Dezessete
Harry Kane supervisionava um curso de tática de campanha no bosque por trás da Meltham House quando recebeu uma convocação urgente de Shafto para se apresentar e trazer consigo o pelotão em treinamento. Kane ordenou ao sargento, um texano de Fort Worth chamado Hustler, que o seguisse, e partiu sem demora.
No momento em que chegou, os pelotões que haviam estado treinando nas várias partes da propriedade começavam a reunir-se. Ouviu o som de motores em movimento na garagem situada no estábulo nos fundos. Diversos jipes entraram pelo caminho de cascalho em frente à casa e alinharam-se um ao lado do outro.
As guarnições começaram a verificar metralhadoras e equipamento. Um oficial, um capitão chamado Mallory, saltou do veículo que vinha à frente.
— O que está acontecendo, pelo amor de Deus? — indagou Kane.
— Não tenho a menor idéia — respondeu Mallory. — Recebi ordens e as cumpri logo. Sei que ele quer falar-lhe com grande urgência. — Sorriu largamente. — Talvez seja a Segunda Frente.
Kane subiu correndo a escadaria. A ante-sala era uma cena de atividade frenética. O Primeiro-Sargento Garvey andava para cima e para baixo do lado de fora do gabinete de Shafto, fumando um cigarro. Alegrou-se quando Kane entrou.
— Que diabo está acontecendo aqui? — perguntou Kane. — Recebemos ordem de partida, ou é outra coisa qualquer?
— Não me pergunte, major. Tudo o que sei é que aquela moça sua amiga chegou num estado horroroso há quinze minutos e que desde esse momento as coisas mudaram de figura.
Kane abriu a porta e entrou. Shafto, de culote e botas, estava sentado à escrivaninha, de costas para ela. Quando se voltou, notou que o coronel municiava o Colt de cabo de madrepérola. Era extraordinária a mudança que lhe havia ocorrido. Parecia crepitar de eletricidade, seus olhos faiscavam como se ele estivesse com febre alta e a face estava pálida de excitação.
— Ação rápida, major. É disso que eu gosto. — Estendeu a mão para o cinto e o coldre, e Kane perguntou:
— O que é, senhor? Onde,está a Srta. Vereker?
— No meu quarto. Sob sedativos e muito abalada.
— Mas o que foi que aconteceu?
— Levou uma bala num lado da cabeça. — Shafto fechou rapidamente o cinto, puxando o coldre bem baixo sobre o quadril direito. — E quem apertou o gatilho foi aquela amiga do irmão dela, a Sra. Grey. Pergunte-lhe você mesmo. Posso reservar-lhe apenas três minutos.
Kane abriu a porta do quarto. Shafto seguiu-o. As cortinas haviam sido parcialmente abertas e Pamela encontrava-se na cama com um cobertor até o queixo. Estava pálida, parecia muito mal e um pouco de sangue aparecia na atadura em sua testa. No momento em que Kane se aproximou, ela abriu os olhos e olhou-o fixamente:
— Harry?
— Está tudo bem — disse ele, e sentou-se à beira da cama.
— Não, escute-me. — Sentou-se na cama e puxou-lhe a manga e, quando falou, fê-lo em voz remota, distante: — O Sr. Churchill sai de King’s Lynn às três e trinta em direção a Studley Constable, em companhia de Sir Henry Willoughby. Virão por Walsingham. Você precisa impedir que ele passe.
— Por que devo fazer isso? — perguntou Kane.
— Porque o Coronel Steiner e seus soldados o seqüestrarão se você não o fizer. Estão à espera na aldeia, neste momento. Puseram todos como prisioneiros na igreja.
— Steiner?
— O homem que você conhece como Coronel Carter. E os soldados dele, Harry, não são poloneses. São pára-quedistas alemães.
— Mas, Pamela — disse Kane — eu conheci Carter. Ele é tão inglês como você.
— Não, a mãe dele era americana e ele estudou em Londres. Não compreende? Isso explica tudo. — Havia uma espécie de desespero em sua voz nesse momento. — Eu os ouvi conversando na igreja, Steiner e meu irmão. Eu estava escondida com Molly Prior. Depois que escapamos, nós nos separamos e eu fui até a casa de Joanna Grey. Só que ela está lado deles. Ela atirou em mim e eu. . . fechei-a na adega. Franziu o cenho, fazendo força. — Em seguida, apanhei o carro dela e vim para aqui.
