História Revisada pelas Revisoras da Romances Sobrenaturais



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— Allegra. Oh, Allegra! — Duas jovens correram até os braços dela. — Você está em casa, finalmente.

Quando a soltaram, ela virou-se para Hamish.

— Estas são minhas irmãs, Kylia e Gwenellen.

O menino pôde apenas encarar as duas jovens que, embora igualmente bonitas, pareciam bem diferentes de Allegra. Kylia tinha os cabelos negros como o ébano, presos numa grossa trança que lhe passava da cintura fina, e, num incrível contraste, olhos da cor do mel, emoldurados por cílios escuros e espessos. Gwenellen era de compleição pequena e loira, com sedosas mechas douradas que chegavam quase até o chão. Os olhos de intenso azul brilhavam em seu rosto delicado, de ar jovial.

— Não há tempo a perder — disse-lhes Nola. — Para salvarmos a vida desse homem, temos de reunir nossas foras e partilhá-las com ele.

— É o que você deseja, Allegra? — perguntou Kylia.

— Sim. Mais do que tudo no mundo.

Kylia e Gwenellen trocaram um olhar rápido e surpreso antes que a mãe dissesse numa voz gentil.

— Allegra perdeu seu coração para este homem.

— Você o... ama? — Gwenellen parecia nao conseguir assimilar o fato.

— Sim. — A voz de Allegra não passou de um sussurro.

— Então, devemos ajudar. — Kylia pegou rapidamente a mão de cada irmã.

— Venha, Hamish — chamou Nola. — Pois o amor que você partilha com seu pai será o dom mais forte de todos.

Pegando-lhe a mão, ela fez o menino integrar o círculo. As mulheres fecharam os olhos e começaram a cantar numa língua antiga. Hamish observou-as por um momento antes de fechar os própios olhos. O canto pareceu estranhamente familiar. Reconheceu as palavras como aquelas que ouvira quando estivera em seu sono profundo. Então, juntou-se a elas, acrescentando sua voz ao coro.

O tempo pareceu cessar. Eles poderiam ter estado ali por horas, ou durante meros minutos, enquanto pelo dia avançou o crepúsculo, passou da meia-noite e, enfim, a luz do amanhecer penetrou pelas nuvens. Os pássaros despertaram e cantaram, juntando suas vozes ao coro. E, então, tornou-se tarde outra vez, com o céu de um azul intenso e sem nuvens.

De repente o canto cessou e aqueles no círculo abriram os olhos, sentindo-se extremamente fatigados. Enquanto os demais se reuniam em torno de Merrick, Allegra ajoelhou-se ao lado dele e tocou-lhe as têmporas de leve com a ponta dos dedos.

Observando-o fixamente, disse:

— Todos os seus ferimentos estão curados agora, meu amor. Acorde volte para nós.

Hamish ajoelhou-se ao lado dela, notando o ligeiro movimento por detrás das pálpebras fechadas do pai. Quando seus olhos se abriram, o primeiro lampejo de vida que Merrick viu foi o da mulher que o fitava. Havia lágrimas nos olhos verdes dela, embora seus lábios se curvassem num doce sorriso. Então, olhou para o menino logo ao lado. Um menino tão bonito, com cabelos loiros e serenos olhos azuis, cuja a imagem fora gravada para sempre em seu coração.

— Allegra. Hamish. — Sua garganta estava seca, a voz rouca, como se tivesse falado por uma centena de anos. — Pensei que eu havia morrido. — Levou a mão ao peito, mas não havia ferimento, nem mesmo vestígio sequer de dor. — Meu ombro... — Ali também tateou a pele à procura do corte largo e profundo, mas desaparecera.

Lentamente, compreendeu o que acontecera. E, então, abriu um sorriso enquanto tocava a face de Allegra com ternura.

— Minha maravilhosa e linda curandeira. Isto foi graças a você.

Ela sacudiu a cabeça.

— Foi necessário o poder de toda a minha família, reunindo ao de Hamish.

Ele segurou a mão do menino.

— Até você ajudou, meu filho? Não me diga que se tornou um curandeiro agora.

— Sim, pai. A mãe de Allegra disse que precisavam do meu amor para ajudar.

Amor. Uma palavra tão miraculosa.

Merrick olhou para além da cabeça do filho, para o círculo da mulheres a sua volta.

— Essa é a sua família, Allegra?

