulas de informações, mas eu tinha que passá-las por um crivo, porque freqüentemente eram apaixonadas, nem sempre eram isentas. Conse- guir uma informação isenta, real, de um fato é muito difícil. Ela sempre traz algo da personalidade do informante, que, mesmo que não queira, insensivelmente a deforma. Um informante mais tímido tende a majorar o fato e a lhe atribuir um valor maior do que tem. Outro mais desleixado, que não esteja engajado no problema, pode menosprezá-lo, não lhe dar importância. A análise e avaliação de uma informação é um problema complexo. Há uma frase atribuída ao político mineiro José Maria Alkmin, que foi vice-presidente do Castelo, segundo a qual o que vale não é o fato, mas a sua versão. Esta é a realidade.

Uma informação que lhe fosse transmitida pelo CIE, o senhor che- cava com o SNI?

Muitas vezes eu procurava checar. Não digo que sempre desse a informação para o SNI, mas solicitava esclarecimentos sobre a ma- téria. Então comparava, fazia a minha análise e tirava a minha con- clusão. Esse não era um trabalho pessoal, só meu. Muitas vezes Gol- bery e outros auxiliares cooperavam. Eu tinha um oficial de alto va- lor que trabalhava comigo, o Gleuber Vieira. Hoje em dia é um dos generais mais qualificados. Muito equilibrado, sensato e culto, me ajudou nessas análises. Também ajudavam Hugo Abreu, Heitor Aqui- no. Humberto Barreto, Moraes Rego. Eram pessoas mais chegadas a mim, que me tinham lealdade e com quem eu tinha identificação. Contudo, não era um problema fácil, porque nesse conjunto tam- bém influía a tendência que cada um tinha. #


O senhor discutia com essas pessoas inclusive a decisão a ser to- mada em cada caso?

Discutia os efeitos das diferentes decisões que se podia tomar. Mas na hora de decidir eu não podia vacilar e, uma vez a decisão tomada, não se discutia mais o assunto.

Resumindo, quem garantia o fluxo contínuo de informações para o presidente era o SNI.

Sim. O SNI tinha ação em todo o território nacional. Contudo, muitas vezes, era ultrapassado pelo DOI-Codi, era informado tardia- mente, depois dos acontecimentos. Não é muito fácil o controle total num país do tamanho do Brasil. Nem pode o presidente da Repúbli- ca ficar o dia inteiro cuidando desse problema. Havia toda a admi- nistração governamental, com suas prioridades.

O CIE chegou a fazer listas apontando "comunistas infiltrados" en- tre os funcionários públicos do seu governo?

Vocês não viram o manifesto final que o Frota publicou quan- do foi demitido, falando da "infiltração nos órgãos do governo"? Eles achavam isso. Quer dizer, eu tinha que lutar em duas frentes: contra os comunistas e contra os que combatiam os comunistas. Essa é que é a verdade. Eu sabia que a ação do Frota era exagerada, exces- siva. Mas não era só o Frota, era sempre o grupo da linha dura.

O senhor dava alguma orientação, alguma diretriz, de como devia ser a atuação da repressão?

Não. Nas conversas eu estabelecia que as ações de força só de- viam ser usadas quando fossem absolutamente necessárias, mas de- viam ser limitadas. O problema se complicava por causa da organi- zação que vinha do DOI-Codi. Havia as ações deles, havia as ações da Aeronáutica, havia as ações da Marinha. Não era possível, dentro do quadro criado, estancar o processo de vez. O que se fez foi redu- zir progressivamente essa atividade. A situação se complicou, entre- tanto, em São Paulo. #



<370 ERNESTO GEISEL>

Como o senhor reagiu ao episódio da morte dojornalista Wladi- mir Herzog numa cela do DOI do II Exército?

Eu conhecia o Ednardo, que comandava o II Exército, de ou- tros tempos. Não acompanhei sua carreira militar, pois ele era ofi- cial de infantaria, mas servimos juntos no Estado-Maior do Exérci- to. Eu me dava bem com ele, achava que era um bom camarada. Quando foi comandar o II Exército, ele descentralizou, deixando o pessoal subordinado agir, enquanto se dedicava às relações sociais, à vida absorvente de São Paulo. Geralmente, nos fins de semana, ele saía da capital, ia para uma fazenda, e as coisas no comando fi- cavam abandonadas. Então os elementos mais radicais do seu esta- do-maior agiam.

