História do brasil moderno ernesto geisel



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O que conta na guerra é a perspectiva do ataque. É o ataque que traz resultados. É preciso reunir meios e esforços e escolher a direção e o objetivo a atingir, o ponto vulnerável. A defesa, por si, não resolve a guerra. Na guerra de 1914-18 os franceses ficaram du- rante muito tempo na defensiva, mas terminaram, já com o apoio americano, por atacar. A fase final foi de ataque das forças france- sas e americanas contra os alemães. Na Segunda Guerra também havia uma linha defensiva, a linha Maginot, um conjunto de fortifica- ções consideradas inexpugnáveis ao longo da fronteira alemã, que afinal foi ultrapassada. Militarmente, os Estados Unidos, pela inques- tionável riqueza, superioridade de recursos materiais e potencial hu- mano, passaram a ser a maior força mundial. O general Marshall foi o grande colaborador de Roosevelt na reorganização do Exército americano. Comandou toda a sua expansão e reaparelhamento e co- ordenou seu emprego no teatro de operações, tanto na Europa quan- to no Pacífico. Em tempo de paz o Exército americano era muito re- duzido, mas profissional. Dele saíram os generais que fizeram e ga- nharam a guerra.

Nós, aqui, assimilamos a doutrina militar americana, mas o Exército continua com o problema da deficiência de meios mate- riais: teoricamente adotamos uma série de normas e de princípios, mas sua execução prática não é correspondida pelos recursos que temos. Ficamos com uma doutrina, ficamos com uma mentalidade, inclusive de formação profissional em nossas escolas, mas os meios de ação para pôr essas idéias em execução, se necessário, nós não temos. A aparelhagem material das nossas Forças Armadas ficou muito atrasada, porque o país não tem recursos, não pode gastar muito dinheiro com isso. É este o problema do Exército presente- mente, e também da Marinha e da Aeronáutica. #



<94 ERNESTO GEISEL>

Como o senhor avalia a atuação da Força Expedicionária Brasi-

leira na Itália?

Sou suspeito para avaliar, porque não fui da FEB, dela não

participei. A FEB fez boas operações ao lado dos americanos e teve

também seus insucessos, naturais nas circunstâncias em que ope-

rou: limitado treinamento com material moderno, terreno de atua-

ção difícil, clima hostil e inimigo aguerrido. O Exército não aprovei-

tou muito os ensinamentos da FEB, no meu modo de entender. mas

principalmente, como já disse, por deficiência de meios materiais,

por falta de recursos financeiros. O americano fez um acordo mili-

tar com o Brasil e passou a fornecer material, geralmente já obsole-

to, e às vezes cobrava pagamento. Não fornecia o último modelo, o

mais atualizado, e sim o que já estava ultrapassado. O acordo com

os Estados Unidos foi se deteriorando tanto que acabei com ele

quando era presidente da República.32 Eu achava que não fazia sen-

tido, nas circunstâncias em que era operado.

Quando da deposição de Getúlio, em outubro de 1945, o senhor

era chefe de gabinete do general Álcio Souto. Quais são suas im-

pressões desse episódio?

Eu era chefe de gabinete na Diretoria de Motomecanização. Co-

nhecia o general Álcio havia muitos anos, e entre nós dois havia ple-

na confiança. Álcio estava muito ligado ao general Dutra, que era

ministro e candidato a presidente da República. Mas começou a

campanha do queremismo, e foi concedida a anistia aos comunistas

de 35. Na área militar, principalmente nos escalôes mais elevados,

entre generais e coronéis, a situação repercutia mal, por causa dos

reflexos sobre as candidaturas de Dutra e Eduardo Gomes. Getúlio

dizia que não queria continuar, mas permitia que seus adeptos fizes-

sem campanha, inclusive com o slogan "Constituinte com Getúlio".

32 Acordo Militar Brasil-Estados Unidos. estabelecendo o fornecimento de material

norte-americano para o Exército brasileiro em troca de minerais estratégicos. foi assi-

nado em 15 de março de 1952. Vigorou sem provocar grande polêmica até 1977.

quando o governo Geisel protestou contra a vinculação. estabelecida pelo governo do

presidente Jimmy Carter, da ajuda militar norte-americana à averiguação da situação

dos direitos humanos no Brasil. O acordo foi denunciado pelo governo brasileiro em

11 de março de 1977. #

Realizou-se um comício no dia 3 de outubro, e aí Getúlio se tornou mais explícito na pretensão de ficar no poder. Aos poucos foi se for- mando um consenso de que não se podia tolerar esse movimento. Era preciso que Getúlio cumprisse a palavra empenhada.

