Concentrando toda sua energia, evocou uma imagem de sua mãe e, enquanto ela tomava foma em sua mente, chamou-a em pensamento.
Nola estava sentada diante de seu tear, satisfeita com o delicado pano que estava tecendo. A seu lado, achava-se Bessie. Apesar de sua aparência para muitos medonha, a velha era uma alma bondosa que havia um longo tempo perdoara todos aqueles que tinham zombado dela e a maltratado. Em gratidão pelo tranquilo refúgio que tinham lhe dado ali no Reino Místico, era dedicada a Nola e a sua família
O tecido no tear dela parecia ter sido feito por fadas. Era suave como uma teia de aranha, com espirais inticadas que se entrelaçavam umas a outras como jóias exóticas.
A velha Bessie sorriu.
— Esse tecido dará um lindo vestido para uma de suas filhas.
— Sim. Eu gosto tanto de lhes fazer coisas bonitas
— E por que não? — O sorriso de Bessie acentuou-se. — Elas são mais adoráveis do que as mais belas flores.
Diante de um grito, Nola ergueu a cabeça depressa.
— Allegra?
Olhou ao redor à procura da filha. Não vendo ninguém, olhou para a mulher mais velha.
— Você ouviu isso, Bessie?
— Não. Mais como sabe, eu não tenho os seus dons.
Diante da resposta, Nola afastou-se depressa do tear e adiantou-se até a porta da frente da cabana.
Do lado de fora, Wilona mexia seu guisado num caldeirão acima de uma fogueira cicundada de pedras.
— Allegra acabou de me chamar. Você a viu?
— Sim. Está removendo ervas daninhas de sua horta. — Wilona estreitou os olhos ao notar o ar de preocupação no rosto da filha. — O que há de errado?
— Alguma coisa, embora eu não saiba o que. — Àquela altura, Nola já subia rapidamente a colina em direção ao campo. — Ela precisa de mim, pois eu a ouvi chamando meu nome.
Wilona deixou de lado a colher de pau e seguiu a filha depressa, Bessie indo atrás de ambas a seu passo mais lento.
Quando chegaram ao campo, Nola ajoelhou-se e pegou a enxada do chão onde Allegra a deixara cair.
A mãe dela já examinava a marca de bota de um homem na terra. Sua voz soou baixa, carregada de temor.
— Um intruso de longe. Ele teria precisado matar o dragão para chegar até aqui. — Wilona fanziu o cenho em sua concentração. — Achei ter ouvido um grito mais cedo, mas como estava cercada de ovelhas, não pude ter certeza do que era.
— Ele é um bárbaro? — A voz de Nola não passava de um sussurro, o rosto pálido.
— Não. — Wilona ergueu-se, segurando um pedaço rasgado de tecido xadrez que estava preso a uma parte alta da cerca trançada. — Um homem das Terras Altas.
— Nenhum habitante das Terras Altas ousaria se arriscar a atravessar o Lago Encantado.
—Talvez não um habitante comum daquelas terras. — Wilona segurou o braço da filha. — Você deve saber que mesmo escondido aqui, longe de olhos de curiosos, há aqueles que desejam o poder.
— Mais por que motivo?
Wilona sacudiu a cabeça, a expressão preocupada.
—Eu não faço idéia. Eu só sei é que temos de detê-lo antes que ele atravesse o lago, ou tudo estará perdido.
Mãe e filha levaram os dedos aos lábios e soltaram uma série de assobios estridentes. Em poucos minutos, Kylia havia deixado o riacho e corria até o campo. Do meio da floresta, surgiu a delicada Gwenellen, movendo-se tão depressa quanto uma sombra, seguida mais devagar por Jeremy.
Após uma rápida explicação, as quatro mulheres com poderes místicos formaram um círculo e deram-se as mãos, cantando numa língua antiga, enquanto Jeremy e Bessie sentaram-se na relva, acrescentando suas vozes ao coro.
Merrick MacAndrew nunca vira nada como aquilo. Num minuto, as águas do lago estavam tão calmas e claras que ele pôde enxegar até o fundo. No minuto seguinte, ficaram revoltas, agitadas, como se estivessem num caldeirão borbulhante, remexidas pelo encantamento de uma feiticeira
Uma feiticeira... Ele estreitou os olhos para a mulher embrulhada em seu manto xadrez nos seus braços.Ela podia ter se parecido com uma deusa em sua horta verdejante, com aquele belo vestido e cabelos presos numa grossa trança, mas agora não tinha dúvida de que aquela mulher surpreendente era a responsável pela mudança abrupta no lago.