— Minha mãe, Nola. — A mulher que se ajoelhou ao lado dela parecia-se incrivelmente com Allegra.

— Minha avó, Wilona. — Era igualmente bonita, com longos cabelos grisalhos que reluziam feito fios de prata.

O sorriso de Allegra alargou-se.

— E estas são minhas irmãs, Kylia e Gwenellen.

Merrick sentou-se, surpreso com o fato de não sentir mais dor alguma.

— Como posso lhes agradecer por esta dádiva que me concederam?

Wilona falou por todas.

— Não pedimos retribuição alguma. Os dons que nos foram dados não devem ser usados apenas para o bem e jamais para o mal. Somente lhe pedimos que passe a vida que lhe foi devolvida fazendo somente o bem.

Merrick meneou a cabeça com ar solene.

— Isso, com toda certeza, posso prometer.

— Agora, você desejará comida. — Nola virou-se na direção da cabana na distância. Então, algo lhe ocorreu. — Talvez o menino apreciasse andar em um de nossos cavalos alados enquanto espera sua refeição.

Gwenellen, com seu ar travesso, levou os dedos aos lábios e soltou um assobio. Minutos depois, Hamish arregalou os olhos diante da visão à sua frente. Um cavalo alado, branco como a neve, aproximou-se voando pelo céu e pousou graciosamente na relva alta da pradaria, a poucos centímetros da distância.

— Venha, Hamish. Eu gostaria que você conhecesse meu cavalo, Estrela Brilhante.

Encorajado por Gwenellen, o menino ergueu a mão e afagou o focinho suave do animal.

— Gostaria de montar nele?

Hamish olhou ansiosamente para o pai.

— Oh, por favor, eu posso?

Notando o ar preocupado do pai do menino, Gwenellen disse num tom manso:

— Não há razão para receio. Eu montarei o cavalo junto com o menino e não deixarei que nada de mau lhe aconteça.

Merrick meneou a cabeça com aprovação.

A jovem de cabelos loiros ergueu Hamish até a sela e, então sentou-se atrás dele. Diante de sua ordem sussurrada, o cavalo desdobrou as majestosas asas e elevou-se no ar.

— Veja, pai! — Com um grito de puro entusiasmo, Hamish acenou e, então, soltou um riso deliciado, enquanto o cavalo subia mais e mais, voando em círculos acima.

Merrick levantou-se, protegendo os olhos do sol para observar o filho.

— Ele perdeu seu medo.

— Sim. — Você teria tido orgulho dele. — Hamish teve a coragem de um guerreiro quando enfrentou seus malignos primos. — Allegra colocou-se ao lado dele. Como você se sente?

Merrick sacudiu a cabeça com incredulidade.

— Mais forte e mais saudável do que posso me lembrar. Que incrível magia você e sua família possuem.

— Sim. É poderosa, milorde. É até mais forte do que eu mesma havia me dado conta. — Allegra levantou os olhos para o céu. — Não é maravilhoso ouvir Hamish rindo?

— Oh, sim. Houve momentos em que tive medo de jamais tornar a ouvir a voz dele novamente. Ou de ver-lhe o rosto. — Ele virou-se para segurar o rosto dela entre as mãos. — Ou o seu, milady.

Parada um pouco atrás de ambos, Wilona pegou a mão de Kylia.

— Acho que devemos ir ajudar sua mãe com a comida.

A neta deteve-se.

— Quero ficar. Não me lembro de já ter visto um homem assim de perto antes. Nem um menino. Parecem tão... diferentes de nós e de Jeremy.

— Sim. São sem dúvida — respondeu a avó secamente. — Não são nem um pouco como aquilo a que nos acostumamos aqui em nosso Reino Místico. Agora, venha. Daremos a sua irmã um momento a sós com esse estranho.

— Mas quero observá-los — persistiu a jovem. — Quero ver o que é que homens e mulheres apaixonados fazem.

— Numa outra ocasião. — Com um riso, Wilona conduziu a neta relutante na direção da cabana.

Quando ficaram a sós, Merrick tocou a face de Allegra com gentileza.

— Você parece pálida, meu amor.

— Sim. Mamãe preparará comida que nos restaurará a força que perdemos enquanto estávamos cuidando de você. E, depois, dormiremos, pois o repouso é reparador

Tornando a segurar-lhe o rosto entre as mãos, Merrick fitou-lhe os olhos verdes com intensidade.