Uma ocasião correu a notícia, que o Álcio teve de fonte segu- ra, de que os generais que eram contra o queremismo iam ser pre- sos. Começou-se então a tomar medidas preventivas para evitar a prisão dos generais, e também a articular o movimento contra, inclu- sive com os escalões abaixo dos generais, na tropa, para uma even- tual reação. A crise manifestou-se no dia 29 de outubro. João Alber- to, que era chefe de polícia, queria ser prefeito do Rio de Janeiro. Foi exonerado da chefia de polícia, e em seu lugar foi nomeado Ben- jamim Vargas, irmão do Getúlio, que passaria a dispor de toda a po- lícia do Rio. A nomeação do "Bejo" provocou grande reação nas For- ças Armadas, convencidas de que, agora, Getúlio e seus adeptos iam partir para a ofensiva. Em certo momento o general Cordeiro foi mandado falar com Getúlio no Catete. Cordeiro era amigo do Ge- túlio, foi lá e o convenceu a renunciar. Deram-se a ele todas as ga- rantias pessoais: poderia ir para o Rio Grande, para São Borja, com todos os seus familiares. Naquela ocasião, a favor de Getúlio es- tava apenas o comandante da Vila Militar, general Renato Paquet, que não teve o apoio necessário para atuar. Fez-se a deposição, e a Polícia Militar, que era comandada pelo general Denys, também não reagiu. Getúlio ficou sozinho.

O cerco ao palácio Guanabara foi comandado pelo general Ál- cio Souto, mas quem fez a operação militar foi o coronel José Ulhoa Cintra, enteado do Dutra, que comandava um batalhão de in- fantaria blindada. Essa tropa é que, no final, cercou o Guanabara. Ajudei muito, no dia 29 de outubro, no deslocamento de unidades para o centro do Rio. Acompanhei o Cintra nas operações, durante toda a noite de 29 para 30. Primeiro ocupamos a Cinelândia, de- pois fomos para o Catete e do Catete para o Guanabara. Cheguei em casa de manhâ rouco, afônico, depois de uma noite fria no sere- no. Eu me entendia pelo telefone com o general Álcio, que estava adoentado no Quartel-General, e o informava dos nossos desloca- mentos até chegarmos ao palácio. Nossa primeira preocupação era relativa ao Corpo de Bombeiros, com seu quartel junto à praça da República, comandado pelo coronel Aristarco Pessoa, irmão de José Pessoa e João Pessoa, pois não sabíamos qual seria sua reação. #



<96 ERNESTO GEISEL>

Os senhores contavam com a possibilidade de reação?

Sim, poderia haver reação. Principalmente na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros. Na Vila Militar era pouco provável, pois, co- mo disse, o general Paquet não contava com a tropa para se opor ao movimento. Havia um trabalho na tropa a favor e contra Getúlio, mas a ação do Góes, do Dutra, do Álcio e de outros chefes era pre- ponderante. Não se admitia que as candidaturas presidenciais de dois chefes militares, a do general Dutra, ministro do Exército, e a do brigadeiro Eduardo Gomes, fossem menosprezadas, para que Ge- túlio continuasse na presidência da República após 15 anos de poder.

Além disso, a FEB havia voltado da guerra na Europa e mui- tos de seus integrantes achavam que, inclusive por coerência, era ne- cessário acabar com a ditadura no Brasil. Também o general Góes voltou do Uruguai declarando que tinha vindo para "acabar com o Estado Novo". Tudo isso foi importante, mas o principal eram as candidaturas militares. A candidatura do Dutra fora ajustada com Getúlio, inclusive para se opor à do Eduardo. Dutra não era muito benquisto no Exército, mas era um chefe, e um chefe respeitado. E, no meio militar, o espírito de classe é muito forte.