Depois do enforcamento do Herzog, ia haver uma missa de séti- mo dia em São Paulo, e eu já muito antes tinha programado uma ida lá. Haveria um evento na Federação do Comércio, a inauguração de uma área esportiva ou recreativa, para a qual eu fora convidado. Eu tinha me comprometido a comparecer, e a viagem estava marca- da. Aconselharam-me a não ir, porque era o dia da missa, São Paulo estava muito agitado, mas resolvi ir assim mesmo. Moraes Rego me acompanhou. Assisti à inauguração, e à noite o Paulo Egídio deu uma recepção no palácio. Dormi essa noite em São Paulo e determi- nei ao Frota e ao Ednardo a imediata instauração de um inquérito sobre o enforcamento. Várias vezes, em encontros com o Ednardo em Brasília, eu havia dito: "Ednardo, olha São Paulo, vê lá o teu co- mando, as coisas não estão bem". Quando resolvi mandar abrir o in- quérito, e o Ednardo opôs algumas dificuldades, vi que havia proble- mas. Mas exigi que o inquérito fosse feito e que tudo fosse apurado. Não sei se o inquérito estava certo ou não, mas o fato é que apurou que o Herzog tinha se enforcado. A partir daí o problema do Herzog, para mim, acabou.

Quer dizer que quando o senhor chegou a São Paulo, uma sema- na após a morte do Herzog, nem o ministro Frota nem o general Ednardo tinham mandado abrir inquérito?

Não. E eu achava que era fundamental fazer o inquérito. Che- guei lá e exigi, disse para o Frota e para o Ednardo: "Vamos apurar isso". Depois, no outro dia, quando eu estava me despedindo para #


ir embora, o Ednardo, conversando a sós comigo, pediu para não fa- zer o inquérito, sob o argumento de que iriam aparecer as pessoas de confiança que ele tinha naquele serviço todo, sargentos e outros. Essas pessoas naturalmente iam ser chamadas a depor, e aí o dispo- sitivo de segurança ou de informação que ele tinha ia se tornar pú- blico. Ia-se queimar de certa forma esses auxiliares. Respondi que is- so não tinha importância, pois se substituía por outros, mas que se tinha que fazer o inquérito. Quer dizer, a resistência a fazer o inqué- rito foi muito grande, o que para mim era muito suspeito. Se as coi- sas fossem limpas, se não tivesse havido nada, se o enforcamento do Herzog tivesse sido espontâneo da parte dele, qual o inconvenien- te do inquérito, de que se apurasse?

O senhor aceitou o resultado do inquérito. Mas ficou convencido dele?

É possível que aquilo tivesse sido feito para encobrir a ver- dade. Mas o inquérito tem seus trâmites normais, suas normas de ação, e eu não ia interferir no resultado. Não ia dizer: "Não, não concordo com esse resultado". O inquérito não vinha a mim, era re- solvido na área administrativa. Eu não o examinei, não me preocu- pei se estava certo ou não. É preciso ver o seguinte: o presidente da República não pode passar dias, ou semanas, com um probleminha desses. É um probleminha em relação ao conjunto de problemas que ele tem. Nos múltiplos problemas que vêm à presidência, se se quiser fazer tudo, ver tudo, acaba-se não fazendo nada. Eu já era acusado de ser centralizador. Diziam que eu fazia o que queria, que não ouvia ninguém. . . A verdade também é que todo serviço de repressão em regra se corrompe. Vejam os acontecimentos depois da revolução de 35, com Filinto Müller, que era chefe de polícia no tempo do Getúlio: o que houve ali de repressão a civis, de maus tra- tos etc. Aquele alemão que era representante soviético ficou maluco, acabou doido de tanta coisa que fizeram com ele.75

75 Trata-se de Harry Berger, codinome de Arthur Ernest Ewer, que veio a falecer em 1959, na República Democrática Alemã, sem ter recuperado a razão. #



<372 ERNESTO GEISEL>

Nessa visita a São Paulo, o senhor também se reuniu com repre- sentantes da Arena no palácio Bandeirantes. Consta que o senhor teria dito então: "Agora a esquerda tem um herói. Nós não que- remos dar um herói para a esquerda, queremosfazer a democra- cia".

Não me recordo dessa reunião. Pode ter havido, e é possível que eu tenha dito isso. De fato, criaram um herói. Pegaram uma pessoa relativamente sem importância e a transformaram num herói para a esquerda. Era uma vítima, e a vítima sempre é importante.

Pouco tempo depois da morte de Vladimir Herzog, o general Mo- raes Rego foi transferido para Campinas. Qual a razão dessa transferência?

