Valores de Crescimento, Valores Defensivos (Regressão Não-Sadia) e Valores de Regressão Sadia (Valores de Recaída)
No caso de escolha realmente livre, verificamos que as pessoas maduras ou mais sadias apreciam e valorizam não só a verdade, o bem e o belo, mas também os valores regressivos, de sobrevivência e (ou) homeostáticos da paz e da quietude, do sono e do repouso, da dependência e segurança, ou proteção contra a realidade e refrigério em relação a esta, do retrocesso de Shakespeare para contos policiais, de retirada para a fantasia, até do desejo de morte (paz) etc. Podemos chamar-lhes, rudimentarmente, [pág. 206] os valores de crescimento e os valores sadio-regressivos ou de “recaída”, e assinalar ainda que, quanto mais forte, madura e sadia for a pessoa, mais ela procura os valores de crescimento e menos procura e necessita dos valores de “recaída”; mas ainda precisa de uns e outros, em todo o caso. Esses dois conjuntos de valores encontram-se sempre numa relação dialética entre si, provocando o equilíbrio dinâmico que é o comportamento manifesto.
Convém recordar que as motivações básicas fornecem uma hierarquia de valores preparada de antemão, valores esses que se relacionam mutuamente como necessidades superiores e necessidades inferiores, necessidades mais fortes e mais fracas, mais vitais e mais dispensáveis.
Essas necessidades estão dispostas numa hierarquia integrada e não de forma dicotômica, isto é, apóiam-se umas nas outras. A necessidade superior de concretização de talentos especiais, digamos, apóia-se na contínua satisfação das necessidades de segurança, as quais não desaparecem, ainda quando se encontrem num estado inativo. (Por inativo entendo a condição de fome depois de uma boa refeição.)
Isso significa que o processo de regressão para necessidades inferiores mantém-se sempre como uma possibilidade e, nesse contexto, deve ser visto não só como patológico ou mórbido, mas também como absolutamente necessário à integridade do organismo, em seu todo, e como requisito preliminar para a existência e funcionamento das “necessidades superiores”. A segurança é uma pre-condição e sine qua non para o amor, o qual, por sua vez, é uma precondição para a individuação.
Portanto, essas escolhas de valores sadiamente regressivos devem ser consideradas “normais”, naturais, sadias, instintóides etc., como os chamados “valores superiores”. Também é claro que se situam numa relação dinâmica ou dialética entre si (ou, como prefiro dizer, são mais hierarquicamente integrados do que dicotômicos). Finalmente, devemos encarar o fato claro e descritivo de que as necessidades e os valores inferiores são prepotentes em relação aos valores e necessidades superiores, a maior parte do tempo e para a maioria da população, isto é, o fato de que exercem uma forte atração regressiva. Só nos indivíduos mais sadios, mais maduros e mais evoluídos é [pág. 207] que os valores superiores são sistematicamente escolhidos e preferidos com maior freqüência (e, assim mesmo, somente em boas ou razoavelmente boas circunstâncias de vida). Provavelmente, isso é verdade, em grande parte, por causa da sólida base de necessidades inferiores gratificadas que, em virtude da sua dormência ou inatividade, através da gratificação, não exercem agora qualquer atração regressiva. (E também é obviamente verdade que esse pressuposto da gratificação de necessidades supõe um mundo bastante bom.)
Uma forma antiquada de resumir isso é dizer que a natureza superior do homem repousa sobre a natureza inferior do homem, precisando desta última como alicerce e desmoronando se esse alicerce lhe faltar. Quer dizer, para a grande massa da humanidade, a natureza superior do homem é inconcebível sem uma natureza inferior satisfeita como sua base. A melhor forma de desenvolver essa natureza superior é satisfazer e preencher primeiro a natureza inferior. Além disso, a natureza superior do homem também assenta na existência de um bom ou razoavelmente bom meio ambiente, prévio e atual.
A implicação, nesse caso, é que a natureza, ideais e aspirações superiores do homem, assim como as suas aptidões mais elevadas, não se fundamentam numa renúncia dos instintos, mas, antes, na gratificação instintual. (É claro, as “necessidades básicas” de que tenho estado a falar não são a mesma coisa que os “instintos” dos freudianos clássicos.) Mesmo assim, o modo como me expressei assinala a necessidade de um reexame da teoria dos instintos, de Freud. Há muito que essa necessidade se faz sentir. Por outro lado, o nosso fraseado tem algum isomorfismo com a dicotomia metafórica de Freud dos instintos de vida e de morte. Talvez possamos usar a sua metáfora básica, embora modificando a linguagem concreta. Essa dialética entre progressão e regressão, entre superior e inferior, está sendo agora expressada de outra forma pelos existencialistas. Não vejo qualquer diferença de monta entre essas linguagens, excetuando-se o fato de que procuro colocar a minha mais perto dos materiais empírico e clínico, mais confírmável ou desconfirmável. [pág. 208]
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