História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez



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PRIMEIRA PARTE

O Mundo Antigo
CAPÍTULO 1

Oriente Médio
A destruição de livros começa na Suméria
Os primeiros livros da humanidade apareceram na ignota e semi-árida região da Suméria, no mítico Oriente Médio, na Mesopotâmia (hoje sul do Iraque), entre os leitos dos rios Eufrates e Tigre, há aproximadamente 5.300 anos, depois de um sinuoso e arriscado processo de aperfeiçoamento e abstração. De maneira estranha, no entanto, esses mesmos livros começaram a desaparecer de imediato, em parte por seu material, a argila, em parte por desastres naturais, como as inundações, ou pela mão violenta do homem.

Esse paradoxo singular da civilização foi raramente considerado com atenção, apesar de ser a chave de toda nossa história. Até o momento, não se conhece a quantidade de livros destruídos na Suméria, mas não é despropositado supor que supera os cem mil, devido aos conflitos bélicos que assolaram a região. Um achado arqueológico de 1924 revelou a existência dos livros mais antigos conservados até agora. A exploração da camada IV do templo da temida deusa Eanna, na cidade de Uruk, desenterrou várias tabletas de argila, algumas inteiras, mas outras em fragmentos, pulverizadas ou queimadas, que podem ser datadas entre os anos 4100 a.C. ou 3300 a.C. Essa descoberta, que não é definitiva, porque a arqueologia não é religião nem insulto, apresenta-nos um dos grandes paradoxos do Ocidente: a prova do início da civilização, da escrita e dos livros é, também, a de suas primeiras destruições.

Esse estrago não foi natural, espontâneo ou imediato, e sim provocado, premeditado e lento, pois as guerras entre cidades-Estado provocavam incêndios e, em meio ao ruído dos combates, as tabletas caíam de suas estantes de madeira e se partiam em pedaços ou ficavam ilegíveis. O Hino a Iishbierra estabelecia como objetivo de um ataque: "Além da ordem de Enlil de reduzir a ruínas o país e a cidade de..., havia como destino aniquilar sua cultura." Outro elemento destrutivo foi a técnica de reciclagem: as tabletas danificadas eram usadas para construir azulejos ou pavimentar cidades. O outro fator realmente nocivo foi a água. As inundações causadas pelos rios Tigre e Eufrates acabaram com povoados inteiros e, certamente, com seus arquivos e bibliotecas. Não é estranho que na Mesopotâmia, onde a água era considerada uma divindade incontrolável e caprichosa, inimiga dos deuses da memória, surgisse o mito do dilúvio universal.

Esses fatores aceleraram o desenvolvimento de meios mais eficazes de preservar a qualquer custo os textos. Os sumários, ou cabeças negras, acreditavam na origem sobrenatural dos livros e atribuíam a Nidaba, a deusa dos cereais, sua invenção. Para se ter idéia da importância que a escrita teve para eles, convém lembrar a lenda de Enmekar (2750 a.C.), rei da cidade de Uruk, herói respeitado e temido, condenado a beber água putrefata no inferno por não ter deixado escritas suas façanhas. Outro mito fala de um rei de Uruk que decidiu inventar a escrita porque seu principal mensageiro fez uma viagem muito longa e, ao chegar ao destino, estava tão cansado que não pôde dizer nada. Desde então se considerou mais adequado enviar as mensagens por escrito.

Os escribas, casta de laboriosos funcionários palacianos, oravam à deusa Nidaba antes e depois de escrever. Formavam uma escola que transmitia os segredos dos signos por intermédio de uma religião secundária. Tinham a disciplina da magia, e a ascensão na casta supunha um longo aprendizado. Conheciam de memória a flora, a fauna e a geografia de seu tempo, as matemáticas e a astronomia. Nada lhes era alheio, como demonstrou a tradução dos textos de Nippur. O primeiro grau era o de dub-sar (escriba); seguia-se, depois de vários anos de ofício, o de ses-gal (grande irmão); e culminava como um mi-a (mestre), uma grande distinção. Esse grau liberava o escriba de qualquer culpa.

Por volta de 2800 a.C., os reis, não sem algum temor, delegaram aos escribas o poder absoluto sobre a custódia dos livros. Dessa forma, as mudanças políticas não alteraram a condição histórica dominante. Os arquivos se converteram em refúgio e garantia da continuidade ontológica do povo. Os acadianos, por exemplo, quando conquistaram os sumérios, reformaram os códigos e os costumes, mas subjugaram os escribas e os obrigaram a ensiná-los a escrever. Os assírios, os amoritas e os persas fizeram o mesmo. De fato, os mesmos signos de escrita serviram para a exposição dos mais diversos sistemas de idiomas.

