História Revisada pelas Revisoras da Romances Sobrenaturais



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— Aqui está bem. — Morded soltou o braço de Allegra e se afastou um pouco, tirando a espada da bainha.

No mesmo instante, Desmond colocou Hamish no chão. De imediato, o menino cambaleou até Allegra e caiu chorando em seus braços.

Ela o abraçou e beijou-lhe a têmpora.

— Você precisa ser corajoso, querido.

— Estou com medo. — Ele abraçou-a pelo pescoço e escondeu o rosto em seu ombro. — Por que os primos do meu pai iriam querer nos fazer mal?

— Por que, fedelho? — A voz cortante de Mordred fez com ambos levantassem os olhos. — Eu lhe direi por que. Desmond e eu temos partilhado das migalhas de seu pai durante a vida inteira.

A seu lado, o irmão assentiu com um gesto de cabeça. Ocorreu a Allegra que Desmond aceitava todas as ordens do irmão mais velho. Na verdade, perguntou-se se o gigante já tivera um único pensamento que não fosse direcionado por Mordred.

— Por que Merrick MacAndrew deve morar num grandioso castelo, enquanto nossa própria cabana permaneceu em ruínas? — Mordred falava entre dentes agora, a raiva contorcendo-lhe o rosto. — E por que, uma vez que todos nós começamos como aprendizes de guerreiros juntos, ele deveria ter sido nomeado lorde em vez de nós?

Allegra arregalou os olhos.

— Estou entendendo. Então, é inveja e ciúme que movem você. Por que acha que o povo de Berkshire escolheu Merrick como seu lorde?

— Por que o pai foi o lorde também, o senhor destas terras e do castelo antes dele.

— Não, Mordred. Esse é o costume dos ingleses. Mas aqui na Escócia, o título de lorde não pode ser herdado. Aqui, cada homem deve conquistar a sua própria recompensa. E seu póprio respeito. — Ela se virou para o menino. — Lembre-se disto, Hamish. As pessoas perceberam em seu pai a habilidade para liderar, para apoiá-las nos momentos bons e ruins. O título de lorde é uma honra que lhe foi concedida não apenas por sua invencibilidade como guerreiro, mas também por sua bondade e justiça como líder.

— E quanto aos primos do meu pai? — perguntou o menino num tom baixo. —Por que não puderam ser lordes?

— Por que eram indignos disso. Como pode ver, ambos são possuídos pelo mal.

— Você ousa nos acusar de estarmos envolvidos com o mal, feiticeira? — Mordred avançou na direção dela e ergueu a mão, esbofeteando-a com tanta força que a cabeça pendeu bruscamente para o lado e estrelas dançaram diante de seus olhos.

— Não a machuque! — Em sua angústia, Hamish esqueceu-se de seus medos e segurou a mão de Mordred antes de poder esbofeteá-la novamente.

Alarmado, Desmond tirou uma daga da cintura e ergueu-a acima do menino.

— Não, Desmond. — Mordred ergueu a mão para deter o irmão antes de poder levar adiante sua intenção. — Precisamos deles vivos por um pouco mais de tempo.

— A feiticeira disse que temos o mal dentro de nós.

Mordred soltou uma gargalhada.

— Ora, e temos! — Meneou a cabeça com ar satisfeito enquanto o irmão devolvia a adaga à cinta. Como vê,a feiticeira e o garoto são apenas a isca para apanhamos nosso verdadeiro inimigo, para atraí-lo até aqui, onde estará indefeso. Quando tivermos acabado com nosso primo, eu darei a você o prazer de matar esses dois. — Lançou um olhar a Allegra, que estreitara Hamish em seus braços. — Meu irmão gosta de matar. Não é mesmo, Desmond?

O homem mais novo meneou a cabeça.

— Mordred costumava me deixar matar animais, apenas pelo prazer que isso me dava.

Allegra sentiu um calafrio percorrendo-a e foi como se tentáculos de gelo se fechassem em torno de seu coração.

— Eu o ensinei a caçar para que ele pudesse apreciar o esporte de matar. — Mordred levantou os olhos e, então, meneou a cabeça na direção da colina na distância.— Está vendo? Nossa presa mais recente está quase chegando aqui, Desmond. Então, a caçada terá realmente terminado.