Se ele não estivesse tão desesperado, teria tido o bom senso de ficar com medo. Se sua vida lhe significasse alguma coisa, certamente teria voltado atrás. Mas sem seu filho, sua vida não teria o menor sentido. E sem a mulher que segurava nos braços, seu filho certamente morreria.
— Feiticeira. Você não me impedirá de seguir meu caminho. — resmungou.
Naquele momento, ondas imensas atiraram-no para fora da sela do cavalo e ele se viu afundando no lago. Por um momento, aquele precioso volume foi tirado de suas mãos, mas Merrick conseguiu puxar uma ponta do tecido xadrez e arrastá-la consigo até a superfície
Tossindo, Allegra lutou contra o grosso manto que a envolvia.
— Você tem que me libertar imediatamente.
— Para que você possa escapar? Eu a verei morta antes de permitir tal insensatez.
— Então, você terá seu pedido atendido muito em breve. — Allegra tossiu e acabou engolindo um pouco de água quando uma nova onda passou por ela. — Ao menos me dê a oportunidade de boiar.
Merick estava prestes a recusar quando um pensamento lhe ocorreu.
— Sim. Farei o que me pede. — Em poucos momentos, desenrolou o tecido comprido, libertando as mãos e pernas dela. Logo em seguida, com a mesma rapidez, enrolou-o em torno de sua cintura e da dela, prendendo-a com firmeza a si. — Desde que você entenda que, a fim de salvar sua própria vida, você tem de salvar a minha também. — Observou-a com ar triunfante. — Se um de nós morrer, o outro morrerá também.
— Você é louco.
— É o que já me disseram.
Uma sequência de ondas passou furiosamente por ambos, fazendo-os rolar nas águas como folhas numa tempestade. Mas o tecido se manteve no lugar e, quando emegiram em busca de ar, continuavam unidos.
Vendo um lampejo de movimento a seu lado, Merrick esticou o braço depressa e agarrou um punhado da crina de seu cavalo impedindo-o de afundar.
— Aguente firme, mulher!
Ambos foram arrastados pelas ondas com tanta violência que mal tinham chance de recobrar o fôlego. As águas os jogaram implacavelmente de um lado ao outro até que ficaram atodoados. A cada vez que pensavam que haviam sobrevivido ao pior, as ondas ficavam maiores e mais potentes, atingindo-os em cheio.
Acima do rugido das ondas do lago revolto, Allegra ouvia as palavras familiares do canto antigo e sabia que a família se unia e estava tentando salvá-la. A idéia de que formavam um círculo de proteção lhe deu uma sensação de paz. Enquanto era arremessada de lá para cá pelas águas implacáveis do lago, fechou os olhos, desejando estar no círculo com a família.
De repente, uma parede de água tão alta quanto os penhascos rochosos que circundavam o lago atingiu-os em cheio, fazendo-os rolar e rolar, até ficarem exaustos, os pulmões lutando por ar.
— Então, aquela era a sensação de morrer, pensou Allegra enquanto foi tragada até o fundo do lago, ainda presa ao estranho. Foi atingida por um dos cascos agitados do cavalo, enquanto o animal aterrorizado lutava para emergir.
Por um momento temeu que sua cabeça fosse explodir de dor. Depois, sentiu-se envolta por uma crescente escuridão. Braços fortes cicundavam-na, e ela viu o rosto do pai, o adorado pai que falecera havia muito e que descendera da mais nobre das famílias. Kenneth Drummond tivera como ancestral o primeiro rei da dinastia escota e também pertencentes a um deteminado grupo de celtas.
Alegra segurou-se com fimeza, atendo-se à poderosa força dele, enquanto, com vigorosas braçadas, levou-a até a superfície. Por vários e longos momentos, ficaram unidos, enchendo seus pulmões com o precioso ar. Então, ele desenrolou o manto e ergueu-a em seus braços, carregando-a até a margem
A água ali estava calma, e serena.
Ela ergueu a mão para tocar-lhe a face.