Seguiu-se uma súbita libertação, de intensidade quase física. Era como sé ela estivesse conservando a sanidade por força de vontade e, naquele momento, nada mais lhe fosse importante. Recostou-se no travesseiro e fechou os olhos.
— Mas como foi que você escapou da igreja, Pamela? — perguntou Kane.
Ela abriu os olhos e fitou-o, atordoada, sem compreender.
— A igreja? Oh, pelo. . . caminho habitual. — Sua voz era um mero sussurro. — Depois, fui até a casa de Joanna Gey e ela atirou em mim. — Fechou outra vez os olhos. — Estou muito cansada, Harry.
Kane levantou-se e Shafto tomou-lhe a frente, passando ambos para o outro cômodo. Ele ajeitou a pala do boné em frente a um espelho.
— Bem, o que você pensa? Daquela Grey, para começar? Ela deve ser a maior canalha de todos os tempos.
— Quais foram as autoridades que notificamos? O Ministério da Guerra e o Comando de Área de East Anglia para começar e. . .
Shafto interrompeu-o:
— Você imaginou quanto tempo eu teria que passar ao telefone enquanto aqueles calhordas do Estado-Maior decidiam se eu tinha entendido bem os fatos ou não? — Bateu o punho na mesa. — Não, de modo algum. Eu mesmo vou pegar esses krauts4, aqui e agora, e tenho pessoal para fazê-lo. Ação, hoje! — Riu asperamente. — O lema pessoal de Churchill. Eu diria que é muito apropriado.
Kane compreendeu tudo nesse momento. Para Shafto, aquilo devia ter parecido uma dádiva dos deuses. Não apenas a salvação, mas a construção de sua carreira. O homem que salvara Churchill. Um golpe armado que seria citado nos livros de história. Se o Pentágono, depois disso, tentasse negar-lhe a estrela de general, haveria distúrbios de rua.
— Escute, senhor — disse, obstinado, Kane —, se o que Pamela disse é verdade, isto deve ser o maior abacaxi de todos os tempos. Se me. permite sugerir, com o devido respeito, o Ministério da Guerra britânico não gostará muito se. . .
Shafto desceu outra vez o punho sobre a mesa.
— O que foi que deu em você? Será que aqueles rapazes da Gestapo fizeram um trabalho melhor do que pensaram? — Voltou-se, nervoso, para a janela, mas virou-se logo, sorrindo como um escolar arrependido: — Sinto muito, Harry, eu não poderia ter dito isso. Você tem razão, naturalmente.
— Muito bem, senhor. O que faremos?
Shafto lançou um olhar para o relógio.
— Quatro e quinze. Isso significa que o primeiro-ministro deve estar se aproximando. Sabemos por qual estrada ele vem. Acho que seria uma boa idéia se você tomasse um jipe e o desviasse do caminho. Pelo que a moça disse, você deve poder alcançá-lo do lado de cá de Walsingham.
— Concordo, senhor. Pelo menos podemos oferecer-lhe aqui cem por cento de segurança.
— Exatamente.— Shafto sentou-se à escrivaninha e apanhou o telefone, — Agora, ande e leve Garvey com você.
— Coronel.
No momento em que Kane abria a porta, ouviu Shafto dizer:
— Ligue-me com o general-comandante do distrito de East Anglia; quero falar com ele pessoalmente. . . e com ninguém mais.
Logo que a porta foi fechada, Shafto tirou o indicador esquerdo do gancho. A voz do telefonista estalou em seu ouvido:
— O senhor disse alguma coisa, coronel?
— Sim, diga ao Capitão Mallory para vir aqui em passo acelerado.
Mallory chegou em quarenta e cinco segundos.
— O senhor queria falar comigo, coronel?
— Exato. Prepare um destacamento de quarenta homens para sair daqui dentro de cinco minutos. Oito jipes deverão ser suficientes. Meta-os todos nesses jipes.
— Muito bem, senhor. — Mallory hesitou, quebrando uma de suas normas mais estritas. — Posso saber o que o coronel pretende fazer?
— Bem, vamos colocar a questão desta maneira: você será major ao anoitecer.. . ou estará morto — disse Shafto.