Merrick correu pelo jardim, indo para além do campo onde Allegra e Hamish haviam feito sua horta de ervas. A cerca trançada, feita tão cuidadosamente com gravetos e galhos tenros de árvores, era uma chocante lembrança do amor que fora dedicado àquele lugar.

Amor. Seu coração ficou apertado pela dor diante do pensamento. Teria dado sua vida de bom grado pela do seu filho. E o mesmo era verdade em relação à bondosa feiticeira. Amava-a como nunca julgara possível amar alguém. E por sua causa, a vida dela, que antes fora idílica, poderia agora talvez terminar em violência.O pensamento o fazia correr pelo campo de urzes até que seus pulmões queimassem com o esforço. Quando subiu a colina que dava para a pradaria, viu as figuras familiares na distância e avançou naquela direção, nos lábios uma prece para não estar chegando tarde demais.

— Então, primo, você encontrou nossa mensagem.

Mordred e Desmond formavam uma frente unida, as armas de prontidão enquanto Merrick parava abruptamente

— Allegra, Hamish. — Olhou para além dos homens, até onde ela estava segurando o menino nos braços. — Eu vi sangue. Você foi ferida?

Allegra sacudiu a cabeça.

— Não foi nada sério. Foi apenas um pequeno corte.

Mordred avançou

— Largue sua espada, primo. Ou meu irmão cortará a garganta de seu filho.

— Não, Merrick. Não fique indefeso — gritou Allegra no meio do pesado silêncio que se abatera sobre a pradaria. Não havia uma simples brisa sequer, as urzes permanecendo imóveis sob o sol. — Não se renda, pois, não importando o que você faça, eles pretendem nos matar.

As palavras suplicantes, porém, foram ignoradas por completo, enquanto Merrick atirava sua espada longe.

— Façam comigo o que quiserem — declarou num tom firme, digno de um guerreiro. — Mas eu lhes imploro que poupem esses inocentes.

— E deixar que os dois contem aos aldeões o que nós fizemos aqui? — Mordred jogou a cabeça para trás e soltou um riso de escárnio. — Só se eu fosse um grande tolo. Vocês todos terão que morrer neste dia, primo.

Com toda a força, desfechou um golpe de sua espada, e Merrick desviou-se para o lado, livrando-se do impacto total. Assim mesmo, a lâmina da espada atingiu-o no ombro, fazendo-o cerrar os dentes diante da dor lancinante, enquanto o primo se aproximava mais e soltava cruelmente a ponta da espada que ficara cravada na carne.

Hamish gritou quando viu o pai caindo de joelhos, o sangue fluindo em profusão de seu ferimento.

— Você não se sairá tão bem com meu irmão, pois sua pontaria é certeira. — Mordred fez um gesto para que Desmond atacasse. — Agora, você poderá obter o seu prazer, caro irmão.

O brutamontes avançou na direção de Merrick, erguendo a espada.

Enquanto Merrick se esforçava para enfrentar seu oponente da melhor maneira que conseguisse, Allegra concentrou toda a energia até que o cabo da espada começou a brilhar feito o sol. Com um grito de dor, Desmond largou sua arma antes de segurar a mão queimada de encontro ao peito.

Mordred tocou o ombro do irmão.

— O que foi, Desmond?

O homem mais novo olhou ao redor freneticamente.

— Deve ter sido a feiticeira. Ela usou sua magia contra mim. Mate-a depressa, antes que enfeitice a nós dois.

Mordred soltou um riso cheio de frieza.

— Não se preocupe, meu irmão. Antes de termos terminado com a feiticeira, ela nos implorará para a matarmos. Como fará também seu amante.

Ele agarrou-lhe um punhado de cabelos ruivos e puxou-a para mais perto de si.

— Mas, primeiro, nós a faremos observar seu amante morrer, bem lentamente.

— Soltem a mulher. — Apesar da dor que o consumia, Merrick se levantou com esforço e avançou na direção dos primos.

— Detenha-o, Desmond! — Ordenou Mordred.

Diante do comando, o homem mais novo tirou habilmente a adaga que levava na cinta e atirou-a, observando enquanto a lâmina se fincava com um baque surdo no peito de Merrick. Enquanto a cor se esvaía aos poucos de seu rosto, Merrick fechou as mãos em torno do cabo da adaga, enterrada em sua carne, mas a dor foi forte demais para suportar. Com uma expressão de surpresa mesclada a agonia, caiu de joelhos.