— Estou morta, então, pai?
—Você nem está morta, nem está com seu pai.
Ao som daquea voz severa, Allegra abriu os olhos e sentiu o coração disparando no peito. Não era seu pai.Era o gigante.
Ele de algum modo, escapara dos perigos da Floresta da Escuridão e do Lago Encantado.
Céus, quem era aquele homem capaz de vencer magia tão poderosa?
No campo do Reino Místico uma sombra escura passou acima. Um súbito vento iniciou-se, soprando os cabelos das mulheres e fazendo com que as barras dos vestidos esvoaçassem em torno de seus tornozelos. As árvores mais próximas cuvaram-se sob a foça do vento.
O canto delas cessou abruptamente, enquanto olhavam ao redor com um senso de terror.
Foi Wilona quem finalmente falou:
— Allegra foi tirada de nós. Não está mais a salvo dentro dos limites do Reino Místico. Os poderes do captor dela devem ser bem mais fortes do que os nossos. Ou, talvez, a necessidade dele maior do que a nossa.
— Mais como isso é possível? — Os olhos de Gwenellen, tão azuis quanto safiras, estava cheios de incredulidade, enquanto fitava a mãe em busca de resposta. — Por que não podemos fazer um encantamento para detê-lo?
— Venha aqui, querida. — Nola aproximou mais a caçula de si e, então, pegou a mão da filha do meio com carinho. — Há dois poderes que são mais fortes do que qualquer outro. — Ela se lembrou do homem que conquistara seu coração e que havia lhe dado três preciosas filhas. — Um é o amor. — Pensou nos mitos, temores e rumores que as havia tirado de seu lar e as feito buscar refúgio ali, naquele lugar. — O outro é o ódio.
— Como saberemos qual é o poder que move o captor de Allegra? — Os olhos de Kylia, geralmente repletos de humor, estavam agora marejados pelas lágrimas.
Nola sacudiu a cabeça.
— Não cabe a nós saber.
— Então como poderemos ajudá-la? — A voz de Gwenellen soou embargada.
Nola passou um braço em torno do ombro de cada filha e aproximou-se mais para beijá-las na face.
— Podemos enviar a Allegra pensamentos calmantes e luz de cura para ajudá-la a enfrentar o que o destino lhe reserve. Embora a irmã de vocês não esteja habituada aos costumes daquele outro mundo para além do nosso lago, é forte e corajosa, o melhor de tudo: tem uma bondade no coração que a fará enfrentar quaisquer tribulações que a esperem.
Mas, embora Nola falasse com convicção, havia um terrível peso em seu próprio coração. Levara as filhas para ali para protegê-las de um mundo de descrentes. Agora, sua adorada Allegra fora levada de tudo que era seguro e familiar e atirada de volta naquele exato mundo.
Um mundo que poderia usar a inocência e a sensibilidade de Allegra contra ela própria.
Um mundo que parecia sempre determinado a destruir aquilo que não conseguia entender.
CAPÍTULO 2
Allegra estava deitada às magens do Lago Encantado, a respiração acelerada em seu esforço para recobrar o fôlego. Enquanto sua respiração foi se abrandando, deu-se conta de uma dor incômoda na têmpora. Levando a mão ao ponto dolorido, sentiu o inchaço onde o casco do cavalo a atingira de raspão.Se a tivesse atingido em cheio, a pancada a teria feito perder completamente os sentidos.
Fechando os olhos, respirou fundo algumas vezes para se acalmar, passando a ponta dos dedos gentilmente em torno da têmpora até que o inchaço desapareceu, deixando apenas uma leve escoriação em seu lugar. Aquele esforço custou-lhe, e ela estava tão exausta que foi obrigada a manter-se deitada, quase imóvel, até que suas forças voltaram gradativamente.
Sentindo o calor do sol sobre as pálpebras, abriu os olhos. A uma pequena distância, o cavalo, esgotado pelo esforço de ter-se debatido tanto para se manter na superfície da água, havia cambaleado pela magem antes de cair de joelhos no chão. Ainda se debatia um pouco na relva, os olhos arregalados de medo,o peito arfando. O pobre animal estava desorientado, confuso e completamente apavorado.
