Apêndice B
É Possível uma Psicologia Social Normativa?1
Este livro é, inequivocamente, uma Psicologia Social Normativa. Quer dizer, aceita a busca de valores como uma das tarefas essenciais e exeqüíveis de uma ciência da sociedade. Está, pois, em direta contradição com aquela ortodoxia que exclui os valores da jurisdição da ciência, afirmando, com efeito, que os valores não podem ser descobertos ou revelados, mas apenas estabelecidos, arbitrariamente, por decreto, pelos não-cientistas.
Isso não significa que este livro seja antagônico em relação à ciência clássica, isenta de valores, ou à ciência social puramente descritiva. Pelo contrário, procura incluir ambas numa concepção mais ampla e mais abrangente da ciência e tecnologia humanísticas, uma concepção baseada, francamente, no reconhecimento de que a ciência é um subproduto da natureza humana e de que pode promover a plena realização da natureza humana. Desse ponto de vista, uma sociedade ou qualquer instituição social podem ser caracterizadas como fatores que incentivam ou dificultam a auto-realização dos seus indivíduos (259).
Neste livro, uma questão básica consiste nisto: Que condições de trabalho, que espécies de trabalho, que espécies [pág. 257] de administração e que espécies de recompensas ajudarão a natureza humana a desenvolver-se sadiamente, até atingir a sua estatura mais completa e a sua estatura máxima? Isso é, que condições de trabalho são as melhores para a realização pessoal? Mas também podemos encarar isso por outro ângulo e indagar: Aceita a existência de uma sociedade razoavelmente próspera e de pessoas razoavelmente sadias ou normais, cujas necessidades mais básicas — satisfações em alimento, abrigo, roupas etc. — estejam garantidas, então como podem tais pessoas querer, em seus próprios interesses, promover as finalidades e valores de uma organização? Como teriam de ser mais bem tratadas? Em que condições trabalharão melhor? Que recompensas, tanto monetárias como não-monetárias, farão com que elas trabalhem melhor? Quando sentirão que se trata da sua organização?
O que surpreenderá muita gente é a clara indicação, apoiada por uma crescente literatura de pesquisas, de que, sob certas condições “sinérgicas”, esses dois grupos de bens, o bem do indivíduo e o bem da sociedade, podem-se aproximar tanto e cada vez mais, ao ponto de serem mais sinônimos do que antagônicos. As condições eupsiquianas de trabalho são freqüentemente boas não só para a plena realização pessoal, mas também para a saúde e prosperidade da organização (fábrica, hospital, universidade etc.), assim como para a quantidade e qualidade dos produtos ou serviços fornecidos pela organização.
O problema de administração (em qualquer organização ou sociedade) pode ser abordado, pois, de uma nova maneira: como estabelecer as condições sociais, em qualquer organização, de forma que as metas do indivíduo se conjuguem e fundam com as metas da organização? Quando é que isso é possível? Quando impossível? Ou prejudicial? Quais são as forças que estimulam a sinergia social e individual? Que forças, por outro lado, aumentam o antagonismo entre a sociedade e o indivíduo?
Obviamente, tais interrogações relacionam-se com as questões mais profundas da vida pessoal e social, da teoria social, política e econômica, e até da Filosofia em geral. Por exemplo, o meu recém-publicado livro Psychology of Science demonstra a necessidade e a possibilidade de uma ciência humanística transcender os limites auto-impostos da ciência mecanomórfica, livre de valores. [pág. 258]
E pode-se também supor que a teoria econômica clássica, baseada como está numa teoria inadequada de motivação humana seja igualmente suscetível de ser revolucionada pela aceitação da realidade biológica das necessidades humanas superiores, incluindo o impulso para a individuação e o amor pelos valores supremos. Estou certo de que algo semelhante é também verdadeiro no tocante à ciência política, à Sociologia e a todas as ciências e profissões humanas e sociais.
Tudo isso tem o fito de enfatizar que o presente livro não é a respeito de alguns novos truques de administração, ou alguns “segredos” ou técnicas superficiais que possam ser empregados para manipular os seres humanos mais eficientemente, para fins que não são os deles próprios. Isso não é um guia para a exploração.
Não, trata-se mais de um confronto claro entre um conjunto básico de valores ortodoxos e outro sistema de valores, mais recente, que pretende ser não só mais eficiente como também mais verdadeiro. Extrai algumas das conseqüências verdadeiramente revolucionárias da descoberta de que a natureza humana tem sido insuficientemente valorizada, de que o homem tem uma natureza superior que é tão “instintóide” quanto a sua natureza inferior, e que essa natureza superior inclui as necessidades de trabalho significativo, de responsabilidade, de criatividade, de ser justo e equânime, de fazer o que é digno de ser feito e de preferir fazê-lo bem.
Pensar em “recompensa” em termos de dinheiro, unicamente, é claramente obsoleto em tal enfoque. É certo que a satisfação de necessidades inferiores pode ser comprada com dinheiro; mas quando elas já estão satisfeitas, então as pessoas são motivadas apenas por espécies superiores de “pagamento” — filiação, afeição, dignidade, respeito, apreciação, honra — assim como pela oportunidade de individuação e a promoção dos valores supremos: verdade, beleza, eficiência, excelência, justiça, perfeição, ordem, legitimidade etc.
Aqui fica, obviamente, muita coisa sobre que pensar, não só para os marxistas e os freudianos, mas também para o autoritário político ou militar, ou o patrão do tipo “mandão”, ou o “liberal”. [pág. 259]
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