Nesse episódio, acho que Getúlio jogou na aventura, foi mal in- formado. Na realidade, não tinha meios para reagir. Achava que não ia haver movimento, e que a nomeação do "Bejo" iria ser absorvida. Getúlio sempre manobrava, tendo como aliado o tempo. Era muito flexível, muito plástico, sempre se acomodava. Na própria Revolu- ção de 30, como já disse, ele hesitou muito. O homem da Revo- lução de 30 no Rio Grande do Sul, o grande conspirador, volto a di- zer, foi Osvaldo Aranha, enquanto Getúlio marombava. Ora era a fa- vor, ora não era... Não nego ao Getúlio muitas qualidades. Sem dúvida ele as tinha. Mas na questão pessoal sempre procurava se acomodar contando com a inércia e a desunião dos outros, tendo como aliado o fator tempo. Jogou muito com a desunião dos outros para se aguentar, se manter no poder. O pior é a ação do entoura- ge, a ação dos que cercam o poder com insinuações e seduções do teor: "O senhor tem que ficar, o senhor é o maior homem do mun- do, se o senhor sair como é que o país vai ficar?" O endeusamento do homem que está no poder é muito grande, e nem todos os gover- nantes a ele resistem.

Nós concordávamos que aquele entourage era oportunista e não confiávamos. Eles se investiam de representantes da classe tra- #

balhadora, mas na realidade muitos eram parasitas, explorando a própria classe trabalhadora. Esses líderes trabalhistas faziam pro- messas mirabolantes aos trabalhadores, que não podiam ser cumpri- das, e se aproveitavam da situação. Acho que até hoje em dia isso acontece. Não mudou muito.



Houve algum entendimento para expulsar Getúlio do país?

Nunca soube disso. Sei que o Cordeiro, que era amigo do Ge- túlio, foi lá, convenceu-o a renunciar e, em nome do Góes e do Du- tra, deu-lhe certas garantias, inclusive a de ir para São Borja. Não acredito que houvesse a idéia de expulsão, nem ninguém pensou em prender Getúlio. Ele ficou isolado no palácio Guanabara: ninguém lhe deu ordem de prisão, nem o confinou. Tanto que ele pôde arru- mar suas malas, pegar o avião e ir para São Borja. Apesar de tudo, havia respeito pela sua pessoa. Ele não foi humilhado, ninguém fez nada pessoalmente contra ele.

Houve uma história sobre a qual o secretário do Getúlio, Luís Vergara, nas suas memórias,33 faz um relato falso. Havia uma infor- mação, no dia seguinte ao da deposição, de que estava entrando e saindo gente do palácio, de que havia gente tramando, e o Álcio re- solveu ir lá, para ver o que havia e tomar medidas se fosse o caso. Fomos, com ele, eu e o Cintra. Getúlio apareceu, com o rosto carre- gado, o semblante sério, e o Álcio conversou com ele. Conversaram educadamente, pois eram conhecidos e tinham boas relações. Verga- ra em suas memórias diz que Getúlio, na conversa, muito tensa, maltratou o general Álcio e que este se humilhou. Posso afirmar que é mentira, pois assisti a tudo. Foi, como disse, uma conversa tensa, mas educada e relativamente cordial. E sem nenhum excesso de lado a lado. Álcio disse que foi lá verificar o que havia, como é que estava o palácio. Via que não havia nada, que estava tudo nor- mal. Getúlio disse que estava se preparando para viajar.

Em tudo isso, Góes foi uma figura importante. Foi quem arti- culou muita coisa. Mas não ficou satisfeito com a solução final. Re- solveram escolher José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, para dirigir o país como presidente até as eleições. Foi uma proposta do Eduardo Gomes, que o Dutra aceitou. Góes, segundo

33 Vergara, Luís. Fui secretário de Getúlio Vargas. Porto Alegre, Globo, 1960. #

<98 ERNESTO GEISEL>

consta, pretendia ser o presidente interino. Afastou-se do ministério, foi para Petrópolis e passou lá todo o período do Linhares.

Como os militares se dividiam em relação às candidaturas Dutra e Eduardo Gomes?