Tomada por uma onda de ternura e compaixão, Allegra forçou-se a se recobrar de sua letargia e arrastou-se até o cavalo, pousando as mãos sobre a cabeça dele. Quase de imediato, a respiração do animal se abrandou, e seus olhos pareceram fixar-se nela com algo semelhante a entendimento.
Minutos depois, o cavalo levantou-se sem quase dificuldade e caminhou uma pequena distância, começando a pastar na relva como se nada tivesse acontecido.
Merrick continuou, deitado onde se deixara cair, à magem do lago, estreitando os olhos enquanto observava tudo aquilo. Era como tinha ouvido falar. Aquela mulher, de fato, tinha o poder de curar. Se tivesse qualquer dúvida antes, agora já estavam dissipadas.
Quando ela desviou o olhar do cavalo e se virou, Merirck já estava de pé encarando-a, apontando a espada para o coração dela.
— Não se mova, mulher.
Allegra fitou-o e viu novamente o ar sombrio nos olhos do estranho. Era impossível enxergar através da alma daquele homem. Era como se tivesse fechado uma pesada porta, não deixando que nenhuma luz entrasse, não permitindo que nada de si escapasse.
Desesperada, ela desviou os olhos para as jóias que faiscavam no cabo da espada, obsevando-as fixamente. Numa questão de segundos, elas brilharam com intensidade, iradiando um calor forte e uma luminosidade ofuscante que se igualaram aos do sol.
Merrick soltou um gemido de dor quando o fogo queimou sua palma e foi obrigado a largar a espada.
Allegra usou aquele momento de distração para correr. Enquanto avançava pela floresta logo adiante, o vestido molhado colava-se a suas pernas, retardando-lhe os movimentos. Galhos de ávores batiam em seus cabelos, braços, mas ela ignorou as pontadas de dor e continuou correndo até que os pulmões arderem.
Por detrás dela, mãos fortes agarraram-lhe os ombros e ela foi derrubada no chão.Caiu sobe a relva do bosque e levantou os olhos para descobrir o gigante parado ao seu lado, a respiração ofegante.
Allegra esfoçou-se para não deixar transparecer o medo em sua voz.
— O que você quer de mim? — peguntou, sustentando-lhe o olhar com firmeza. — Por que arriscou sua vida para ir até o Reino Místico?
O estranho segurou-a pelos antebraços, erguendo-a do chão. Quando notou resistência, simplesmente,atirou-a por sobre o ombro e continuou caminhando como se ela não pesasse mais do que uma pluma.
Quando voltaram até onde o cavalo ficara, o estranho sentou-se na sela do animal e acomodou-a à sua fente, posicionando-a para cavalgar de lado
— Você me acompanhará até o meu forte.
— Por qual motivo?
Com os braços firmemente em torno dela, o homem apanhou as rédeas e fez o cavalo andar, instigando-o rapidamente ao galope. Quando baixou a cabeça para desviar de um galho baixo de árvore, aproximou os lábios do ouvido dela.
— Você salvará meu filho, que está gravemente doente.
Ela observou-o por sobre o ombro com apreensão.
— Eu posso tentar. Mas muitas coisas estão além do meu poder. — explicou.
Ele sacudiu a cabeça depressa.
— Contenha sua língua, mulher — disse-lhe em tom de aviso. — Não ouvirei os seus tolos protestos, as suas alegações de fraqueza, pois eu pude testemunhar a sua força. Saiba disto. Qualquer que seja o destino que o menino enfrentar, o seu será o mesmo. Se ele viver, eu lhe dou minha palavra que a trarei de volta para sua gente sã e salva. Se meu filho morrer, você nunca mais tornará a ver seu lar, pois se reunirá a ele na morte. Você seria sensata em seguir esse aviso. Minha justiça será rápida e certeira.
Allegra estremeceu enquanto o vento soprava com força em seus cabelos e lhe fazia arder os olhos. Podia sentir a escuridão fechando-se em torno dela, gelando-lhe o sangue. Podia quase sentir a terrível amargura que tomava o coração daquele homem como uma ferida incurável.
Estava nas garras de um louco cruel. E temia que, a despeito do destino do filho dele, ela já estivesse condenada.
Merrick baixou o olhar para a mulher em seus braços. Agora que, finalmente, ela adormecera, estava livre para estudá-la sem deixá-la saber.