— Agora, feiticeira. — Mordred observou com um sorriso triunfante nos lábios, enquanto Merrick lutava pela própria vida. — Antes que a morte leve meu querido primo, Desmond e eu mostraremos a você o que fizemos com as adoráveis jovens que foram arrancadas ontem à noite de suas camas pelo fogo que ateamos. Embora isso vá nos dar imenso prazer, com certeza vai aumentar a dor de Merrick consideravelmente. Quero que meu primo morra vendo a mulher que ama sendo humilhada nas mãos de quem ele confiou tanto.

O toque daqueles homens vis causou repulsa em Allegra. Mas, embora ouvisse vagamente os risos zombeteiros enquanto os dois irmãos começavam a rasgar suas roupas, a única coisa que parecia penetrar em sua consciência eram os soluços do menino que se ajoelhara na relva e segurava as mãos do pai com força. Soube, naquele instante, que faria o que fosse necessário para salvar a todos eles daqueles homens insanos. Mesmo que fosse obrigada a pagar o maior preço de todos.

Mara aproximou-se correndo. Enquanto se esforçava para recobrar o fôlego, olhou para Merrick caído no chão.

— Ele está morto, então?

— Não. — Mordred riu. — Mas muito em breve. Estamos prestes a aumentar-lhe a dor.

Allegra usou aquele momento de distação para ordenar seus pensamentos. Estava enfrentando o inimigo, parecendo altiva em nada mais do que um vestido em farrapos que, apesar de, rasgado, ainda estava atado pelas fitas em ambos os punhos, mostrando trechos de pele mal coberta por uma delicada combinação e anágua.

— Diga-me, Mordred — perguntou ela. — O que você fará quando estivermos todos mortos?

— Eu serei o lorde. — Ele fez um gesto amplo e grandioso com a mão. — E tudo isso me pertencerá.

Allegra lançou um olhar a Mara.

— Você prometeu torná-la a sua dama?

— Sim — vangloriou-se a criada. — E eu terei todos os belos vestidos que eram seus.

— Tola. — Mordred ergueu a mão num gesto brusco, esbofeteando Mara com força o bastante para fazê-la cair de joelhos. — Você realmente achou que eu tomaria uma reles criada como a senhora do castelo?

A jovem passou a mão pela boca e olhou para o sangue em aturdimento

— Você prometeu. Eu matei meus pais por você, a fim de ser convidada para morar no castelo e ganhar a confiança do lorde e de sua família. Ajudei você a matar a esposa dele, depois de ter-lhe confundido a mente com minhas poções. E fiz o mesmo com o menino.

— Você fez um ótimo trabalho, Mara. Ganhou sua recompensa. — Sem um único sinal de emoção, Mordred posicionou o braço e enterrou a espada no peito dela. Depois, retirou a lâmina ensanguentada calmamente e atirou a espada num amontoado de urzes a seus pés.

Ignorando o choro assustado e os soluços de Hamish, Mordred virou-se para Allegra com uma expressão perversa.

— Você não terá tanta sorte, feiticeira. Em vez de uma morte rápida como a dela, eu me certificarei de que você sofra primeiro,

Ela continuou encarando-o sem vacilar.

— E quanto a seu irmão? Que papel ele desempenhará no seu reinado? Ou você será forçado a matá-lo também, para que não haja necessidade de repartir as recompensas de seus feitos malignos?

Desmond arqueou as sobrancelhas espessas. Ficou evidente que o bruto nunca pensara a respeito do próprio futuro. Virou-se para o irmão.

— Como você responde à feiticeira?

— Não tem, Desmond. Você será meu braço direito, o comandante dos meus exércitos, e partilhará comigo de toda a riqueza e conforto do Castelo de Berkshire.

Desmond falou com a voz petulante de uma criança:

— Mas eu não serei o lorde.

— É claro que não. Eu sou o mais velho. Além do mais, você jamais teria pensado em tudo isso sozinho. Sem mim, você ainda estaria vivendo naquele casabre na floresta.

— Eu adorava aquela cabana. — Os olhos vazios de Desmond iluminaram-se com a lembrança. — Você se lembra de como nossa mãe nos deu as boas vindas em casa, quando voltamos da nossa primeira batalha, com biscoitos frescos e vinho quente? E como chorou conosco pela perda do nosso pai?

— Sim. E teria nos consolado durante o rigioroso inverno com seus abraços e beijos, até que nós estivéssemos gelados e quase famintos, se eu não tivesse encontrado uma solução melhor.