— Como poderei retribuir algum dia? Primeiro, você me devolveu meu filho e agora, a minha vida.

— Isso não teria sido possível se você não fosse um homem bom e honrado. Pois a chance que você ganhou é uma dádiva que muitos poucos recebem nessa vida. É dada apenas àqueles que merecem.

Ao ouvirem um grito animado acima, levantaram os olhos para ver o cavalo alado voando em círculos para pousar. Quando, finalmente, Hamish foi ajudado a descer da sela, correu pela pradaria e atirou-se nos braços do pai.

— Você viu? Não foi fabuloso?

— Sim. Eu vi. E estou com inveja, pois é algo que eu jamais experimentei, filho.

Hamish virou-se para Allegra, cuja a palidez estava agora mais acentuada.

— Você acha que eu poderia cavalgar pelo céu em Estrela Brilhante outra vez mais tarde?

— Não vejo por que não. — Ela se apoiou pesadamente no braço de Merrick. — Mas, por enquanto, tenho que ir para a cabana de minha mãe e descansar.

Antes de ela poder dar um passo, Merrick ergueu-a nos braços. Apesar de ouvi-la protestar, carregou-a pela pradaria, com Hamish seguindo a seu lado.

Enquanto se aproximou da cabana, ficou ciente da maneira como a família dela observava.

— Allegra precisa descansar.

— Sim. — Nola deu um passo para o lado. — A cama dela fica ali dentro.

Merrick carregou-a até um quarto pequeno e acolhedor, deitando-a na cama macia. Enquanto endireitava as costas, Allegra segurou-lhe as mãos nas suas.

— Promete que estará aqui quando eu acordar?

Merrick meneou a cabea.

— Eu he dou minha palavra.

Ela havia adormecido antes que ele tivesse deixado o quarto.

— Você está quieto, Merrick MacAndrew. — Nola saiu da cabana para encontrar Merrick observando, enquanto Kylia e Gwenellen brincavam no campo com Hamish.

As duas jovens havia feito uma coroa de urzes e colocado-a na cabeça dele antes de o entreterem com um jogo de pega-pega. O riso divertido do menino era carregado pela brisa, aquecendo o coração de Merrick.

Virou-se devagar

— Eu estava apenas pensando.

— Sobre o que?

Ele pareceu ordenar os pensamentos antes de dizer.

— Este é um lugar tão repleto de paz.

— Sim, de fato.

— Vocês têm o paraíso aqui no Reino Místico. Não há fome. Não há o mal.

— Sim, alguns chamariam isso de paraíso.

— Alguns? — Ele virou-se para observá-la com ar supreso. — Você não?

— Não me entenda mal. Como você disse, há muitas coisas a desfrutar em nosso reino. Mas isto pode ficar solitário demais às vezes. E me preocupo quanto ao que acontecerá com minhas filhas quando minha mãe e eu tivermos de deixá-las

Merrick arqueou uma sobrancelha espessa.

— Vocês morrerão algum dia? Eu pensei...

— Você pensou que, porque, podemos salvar outras pessoas, poderíamos viver para sempre? —Nola abriu-lhe um sorriso gentil. — A vida e a morte são algumas das coisas que todos temos em comum. A maior delas é o amor. — Escolheu as palavras cuidadosamente ao prosseguir: — Minha filha entregou seu coração a você, Merrick. Espero que entenda a enormidade da dádiva.

— Eu entendo. Mas, a fim de ser digno, também tenho de estar disposto a sacrificar minha própria felicidade pela dela.

Enquanto ele olhava para a distância distraidamente, Nola girou nos calcanhares e tornou a entrar na cabana, deixando-o a sós com seus pensamentos.

Depois de um pouco de repouso que poderia ter durado dias ou meras horas, eles partilharam de uma refeição. Um delicioso guisado, preparado com peixe do Lago Encantado e vegetais da horta de Allegra. Pão ainda quente do forno a lenha, acompanhado de manteiga fresca. Vinho quente, para hes devolver a cor às faces. Chá, escuro e forte, para desanuviar a mente. E biscoitos cobertos com mel apenas para lhes satisfazerem os corações.

Quando terminou de comer, Merrick recostou-se na cadeira e sacudiu a cabeça.

— Eu já viajei por todas estas terras, desde Edimburgo até as Terras Altas, e jamais provei refeição mais saborosa.

