História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez



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Papéis autodestrutivos
Na antigüidade, os papiros e pergaminhos estavam condenados a uma existência efêmera que podia se prolongar ou abreviar de acordo com os mais heterogêneos fatores climáticos. Quanto ao papel, considerado suporte mais durável, sua composição de ácido (um PH entre 3 e 6) nos livros elaborados desde os anos 1850 até o fim do século XX fez com que os especialistas comprovassem que também podia se extinguir.

Ao que parece, enquanto os papéis eram feitos com trapos de linho ou algodão, sua resistência era notável, mas a introdução da pasta de madeira e dos novos processos de branqueamento e colagem provocou, como assinalou o especialista Arsenio Sánchez Hernampérez, "a presença de elementos instáveis, como as hemiceluloses ou a lenhina. Além disso, a colagem com sais de alume e colofônio acelera a já rápida deterioração do papel, pois em longo prazo facilita a formação de ácidos que fragmentam as cadeias moleculares, reduzindo seu tamanho". Em suma, o complexo de cadeias de moléculas de glicose unidas por acetais, básico na pasta de papel, tem o defeito de ser atacado por um excesso de iônios de hidrogênio. A hidrólise ácida se caracteriza por romper as uniões acetais e alterar a estrutura da celulose, causando danos irreversíveis que racham o papel.

Essa contrariedade na história do livro começou quando um impressor chamado Didot Saint-Léger, junto com Nicolas Louis Robert, desenvolveu uma máquina para suprira mão-de-obra, que era escassa e dispendiosa. Depois de várias tentativas, ambos conseguiram, não sem prejudicar a própria saúde, substituir a peneira artesanal por uma máquina composta de uma chapa movida por uma manivela. Em 1798, o invento conseguira atingir seu objetivo, que era fabricar papel, mas a falta de incentivos e não poucas dívidas obrigaram seus gestores a vender a idéia em Londres, em 1803, aos irmãos Foudrinier, que aperfeiçoaram a máquina com cilindros onde se colocava uma tela sobre a qual se depositava a pasta. O papel de algodão e linho foi sistematicamente afastado porque a máquina Foudrinier utilizava papel feito à base de extração da celulose da madeira.

O uso da madeira foi produto do isolamento da celulose realizado pelo cientista Anselme Payen, em 1839. Desde então os fabricantes de papel submeteram a madeira a tratamentos químicos para extrair a celulose por meio da eliminação da lenhina e dos materiais resinosos que unem as fibras. Hugh Burgess e Charles Watt patentearam o processo nos Estados Unidos em 1854: ferviam a madeira em soda cáustica, aplicando-lhe temperaturas elevadas, para obter fibras que, urna vez branqueadas, podiam servir para elaborar papel estucado e de impressão. Como resultado, os papéis tinham pouca resistência e se destacavam por sua opacidade e fragilidade. O refinamento desses métodos, ao longo do século XIX, aumentou os ganhos dos editores, mas condenou milhares de livros à autodestruição.

A condição desses livros impõe um dos grandes desafios aos novos bibliotecários. A IFLA revelou que só nos Estados Unidos há oitenta milhões de livros com esse tipo de papel. Na Alemanha Ocidental, trinta milhões de livros. A Biblioteca Nacional da Hungria conta com 230 mil volumes condenados a desaparecer. A Biblioteca Nacional de Paris tem milhões de livros com essa característica. O especialista David Hon precisou:
[...] Dos cerca de vinte milhões de livros e panfletos da coleção da Biblioteca do Congresso, 30% se encontram em estado tão crítico de conservação que não podem circular. Uma inspeção na Biblioteca Pública de Nova York mostrou que metade de seus mais de cinco milhões de livros se encontravam à beira da desintegração. O fenômeno pode ser observado nas maiores bibliotecas universitárias ou de pesquisa. Millicent Abell, da Biblioteca da Universidade de Yale, estimou que cerca de 76 milhões de livros de todo o país poderiam se converter literalmente em pó [...].
Longe de considerar fantasiosa essa informação, deve-se fazer uma séria reflexão sobre o impacto desse fenômeno na realidade das bibliotecas atuais, com baixos orçamentos e crises mais ou menos constantes. Um estudo de Richard Smith, de 1972, em torno da conservação de vinte exemplares de uma mesma edição, na Lawrence University, Newberry e na New York Public Library, demonstrou que a deterioração é acelerada. O cotejo dos dados finais provou que a vida média se reduzia à metade num período de 12,8 anos para a New York Public Library ou de 17,6 anos na Lawrence University. Smith conseguiu fixar uma taxa de degeneração de 57% a cada 15 anos e de 58% a cada vinte anos para um exemplar.