É curioso que os zigurates, ou templos escalonados da Suméria, tenham sido construídos com o mesmo material com que se fabricaram os primeiros livros, isto é, com argila. Portanto, ambos deviam ser úteis ou mágicos. Os templos eram arquivos e organizavam a administração precisa da cidade; os livros eram uma metáfora do templo. As tabletas eram feitas com uma argila aquecida até adquirir condição própria para a escrita; algumas tabletas eram pesadas, motivo pelo qual muitas vezes duas pessoas participavam de sua composição: um segurava a tableta, o outro redigia.

O estilo da escrita era cuneiforme, isto é, gravado em forma de cunha ou incisões. Escrevia-se com um cálamo de cana ou de osso. No início, essa escrita, que tinha função estritamente mnemônica, era pictográfica e logo se tornou tão complexa que os signos, ao adquirir uma condição fonética, reduziram-se de dois mil a menos de mil. A língua era (assim se determinou) aglutinante, isto é, construída sobre uma raiz invariável a que se justapunham outras palavras para lhe dar sentido. Um texto começava no canto superior direito e a direção da escrita seguia, ainda que nem sempre, uma orientação vertical.

Uma vez concluído o período conhecido como Uruk IV, por volta de 3300 a.C., sobreveio o período Uruk III e aumentou consideravelmente a elaboração de tabletas e a criação das primeiras bibliotecas, cujas prateleiras incluíam registros econômicos, listas lexicográficas e catálogos de flora, fauna e minerais. Em Ur e Adab foram encontrados restos das tabletas de duas bibliotecas ativas, em torno dos anos 2800 a.C.-2700 a.C. Entre 2600 a.C. e 2500 a.C., houve várias bibliotecas em Fará, Abu Salabik e Kis, com os consabidos registros econômicos e as listas genéricas, mas também com textos de poesia, magia e escritos paremiológicos (ou de provérbios). O mais parecido a um livro atual procede dessa época, quando os escribas desenharam textos em cuja parte superior indicavam os nomes do redator e do supervisor, uma inovação memorável.

A biblioteca de Lagas, cinqüenta ou cem anos depois, continha inscrições históricas, a chamada Estela dos Abutres, e documentos historiográficos. Por volta de 2200 a.C., o príncipe Gudea criou uma biblioteca com textos históricos e poemas da primeira escritora conhecida do planeta, Enkheduanna, filha do famoso Sargão de Akkad. Esses poemas eram hinos à terrível deusa Inanna. Havia também rolos com textos. Um desses cilindros era dividido em duas partes. Uma delas indicava que era a metade, enquanto a outra se referia ao fim da composição.

Nos anos 2000 a.C.-1000 a.C., havia bibliotecas ativas em Isin, Ur e Nippur, as duas primeiras nos palácios reais das cidades e a última na área onde habitavam os escribas. Em Ur (hoje Muqay-yar) são conhecidas as ruínas de casas que foram devastadas e, em seu interior, se desenterraram tabletas de arquivos familiais que datam de 1267 a.C., aproximadamente, isto é, em pleno período casita, que oscilou entre 1595 a.C. e 1000 a.C.

Em Ur foram achados arquivos e bibliotecas do período elamita, particularmente em Kabnak (hoje Haft Tepe), e também arquivos num palácio de Anshan (Tall-e-Malyan). A maior parte das tabletas, que no caso dos achados de Nippur superam as trinta mil, repetia os esquemas econômicos tradicionais. De um lado, incluíram os primeiros textos em língua acadiana; de outro, apresentaram os primeiros catálogos de biblioteca, umas listas com os títulos das obras e a primeira frase do escrito. Dessa época procedem novos gêneros: a himnografia dedicada a reis, as listas reais, as cartas, e a própria caligrafia deu um salto. As bibliotecas recebiam o nome autóctone de e-dub-ba (casa das tabletas). Nos achados de Nippur (hoje Niffer), a sudeste da Babilônia, descobriu-se uma região com milhares de tabletas em pedaços, ou completamente desfeitas; e do período casita se acharam umas 12 mil tabletas e milhares de fragmentos de outras.

Além das mencionadas, houve outras dezenas de bibliotecas em toda essa faixa, ainda sepultadas, ironicamente saqueadas depois da invasão do Iraque em 2003. Mas o fator predominante é o mesmo em todos os casos: as primeiras bibliotecas do mundo estão em ruínas e mais da metade de seus livros foi destruída.


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