— Uma solução melhor? — Desmond olhou com ar confuso para o irmão. — Eu não entendo.

— Você jamais entendeu. Sempre coube a mim descobrir um meio de sobrevivermos. Eu sabia que a mãe de Merrick se compadecia de todos aqueles que eram órfãos, que os acolhia. E foi o que fez conosco, quando nossa pobre mãe encontrou sua... morte rematura.

Allegra olhou para o homem estupefata, incrédula. Embora sabendo que era um assassino frio e sanguinário, aquilo ia além do qualquer coisa que pudesse ter imaginado.

— Está dizendo que matou sua própria mãe, Mordred, a fim de viver no Castelo de Berkshire?

— E por que não? Eu a poupei de acabar morrendo lentamente de fome.

— Ora, Merrick e a mãe jamais teriam deixado uma coisa dessas acontecer! É evidente que teriam ajudado vocês acima de tudo. Eram sua família.

Novamente o sorriso de escárnio no rosto perverso de Mordred.

— E você acha que eu teria apreciado viver de simples esmolas quando poderia ter muito mais? O fato é que, exatamente como calculei, eu e meu irmão logo passamos a viver como lordes no castelo.

Mordred ria quando um transtornado Desmond avançou para cima dele e, com um grito gutural de agonia, desfechou-lhe um soco em cheio no rosto.

— Não! Não a nossa mãe! Ela nos amava. Amava a mim especialmente, como ninguém nunca amou.

— Sim. — Chocado e furioso, Mordred limpou o sangue que escorria do seu nariz. — Nossa mãe foi a única mulher que poderia ter amado você, seu tolo.

Antes de poder dizer mais, Desmond tornou a vançar, empurrando-o para trás com tanta força que ele caiu de costas em meio às urzes. No instante seguinte, o homem de inteligência curta estava sobre o irmão mais velho, atacando-o feito um cão raivoso, espancando-o até deixá-o quase sem sentidos.

Sem aviso, Desmond sentiu o golpe repentino e letal de uma adaga em seu peito, a lâmina enterrada profundamente em seu coração. Por um momento, pareceu aturdido demais para reagir. Então, retesou-se por um segundo antes de cair inerte para a frente.

Mordred afastou o corpo do irmão para o lado e esforçou-se para se levantar, a respiração ofegante, o rosto ensanguentado. Despejou, então, toda a força de sua fúria em Allegra, que usara a distração para correr para o lado de Merrick.

— Desmond era um simplório. Sem a sua interferência, ele teria servido de bom grado a meu lado, atendendo a qualquer propósito que eu definisse. Mas você teve que colocar ideias na cabeça dele. A culpa é sua de eu ter sido forçado a matá-lo. Agora, feiticeira, você paará por isso.

— Não! — Enquanto ele avançava para Allegra, uma voz infantil o deteve

Mordred virou-se com um sorriso desdenhoso.

— O que, Hamish? O nosso pequeno menino covarde encontrou sua coragem?

— Sim. — O menino confrontava-o, o corpo trêmulo enquanto começou a falar, não para Mordred, mas para a visão que pairava por perto. — Eu me lembro agora, mamãe. Eu me lembro de tudo.

Allegra virou-se e viu a bela mulher de cabelos loiros sorrindo para o filho, os braços estendidos como se fosse abraçá-lo.

A voz de Hamish fortaleceu-se.

— Eu me lembro da maneira como Mordred e Desmond entraram no seu quarto depois que Mara obrigou você a engolir a sopa. Lembro-me do som do riso deles quando atiraram você do balcão. Eu me lembrei disso pela primeira vez no dia que estava subindo na árvore no campo. Mara havia me dado um chá para tomar, dizendo que ele me daria asas para voar. Em vez disso, o chá trouxe todas as lembranças de volta quando eu caí, saí correndo de medo. Então, tornei a esquecer novamente. Mas, agora, eu me lembro de novo.

A mulher parecia envolta por um grande halo cintilante enquanto, chorando, ela se aproximou e estreitou o filho nos braços, beijando-o nas faces. Então, virou-se e tocou o ombro de Allegra antes que a luz que a envolvia se tornasse tão intensa que foi impossível continuar olhando para ela.

Allegra cobriu os olhos com a mão e virou-se. Quando ergueu a cabeça, a mulher desaparecera, mas o calor de seu toque permanecia feito uma bênção.

