Ilê Oyá Tade, em Teresina-Pi



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A Gastronomia e o Sagrado: Os Atos de Comer na Cozinha Ritual no Terreiro de Candomblé Ilê Oyá Tade, em Teresina-Pi
Joanna Vilanova¹; Fhanuel Andrade²
¹Eixo Tecnológico de Hospitalidade e Lazer, Instituto Federal do Piauí, joannavilanova@hotmail.com

Palavras-chave: Gastronomia – Candomblé – Cultura – Hibridismo.


INTRODUÇÃO

No contorno das religiões, o Candomblé é uma das que acrescenta ampla importância à Gastronomia em seus cerimoniais de cozinha, que são assazmente definidos e abarrotados de diversas acepções, principalmente no que diz respeito ao ato de comer.

Comer é, antes de tudo, se relacionar. O que é oferecido é codificado na complexa organização do terreiro, assim circulando e se renutrindo. Há sentido e função em cada ingrediente, e há significados nas quantidades, nos procedimentos, nos atos das oferendas, nos horários especiais e dias próprios, no som dos cânticos, de toques de atabaque, agogô, cabaça e edjá ou do pão – bater palmas seguindo ritmos específicos (LODY, 2012, p.29).

Comer, então, no ponto de vista da crença do terreiro remete ao ato de cultuar, zelar, conservar os princípios que fazem o próprio axé (poder, força), enquanto a grande unidade do Candomblé, bem como a grande conquista do ser devoto do terreiro.

[...] o Candomblé é uma das religiões que mais possuem rituais interligados por alimentos, onde maneiras de preparar, de oferecer, atitudes e os rituais propriamente ditos estão repletos de significados simbólicos, econômicos e sociais... (BELTRAME; MORANDO, 2008, p.246).

O trabalho nasceu da intenção de estudar como a Gastronomia manifesta-se nos rituais religiosos no terreiro de Candomblé.

O costume de oferecer alimentos aos deuses reforça a fé e as identidades (LODY, 2012, p. 31).

A oferenda de comidas aos deuses desdobra-se ao dia a dia, pois a intenção do alimento, muitas vezes, é de compartilhar e confraternizar com o próximo durante os cultos e festas sagradas.

Dessa forma, essa pesquisa visa identificar os atos de comer na cozinha ritual dos terreiros de Candomblé Ilê Oyá Tade, verificar quais os alimentos utilizados nesta cozinha, bem como sua simbologia para os cerimoniais do Candomblé, identificar o processo de preparação dos alimentos realizados pelas iabassês utilizados nos ritos religiosos e reconhecer seu hibridismo gastronômico-cultural ao passo que une ingredientes de distintos povos em prol da harmonia entre divindades e homens.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os métodos de abordagem do presente trabalho foram o hipotético-dedutivo e o qualitativo. Com o método hipotético-dedutivo observou-se os fenômenos, no caso, os rituais gastronômicos realizados no Candomblé. Posteriormente, percebeu-se a relação entre a Gastronomia e a Religiosidade e por último constatou-se a generalização da importância dessa relação no plano do hibridismo cultural.

Com o método qualitativo, buscou-se delinear os elementos factuais por meio de uma captação na qual o pesquisador acredita ser pertinente com seus conhecimentos pessoais e sociais, destacando a importância da gastronomia em outras esferas, ou seja, a ressignificação do alimento a partir do momento que torna-se simbólico no campo da religiosidade.

As técnicas de pesquisa utilizadas foram documental direta, com pesquisa de campo diretamente onde ocorreram os rituais gastronômicos, bem como técnicas de observação por meio de entrevista estruturada.

A priori, o contato com o terreiro de Candomblé realizou-se por meio de fontes bibliográficas a fim de um embasamento teórico.

A triagem do referencial teórico delineou-se nas seguintes áreas: História da Gastronomia, Antropologia, Sociologia e Estudos Culturais. O corpus escolhido, que foi o terreiro Ilê Oyá Tade, que na linguagem yorubá significa Casa da Coroa de Iansã, em Teresina-PI.
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os atos de comer identificados na cozinha ritual do terreiro de Candomblé em estudo foram a feitura e os rituais oferecidos para os Orixás Ogum, Oxalá e Iansã, apesar de ocorrerem no terreiro rituais votivos para todos os Orixás.

As comidas preferidas do Orixá da guerra, Ogum, identificadas foram: feijão-cavalo, bife de carne bovina, feijão preto (feijoada), pratos voltados para pessoas que necessitam de muita força, como por exemplo, para o trabalho. Suas preferências alimentares são calóricas, representando a energia de Ogum. Seus ewós são: camarão, cajá, quiabo e peixe de couro.