Mallory saiu, com o coração batendo descompassado. Shafto foi até um armário num canto, tirou uma garrafa de uísque e encheu um copo pela metade. A chuva açoitava a janela. De pé, bebendo o uísque, esperou. Dentro de viste e quatro horas seria, com toda a probabilidade, o nome mais conhecido em toda a América do Norte. O seu dia havia chegado, sabia disso com absoluta convicção.
Ao sair, três minutos depois, os jipes já se encontravam alinhados, com a tropa em posição. À frente do destacamento, Mallory falava com o oficial mais jovem da unidade, o Segundo-Tenente Chalmers. Tomaram ambos posição de sentido quando Shafto se deteve no alto da escada.
— Vocês devem estar se perguntando o que significa tudo isso. Eu lhes direi. Há uma aldeia chamada Studley Constable, que fica a doze quilômetros daqui. Vecês a encontrarão marcada com grande clareza em seus mapas. A maioria de vocês deve ter ouvido dizer que Winston Churchill está visitando hoje uma base da raf nas proximidades de King’s Lynn. Aqui é que a coisa fica interessante. Há dezesseis homens do Esquadrão Polonês Independente do sae treinando em Studley Constable. Vocês não podem ter deixado de vê-los com aquelas lindas boinas vermelhas e uniformes camuflados. — Alguém riu e Shafto interrompeu-se até ser restabelecido completo silêncio. — Mas eu tenho notícias para vocês. Aqueles caras são krauts. Pára-quedistas alemães que estão aqui para seqüestrar Churchill. E nós vamos pregá-los parede. — Fez-se um silêncio total ele inclinou vagarosamente a cabeça. — Uma coisa lhes posso prometer, rapazes. Façam direito o que têm a fazer e amanhã seus nomes serão pronunciados da Califórnia ao Maine. Agora, preparem-se para partir.
Numa explosão de atividade, os motores foram ligados. Shafto desceu os degraus e disse a Mallory:
— Recomende que eles estudem os mapas a caminho. Não vai haver tempo para instruções complicadas quando chegarmos lá. — Mallory afastou-se apressado e Shafto voltou-se para Chalmers: — Garanta o forte por aqui, até que o Maior Kane volte. — Deu-lhe uma palmadinha no ombro. — Não fique tão desapontado assim. Ele trará consigo o Sr. Churchill. Providencie para que ele receba a hospitalidade da casa. — Subiu no jipe líder e inclinou a cabeça para o motorista: — Muito bem, filho, vamos.
Desceram com um rugido o caminho de veículos, as sentinelas abriram o maciço portão e o comboio ganhou a estrada. A uns duzentos metros mais além, Shafto mandou-o reduzir a velocidade com um gesto e disse ao seu motorista que parasse no poste telefônico mais próximo. Voltou-se para o Sargento Hustler, que se encontrava no assento traseiro:
— Dê-me essa metralhadora Thompson.
Hustler entregou-a. Shafto armou-a, apontou e metralhou o alto do poste, reduzindo as travessas a palitos de fósforos. As linhas telefônicas partiram-se, saltando como loucas no ar. Devolveu a arma a Hustler.
— Acho que isso resolve, por ora, a questão de chamadas telefônicas não autorizadas. — Bateu num dos lados do veículo. — Muito bem, vamos, vamos!
Garvey dirigia o jipe como um homem possuído pelo Demônio, fazendo o veículo rugir pelas estreitas trilhas do campo a uma velocidade que não previa tráfego algum na direção oposta. Mesmo assim, quase perderam o alvo, pois quando percorriam o trecho final para chegar à estrada de Walsingham, uma pequena escolta passou em grande velocidade pelo fim da trilha. Havia dois policiais militares montados em motos à frente, duas limusines Humber, e mais dois policiais em moto fechando a retaguarda.
— É ele! — exclamou Kane.
O jipe entrou derrapando na entrada principal e Garvey enfiou o pé no acelerador até o fundo. Em questão de minutos, alcançaram a escolta. Ao surgirem com um rugido à retaguarda, os dois policiais militares olharam sobre o ombro. Um deles fez-lhes sinal para que recuassem.
— Sargento, saia da estrada e ultrapasse-os e, se não puder detê-los de qualquer maneira, tem minha permissão para se chocar com o carro da frente — disse Kane.
Dexter Garvey sorriu largamente:
— Major, vou dizer-lhe uma coisa. Se isso não der certo, vamos acabar na prisão de Leavenworth com tanta rapidez que o senhor nem saberá que dia é.