O machucado que lhe marcara a têmpora já estava desaparecendo, embora meras horas antes tivesse apresentado um inchaço quase do tamanho de um ovo.
Não se parecia com uma bruxa. Na verdade, se não tivesse sabido nada a respeito dela, teria acreditado que era uma mulher bem nascida. Tinha um porte aristocrático e era dona de rara beleza, com aquela pele perfeita, suavemente bronzeada pelo sol, e cabelos cor de fogo. Quando a vira em pricípio trabalhando em sua horta, ela tivera os cabelos meticulosamente presos numa grossa trança que lhe chegara até embaixo da cintura. Agora, depois da tribulação no lago tempestuoso, os cabelos tinham se soltado e estavam em completo desalinho. Caíam em torno dela feito um véu, roçando as costas da mão dele como se fossem fios da mais pura seda.
O vestido ainda estava molhado, moldando-se ao corpo da mulher como uma segunda pele. Era feito de um tecido exótico que parecia mais adequado à realeza. O olhar de Merrick foi atraído pelo decote discreto e o vão entre os seios fimes e arredondados. A onda de calor que o percorreu apanhou-o de surpresa. Desde Catherine, nenhuma mulher havia lhe causado nem mesmo o menor interesse. Mas, afinal, disse a si mesmo, aquela criatura não era uma mulher. Era uma feiticeira. Nada mais natural que tentasse confundi-lo com um de seus feitiços.
Merrick segurou as rédeas com mais força e fez o cavalo correr. Que a feiticeira dormisse se quisesse, disse a si mesmo. Quanto a ele, era movido por um único desejo. Levá-la a seu forte o mais depressa possível.
Por favor. Que eu chegue a tempo de salvar Hamish.
A perda de Catherine já fora dolorosa o bastante. Sem o filho, ele preferiria a morte a uma vida de dor eterna como sabia que seria a sua.
Allegra acordou com o som de vozes. Olhou ao redor, confusa, tentando se orientar de alguma maneira naquele lugar estranho. O campo nas Terras Altas era bastante semelhante àquele em seu Reino Místico. Era coberto por urzes que ondulavam suavemente sob a briza. A um lado, uma cachoeira descendo por centenas de metros até um riacho cristalino. Na distância, avistavam-se pequenas cabanas na colina e, nos campos rebanhos de ovelhas. Mas ali havia tanta gente. Homens a cavalo, outros conduzindo parelhas que puxavam grandes carroças repletas de grãos e feno. Mulheres olhavam para baixo das janelas altas de casas semelhantes, ou levantavam os olhos de suas tarefas, enquanto carregavam baldes de madeira e vassouras, em geral com bebês robustos apoiados contra o quadril. Crianças brincavam, correndo atrás uma das outras pelo campo, muitas parando para olhar para o homem e a mulher no alto do cavalo enquanto passavam.
— Que lugar é este?
— O vilarejo é chamado de Berkshire. Meu lar é o Castelo de Bekshire. — Ele apontou, e Allegra pôde ver as torres na distância.
— Um castelo? Você é um senhor de terras, um nobre?
— Sim. — Ele falou as palavras abruptamente, como se o aviltassem, os lábios torcidos. — Sou lorde Merrick MacAndrew
Enquanto passavam pelo vilarejo, Allegra notou as pessoas observando-os. Mas, embora parecessem respeitosas o bastante, mantiveram silêncio. Ninguém disse nada, nem acenou. Não houve troca de cumprimento entre o senhor daquelas terras e sua gente.
O silêncio de todos se deveria ao fato de que partilhavam do temor dele pela vida do filho? Ou haveria mais acontecendo ali?
Allegra sentiu uma emoção mais forte do que as demais entre aqueles estranhos. Medo. Dela? Ou do senhor deles?
Intrigada, ela sentou-se mais ereta enquanto se aproximavam do lugar que Merrick MacAndrew chamava de lar. O Castelo de Berkshire era uma fortificação natural, erguida no alto de uma colina, tornando uma aproximação secreta impossível. Com a parte detrás dando para a montanha, havia apenas uma maneira de se chegar até seus portais.
