Introdução a Psicologia do Ser



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Os Problemas de Controle e Limites

Outro problema com que se defrontam os teóricos da moral interna é o de explicar a fácil autodisciplina que habitualmente se encontra nas pessoas autênticas, genuí­nas, auto-realizadoras, e que não se observa nas pessoas comuns.

Nessas pessoas sadias, verificamos que dever e prazer são a mesma coisa, assim como são sinônimos trabalho e jogo, egoísmo e altruísmo, individualismo e companhei­rismo. Sabemos que elas são assim, mas ignoramos como se fizeram assim. Tenho a forte intuição de que tais pessoas autênticas, plenamente humanas, são a concre­tização do que muitos seres humanos também poderiam [pág. 195] ser. Entretanto, deparamos com o triste fato de tão poucas pessoas alcançarem esse objetivo, talvez apenas uma em cem ou duzentas. Podemos alimentar esperanças pela humanidade porque, em princípio, qualquer um poderá tornar-se um bom e sadio ser humano. Mas também nos devemos sentir tristes porque são poucos os que, real­mente, se tornam homens bons. Se desejamos apurar por que alguns o conseguem e outros não, então o problema de pesquisa que se apresenta consiste em estudar a bio­grafia de homens individuacionantes, aqueles que se auto-realizaram com êxito, para descobrir como eles trilharam esse caminho.

Já sabemos que o principal requisito preliminar do crescimento sadio é a satisfação das necessidades básicas. (A neurose é, com muita freqüência, uma doença por deficiência, como a avitaminose.) Mas também aprende­mos que a indulgência e a satisfação desenfreadas têm suas próprias conseqüências perigosas, por exemplo, a per­sonalidade psicopática, a “oralidade”, a irresponsabilidade, a incapacidade de suportar tensões, o mimo, a imaturi­dade, certas perturbações de caráter. Os dados resultantes de pesquisas são raros, mas existe hoje um vasto acervo de experiências clínicas e educacionais que nos permitem formular uma conjetura razoável de que a criança não necessita apenas de gratificação; ela precisa também aprender as limitações que o mundo físico impõe às suas gratificações, e tem de aprender que outros seres humanos, incluindo o pai e a mãe, procuram igualmente gratifi­car-se, isto é, que eles não constituem simples meios para os seus fins (da criança). Isso significa controle, adia­mento, limites, renúncia, tolerância da frustração e dis­ciplina. Somente à pessoa autodisciplinada e responsável podemos dizer: “Faça como quiser e provavelmente esta­rá certo.”



Forças Regressivas: Psicopatologia

Também temos de encarar frontalmente o problema do que se levanta no caminho do desenvolvimento; quer dizer, o problema de cessação de crescimento e evasão de crescimento, de fixação, regressão e conduta defensiva, numa palavra, a atração da Psicopatologia ou, como outras pessoas preferem dizer, o problema do mal. [pág. 196]

Por que é que tantas pessoas não possuem identidade real, tão escasso poder para tomar as suas próprias deci­sões e fazer as suas próprias escolhas?

1. Esses impulsos e tendências direcionais no sen­tido da auto-realização, embora instintivos, são muito fracos, pelo que, em contraste com todos os outros animais que possuem fortes instintos, esses impulsos são abafados, com muita facilidade, pelo hábito, pelas atitudes culturais erradas em relação a eles, por episódios traumáticos, pela educação errônea. Portanto, o problema de escolha e de responsabilidade é muito mais agudo nos seres humanos do que em outras espécies.

2. Tem havido uma tendência especial na cultura ocidental, historicamente determinada, para supor que essas necessidades instintóides do ser humano, a sua cha­mada natureza animal, são más ou perniciosas. Por con­seguinte, estabeleceram-se muitas instituições culturais com a finalidade expressa de controlar, inibir, suprimir e reprimir essa natureza original do homem.

3. Há dois conjuntos de forças puxando o indivíduo, não um apenas. Além das pressões no sentido do desen­volvimento e da saúde, existem também pressões regres­sivas, geradas pelo medo e a ansiedade, que o empurram para a doença e a fraqueza. Não podemos avançar para um “alto Nirvana” nem retroceder para um “baixo Nir­vana”.

