História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez



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Os textos de Cotton
Na noite de 23 de outubro de 1731 começou um incêndio em Ashburnham House, Inglaterra. O horror desse espetáculo aumentou quando se soube que ardiam os manuscritos da coleção de sir Robert Bruce Cotton, amigo de Francis Bacon, bibliófilo excêntrico que organizou seus livros de acordo com os bustos dos imperadores de Roma.

O doutor Bentley, consciente da ameaça, conhecedor da maldição lançada à biblioteca pelo duque de Buckingham e certo de que esses livros causaram a morte de seu dono, saiu com toda pressa. Como se interessava pelo conteúdo desses livros, não hesitou em penetrar na biblioteca, arriscando a própria vida: saiu de um pulo com o chamado Codex Alexandrinus sob o braço e tentou voltar, mas foi detido.

No dia seguinte, os manuscritos preservados foram transferidos para um cômodo da Westminster School. Um ano mais tarde um informe geral dos prejuízos precisou, entre outras coisas, que de 958 manuscritos da biblioteca Cotton 114 queimaram e 98 ficaram deteriorados. Na realidade, só 13 manuscritos desapareceram totalmente e boa parte ficou em fragmentos queimados.

A lista de livros destruídos incluía:

1. Um Gênesis (Otho B.VI) em grego, um dos mais antigos, ficou reduzido a fragmentos.

2. A Vida de Alfredo, de Asser, e A batalha de Maldon (Otho A.XII), com 115 fólios perdidos.

3. O Defensor da fé, um texto sobre Henrique VIII (Vitellius B.IV), ficou em fragmentos.

4. Textos como os de Gildas (Vitellius A.VI), o manuscrito G da famosa Crônica anglo-saxônica (Otho B.XI) e a Crônica de Aethelweard (Otho A.X) ficaram em cinzas.

5. Diversas iluminuras desapareceram: uma delas era um Evangelho do século VIII elaborado em Nortúmbria (Otho C.V).

6. Quase desapareceu o Vitellius A.XV, com o único exemplar do Beowulf existente, o grande poema anglo-saxão.

Em 1753 se pensou que era uma boa idéia transferir os manuscritos Cotton para o Museu Britânico. Já nesse centro, os livros danificados foram retocados. Cada restaurador trabalhou contra o predecessor e o último, Frederic Madden, apoiado por um fundo de proteção, em 1845, fez verdadeiros milagres. Por desgraça, todo o seu trabalho, que ele próprio julgava consagrador em seu diário pessoal, acabou de maneira banal quando em 1865 um incêndio voltou a queimar manuscritos e destruiu integralmente os manuscritos Galba A.I, com a Crônica de Murimoth, e Galba A.II e III, com sermões em inglês antigo. Os manuscritos Egerton, 1961 e 1962 também queimaram, enquanto outros sofreram grave destruição. Numa nota de 22 de setembro de 1866, Madden disse que não recebeu qualquer recompensa por seu trabalho, nem sequer um simples agradecimento.

A biblioteca do Colégio Seminário de Mérida (Venezuela)

Entre os séculos XVIII e XIX existiu uma extraordinária biblioteca no Colégio Seminário da cidade de Mérida, na Venezuela. Era formada pelos livros dos padres jesuítas e agostinhos, os do bispo frei Juan Ramos de Lora e os de seu sucessor, o bispo Torrijos, que aumentou o número de obras de maneira insólita juntamente com quem seria o quarto bispo da diocese, Santiago Hernández Milanés. Torrijos, ao que tudo indica, foi um bibliófilo digno de ser lembrado por mandar trazer em mulas três mil volumes para Mérida, com textos de todos os clássicos da literatura e da teologia.

Essa biblioteca, inusitada para sua época, foi destruída pelo terremoto que acabou com a cidade de Mérida em março de 1812. O prédio ruiu e os livros, entre os quais se destacavam incunábulos e edições únicas, ficaram espalhados. Francisco Javier Irastoza, num informe de 1815, assegurou que em 1814 as tropas do espanhol Sebastián de La Calzada chegaram a Mérida e destruíram ou venderam dezenas de incunábulos. As guerras civis do século XIX completaram o trabalho de destruição.


Juan de Dios Picón, cronista minucioso, confirmou todas essas informações: [...] O terremoto, a irrupção dos inimigos da Independência, o abandono em que ficou [a biblioteca] e os saques sofridos a deixaram em estado de quase nulidade; no entanto, existem alguns volumes e bons livros que o novo reitor trata de pôr em ordem e conservar [...].

Foi uma sorte a preservação de uma editio prínceps de Galileu e outra de Baltasare Castiglione.



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