Oxalá, protetora dos deficientes, albinos e aleijados em geral, tem preferência por um cardápio de alimentos como: canjica, arroz e pombo, frutas frescas, água, bebidas destiladas, mel, e azeite ou sangue, alimentos encontrados no ebó, que incide em vários rituais que ajustam: saúde, amor, prosperidade, trabalho profissional, equilíbrio, harmonia familiar, etc. na vida dos homens. O sal tornou-se uma das interdições de Oxalá, ou seja, Oxalá tem Ewó de sal (repúdio).

Iansã, protetora das grandes demandas, tem seu ritual iniciado com uma semana de antecedência, os pratos de preferência de Iansã são: acarajé, vatapá, abará, caruru e o amalá por seu parentesco com Xangô, em que o azeite doce, ingrediente encontrado nesse último prato, por ser difícil de encontrar é substituído pelo azeite de oliva.

Percebeu-se que em todos os rituais há a comida para o santo e a comida de Jeri, que são os filhos de santo. Exemplificou-se essa afirmação com o acarajé de Iansã, que para o assentamento do santo é preparado no formato de uma bola fechada com a massa do feijão fradinho e oferecido exclusivamente para o santo, logo na comida de Jeri o acarajé é recheado com vatapá, camarão e temperos. Notou-se também que comida para consumo, que é a de Jeri é oferecida após o pedido do Pai-de-santo e dos irmãos mais velhos para o Ajeum, que quer dizer pedir permissão para o ato de comer.

Reconheceu-se que quem realiza a produção dos alimentos no terreiro é uma iabassé apenas, conhecida como a guardiã da cozinha, entretanto às vezes, o Pai-de-santo nomeia algum Filho para desenvolver esse cargo, caso ela não possa desenvolvê-lo.

Verificou-se que a multiplicidade dos mantimentos proporcionados resultou na presença do hibridismo cultural, mais exatamente o hibridismo gastronômico, composto por alimentos de base de influências de negros, índios e portugueses, e com o transcorrer do tempo de alimentos de outras culturas, formando assim a aculturação dos povos.

A substituição de ingredientes semelhantes, caso não fossem encontrados no momento dos rituais por ingredientes que dispunham, consentindo, desta forma, a uma influência recíproca entre os homens e as divindades por meio dos alimentos também pôde ser percebida. Influências estas que estendem-se para o cotidiano dos indivíduos ao descobrirem novos sabores.

Conforme o filho-de-santo Dailton os rituais realizados diferem muito de terreiro para terreiro, bem como os pratos elaborados, o modo de preparo, quem os prepara, e suas simbologias.

Averiguou-se a relevância da valorização da imagem socializadora da Gastronomia no ambiente religioso nas consagrações votivas, já que são responsáveis pela ligação entre os homens e as divindades em configuração de oferenda alimentar para os deuses, aumentando dos vínculos religiosos e éticos que conectam os simpatizantes das religiões afro-brasileiras, robustecendo a fé e as identidades (LODY, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cozinha dos orixás é fortemente marcada pela cozinha africana (como o azeite de dendê, o feijão fradinho), entretanto, ao passo em que a religião instalou-se no Brasil juntamente com os negros e tornou-se uma religião afro-brasileira essa cozinha passou por um processo de aculturação, que é reconhecido como hibridismo cultural, em que alimentos indígenas, como: (mandioca, milho) e portugueses, como: (batata, vinho, azeite de oliva) passaram a incorporá-la, e com o passar dos tempos ingredientes de outras culturas também aderiram às comidas de santo em alguns terreiros de Candomblé.

Esse hibridismo foi identificado no ritual presenciado, em que havia a cultura gastronômica de vários povos, como feijões, tapiocas, doces, isto é, alimentos advindos dos negros, índios e portugueses, base da gastronomia brasileira e que servem para harmonizar a relação de deuses e homens. O hibridismo cultural teve função de permitir a sobrevivência do Candomblé por meio de trocas comensais, em que as variedades permitiram o acréscimo de opções e as substituições na falta de algum ingrediente, como o azeite de oliva no lugar do azeite de coco no terreiro Ilê Oyá Tade.


REFERÊNCIAS

LODY, R. Santo também come. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.



BELTRAME, I.L, MORANDO. M. O sagrado na cultura gastronômica do Candomblé. In: Antropologia e saúde. 2008,05/26: 242-48.



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