Acredito que o principal defeito fatual nas teorias de valor e teorias éticas do passado e do presente tem sido o conhecimento insuficiente da Psicopatologia e Psicoterapia. Ao longo da História, homens esclarecidos têm co­locado diante da humanidade as recompensas da virtude, as belezas da bondade, a conveniência intrínseca da saúde psicológica e de uma desejável auto-realização; entretanto, a maioria das pessoas recusa-se, perversamente, a ingres­sar no mundo de felicidade e respeito por si próprio que lhes tem sido oferecido. Nada resta aos mestres senão irritação, impaciência, desapontamento, alternações entre a invectiva, a exortação e a desesperança. Muitos ergue­ram as mãos para o alto e falaram sobre pecado original [pág. 197] ou maldade intrínseca, concluindo que o homem só podia ser salvo por forças extra-humanas.

Entretanto, aí está ao nosso dispor a gigantesca, rica e esclarecedora literatura da Psicologia dinâmica e da Psicopatologia, um grande acervo de informações sobre as fraquezas e os temores do homem. Sabemos muito sobre os motivos por que os homens fazem coisas erradas, por que provocam a sua própria infelicidade e autodestruição, por que são pervertidos e doentes. E daí resultou a intui­ção de que a maldade humana é, em grande parte (em­bora não inteiramente), fraqueza ou ignorância humana, perdoável, compreensível e também curável.

Acho divertido, por vezes, entristecedor, outras vezes, que tantos estudiosos e cientistas, tantos filósofos e teó­logos, que discorrem sobre valores humanos, sobre o Bem e o Mal, procedam com desdém completo pelo fato patente de que os psicoterapeutas profissionais, todos os dias, com a maior naturalidade, mudam e aperfeiçoam a natureza humana, ajudam as pessoas a tornar-se mais fortes, virtuosas, criadoras, gentis, amorosas, altruístas, serenas. Estas são apenas algumas conseqüências de um conheci­mento e de uma aceitação mais completos do próprio eu. Existem muitas outras que se podem observar em maior ou menor grau (97, 144).

O assunto é demasiado complexo para que possa ser abordado sequer aqui. Tudo o que posso fazer é extrair algumas conclusões para a teoria de valor.

1. O conhecimento do próprio eu parece ser o principal caminho para o aperfeiçoamento pessoal, embora não seja o único.

2. O conhecimento e aperfeiçoamento do eu reves­te-se de muitas dificuldades para a maioria das pessoas. Usualmente, exige grande coragem e requer uma pro­longada luta.

3. Embora a ajuda de um proficiente terapeuta pro­fissional torne esse processo muito mais fácil, não consti­tui, de forma alguma, o único caminho. Muito do que foi aprendido através da terapia pode ser aplicado à educa­ção, à vida familiar e à orientação da própria vida de cada um. [pág. 198]

4. Somente por esse estudo da Psicopatologia e da Psicoterapia podemos aprender a ter um respeito apro­priado pelas forças do medo, da regressão, da defesa e da segurança, e a avaliá-las. Respeitar e compreender essas forças torna muito mais possível ajudarmo-nos a nós pró­prios e aos outros no desenvolvimento saudável. O falso otimismo, mais cedo ou mais tarde, significa desilusão, cólera e impotência.

5. Em resumo, jamais poderemos compreender real­mente a fraqueza humana sem compreender também as suas tendências sadias. Caso contrário, cometeremos o erro de patologizar tudo. Mas tampouco poderemos com­preender ou ajudar plenamente o fortalecimento humano sem entender também as suas fraquezas. Caso contrário, caímos nos erros de uma confiança exclusiva e excessiva­mente otimista na racionalidade.

Se desejamos ajudar os humanos a tornarem-se mais plenamente humanos, devemos compreender não só que eles tentam realizar-se a si próprios, mas também são re­lutantes, incapazes ou têm medo de fazê-lo. Somente por uma completa apreciação dessa dialética entre doença e saúde poderemos contribuir para que a balança penda a favor da saúde. [pág. 199]




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