História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez



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CAPÍTULO 8

A Inquisição
O Santo Ofício e a censura de livros
A Inquisição foi uma das instituições judiciais de natureza religiosa mais severa criadas pelo ser humano para combater a dissidência e o pensamento heterodoxo. Sua atividade representou na Europa, e nos países onde atuou, um terrível período de censura, perseguição, tortura e destruição de vidas humanas e livros. Sua história, de qualquer forma, apenas resume e legitima uma concepção humana bastante antiga, que fica evidente quando se analisam suas circunstâncias originárias e finais.

O dogmatismo sempre necessitou da existência de órgãos de proteção e intimidação, e a Inquisição, nesse sentido, serviu fielmente à consolidação política da Igreja católica. Alguns fatos podem facilitar a explicação desse comentário. Digamos, por exemplo, que a pluralidade de movimentos religiosos surgidos na Europa, quase simultaneamente com o momento em que se consolidava o poder e a autoridade da Igreja, tornou necessário recorrer a medidas e estratégias de dissuasão por meio da excomunhão, tortura, ordálio (ou "prova de Deus"), queima de hereges ou o ataque a populações inteiras. Esse procedimento era inquisitório. Posteriormente, o processo se institucionalizou, principalmente a partir da Reforma proposta por Martim Lutero, considerada o desafio mais perigoso ao catolicismo oficial.

Em 1520, uma bula do papa Leão X excomungou Martim Lutero e publicamente proibiu a difusão, leitura ou citação de qualquer de seus escritos. Nas ruas, a população queimava livros e efígies de Lutero, que por sua vez mandou destruir a bula numa fogueira. Carlos V, preocupado com a expansão da doutrina de Lutero, ordenou a destruição de todos seus livros. O fracasso dessa medida teve conseqüências: em 14 de outubro de 1529 ficou proibida a impressão de qualquer livro não autorizado por um órgão sacerdotal. Em 29 de abril de 1550, se repetiu a ordem antiga e, por lei, foram condenados à morte todos os autores e impressores de livros heréticos.

Vale lembrar que, três séculos antes, o rei Frederico II, logo depois de sua coroação em Roma, em 1220, promulgou uma lei de caráter imperial autorizando o confisco de todos os bens dos hereges, lei que serviu a Gregório IX para legitimar em 1231 a queima de hereges teimosos. Inocêncio IV, por sua vez, promulgou a bula Ad extirpanda em 1252 nomeando duas ordens eclesiásticas defensoras da Igreja e encarregadas do cumprimento das penas contra os hereges: dominicanos e franciscanos. Pouco depois, tornou-se imprescindível organizar as técnicas de combate à heresia e se escreveu o primeiro manual com instruções precisas para o julgamento: Practica inquisitionis heretice pravitatis, obra de 1323 de Bernardo Guidonis, dominicano fanático que durante toda sua carreira de inquisidor em Toulouse participou de 930 sentenças, com 42 penas de morte na fogueira e pelo menos 307 confinamentos.

Os êxitos sociais do protestantismo, e não suas proposições, alarmaram o clero romano e, em 1542, o papa Paulo III constituiu a Sacra Congregatio Romanae Universalis Inquisicionis seu Sancti Officii (Congregação da Inquisição), que alguns preferiram abreviar para Santo Ofício. É interessante observar que a inquisição medieval foi dura contra todas as heresias propensas a causar problemas políticos, enquanto o Santo Ofício se concentrou nos teólogos e sacerdotes, rastreando com espiões e mercenários qualquer idéia suspeita. O papa Paulo IV, um fanático com enormes problemas emocionais, mandou a Congregação redigir uma lista com todos os nomes dos livros mais perigosos à fé, e, em 1559, publicou-se, sem erratas, um temível índice de livros proibidos, intitulado em latim Index seu catalogus librorum qui prohibentur mandato Ferd. De Valdez Hispal. Archiep. Inquisitoris generalis Hispaniae. No entanto, já havia índices desse tipo na Sorbonne (1544 e 1547), na Universidade de Louvain (1546 e 1550), em Lucca (1545), em Siena (1548) e Veneza, onde, em 1543, editou-se o Index generalis scriptorum interdictorum.

Por volta de 1583, a Universidade de Salamanca elaborou um índice dividido em duas partes: obras proibidas e trechos proibidos. Dessa maneira se acrescentou um detalhe expurgatório relacionado com a supressão de frases, parágrafos ou partes para tornar possível a edição ou circulação de um livro. Os índices de Quiroga, como ficaram conhecidos, foram reeditados em 1612, 1632, 1640, 1707, 1747 e 1790.

Na Espanha, a palavra Inquisição adquiriu novo matiz. Em 1478, o rei Fernando II e a rainha Isabel I pediram permissão ao papa e criaram um capítulo da Inquisição na Espanha. A partir daí se perseguiram árabes e judeus. Os que não se converteram foram executados. A ascensão de Filipe II ao poder na Espanha instaurou um verdadeiro aparato de censura católica. O duque de Alba, executor das medidas, enforcou autores e editores, e chamou o diligente decano da Faculdade de Teologia de Louvain, Árias Montano, para elaborar um catálogo oficial, em 1570, com o título de Index librorum pro-hibitorum. O decreto de 15 de fevereiro de 1570 legalizou o catálogo e serviu para o confisco e destruição de milhares de livros em toda a Europa.