Nola sorriu em reconhecimento ao grande elogio.

— Talvez seja mais a companhia do que a comida.

— Sim, a companhia é excelente, sem dúvida. — Merrick olhou em torno da mesa para o grupo de mulheres bonitas, mais viçosas do que um jardim de belas flores. — Vejo agora por que vocês encontram tanto conforto nesta terra maravilhosa. É diferente de tudo que já vi antes. Não há noção da passagem do tempo. Nenhuma discórdia.

Wilona bebericou seu chá.

— Talvez você desejasse ficar aqui, Merrick MacAndrew. Temos espaço de sobra para você e seu filho.

— Se ao menos eu pudesse. — Ele olhou na direção de Hamish, que lhe devolveu um olhar de súplica. — Mas tenho um dever para com meu povo. Eles contam comigo para mantê-los a salvo de ataques de invasores. Sem mim, eles logo veriam seus grupos diminuindo, as cabanas sendo queimadas, os entes queridos machucados e, eventualmente, eles próprios se tornariam escravos

— Nunca é fácil colocar o dever acima do prazer. — Nola lançou um olhar a Allegra, que estivera bastante calada durante a refeição. Embora o repouso tivesse lhe restaurado as forças, as faces pareciam tomadas por uma palidez incomum. — Você ao menos ficaria por mais uma noite, Merrick?

Ele sacudiu a cabeça e levantou-se da mesa.

— Não faço ideia de quanto tempo passou desde que deixamos Berkshire. Dias. Semanas. Meu povo ficará alarmado. Eles merecem saber a verdade sobre meus cruéis primos, que mataram seus própios vizinhos sob o disfarce de bárbaros.

Nola também se levantou.

— Existe o mal em seu mundo. — Ela o viu olhando para Allegra com ar pensativo. — É algo que quase havíamos esquecido aqui no Reino Místico.

Merrick meneou a cabea.

— Infelizmente, é algo que eu jamais posso esquecer. Fui obrigado a passar uma vida inteira de sobreaviso, à espera do mal, lutando contra ele. — Sua voz baixou com sentimento. — Talvez chegue o dia em que o bem triunfará sobre o mal permanentemente. Mas até lá, devo me manter vigilante e continuar lutando com todas as forças que eu possuir.

Nola cobriu-lhe a mão com a sua.

— Minha filha estava certa em lutar pela sua vida, Merrick MacAndrew. A sua é uma vocação nobre.

Ele sacudiu a cabeça em negação.

— Sou um guerreiro que tirou muitas vidas no campo de batalha. Sou indigno de sua admiração. — Estendeu a mão para o filho. — E agora eu e Hamish devemos ir, se vocês tiverem a bondade de nos emprestar um cavalo.

— Não precisará de um cavalo, Merrick. — Nola conduziu-o da cabana. — Minha mãe e eu usaremos nosso poder para mandar você e seu filho de volta a sua terra.

As demais mulheres deixaram a mesa e seguiram-nos.

Foi Wilona que notou Allegra seguindo mais atrás com uma expressão de tristeza. Fez uma pausa até que a neta a alcançasse.

— Por que essa expressão em seu rosto, minha querida? O homem que você ama está agora curado e logo será enviado de volta a seu povo. Não é o que você queria?

— Sim. — Allegra esforçou-se para conter as lágrimas que ameaçavam brotar de seus olhos. — Mas esperei que ele correspondesse ao meu amor o suficiente para me levar junto. — Olhou para o homem de ombros largos que caminhava com determinação na direção do campo elevado adiante, o filho a seu lado.

— Talvez — disse a avó com suavidade. — Ele ame voce demais para lhe pedir que o acompanhe.

— Eu não entendo.

A mulher mais velha apenas passou um braço e torno dos ombros da neta e continuou seguindo as demais.

Quando subiram até o campo de urzes, as mulheres se reuniram em torno de Merrick e seu filho.

Nola uniu a mão do menino à do pai e deu um passo atrás.

— Quando formarmos um círculo em torno de vocês, serão levados de volta a seu lar. Não devem romper contato um com o outro até que estejam de volta a salvo no lugar de onde partiram, ou vocês se verão de volta aqui a este campo. Isso está entendido?