Mordred percorreu o menino com um olhar de menosprezo, seus olhos nefastos não tendo testemunhado a visão que ali pairara.

— Como você poderia saber de tais coisas? Você nem sequer estava lá na noite em que sua mãe morreu.

— Eu estava escondido na passagem secreta. Eu vi e ouvi tudo.

— Então, por que nunca falou sobre isso?

— Tudo foi roubado de minha mente. Mara foi até o meu quarto e me deu uma poção para eu me acalmar. Talvez tenha sido por isso que eu esqueci. Talvez tenha sido quando eu perdi minha coragem também. Qualquer que tenha sido o motivo, eu me lembro de tudo agora. E não tenho mais medo de você. Você matou minha mãe. — Hamish correu para cima dele. — Mas não tornará a matar.

Mordred esticou o braço para detê-lo. Em vez de parar, o menino enterrou os dentes no braço do homem até que ele soltou um uivo de dor. Quando Mordred conseguiu se desvincilhar, virou-se para apanhar a espada, apenas para já encontrar Allegra lá, segurando-a em suas mãos.

Um sorriso zombeteiro curvou-lhe os lábios.

— O que fará com isso, feiticeira? Você mal é grande o bastante para conseguir segurar a espada com ambas as mãos. Como pretende manuseá-la como arma?

— Você tem razão é claro. — Allegra atirou a espada de lado e permaneceu encarando-o. — Não tenho necessidade de uma arma tão fraca. Você está cheio de mal dentro de si, e há apenas uma força mais poderosa do que isso.

— E você se julga mais forte do que eu, feiticeira? — Mordred avançou para ela e ficou atônito quando suas mãos se recusaram a se fechar. Seus dedos estavam tão pesados que mal conseguia movê-los. As pernas também não se mexiam. Permaneceu imóvel no lugar, enquanto Allegra erguia os braços e começava a entoar um canto.

Sua voz soou com um timbre assustador, que fez Mordred ficar completamente imobilizado. Até mesmo a pradaria pareceu congelada no tempo. Não se ouvia o som dos insetos, nem o canto dos pássaros. Nem mesmo um sopro de brisa agitava as urzes.

— Oh, Poderoso, estenda sua mão. Remova esse mal da nossa terra.

Embora não houvesse uma única nuvem no alto, um raio fulminante desceu do céu, derrubando Mordred no chão. Ele ficou caído lá, contorcendo-se e gemendo enquanto sua carne e, depois seus ossos, começaram a queimar lentamente, até que não restou mais nada dele exceto uma pequena nuvem de fumaça escura e acre. Finalmente, ouviu-se o estrondo de um trovão que ecoou nas colinas. Enquanto o som foi sumindo, a fumaça dissipou-se.

O uso da magia esgotara Allegra. Precisou de toda a sua energia apenas para cair de joelhos ao lado de Merrick. A ferida aberta em seu peito sangrava em profusão, no chão abaixo dele uma grande poça vermelha. Tinha os olhos fechados, o corpo completamente imóvel.

Hamish segurou as mãos frias do pai e olhou para Allegra com desespero.

— Salve-o, Allegra.

— Se eu pudesse. Oh, Hamish, se ao menos eu pudesse. — Ela permanecia ajoelhada ao lado dele, incapaz de fazer mais do que sacudir a cabeça.

O silêncio foi rompido apenas pelos sons dos soluços convulsivos do menino, enquanto segurava com força o homem que amava mais do que a prória vida.

CAPÍTULO 19

— Por favor, Allegra! — Hamish debruçou-se sobre o corpo imóvel do pai, sem se importar com as lágrimas que caíam copiosamente, misturando-se ao sangue de Merrick. — Faça alguma coisa. Ajude-o!

Havia tanto sangue, pensou Allegra, apreensiva. Precisou de todo seu esforço para tocar a têmpora de Merrick com a ponta dos dedos, buscando alguma ligação com aquele homem que possuía seu coração. Não pôde sentir nada. Nenhuma dor. Nenhuma confusão. Nem pensamento de nenhum tipo. Apenas uma quietude absoluta que a deixou aterrorizada.

Todo seu poder já se esvaíra, quando confontara o maligno Mordred. Estava completamente impotente para salvar o homem que amava.