Esse foi outro problema que tive com o Frota. Moraes Rego foi promovido a general e tinha que ser classificado. Onde é que o general iria servir? A regulamentação que existe é que a promoção e a classificação, ou a movimentação dos oficiais, até o posto de coro- nel, são feitas pelo ministro. Mas a movimentação e a promoção dos generais são feitas pelo presidente. Para a promoção de gene- rais o Alto Comando faz uma lista, uma relação, e o presidente esco- lhe dentro dessa lista. Eu tinha uma má impressão do comando em Campinas e resolvi substituí-lo. Disse ao Frota que o Moraes Rego deveria ser designado para a Brigada em Campinas. O Frota não me fez qualquer ponderação, mas chamou o Moraes Rego e procu- rou convencê-lo de que não devia ir para Campinas. Disse que ele devia falar comigo para que eu mudasse de idéia. Moraes Rego veio a mim e me contou o ocorrido. Achei uma indignidade. No despa- cho seguinte com o Frota eu lhe disse: "Frota! Moraes Rego vai para Campinas! Quem classifica os generais sou eu e não você! Nunca questionei os coronéis que você classifica, mas os generais vão para onde eu quero!" Ele: "Ãh, sim senhor..."

Por que era tão importante para o senhor colocar o general Mo- raes Rego em Campinas?

Eu queria tirar o general de lá e tinha que classificar o Moraes Rego em algum lugar. Por questão de saúde, eu não o poria no Sul, de- vido ao clima frio. E São Paulo era uma área que eu tinha interesse #
em progressivamente tomar conta, porque era uma área muito difícil, devido à ação subversiva que lá se havia manifestado e à intensa re- pressão que lá fora organizada.

Alguns analistas dizem que nessa ocasião os comandos mais im- portantes de tropa estavam nas mãos de pessoasfiéis ao general Frota. Designar um homem seu para Campinas significaria furar o cerco "?

Não creio. Quando havia promoções de generais, geralmente os novos generais iam para comandos de tropa, e os que estavam comandando já há algum tempo eram transferidos para outras fun- ções, em diretorias ou no Estado-Maior. Iam para cargos em Brasí- lia, mais na área da administração do Exército. O Frota sempre tra- zia uma proposta para essa movimentação, mas havia dois generais no comando da tropa aqui no Rio de Janeiro que ele nunca propu- nha movimentar. Um era o general Mário O'Reilly de Sousa, que co- mandava uma brigada de infantaria em Petrópolis, e o outro era o general José Luís Coelho Neto, que comandava a Vila Militar. Eram dois generais de sua estrita confiança, e por isso ele não queria mo- vimentá-los. Num despacho eu lhe disse: "Você sempre me traz na proposta de movimentação dos generais a substituição dos que es- tão há algum tempo em comando. Esses dois, você nunca propôs movimentar. Isso não está certo! São muito bons generais, mas não são melhores que os outros. Se os outros são movimentados, por que esses dois não são? Porque você tem mais confiança neles? Da próxima vez peço que você me traga a proposta de movimentação deles". No dia seguinte ele mandou o decreto movimentando os dois.

O general O'Reilly teria alguma ligação com a "casa dos horrores" de Petrópolis, denunciada pela revista Veja?

Não posso dizer se havia essa ligação, não tinha relacionamen- to com ele. Era um general bem mais moderno do que eu. Vi essa reportagem, inclusive com o depoimento de um médico, Amílcar Lobo. Não sei se o O'Reilly sabia, se participava. Acho também que, se havia isso em Petrópolis, era em uma dependência do CIE. Mas quando tirei o O'Reilly, não teve nada a ver com isso. Foi porque es- tava se formando um dispositivo do Frota, e eu achava que o Frota não podia ter dispositivo. E era uma incoerência, porque quando os # <374 ERNESTO GEISEL>

generais eram promovidos, iam para os comandos, e os que esta- vam havia mais tempo saíam para dar lugar aos mais novos.

O ministro Frota mantinha esses dois generais em seus comandos porque seria uma maneira de preservar o sistema de informação efazer resistência ao senhor?

Não sei dizer. Para mim, eles eram elementos de confiança do Frota. Quer dizer, o Frota, numa circunstância de emergência, pode- ria contar com aquela tropa, com aquele conjunto.

E o senhorfazia o cálculo político de que o Exército tinha que es- tar integrado por chefias da sua confíança, porque a situação era delicada?

Não digo da minha confiança, mas não podiam ser da confian- ça estrita de um ministro. Todos os generais deviam ser da confian- ça do ministro, não só aqueles dois. Eu pensava assim, não admitia que se quisesse fazer uma distinção.


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