O sargento desviou para a direita, passando pelos motociclistas, e emparelhou-se com a Humber que vinha atrás. Kane não pôde ver muita coisa do homem que ocupava o assento traseiro porque as cortinas laterais estavam corridas. O motorista, usando um uniforme azul-escuro de chofer, lançou um olhar para o lado, apavorado, e o homem de terno cinzento que ocupava o assento do passageiro sacou de um revólver.
— Tente o próximo — ordenou Kane. Garvey emparelhou-se com a limusine da frente, buzinando sem. parar.
O carro conduzia quatro homens, dois em uniformes do Exército, ambos coronéis, e um deles com os galões vermelhos de oficial de Estado-Maior. O outro virou-se alarmado e Kane reconheceu Sir Henry Willoughby. Houve reconhecimento instantâneo e Kane berrou para Garvey.
— Ok, passe à frente. Acho que eles pararão agora.
Garvey acelerou, ultrapassando o policial militar à frente da pequena escolta. Uma buzina estrugiu três vezes às costas deles, obviamente por algum sinal preestabelecido. Quando Kane olhou sobre o ombro, a escolta parava no acostamento da estrada. Garvey freou, e Kane saltou e correu em direção dos dois carros.
Os policiais militares apontaram-lhe submetralhadoras Sten antes mesmo que ele se aproximasse e o homem de terno cinzento, presumivelmente o guarda-costas pessoal do primeiro-ministro, já descia do carro, de revólver na mão.
O coronel de Estado-Maior, o de galões vermelhos, saltou do primeiro carro, seguido por Sir Henry, que envergava o uniforme da Guarda Metropolitana. .
— Major Kane — disse, atônito, Sir Henry —, que diabo está o senhor fazendo aqui?
O coronel de Estado-Maior interrompeu-o, seco:
— Meu nome é Corcoren, chefe do Serviço de Espionagem do ooc, distrito de East Anglia. Quer, por gentileza, explicar o que está acontecendo, senhor?
— O primeiro-ministro não deve ir a Studley Grange — disse Kane. — A aldeia foi tomada por pára-quedistas alemães, e. . .
— Meu Deus — interrompeu-o Sir Henry —, jamais ouvi tamanha tolice em toda. . .
Corcoran mandou-o calar-se com um gesto:
— Pode provar essa declaração, major?
— Pelo amor de Deus todo-poderoso — berrou Kane. — Eles estão aqui para seqüestrar Churchill, exatamente como Skorzeny saltou para salvar Mussolini, compreendeu? O que, afinal, é preciso fazer para convencer vocês? Será que ninguém quer escutar?
Uma voz falou as suas costas, uma voz que lhe era muito conhecida, e que disse:
— Eu escutarei, jovem. Conte-me sua história.
Harry Kane voltou-se devagar, inclinou-se sobre a janela traseira e, finalmente, encontrou-se diante do grande homem.
Quando tentou abrir a porta do bangalô em Hobs End, Steiner descobriu que ela estava fechada. Dirigiu-se até o estábulo, mas tampouco encontrou sinais do irlandês. Briegel berrou nesse momento:
— Herr Oberst, ele está vindo.
Devlin percorria na bsa a rede de estreitos caminhos do dique. Entrou no pátio, pôs a moto sobre o pedal de descanso e levantou os óculos.
— Um pouco público, coronel.
Steiner agarrou-lhe o braço, levou-o para junto da parede e, em algumas curtas palavras, colocou-o a par da situação.
— Bem — disse quando terminou o relato —, o que você acha?
— Você tem certeza de que sua mãe não era irlandesa?
— A mãe dela era.
Devlin inclinou a cabeça.
— Eu devia ter sabido. Mesmo assim, quem sabe? Podemos safar-nos ainda. — Sorriu. — De uma coisa eu tenho certeza: lá pejas nove da noite, minhas unhas estarão totalmente roídas.
Steiner saltou para o jipe e baixou a cabeça para Klugl:
— Manterei contato com você — disse.
No bosque da colina, no outro lado da estrada, Molly, ao lado do cavalo, observou Devlin tirar a chave do bolso e abrir a porta. Sua intenção fora interpelá-lo, tomada pela desesperada esperança de que, mesmo naquele momento, pudesse estar enganada, mas ver Steiner e os dois soldados no jipe constituiu a prova final.
