5. As Formas do Fogo
Uma boa pergunta a ser considerada pelo leitor é por que o fogo tem sido o fator predominante na destruição de livros. Há, sem dúvida, várias explicações para esse fenômeno. Limito-me a propor apenas uma: o fogo foi o elemento essencial no desenvolvimento das civilizações e o primeiro elemento determinante na vida do homem, por motivos de alimentação e de segurança coletiva.
O fogo, em suma, serviu para salvar e, pelos mesmos motivos, quase todas as religiões consagram fogos às suas divindades. Esse poder de resguardar a vida também é, vale a pena assinalar, poder destruidor. Ao destruir com fogo, o homem brinca de ser Deus, dono do fogo da vida e da morte. E dessa maneira se identifica com um culto solar de purificação e com o grande mito da destruição, que quase sempre ocorre por ecpirosis (consumação de todas as coisas pelo fogo).
A razão do uso do fogo é evidente: reduz o espírito de uma obra a matéria. Se se queima um homem, ele é reduzido aos seus quatro elementos principais (carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio); se se queima o papel, a racionalidade intemporal deixa de ser racionalidade para se converter em cinzas. Além disso, há um detalhe visual. Quem viu algo queimado reconhece a inegável cor preta. O claro se torna escuro.
Em 1935, Elias Canetti condenou seu personagem de Auto-de-fé a morrer queimado com toda a sua biblioteca. A frase final assinala: "Quando as labaredas finalmente o alcançaram, soltou uma gargalhada tão estrondosa como nunca soltara em toda a sua vida." Em 1953, Ray Bradbury imaginou em Farenheit 451 um futuro no qual um corpo de bombeiros era encarregado de queimar os livros para evitar que perturbassem a ortodoxia do sistema dominante.
O poeta romano Públio Papínio Estácio, quando seu pai morreu, pediu que evitassem a eliminação de seus escritos pelo fogo. Essa ambição se converteu em lugar-comum na poesia. Ovídio, no epílogo das Metamorfoses, declarou interesse em salvar sua obra do fogo, da espada, da mão divina ou do tempo.
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