Uns, como eu, estavam com Eduardo, outros com Dutra. Eduar- do tinha raízes na Revolução de 22, na revolta do Forte de Copaca- bana, era um revolucionário histórico. A ala mais revolucionária esta- va com ele. Creio que o próprio Cordeiro era Eduardo. Dutra não ti- nha sido revolucionário, Álcio também não. Góes só foi revolucionário a partir de 30. Esses e muitos outros eram Dutra. A divisão entre as duas candidaturas, em parte, ainda se prendia à Revolução de 30. Houve também muita gente que foi revolucionária e apoiou Dutra, e outros que não foram e apoiaram o Eduardo, mas, no fundo, a sepa- ração entre as duas candidaturas se prendia ainda ao período das re- voluções.

Eduardo também era muito rígido, não tinha flexibilidade. Hoje em dia estou convencido de que não teria sido um bom presi- dente, por causa da sua personalidade: solteirão, católico praticante e rígido. #

6 - Os militares, a política

e a democracia

Quais foram suas impressões do governo Dutra?

Dutra foi um governante que manteve a tranqüilidade dentro do país, teve atitudes positivas, fechou o Partido Comunista, mas seu governo foi relativamente medíocre. Era o governo da legalida- de, daquela história que se conta, que o Dutra sempre consultava o "livrinho", a Constituição. Mas ele fez uma coisa que considero incrí- vel num país como o nosso. O Brasil tinha acumulado, com as ex- portaçôes feitas durante a guerra, grandes reservas de divisas. Tí- nhamos créditos e grandes saldos na Inglaterra e em alguns outros países. Dutra liquidou essas divisas! Comprou o ferro-velho dos in- gleses, a Leopoldina e outras estradas de ferro que não deviam va- ler mais nada. O resto ele consumiu em importações de toda nature- za, sem benefício para o país. Foi a época em que o Brasil ficou co- nhecido como "o país dos Cadillacs". Dutra podia ter empregado nossas divisas na compra de coisas de que o país realmente necessi- tava, mas comprou apenas alguns navios petroleiros de pequena to- nelagem que só serviam para o transporte de petróleo na lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. No fim do governo, ele acordou e fez #

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o Plano Salte.34 Do ponto de vista do desenvolvimento, seu governo foi ruim. Mas manteve a ordem, a paz e a tranqüilidade dentro do país e assegurou a liberdade da eleição do Getúlio em 50, embora os dois não se entendessem mais.

No início do governo Dutra o senhor estava na Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Como foi essa experiência?

O Conselho de Segurança Nacional era um órgão de assessora- mento do presidente da República nos assuntos relacionados com a segurança nacional, que funcionava junto à própria Presidência. Os ministros participavam do Conselho, mas em questões de natureza es- pecífica ele podia funcionar apenas com a presença daqueles direta- mente interessados na matéria. Dispunha de uma Secretaria Geral, di- rigida pelo secretário-geral do Conselho, que era o chefe do Gabinete Militar da Presidência, de um gabinete, de várias seções especializa- das, e da Comissão da Faixa de Fronteira. Era servido por oficiais de estado-maior das três Forças Armadas, e por civis especializados. Era secretário-geral, naquela época, o general Álcio Souto. Eu era major e integrava uma das seções.

Havia muitos problemas no país por essa época: reconstitucio- nalização, eleições de governadores nos estados... Havia questões no Rio Grande do Sul e principalmente em Pernambuco. Fiz duas ou três viagens a Pernambuco, onde o interventor federal tinha um sé- rio desentendimento com o general comandante da região militar.35 Eu ia conversar com os dois, para ter uma visão perfeita das diver- gências que alimentavam e verificar seus fundamentos para poder concluir e opinar. De volta ao palácio com minhas informações, o presidente Dutra, depois do meu relatório verbal, virava-se para mim e dizia: "Agora o senhor escreva isso". Queria o relatório por escrito, não somente para o arquivo, mas também para fixar minha