A Inquisição espanhola era formada por um inquisidor geral à frente do Conselho Supremo da Santa Inquisição, composto por sete membros. Cada tribunal particular dispunha de três inquisidores, um fiscal, três secretários, um oficial de justiça maior e três receptores, qualificadores e consultores. Na Espanha havia 14 desses tribunais, três em Portugal e três na América (México, Lima e Cartagena das Índias). As atividades da Inquisição aperfeiçoaram os autos-de-fé contra o pensamento alternativo. Dos índices, iniciados em 1559, passou-se logo à ação frenética contra toda opinião contrária.

A audácia de pensamento custou ao frei Luis de León dois processos de censura. O primeiro começou em 1572, e a acusação consistiu em questionar sua resistência ao texto da Vulgata latina da Bíblia e na publicação de uma tradução direta do hebraico do Cantar dos cantares. De março de 1572 até 1576, frei Luis de León esteve detido num cárcere da Inquisição de Valladolid. Anos mais tarde, em 1582, envolveram-no de novo num processo inquisitorial, por defender o jesuíta Prudencio de Montemayor. Esse caso se repetiu com outros teólogos e escritores. O humanista Francisco Sánchez, El Brocense (natural de Brozas),115 nascido em 1522 e morto em 1600, foi levado ao tribunal da Inquisição por suas afirmações heréticas e sinceras sobre aspectos particulares do culto católico. Ele, que era antes de tudo um gramático, recusava-se a ficar de joelhos para adorar imagens, assegurava que os Reis Magos não eram reis e que não foram adorar Cristo uns dias depois de seu nascimento, e sim dois anos depois, e que Cristo não havia nascido em dezembro, mas em setembro... Até 1600 ficou detido na casa do filho, mas não morreu sem assumir francamente sua adesão ao catolicismo.

A Cédula Real da regente Juana, de 7 de setembro de 1558, proibiu expressamente a importação de livros, e todos os impressores foram notificados da necessidade de pedir licença ao Conselho de Castela. O número de penas aumentou para quem fizesse contrabando de livros proibidos. O índice vetava todas as bíblias em línguas vulgares, e o processo de censura bíblica dava o privilégio de pesquisa sobre elas às universidades de Salamanca e Alcalá. Também não foi autorizada a circulação de escritos de Lutero, Calvino e Zwinglio, do Talmude, do Corão, dos livros de adivinhação, superstições, alusões sexuais ou necromancia.

Em 1566, na França, Carlos IX ratificou publicamente a lei de 1563, sobretudo seu artigo LXXVII, em que se intimidava os impressores, vendedores e autores com medidas como a prisão ou a destruição, pelo fogo, dos livros editados. Em 1571, determinou que nenhum livro podia aparecer sem permissão real, sob pena de prisão. Como bem expressou o historiador A. S. Turberville:
Não bastava publicar índices; era necessário comprovar que não se liam livros proibidos. A Inquisição utilizava agentes para fiscalizar as livrarias e também as bibliotecas particulares. Mas era nos portos de mar e na fronteira francesa onde havia mais vigilância. Examinavam-se não só os pacotes de livros, mas toda espécie de mercadoria. [...] À chegada de um barco no porto, a tripulação, passageiros e mercadorias tinham de ser inspecionados por um comissário da Inquisição. As visitas aos navios eram incômodas, impunham demoras e gastos, pois o agente cobrava por seus serviços. Os comerciantes faziam queixas constantes, especialmente em Bilbao, porto principal da costa da Biscaia; as queixas eram apoiadas pelos embaixadores de potências estrangeiras, mas tudo resultava inútil. O Estado aprovou integralmente o sistema inquisitorial de proteção à população contra o veneno da literatura nociva, e suas próprias leis de imprensa foram excessivamente drásticas [...].

Miguel de Cervantes, no capítulo VI da primeira parte do Dom Quixote, referiu-se com ironia à Inquisição e a personificou nas figuras do cura e do barbeiro, que queimaram os livros da biblioteca de Alonso Quijano por considerar que tais leituras o enlouqueceram. Também no capítulo XXXII, ainda da primeira parte, ficou retratada essa obsessão inquisitiva:

[...] Assim que leu os dois primeiros títulos, voltou-se o cura para o barbeiro e disse:

- Fazem-nos falta agora a ama e a sobrinha do meu amigo.

- Não fazem - respondeu o barbeiro -, pois também sei atirá-los ao pátio, ou à lareira, que está bem acesa.

- Então quer vosmecê queimar mais livros? - inquiriu o vendeiro.

- Apenas estes dois - disse o cura, o de Dom Cirongílio e o de Félixmarte.

- Porventura os meus livros são hereges ou fleumáticos, para que vosmecê os queime? - insistiu o vendeiro.

- Cismáticos, e não fleumáticos, é o que quereis dizer, amigo -observou o barbeiro.


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