Introdução a Psicologia do Ser



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Definindo a Condição Humana

Devemos aceitar e enfrentar honestamente as reais dificuldades teóricas e lógicas inerentes nessas teses. Cada elemento nessa definição requer, por si mesmo, uma defi­nição e, ao trabalhar com eles, vemo-nos tocando as raias da circularidade. No momento, teremos de aceitar uma certa circularidade.

O “bom ser humano” só pode ser definido em con­fronto com algum critério definidor da condição humana. Esse critério também será, quase certamente, uma ques­tão de grau, isso é, algumas pessoas são mais humanas [pág. 204] do que outras, e os “bons” seres humanos, os “bons espé­cimes”, são muito humanos. Isso assim tem que ser por­que existem muitas características definidoras da condi­ção humana, cada uma delas sine qua non e, no entanto, nenhuma delas é suficiente, em si mesma, para determinar a condição humana. Além disso, muitos desses caracteres definidores são, em si mesmos, questões de grau e não diferenciam total ou nitidamente os animais dos homens.

Também aqui achamos as formulações de Bobert Hartman (59) muito úteis. Um bom ser humano (ou tigre, ou macieira) é bom na medida em que preenche ou satis­faz o conceito de “ser humano” (ou ser tigre, ou ser ma­cieira).

De um certo ponto de vista, isso constitui, realmente, uma solução muito simples, e trata-se de uma solução que usamos, inconscientemente, o tempo todo. A nova mamãe pergunta ao doutor: “O meu bebê é normal?” e ele sabe o que ela quer dizer, sem equívocos. O conserva­dor do jardim zoológico que está comprando tigres pro­cura “bons espécimes”, tigres verdadeiramente tigrinos, com todos os traços tigrinos bem definidos e plenamente desenvolvidos. Quando compro macacos cebos para o meu laboratório, também quero bons espécimes, macacos bem macacos, não exemplares incomuns ou peculiares mas bons macacos cebos. Se deparo com um que não tem uma cauda preênsil, esse não será um bom macaco cebo, ainda que isso seja excelente num tigre. E o mesmo podemos dizer da boa macieira, da boa borboleta etc. O taxonomista escolhe para seu “espécime típico” de uma nova espécie, aquele que será depositado num museu para servir de exemplar representativo de toda a espécie, o melhor espécime que puder obter, o mais maduro, o mais intato, o mais típico de todas as qualidades que definem a espé­cie. O mesmo princípio é válido na escolha de um “bom Renoir” ou de “o melhor Rubens” etc.

Exatamente nesse mesmo sentido, podemos escolher os melhores espécimes da espécie humana, pessoas com todas as peças componentes que são próprias da espécie, com todas as capacidades humanas bem desenvolvidas e em pleno funcionamento, sem doenças óbvias de qualquer gênero, especialmente alguma que pudesse deteriorar as características centrais, definidoras, sine qua non. A esses espécimes chamaríamos “os mais totalmente humanos”. [pág. 205]

Até aqui, isso não é um problema excessivamente difícil. Mas pense-se nas dificuldades adicionais que se apresentam a alguém que seja juiz num concurso de be­leza, ou que esteja comprando um rebanho de ovelhas, ou comprando um cachorrinho para levar para casa. Neste caso, deparamos, primeiro, com as questões dos padrões culturais arbitrários, que podem sobrepujar e obliterar as determinantes biopsicológicas. Segundo, defrontamo-nos com os problemas de domesticação, quer dizer, de uma vida artificial e protegida. Quanto a isso, podemos re­cordar também que os seres humanos, em certos aspectos, podem ser igualmente considerados domesticados, espe­cialmente aqueles que mais protegemos, como as crianças, as pessoas com lesões cerebrais etc. Em terceiro lugar, deparamos com a necessidade de diferençar os valores do dono de uma granja leiteira dos valores das vacas.

Como as tendências instintóides do homem, tal como as conhecemos, são muito mais fracas do que as forças culturais, será sempre uma tarefa difícil destrinçar os valores psicobiológicos do homem. Difícil ou não, é uma tarefa possível, em princípio. E é também muito neces­sária, até crucial (97, capítulo 7).

O nosso grande problema de pesquisa consiste, pois, em “escolher o escolhedor sadio”. Para fins práticos, isso pode muito bem ser feito agora mesmo, tal como os médicos podem escolher atualmente organismos fisicamen­te sadios. As grandes dificuldades são, neste caso, de ordem teórica, problemas de definição e conceptualizações de saúde.


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