2. Efeitos Diferenciais da Satisfação
Quase sempre associada às atitudes negativas em relação à necessidade está a concepção de que a finalidade [pág. 55] primordial do organismo é livrar-se da necessidade incômoda e, por conseguinte, lograr uma cessação de tensão, um equilíbrio, uma homeostase, uma aquietação, um estado de repouso, uma ausência de dor.
O impulso ou necessidade pressiona no sentido da sua própria eliminação. O seu único esforço é para a cessação, para a sua própria extinção, para um estado de inexistência. Levado ao seu extremo lógico, vamos acabar no instinto de morte de Freud.
Angyal, Goldstein, G. Allport, C. Buhler, Schachtel e outros criticaram com eficácia essa posição essencialmente circular. Se a vida motivacional consiste, em sua essência, numa remoção defensiva de tensões irritantes e se o único produto final da redução de tensão é um estado de expectativa passiva de que surjam mais irritações indesejáveis que, por seu turno, terão de ser dissipadas, então como é que ocorrem mudanças, como se dá o desenvolvimento, ou movimento, ou se define uma direção? Por que é que as pessoas melhoram ou se aperfeiçoam ou progridem? Como ficam mais experientes ou mais criteriosas? O que significa o gosto pela vida?
Charlotte Buhler (22) sublinhou que a teoria da homeostase é diferente da teoria do repouso. Esta última teoria fala, simplesmente, de remoção de tensão, o que implica que a tensão zero é a melhor. Homeostase significa chegar, não a zero, mas a um nível ótimo. Isso quer dizer por vezes, redução da tensão, outras vezes aumento da tensão, por exemplo, a pressão sanguínea pode ser excessivamente baixa ou excessivamente elevada.
Num caso ou noutro, a falta de direção constante durante o período de vida é óbvia. Em ambos os casos, o crescimento da personalidade, os aumentos em sabedoria, individuação, fortalecimento do caráter e o planejamento da nossa própria vida não estão nem podem ser explicados. Algum vector a longo prazo ou tendência direcional terá de ser invocado para dar sentido ao desenvolvimento durante todo o tempo de vida (72).
Essa teoria deve ser abandonada como uma descrição inadequada até da própria motivação por deficiência. O que está faltando, neste caso, é a conscientização do princípio dinâmico que conjuga e relaciona entre si todos esses distintos episódios motivacionais. As diferentes necessidades [pág. 56] básicas estão mutuamente relacionadas numa ordem hierárquica, de tal modo que a satisfação de uma necessidade e sua conseqüente remoção do centro do palco provocam não um estado de repouso ou de apatia estóica, mas, antes, o aparecimento na consciência de outra necessidade “mais alta”; a carência e o desejo continuam, mas em nível “superior”. Assim, a teoria de “retorno ao repouso” não é adequada nem mesmo para a motivação por deficiência.
Contudo, quando examinamos pessoas que são predominantemente motivadas para o crescimento, a concepção motivacional de “retorno ao repouso” torna-se completamente inútil. Em tais pessoas, a satisfação gera uma crescente, não decrescente, motivação, uma excitação intensificada, não atenuada. Os apetites são intensificados. Avolumam-se e, em vez de querer cada vez menos, a pessoa quer cada vez mais, por exemplo, educação. Em vez de chegar a um estado de repouso, a pessoa torna-se mais ativa. O apetite de crescimento é estimulado pela satisfação, não aliviado. O crescimento é, em si mesmo, um processo compensador e excitante, por exemplo, a realização de anseios e ambições, como ser um bom médico; a aquisição de aptidões admiradas, como tocar violino ou ser um bom carpinteiro; o recrudescimento constante da compreensão sobre outras pessoas ou sobre o universo, ou sobre nós próprios; o desenvolvimento da criatividade em qualquer campo ou, mais importante ainda, a simples ambição de ser um bom ser humano?
Wertheimer (172) salientou há muito tempo outro aspecto dessa mesma diferenciação, ao afirmar, num aparente paradoxo, que a atividade para a realização de autênticos objetivos cobre menos de 10% do seu tempo. A atividade pode ser desfrutada intrinsecamente (a atividade pela atividade) ou então só tem valor porque constitui um instrumento para gerar uma satisfação desejada. Neste último caso, perde o seu valor e deixa de ser agradável quando não consegue ser eficiente ou bem sucedida. Mais freqüentemente, não é motivo de prazer algum, visto que só o objetivo é saboreado. Isso é semelhante àquela atitude em relação à vida que a aprecia menos pelo que ela é o pelo que nos oferece do que pelo fato de, no fim dela, irmos para o Céu. A observação em que se baseia essa generalização é que as pessoas dotadas de capacidade; [pág. 57] de individuação desfrutam a vida em geral e, praticamente, em todos os seus aspectos, enquanto que as outras pessoas gozam apenas de momentos dispersos de triunfo, de realização ou de clímax ou experiências culminantes.
Em parte, essa validade intrínseca da existência provém da natureza inerentemente agradável do crescimento e do ser crescido. Mas também promana da capacidade das pessoas sadias para transformarem a atividade-meio em experiência-fim, de modo que até a atividade instrumental é desfrutada como se fosse uma atividade final (97). A motivação do crescimento pode ter um caráter a longo prazo. A maioria do tempo de vida poderá estar envolvida em tornarmo-nos tons psicólogos ou bons artistas. Todas as teorias de equilíbrio, ou homeostase, ou repouso, tratam apenas de episódios a curto prazo, cada um dos quais nada tem a ver com os outros. Allport, em particular, sublinhou esse ponto. Traçar planos e pensar no futuro, acentuou ele, fazem parte da substância central ou da natureza humana sadia. Concorda Allport (2) que “os motivos de déficit requerem, de fato, a redução de tensão e a restauração do equilíbrio. Os motivos de crescimento, por outro lado, mantêm a tensão no interesse de objetivos distantes e freqüentemente inatingíveis. Como tal, eles fazem distinção entre o devir animal e o devir humano, e entre o devir infantil e o do adulto”.
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