Ebla e as bibliotecas sepultadas da Síria
Em 1964, o arqueólogo orientalista Sabatino Moscati, da Universidade de Roma, empreendeu a exploração de uma colina artificial localizada em Tell Mardik, a 55km a sudoeste de Alepo, na Síria. No início, só encontrou uma porta, restos de uma muralha, templos e casas, mas em 1968 apareceu o torso da estátua de um rei cuja inscrição assinalava expressamente "soberano de Ebla", o que permitiu identificar o assentamento como a antiga cidade de Ebla, talvez a mais importante região paleossemita da Síria. No terceiro milênio antes de Cristo, esse enclave teve 250 mil habitantes e mais de 1,2 mil funcionários administrativos.
Em 1974, o assiriólogo Giovanni Pettinato foi convidado a decifrar tabletas escritas em cuneiforme, numa língua desconhecida. No mesmo ano foi descoberto o palácio real. Mas o grande achado se produziu em 1975. No início do ano apareceram mil peças, entre tabletas e fragmentos; em setembro, o arqueólogo Paolo Matthiae e um grupo de colegas italianos escavaram cuidadosamente dois ambientes do palácio G do período Ebla IIb, dentro do pátio de audiências: no chamado L. 2712, por exemplo, foram encontradas milhares de tabletas e uma sala utilizada como biblioteca. O artífice dessa descoberta comentou:
No primeiro dos ambientes (L. 2712), sem dúvida um pequeno depósito, encontraram-se mil tabletas e fragmentos no monte de azulejos crus resultantes dos desmoronamentos subseqüentes ao incêndio e à destruição [do palácio]. Evidentemente, no momento da destruição, quando o teto de madeira caiu no interior da peça e se produziram os desmoronamentos das altas e grossas estruturas que em três dos lados delimitavam o depósito L. 2712, as tabletas caíram sobre o pavimento e entre os escombros, reduzindo-se a fragmentos [...].
A organização da biblioteca de Ebla leva a pensar que seus encarregados usaram técnicas avançadas. Na sala L. 2769, que media 5,10 x 3,5m, as tabletas lexicográficas ocupavam a parede norte; as tabletas comerciais, a parede este. As tabletas eram transportadas em tábuas largas. As estantes de madeira sustentavam as tabletas e eram apoiadas em suportes verticais; o conjunto de estantes tinha pelo menos duas prateleiras. As tabletas eram depositadas em cada estante seguindo um ângulo reto. Nessa sala foram encontradas 15 mil tabletas, algumas inteiras e outras, infelizmente, em fragmentos. Uma sala adjacente à biblioteca servia para a escrita dos documentos.
As tabletas, às vezes com 30 cm de comprimento, eram escritas em ambos os lados e divididas em colunas verticais com linhas de registro. Tinham um colofão no fim e um resumo do conteúdo da obra. Havia textos administrativos de uma precisão surpreendente. Da mesma forma, textos históricos com tratados, listas de cidades conquistadas, comunicados oficiais, ordenações do rei e diferentes disposições legais. Apareceram também os primeiros dicionários bilíngües, abundantes listas com palavras em sumério e seu correspondente significado em eblaense, o que demonstra, como assinalou Pettinato, que por volta de 2500 a.C. se fazia em Ebla pesquisa filológica.
Abandonou-se essa biblioteca quando o palácio real de Ebla foi atacado e incendiado e milhares de tabletas reduzidas a fragmentos. O fogo foi devastador e os saqueadores não hesitaram em subtrair o ouro e os objetos de mais valor, deixando unicamente as tabletas feitas em pedaços. Atribui-se ao rei acadiano Naramsin (2254 a.C.-2218 a.C.) esse feito, mas Paolo Matthiae, o primeiro partidário dessa versão, agora afirma que foi o rei Sargão.
Havia outra biblioteca da Síria antiga, ainda que de menor importância, no palácio de Zimri-Lim, em Mari, uma cidade descoberta em Tell Hariri, perto do curso médio do Eufrates. Pelo que se sabe, era o ponto de controle das caravanas comerciais rumo ao golfo Pérsico e sua biblioteca continha minuciosos registros administrativos, conservados apenas em parte.
O porto mais importante da Síria foi Ugarit, num promontório chamado Ras Shamra, no sul de Latakia. A principal biblioteca da cidade era multilíngüe e subsistiu até a destruição do local em 1190 a.C. As tabletas do palácio real, preservadas em grande número, revelaram uma mitologia e religião próprias dos cananeus, e o uso multilíngüe de diversos textos demonstra que esse centro era fundamental como ponto de encontro de diversas etnias.
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