34... Plano Salte das primeiras letras de saúde, alimento, transporte e energia) foi apresentado ao Congresso por mensagem presidencial em maio de 1948 e só foi apro- vado dois anos depois,. embora representasse o programa a ser executado de 1949 a 1953. 35 Com o fim do Estado Novo, Pernambuco viveu um período de instabilidade políti- ca. Até a posse de Barbosa Lima Sobrinho como governador eleito em janeiro de 1948, o estado teve quatro interventores. #



responsabilidade. Na última vez que fui a Recife, o presidente e o ge- neral Álcio estavam em Petrópolis. Era verão, eu ia entrar em férias e pretendia ir num avião da FAB para Porto Alegre, com a dona Lucy. Um telefonema de Petrópolis do general Álcio pôs o presidente na linha: O senhor vá a Pernambuco porque há novas divergências entre o general comandante da região e o interventor. O senhor vá lá examinar o assunto". Telefonei para a Lucy: "Olha, Lucy desarru- ma a mala que eu não vou mais. . . " Ela ficou zangada: "Estão te ex- plorando!"

Fui para Pernambuco. A crise entre o general e o interventor era uma coisa extremada, uma verdadeira briga, inclusive com cóce- gas de prestígio e de mando - uma situação intolerável. Era a épo- ca em que eram candidatos a governador Cleto Campelo, pela UDN, e Barbosa Lima, pelo PSD. Quando voltei fui a Petrópolis conversar com o general Álcio e depois com o presidente Dutra. Resultado: o presidente mandou chamar o general Canrobert, que era o ministro da Guerra, e o ministro da Justiça, para exonerar os dois: o inter- ventor e o general comandante da região. Eram inconciliáveis, e a divergência estava criando um clima de desassossego na área.

Houve alguma participação do Conselho de Segurança Nacional no fechamento do Partido Comunista?

No que se refere ao Partido Comunista, houve várias perturba- ções populares no Rio que o Conselho controlou. Quem lutou muito para extinguir o Partido Comunista foi o general Álcio, que era um radical nessa questão. Quando o presidente fechou o partido, Pres- tes e vários outros comunistas eram parlamentares e tiveram seus mandatos cassados.36

De um modo geral, os militares queriam o fechamento do Par- tido Comunista. Era a repercussão da Revolução de 35. A posição da Rússia na guerra, praticamente como aliada do Brasil, favoreceu a expansão do Partido Comunista, que cresceu muito, inclusive du-

36 Nas eleições de dezembro de 1945, o PCB elegeu, para a Assembléia Nacional Constituinte, 14 deputados e um senador (Prestes). Seu candidato presidencial Iedo Fiúza obteve 10% dos votos contra 55% do general Eurico Dutra. O partido teve seu registro cancelado em 10 de maio de 1947, e os mandatos de seus representantes fo- ram cassados em 7 de janeiro de 1948. #

<102 ERNESTO GEISEL>

rante o "queremismo" e a candidatura presidencial do engenheiro Fiúza. Em 1945 Getúlio anistiou os comunistas de 35, soltou o Pres- tes, e os dois apareceram juntos num comício. No Congresso, como senador, Prestes declarou que numa guerra entre o Brasil e a União Soviética combateria ao lado das forças soviéticas. E a reação a tu- do isso foi radical.

O Conselho de Segurança se interessava por questões da Consti- tuínte?

Não discutíamos no Conselho o que lá se passava. Preocupa- vam-nos, apenas, a saída da ditadura e a reconstitucionalização do país. O que se debatia lá na Constituinte não nos motivava. Tomáva- mos conhecimento apenas pelos jornais. Tampouco participávamos da organização partidária. Eu era essencialmente militar, não me preocupava com isso. Também não me interessei pela questão do pe- tróleo. Houve debates no Clube Militar a esse respeito com o general Horta Barbosa e outros, mas não participei de nenhum. Na época existia o Conselho Nacional do Petróleo, cuja criação foi patrocinada pelo general Góes, considerando as dificuldades de abastecimento desse combustível durante a guerra. Depois, o próprio General Góes criticava o Conselho do Petróleo, achando que era inoperante... Eu não me envolvia em assuntos políticos e outros que não fossem de natureza militar, mas sei que havia muita radicalização, principalmen- te em torno do petróleo.37

Em 1947 o senhor deixou o Conselho de Segurança e foi ser adi- do militar no Uruguai.

Sim. Em abril de 1947, o general Álcio me disse: "Arrume a sua mala, para ser adido militar no Uruguai". Tirei minhas férias e depois fui ser adido em Montevidéu, onde passei dois anos e meio com minha família.