A oitocentos metros de Studley Grange, o Coronel Shafto, com um gesto, mandou a coluna parar e deu as ordens.
— Não há tempo agora para bobagens. Temos que atacá-los, e atacá-los com toda a força antes que eles saibam o que está acontecendo. Capitão Mallory, leve três jipes e quinze homens e cruze os campos a leste da aldeia, usando aquelas trilhas rurais marcadas no mapa. Descreva um círculo até chegar à estrada de Studley Grange, ao norte do moinho. Sargento Hustler, no momento em que chegarmos aos limites da aldeia, salte, leve doze homens a pé e tome a trilha rebaixada através de Hawks Wood até a igreja. Os restantes ficam comigo. Fecharemos a estrada ao lado da casa daquela tal Grey.
— Sim, eles ficarão completamente entalados, coronel — disse Mallory.
— Entalados uma ova. Quando todos estiverem em posição e eu der a ordem pela telefone de campanha, entraremos e acabaremos logo com este negócio.
Caiu um silêncio, quebrado finalmente pelo Sargento Hustler:
— Com o perdão do coronel, não seria aconselhável alguma espécie de reconhecimento? — Fez um esforço para sorrir. — Quero dizer, pelo que ouvimos dizer, esses pára-quedistas alemães não são exatamente uns caras bonzinhos.
— Hustler — respondeu, frio, Shafto —, se você questionar outra vez uma ordem minha, eu. o rebaixarei a soldado tanta rapidez que você nem mesmo se lembrará de seu primeiro nome. — Um músculo tremeu em sua bochecha direita enquanto ele fitava, um a um, os soldados ali reunidos. — Será que ninguém aqui tem colhão? ...
— Naturalmente, senhor — respondeu Mallory —, estamos todos com o senhor, coronel.
— É melhor que estejam — disse Shafto —, porque vou entrar lá sozinho com uma bandeira branca.
— O senhor quer dizer que vai convidá-los a se renderem?
— Renderem uma ova, capitão. Enquanto eu converso um pouco com eles, o resto tomará posições, e vocês têm exatamente dez minutos a partir do momento em que eu entrar naquela lixeira. Assim, vamos começar.
Devlin estava com fome. Esquentou um pouco de sopa, fritou um ovo e fez um sanduíche com duas grossas fatias de pão, assado por Molly. Fazia a pequena refeição sentado na cadeira junto ao fogo quando uma corrente fria atingiu-lhe a bochecha esquerda e ele soube que a porta havia sido aberta. Ao erguer os olhos, viu-a à sua frente.
— Ah, então é você? — disse, alegre. — Eu estava fazendo um pequeno lanche antes de ir procurá-la. — Mostrou o sanduíche. — Sabe que isto foi inventado por nada menos que um nobre conde?
— Seu ordinário! — exclamou ela. — Seu porco sujo! Você me usou.
Lançou-se contra ele, tentando arranhar-lhe a face com as unhas. Devlin segurou-lhe os punhos, e lutou para dominá-la.
— O que foi? — perguntou. Mas, no fundo do coração ele sabia.
— Eu sei de tudo. O nome dele não é Carter. . . É Steiner, e ele e seus homens são uns malditos alemães que vieram seqüestrar o Sr. Churchill. E qual é o seu nome? Não é Devlin, disso tenho certeza.
Ele a empurrou para longe e foi até o armário, onde apanhou a garrafa de Bushmills e um copo.
— Não, Molly, não é. — Sacudiu a cabeça. — Não houve a menor intenção de que você tomasse parte nisto, meu amor. Você simplesmente aconteceu.
— Seu traidor sujo!
Numa espécie de desespero, ele respondeu:
— Molly, eu sou irlandês. Isso significa que sou tão diferente de você como um alemão é diferente de um francês. Sou um estrangeiro. Simplesmente não somos iguais porque falamos inglês com sotaque diferente. Quando é que vocês vão entender isso?
Apareceu uma sombra de incerteza nos olhos de Molly, mas ela continuou:
— Seu traidor!
Com a face sem expressão, olhos muito azuis, queixo baixo, ele disse:
— Traidor, não, Molly. Eu sou um soldado do Exército Republicano Irlandês. Sirvo a uma causa tão querida para mim como a sua para você.