Merrick meneou a cabeça e, então, lançou um olhar a Allegra. Estava tão pálida. Tão triste. Saber que era o causador daquela dor deixava-lhe o coração oprimido como nunca. Mas tinha de se manter forte, pois sabia que estava tomando a atitude certa. Não tinha o direito de tirá-la de tudo aquilo. Ela já sofrera demais por sua causa.

Aproximou-se mais, tomando cuidado de não tocá-la. Pois, se a tocasse agora, jamais teria forças para soltá-la.

Sabendo que os demais estavam observando e ouvindo, manteve a voz desprovida do sentimento que o sufocava o peito.

— Sua família me pediu apenas para que eu passe o resto de minha vida fazendo o bem. Deixe-me começar por este momento. Amo você mais do que a própria vida. Mas este é o lugar a que você pertence, Allegra. Aqui, onde pode estar livre das crueldades do meu mundo.

— E eu não posso dizer nada quanto a esse assunto?

Ele sacudiu a cabeça, temendo que, se tornasse a lhe falar, certamente falharia naquilo, seu primeiro teste.

Desviou os olhos dela abruptamente e meneou a cabeça para Nola.

— Meu coração transborda de gratidão pelas dádivas que meu filho e eu recebemos. E agora lhes daremos adeus.

Nola entoou as palavras.

— Vão então, como tem que ser. Caminhem sempre com fé, esperança e confiança.

Allegra ficou entre as irmãs e observou, até que Merrick e Hamish começaram a se elevar lentamente do chão. Subiram mais e mais até que, finalmente, não passaram de dois pontos no horizonte.

Ela reprimiu as lágrimas e observou, até que eles saíram por completo do raio de visão. E então, porque precisava desesperadamente ficar sozinha, começou a correr. Continuou até ter atravessado o campo, buscando a quietude de sua horta, onde seria condenada a uma vida de solidão para todo o sempre.

CAPÍTULO 20


Allegra cavou frenéticamente com sua enxada em torno de uma erva daninha até arrancá-la pela raiz. Então, passou para a erva seguinte e assim sucessivamente, até que suas mãos doeram com o esforço.

Afinal, não soubera que seu coração poderia ser partido? A mãe não avisara sobre as crueldades do mundo de Merrick? Que tola devia ter parecido. Atirando-se ansiosamente nos braços dele, entregando-se sem o menor pudor. Exigindo que ele a possuísse. Não apenas seu corpo, mas seu coração e alma também.

Agora, Merrick se fora.

Aquilo era pior do que qualquer dor física. Aquele outro tipo de dor ela sempre soubera curar. Mas a que a tomava agora, a dor insuportável em torno do seu coração era como uma ferida profunda que jamais sararia. E era a responsável por tê-la causado de modo tão ingênuo.

Allegra tivera esperança, mas nunca acreditara de fato que Merrick desse as costas ao próprio mundo e ficasse ali no dela. Seria tão bom para ele ficar ai. Ver-se livre das guerras, das crueldades que o haviam assolado até então. Ela era caaz de admirar-lhe os motivos louváveis para voltar para casa. O que não conseguia entender era a razão para deixá-la para trás.

Toda aquela conversa sobre ser boa e nobre não diminuíra a dor da rejeição. Ela atacou outra erva daninha e atirou-a na pilha crescente. Talvez Merrick tivesse pensado em poupá-la, mas tudo o que fizera fora tornar as coisas piores.

Allegra ouviu um som, semelhante a um riso de criança, e ergueu a cabeça para olhar para o cavalo alado de Gwenellen. Estrela Brilhante estava alto no céu. Intrigada, ela protegeu os olhos do sol com a mão. Havia duas pessoas no dorso do animal?

— Não é uma sombra que você está vendo, meu amor. É Hamish.

Ao som daquela voz possante, Allegra virou-se e descobriu que Merrick estava parado atrás dela.

Ele estava perfeitamente imóvel, observando-a com intensidade.

— Hamish implorou por outra volta, e sua irmã teve a bondade de acompanhá-lo.

— Eu pensei que vocês... — Ela limpou a garganta e fez nova tentativa. — Eu os vi partindo. Como...

— A culpa foi minha. Sua mãe me avisou que Hamish e eu teríamos que seguir de mãos dadas até chegar em casa, ou acabaríamos parando de volta aqui.

— Foi um erro, então?

— Não. foi algo proposital, receio eu... — Ele deu um passo a frente, fitando aqueles tristes olhos verdes. — Eu fracassei no meu primeiro teste.