Tempo depois, Smith comentou que a percentagem de alteração era de 4,66% anuais. O que isso significa? Basta imaginar que uma coleção de 14 milhões de livros, com um custo de substituição de cem dólares por unidade, custaria 1,4 bilhão de dólares e, se for aplicada a taxa de perda de resistência a 4,66%, a depreciação da coleção seria de 65,3 milhões de dólares anuais ou, para ser mais contundente, 178.700 dólares diários. Em 1985, havia trezentos milhões de volumes nas bibliotecas dos Estados Unidos, e essa cifra pode ilustrar como os recursos econômicos necessários para atenuar os efeitos da degradação ácida seriam quatro vezes superiores ao orçamento bibliotecário de todo o país. Isso sem considerar os danos que os livros sofrem pelo uso, por agentes biológicos e pela fotocópia.

Vários fatores podem acelerar a destruição do papel. Um ambiente inadequado, por exemplo, é prejudicial, e também a umidade, a péssima ventilação, a atmosfera seca, a alta temperatura, a contaminação ou o excesso de luz. A luz, em qualquer de seus comprimentos de onda - visível, infra-vermelha ou ultravioleta (UVA) -, contribui para a decomposição química de todo material orgânico por oxidação. Se o leitor deixar um livro ao lado de uma janela pela qual entra muita luz, observará que as páginas se descolorem com os dias e adquirem um aspecto amarelado, sintoma evidente do que foi dito. A radiação UVA, cada dia mais freqüente, ocasiona essa aparência quebradiça dos papéis compostos de celulose.

Buscam-se certamente diferentes soluções para deter a degradação ácida do papel. Diante dos custos que podem ter esses tratamentos, o polêmico romancista Nicholson Baker escreveu que os diretores da Biblioteca Britânica ou da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos preferem salvar os livros e periódicos antigos por meio da mais misteriosa solução de todos os tempos: diminuir os orçamentos de restauração e conservação e aumentar os do uso do microfilme. Uma vez microfilmado um documento ou livro, disse Baker, o original é descartado. Além das razões de economia do espaço, Baker assinalou que em 1950 a CIA e a Biblioteca do Congresso privilegiaram as novas tecnologias e optaram por fazer desaparecer milhares de livros, sem garantia que permitisse pensar que o microfilme será mais duradouro do que o papel: "A Biblioteca do Congresso gastou enormes somas para microfilmar livros e sua conservação ascende ali milhões por ano, dinheiro suficiente para comprar um imenso depósito para guardar todo um século de jornais. É possível que os hierarcas da biblioteca sejam tão grotescamente ineptos para não prever o afortunado e inevitável crescimento do conhecimento humano deste país?

O certo é que Baker, com suas pesquisas e críticas, desencadeou um debate acalorado em torno da veracidade, exagero ou falsidade de suas afirmações.

Pessoalmente, julgo completamente verídico o que aconteceu na Biblioteca Britânica e na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, e duvidoso o que se relaciona com as perdas na Biblioteca de San Francisco e o da conspiração da CIA para impor uma tecnologia. No entanto, a discussão permitiu que os leitores conhecessem uma situação penosa: também as bibliotecas destroem livros, documentos, jornais e revistas.



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