Enquanto se aproximavam mais, ela julgou-a uma construção imponente, com suas torres altas e guardas a postos nos portões. Tão logo ambos entraram no pátio, um grupo de cães começou a latir ruidosamente. Enquanto Merrick descia da sela, os animais rodearam seus pés, as caudas balançando, as línguas de fora. Ele ergueu os braços e tirou Allegra do cavalo. Vendo a maneira como ela se encolhia por causa dos cães, emetiu uma ordem num tom enégico e eles ficaram em silêncio.
Rapidamente, ela estendeu a mão para tocar o pêlo no pescoço de um dos cachorros, mas afastou-a depressa quando o animal mostrou as presas e começou a rosnar.
Até mesmo os cães, ao que paecia, eram hostis ali naquele lugar.
— Milorde. — A porta principal se abriu, e a governanta surgiu junto à soleira. — Oh, graças aos céus, o senhor está vivo. Os rumores tem sido de que... — A mulher se deteve, hesitante, e, então, fez nova tentativa. — Vejo que trouxe... — engoliu em seco, encarando Allegra como se estivesse vendo um fantasma.
— Eu trouxe a curandeira. — Para Allegra, Merrick acrescentou em seu tom austero: — A sra. MacDonald é a governata aqui no Castelo de Berkshire.
Sob outas cicunstâncias, a visão da mulher mais velha teria produzido um sorriso eternecido nos lábios de Allegra, pois ela tinha um rosto bondoso, olhos castanhos naturalmente calorosos, mas que agora exibiam apreensão, e não era maior do que uma criança. A barra de seu vestido arrastava-se no chão e as fitas do avental cicundavam-lhe a cintura fina umas duas ou tês vezes.
O tom de Merrick foi brusco.
— Há alguma notícia sobre o estado de Hamish?
A mulher de compleição pequena sacudiu a cabeça grisalha tristemente.
Merrick fechou a mão em torno do pulso de Allegra sem muita gentileza.
— Não há necessidade de preparar um quarto para esta mulher. Até que meu filho se recupere, ela não terá permissão de sair do lado dele. — Baixou a voz, para que apenas Allegra ouvisse quando acrescentou: — Não se dê ao trabalho de tentar nenhum de seus truques, mulher, pois você nunca sairá da minha vista.
A governanta empalideceu e colocou-se rapidamente de lado para lhes dar passagem quando ambos se adiantaram para entrar no castelo. Quando Allegra passou por ela, a sra. MacDonald fez o sinal da cruz e segurou-se à porta em busca de apoio.
Uma vez no interior do castelo, Allegra teve uma primeira impressão de amplitude e imponência, mas também de sofrimento. Correu os olhos rapidamente por tetos altos e pela ampla escadaria de madeira. Tapeçarias recobriam as paredes de pedra e centenas de velas ardiam nos lustres acima. Um lugar escuro tomado por um ar soturno que nenhuma luz parecia conseguir dissipar. A opressão que pairava ali era quase palpável, parecia uma força viva capaz de lhe sufocar o peito.
Não houve tempo para olhar ao redor ou tentar investigar a fonte de toda aquela obscuridade, pois Merrick, continuando a segurá-la com firmeza pelo pulso, não demorou a levá-la pela escadaria e por um longo corredor, até que abiu a porta de um quarto.
Uma vez que entraram, uma criada pareceu sobressaltar-se antes de fazer uma rápida mesura e retirar-se, deixando Merrick e sua prisioneira olhando para a figura pequena e pálida
— Esse é meu filho, Hamish. Ele sofreu uma queda de uma árvore e mais tarde ficou febril. Desde então, não saiu de sua cama. Cure-o.
Em vez de obedecer a ordem, Allegra limitou-se a observar o menino. Tão pálido. Tão imóvel.
— Há quanto tempo isso aconteceu?
Merrick deu de ombros, o semblante grave.
— Há uma semana. Talvez duas.
Allegra arqueou uma sobrancelha delicada.
— Há tanto tempo. E onde estava nessa ocasião, milorde?
Ele franziu o cenho, a expressão ainda mais carregada.
— No campo de batalha. Expulsando invasores. Quando voltei para casa e soube a respeito disto, jurei encontrar alguém que poderia curá-lo. Agora, faça-o.
Ambos levantaram os olhos ao ruído de passos apressados. Um homem alto, de cabelos loiros, parou junto à soleira da porta aberta. Arregalou os olhos com ar supreso.
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