— Teste?

— De nobreza. Eu queria deixar você aqui, Allegra, onde estaria a salvo de todo o mal. Sei que era a coisa certa a fazer, mas descobri que eu não podia.

— Você não podia? — Ela sabia que estava repetindo tudo feito uma tola, mas parecia não consegui parar.

Merrick sacudiu a cabeça.

— Sei que não posso ficar aqui, embora este lugar seja um paraíso. Meu povo precisa de mim. Mas, se eu conseguir persuadir você a ir comigo, como minha esposa, eu farei tudo ao meu alcance para deixar Berkshire o mais parecido possível com o paraíso.

— Sua esposa? Você quer que nos casemos?

— Mais do que tudo no mundo. Se você me aceitar como seu marido. — Enquanto ela entreabria os lábios, Merrick ergueu a mão para silenciá-la. — Mas eu lhe aviso, estarei ausente com alguma frequência, lutando contra invasores, deixando você sozinha com um castelo para cuidar e criados que nem sempre farão as coisas como você deseja. Quando eu voltar, estarei ensanguentado e cansado, indigno de alguém como você. Mas lhe dou minha palavra de que lutarei até meu último suspiro para manter você a salvo, meu amor. E se formos abençoados com filhos, eu os criarei para serem bons e nobres e para honrarem a mãe acima de qualquer coisa. Se você concordar em deixar o seu lar para ir viver no meu, eu prometo amá-la, Allegra, apenas a você. Amá-la e respeitá-la por todos os dias da minha vida.

— Oh, Merrick. — Ela largou a enxada e venceu o espaço entre ambos, abraçando-o pela cintura e beijando-o nos lábios. — É tudo que eu sempre quis. Mais do que eu já poderia ter sonhado.

— É verdade? você deixaria tudo isso por mim?

Ao vê-la confirmando com um gesto de cabeça, Merrick estreitou-a mais junto a seu corpo e beijou-a apaixonadamente. De encontro aos lábios dela, sussurrou-lhe então:

— O seu amor incondicional me engrandece, Allegra. Agora eu sei que recebi verdadeiramente a minha vida de volta.

Merrick estava parado no campo de urzes, o filho a seu lado, observando enquanto o grupo de mulheres, usando vestidos de cores vibrantes, saíam da cabana. No meio delas estava Allegra, num vestido de delicada renda branca que poderia ter sido tecida por anjos. Os cabelos ruivos cascateavam-lhe pelas costas, as mechas onduladas enfeitadas aqui e ali por pequenas flores silvestres.

As outras cantavam enquanto se aproximavam. Palavras antigas que lembravam um hino à alegria. Merrick não as ouvia. As mulheres sorriam, embora houvesse lágrimas em seus olhos. Estava alheio a absoutamente tudo exceto à mulher que era dona de seu coração. Jamais acreditara que tal mulher existisse. Mas ali estava ela, estendendo-lhe as mãos.

Enquanto as pegou, ele notou-lhe as bolhas causadas pela enxada e abriu-he um sorriso de tirar o fôlego.

— O que é isto, minha pequena curandeira?

Allegra lançou um olhar para as bolhas.

— Eu estava ocupada demais para notar. — Ela fechou os olhos por um momento e, então, abriu-os para vê-lo observando-a com surpresa, pois as bolhas tinham desaparecido, deixando-lhe a pele macia e suave como a de um recém-nascido.

— Você nunca deixa de me surpreender.

Allegra abriu um sorriso.

— Que assim sempre seja, meu amor.

Amor. A palavra tocou fundo o coração dele.

Wilona aproximou-se, pegando as mãos unidas de ambos nas suas e fitou os olhos azuis de Merrick, o homem que fora até aquela terra como um estranho ameaçador e que agora se tornaria um deles.

— Há muitos dons que nos foram dados.

A voz de Kylia seguiu-se à dela.

— O dom da profecia. De ver o passado. De prever o futuro.

Ouviu-se, então, a voz de Nola.

— O dom da cura. Não apenas do corpo, mas do coração, da mente e da alma.

Wilona meneou a cabeça.

— Mas o maior dom de todos é o amor. Seu poder é maior do que todos os outros. Pois o amor pode perdoar o passado e tornar o futuro claro. O amor pode falar, melhor do que palavras, ao coração do amado. E o amor pode curar. Não apenas o coração, mas a mente e a alma também.


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