37 O Conselho Nacional do Petróleo foi criado em 29 de abril de 1938. recebendo am- plos poderes para controlar as atividades ligadas à produção, ao refino e à comercia- lização do petróleo. Em fevereiro de 1947, o presidente Dutra designou uma comis- são, sob sua direção, para elaborar o Estatuto do Petróleo. Aberta a discussão sobre a participação do capital estrangeiro na indústria petrolífera, tomou corpo uma rea- ção nacionalista que produziu conferências e debates no Clube Militar. Foi essa a ori- gem da campanha "O petróleo é nosso", em meio à qual foi criada a Petrobras. #

Esse posto era considerado um prêmio?

Em parte, sim. Os adidos são selecionados às vezes em fun- ção de relações com chefes, outras vezes em razão do mérito mili- tar. Em qualquer caso, são oficiais destacados entre seus pares e que, antes de partir para as novas funções, fazem um estágio de adaptação e são obrigados a apresentar um trabalho escrito sobre te- ma militar relativo ao país para o qual foram nomeados.

De modo geral, a nomeação era um reconhecimento das quali- dades do militar para desempenhar essa função. Aí entravam as suas performances dentro do Exército, o que ele tinha produzido, o que tinha realizado, sua conduta. Outro argumento era a constitui- ção da família, por causa da representação social. Hoje em dia pare- ce que há critérios fixados para a escolha, mas o relacionamento pessoal continua a ter grande peso. fui adido por influência do gene- ral Álcio, senão não teria sido, naquela ocasião. Quando ele me indi- cou, argumentei que podia continuar na Secretaria do Conselho de Segurança, que tinha ainda muito tempo no Exército para ser adi- do, ao que ele me respondeu: "Não, você agora tem empresário, futu- ramente pode não ter" - o empresário era ele. Possivelmente já es- tava sofrendo da doença de que veio a falecer.

O Uruguai naquela época não tinha nenhuma relevância mili- tar para nós. Era importante por causa do Perón. Os uruguaios, que eram governados pelo Partido Colorado, viviam preocupados com o Perón, e ali tínhamos mais possibilidades de obter informa- ções sobre a situação na Argentina do que o adido que estava em Buenos Aires. Muitas informações sobre a Argentina eu recebia atra- vés de uruguaios, dependendo do grau de confiança e de relaciona- mento que tinham comigo.

A vida de adido no Uruguai era movimentada. O país era mui- to interessante e seu povo era hospitaleiro. Viviam uma fase de apo- geu, com comércio livre, muita importação. Era o país da liberdade, e ainda estava sob a influência do estadista Battle, que queria fazer do Uruguai a Suíça da América. A vida social era intensa. Havia dias em que éramos convidados para um almoço, um coquetel e, por fim, um jantar. Eles eram muito impontuais. Uma vez fui convi- dado para um jantar que seria às nove horas da noite, e quando cheguei com a Lucy fui recebido por alguém que me disse que a se- nhora da casa ainda estava na cidade fazendo compras. O jantar co- meçou a ser servido às 22 horas. Houve um almoço na embaixada,

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<104 ERNESTO GEISEL>

em que a principal convidada era uma senhora da alta sociedade, que só chegou às três horas da tarde. E o almoço estava marcado para meio-dia e meia. . . A impontualidade era a regra e eu era uma vítima, porque sempre fui pontual. Mas era uma boa gente, e nos re- lacionamos muito bem.

Eu trabalhava de manhã e de tarde. Lá só tínhamos um adido residente que era eu, e por isso meu relacionamento era não só com o Exército, mas também com a Marinha e com a Aeronáutica. Nós, adidos de vários países que lá serviam, aliviávamos os nossos problemas, inclusive do ponto de vista financeiro, criando uma asso- ciação dos adidos - os americanos, os argentinos, o mexicano, eu e outros mais. Geralmente, quando dávamos uma recepção, o fazía- mos em conjunto. Quando oferecíamos um almoço, também. Com isso conseguíamos equilibrar os nossos orçamentos. O salário era bom, mas variável em função do país onde servíamos. Era pago em dólar e englobava a representação. O dólar daquele tempo era muito mais valorizado do que o de agora. Eu ganhava 1.600 dólares por mês. Mas era dinheiro!


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