História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez



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Quando os autores se arrependem
O medo, o abatimento ou a decepção fizeram com que muitos escritores destruíssem seus livros ou manifestassem no leito de morte desejo pelo seu desaparecimento.

O poeta Públio Virgílio Marão ditou seu testamento e ordenou a queima de seu poema épico Eneida. No dia anterior à sua morte, pediu os scrinia (uma espécie de caixa cilíndrica para guardar livros) com o propósito de queimar o poema com as próprias mãos, mas ninguém obedeceu e ele morreu convencido que seu texto estava incompleto. Plínio, acreditando ser Otávio Augusto o salvador do livro, informou que o imperador é que havia proibido sua destruição. Ovídio, no exílio, confessou ter queimado seus poemas porque o decepcionavam.

O poeta inglês John Donne escreveu Biathanatos para estudar o suicídio, mas não estava convencido de seu valor. Borges comentou: "Este tratado foi escrito no início do século XVII pelo grande poeta John Donne, que entregou o manuscrito a Sir Robert Carr com a alternativa de mandar imprimi-lo ou queimá-lo. Donne morreu em 1631; em 1642, estalou a guerra civil; em 1644, o filho mais velho do poeta mandou imprimir o manuscrito 'para defendê-lo do fogo'."

William Collins, leitor de Safo, Alceu e Píndaro, e uma das promessas maiores e mais interrompidas da literatura inglesa, queimou muitos exemplares de seu livro Odes on several descriptive and allegoric subjects (1747), preocupado com sua aceitação.

Já certo de sua glória e incomodado com a possibilidade de que alguns manuscritos mal redigidos fossem lidos depois de sua morte, Adam Smith, autor de A riqueza das nações (1776), "destruiu muitos textos seus, entre os quais estariam os relacionados com a retórica" (as leituras realizadas em Edimburgo e as conferências sobre teologia natural sobre jurisprudência feitas em Glasgow).

Há testemunhas que confirmam que Robert de Paul Lamanon queimou quase toda a primeira edição de sua Mémoire litho-géognosique sur le valle de Cahmpseur et Ia montagne de Drouvierre dans le Haut-Dauphiné (1784). Ficou com 12 exemplares que levou consigo a uma expedição, mas o naufrágio do navio em que viajava acabou com os livros. Outra versão diz que se salvou do naufrágio e foi assassinado pelos selvagens, em 10 de dezembro de 1787, na ilha de Maonna, deixando os livros à mercê de uma inevitável destruição.

Um poeta inglês pouco lembrado, Robert Tannahill, autor de The soldiers return: a scottish interlude in two acts, with other poems and songs (1807) e de Poems and songs (1815), queimou quase todos seus papéis por não encontrar editor para seus poemas depois da publicação de seu primeiro livro em 1807.

A edição de Shadows of the clouds (1847), de James A. Froude, apareceu em Londres sob o pseudônimo de Z, mas o pai do autor queimou tudo o que pôde encontrar.

O executor do testamento do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) encontrou, depois da morte dele, muitos originais sobre filosofia e vários apontamentos. Algumas dessas anotações estavam escritas em inglês e tratavam de problemas sexuais e fantasias eróticas do autor. Como ele fora um misógino e se envolvera na queda de uma mulher pelas escadas, o testamenteiro acreditou interpretar a vontade do pensador e queimou em segredo os papéis.

James Fenimore Cooper, autor do romance O último dos moicanos, queimou todos os seus manuscritos em 1826. James Thomson, autor de The city of dreadful night, descreveu em seu diário como em certa ocasião sentiu um enorme terror ao queimar seus escritos. "Queimei todos meus velhos papéis, manuscritos e cartas, exceto o manuscrito do livro já impresso em sua maior parte. Demorei cinco horas para queimá-los, tomando cuidado para não incendiar a lareira e vigiando ao mesmo tempo a combustão. Sentia-me triste e estúpido; mal os olhei; se tivesse começado a lê-los talvez não fosse capaz de destruí-los.

Em 23 de outubro de 1873, Arthur Rimbaud viajou a Bruxelas para buscar exemplares recém-publicados de seu livro Uma temporada no inferno (53 páginas). O editor em Bruxelas, dono da Jacques Poot et Cie., adiantou-lhe dez ou vinte exemplares. Levou um ao porteiro da prisão onde se encontrava Verlaine, outro a Millot, a Delahaye e a Forain (há provas de que o exemplar de Forain foi vendido em 1998 no leilão de Hugues), mas não é impossível que tenha queimado pelo menos um exemplar quando se refugiou em Charleville e destruiu seus manuscritos. O restante da edição permaneceu num depósito até ser encontrado em 1901.