Desesperada, ergueu o rosto para o céu e gritou:

— Mamãe! Vovó! Oh, por favor, venham. Preciso tanto de vocês.

Hamish observou enquanto o restante de cor pareceu esvair-se do rosto do pai, deixando-o tão pálido e frio como se tivesse sido esculpido em mármore.

— Ele está morto, não está? Exatamente como mamãe.

— Não. — Porque não podia aceitar aquilo, Allegra sacudiu a cabeça. Ele não nos deixou, querido. Apenas... precisa de ajuda para voltar.

— Você é a curandeira. Por que não pode salvá-lo?

— É o que mais quero. Mas não posso salvá-lo sozinha. Se ao menos...

Ele levantou os olhos ao som de uma forte rajada de vento que varreu o campo de urzes, agitando as flores. Duas mulheres, usando vestidos esvoaçantes, tecidos de fios de ouro, apareceram a seu lado.

— Oh. Mamãe. Vovó. — Allegra chorava e ria ao mesmo tempo,enquanto se aproximou mais de ambas e abraçou-as. — Eu tive tanto medo de que vocês não viessem.

— Como poderíamos não ter vindo? Embora tenhamos demorado tanto tempo para vir, não existe distância, nem tempo que poderia nos separar daqueles que nós amamos e que precisam de nossa ajuda. — A voz da mãe dela soou suave feito uma canção de ninar. — Seu coração está pesado demais, minha querida.

— Sim, mamãe. É Merrick.

A mãe ajoelhou-se ao lado do corpo inerte.

— Este é o homem que raptou você de nosso Reino Místico e a trouxe para cá?

— Sim. Seu nome é Merrick MacAndrew.

— E agora ele foi para o grande além, e você está livre para voltar para casa, minha filha.

— Não, mãe. — Allegra ajoelhou-se ao lado da mãe. — Nunca estarei livre de Merrick MacAndrew pois o levarei no meu coração para sempre.

— Em seu coração? — A mãe ergueu a cabeça depressa.

Allegra meneou a cabeça.

— Eu o amo. Se Merrick se foi mesmo, desejo apenas me reunir a ele naquele outro mundo.

Nola olhou por sobre a cabeça da filha para encontrar o olhar significativo da própria mãe.

Com um suspiro, disse:

— Bem, então é assim. Estudou a filha por um momento e depois acrescentou, num tom prático: Não há tempo a perder. Temos de levá-lo ao Reino Místico, onde nosso poder será maior quando reunido ao de suas irmãs.

— Por que elas não vieram? — Allegra virou-se para a avó.

— Os cavalos alados delas não podiam deixar a segurança do nosso reino. E estávamos com pressa demais para transportá-las conosco. Mas não tenha medo. Logo nos reuniremos a elas. Venha. Todos devemos formar um círculo para podermos levar Merrick MacAndrew para nossa casa. — Lançou um olhar ao menino. — O sangue que corre nas veias do garoto é deste homem?

— Sim. Esse é o filho de Merrick, Hamish.

Nola pegou a mão do menino.

— Então, sua força é realmente poderosa, Hamish, pois o sangue que passa de geração a geração é um elo indestrutível. Você deve vir conosco. Mas fique avisado. O que fizermos no nosso reino nos esgotará de todo o poder por algum tempo. Poderia até custar nossas vidas. Está disposto a pagar o preço?

O menino meneou a cabeça.

— Amo meu pai mais do que qualquer coisa no mundo. Até minha própria vida.

Nola apertou-lhe a mão na sua.

— Bem falado, garoto. Venha. Junte-se a nós.

Ela esperou até que todos estivessem de mãos dadas. Então sussurrou:

— Eu clamo pelo poder dos antigos. Guie-nos através dos céus até nossa própria terra segura.

Com as mãos unidas, eles ergueram-se do chão num círculo, com Merrick no centro. Para além de bandos de aves, voaram. Acima de cumes de montanhas, flutuaram. Por sobre nuvens, passaram, olhando para a terra verdejante abaixo, salpicada de vilarejos, grupos de pessoas e rebanhos. E, finalmente, com a leveza das plumas, pousaram numa pradaria viçosa, parecida com a que haviam deixado para trás em Berkshire. Mas aquela era perfumada com a mais exótica das fagrâncias. E, por entre as árvores, esvoaçavam pequeninas fadas, os corpos circundados por halos de luz, as vozes melodiosas e suaves como o soar de delicados sinos.


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