Ela precisava feri-lo, magoá-lo, e tinha as armas para isso:
— Bem, isso não fará bem algum a você ou a seu amigo Steiner. Ele está liquidado, ou o será, antes de muito pouco tempo. Depois, será sua vez.
— Você está falando a respeito do quê?
— Pamela Vereker estava comigo na igreja quando ele e seus soldados levaram para lá o irmão dela e George Wilde. Ouvimos o suficiente para que ela fosse correndo para Meltham chamar aqueles rangers ianques.
— Há quanto tempo? — perguntou Devlin, agarrando-lhe o braço.
— Vá para o inferno!
— Diga-me, diabos a levem! — Sacudiu-a brutalmente.
— Acho que eles devem ter chegado à aldeia agora. Se o vento estivesse vindo da direção certa, você provavelmente ouviria o tiroteio. Assim, não há coisa alguma que possa fazer, a não ser correr para salvar a pele enquanto pode.
Ele a soltou e disse, irônico:
— Certo, e isso seria também a coisa mais sensata a fazer. Mas eu nunca fui homem para isso.
Pôs o casaco e os óculos e vestiu a capa de chuva, passando o cinto. Dirigiu-se para a lareira, apalpou sob uma pilha de jornais velhos por trás da cesta de lenha. Havia ali duas granadas de mão, que lhe haviam sido dadas por Ritter Neumann. Armou-as e colocou-as com todo o cuidado nos bolsos internos da capa. Enfiou a Mauser no bolso direito e tirou a bandoleira da Sten, pondo-a em volta do pescoço e descendo a arma até quase o nível da cintura, de onde poderia dispará-la, se necessário.
— O que você vai fazer? — perguntou Molly.
— Entrando no vale da morte, Molly, cavalgaram os seiscentos, e toda aquela sorte de baboseira britânica. — Serviu-se de uma dose de Bushmills e notou a expressão de espanto na face da moça. — Você acha que eu ia fugir e deixar Steiner no fogo? — Sacudiu a cabeça. — Deus, moça, eu pensei que você sabia alguma coisa a meu respeito.
— Você não pode ir para lá. — Havia pânico em sua voz nesse momento. — Liam, você não terá chance alguma. — Agarrou-o pelo braço.
— Oh, mas eu tenho que ir, minha pequena. — Beijou-a na boca e empurrou-a firme para um dos lados. Virou-se à porta. — Escrevi-lhe uma carta. Não é grande coisa, receio, mas se estiver interessada, ela está sobre a cornija da lareira.
A porta bateu e ela permaneceu ali, rígida, imobilizada. Em alguma parte de um outro mundo, um motor recobrou vida com um rugido e afastou-se.
Febril, abriu a carta. Dizia:
Molly, meu único e verdadeiro amor. Como disse certa vez um grande homem, passei por um mar de mudanças e coisa alguma será a mesma novamente. Vim a Norforlk fazer um trabalho, e não para me apaixonar, pela primeira na vida, por uma feia camponesinha, que devia saber que certas coisas não se fazem. A esta altura, você estará sabendo o pior sobre mim, mas procure não pensar nisso. Deixá-la é castigo suficiente. Que as coisas terminem assim. Como dizem na Irlanda, nós vivemos os dois dias. Liam.
As palavras tornaram-se indistintas e lágrimas afloraram-lhe aos olhos. Enfiou a carta no bolso e saiu, cambaleante. O cavalo continuava preso à argola. Soltou-o, montou e espicaçou-o em um galope, batendo no pescoço do animal com o punho cerrado. Ao fim do dique, atravessou a estrada, saltou sobre uma cerca e galopou na direção da aldeia, tomando o atalho mais curto pelos campos.
Otto Brandt, sentado no parapeito da ponte, acendeu um cigarro como se não tivesse a menor preocupação no mundo.
— O que faremos agora? Corremos para salvar a pele?|
— Correr para onde? — Ritter lançou um olhar ao relógio. — Vinte para as cinco. Às seis e meia, no máximo, já será noite. Se conseguíssemos agüentar até lá, poderíamos desaparecer em grupos de dois e três e dirigir-nos para Hobs End, atravessando os campos. Talvez alguns de nós pudessem chegar àquele bote.
— O coronel pode ter outras idéias — disse o Sargento Altmann.
Brandt inclinou a cabeça.
— Exatamente. Acontece que ele não está aqui e, assim, no momento, acho que será melhor prepararmo-nos para lutar um pouco.
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