Além do próprio autor, os amigos também podem promover a destruição de uma obra. Basta lembrar Gustave Flaubert. Em setembro de 1849, ele convidou, para sua casa de Croisset, nos arredores de Rouen, dois de seus melhores amigos (Maxime Du Camp e Louis Bouilhet) para ouvirem a leitura de um manuscrito. Tratava-se de A tentação de Santo Antão, livro estranho escrito a partir da impressão que lhe causara um quadro de Bruegel. Em quatro jornadas de quatro horas, leu-lhes o texto, mas o veredito dos amigos foi negativo: "Você deve queimá-lo e nunca mais falar dele.

Em Al Aaraaf, Tamerlane and minorpoems (1829), Edgar Allan Poe informou que a edição de sua primeira coletânea, intitulada Tamerlane and other poems (1827), fora "suprimida por causa de circunstâncias de natureza privada". Essa frase foi intensamente debatida nos últimos anos. Segundo alguns, Poe não pôde cancelar a edição e teve de se resignar a perder os exemplares; outros, em compensação, afirmam que Poe destruiu todos os exemplares num ato de autocrítica.

Tamerlane foi editado em junho ou julho de 1827 na gráfica de Calvin Frederick Stephen Thomas, com quatro páginas em latim, numeradas da 5 até a 40. Um especialista como Thomas Ollive Mabbot garantiu que se imprimiram duzentos exemplares, enquanto James Albert Harrison achou que só foram quarenta. Menciono estes dados porque hoje só se conhecem 12 exemplares. O resto simplesmente desapareceu ou foi destruído.

Em Crônica pessoal (1912), Joseph Conrad admitiu que seu pai, revolucionário polonês, eficiente tradutor de Shakespeare e Victor Hugo, mandou queimar os seus manuscritos. A descrição ainda nos comove: "[...] Procedeu-se à queima sob sua própria supervisão. Naquela noite entrei em casa pouco antes do que costumava, e sem que ninguém percebesse minha presença vi como a enfermeira alimentava as chamas da lareira [...]."

Franz Kafka pediu a Max Brod que queimasse seus cadernos. Deixou-lhe, de fato, esta mensagem: "Querido Max. Meu último desejo: tudo o que escrevi é para ser queimado, sem ler." Por sorte, Brod não queimou nada. Para Dora Dymant, em compensação, Kafka pediu a mesma coisa e, como fiel amiga, queimou toda a última parte de seu diário. Borges, um tanto sarcástico, disse que quando um homem "quer o desaparecimento de seus livros não encarrega a tarefa a outros".

O poeta colombiano Germán Pardo Garcia queimou seu livro El árbol del alba (A árvore do amanhecer, 1928) na frente de seu amigo Germán Arciniegas.

O venezuelano Enrique Bernardo Núnez (1895-1964), autor de Cubagua (1931), lançou, decepcionado, às águas do rio Hudson toda a edição de 1938 de seu romance A galera de Tibério. O romance O girassol foi queimado por Eduardo Santa, colombiano, depois do 9 de abril de 1948. Hoje só resta um exemplar dessa primeira edição.

No misterioso incêndio de sua choupana em 7 de junho de 1944, Malcolm Lowry perdeu o manuscrito de In ballast to the White Sea, e, se é verdadeiro o testemunho de sua segunda esposa, perderam-se mais de duas mil páginas manuscritas. Não faltou quem recriminasse Lowry por ter incendiado seu próprio lar.

Ernst Jünger em seu Diário de guerra e ocupação reconheceu ter queimado documentos em 1945 por temer os aliados: "De modo que naquele dia fiz o primeiro auto-de-fé, ou, para ser mais exato, joguei grande quantidade de papéis nas latas de lixo do pátio. Diários a partir de 1919, poesias e cartas. Joguei sem pesar; os acontecimentos tinham um caráter que impelia à ação. Havia que soltar lastro. Até tive uma sensação agradável [...]."

Borges, em Um ensaio autobiográfico, não escondeu a queima de seus primeiros livros. "Até alguns anos atrás, se o preço não fosse excessivo, costumava comprar exemplares deles e os queimava." Até os últimos anos de vida, se negou a reeditar três livros seus da segunda década do século XX: Inquisições (1925), O tamanho da minha esperança (1926) e O idioma dos argentinos (1928).

Ao morrer, Emil Cioran deixou 34 cadernos de mil páginas, com uma precisa indicação: "Destruir."

E há muitos mais casos, alguns sequer registrados em virtude do pudor de seus autores.


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