PARTE II
Os Gam es
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Por um m om ento, as câm eras focam nos olhos abatidos de Peeta enquanto o que ele diz
afunda. Então posso ver m eu rosto, a boca m eio aberta num a m istura de surpresa e protesto,
am pliada em todas as telas enquanto eu percebo, Eu! Ele quer dizer eu! Junto m eus lábios e
fito o chão, esperando que isso oculte as em oções que com eçam a ferver dentro de m im .
“Oh, isso é que é m á sorte,” diz Caesar, e há um a ponta real de dor na sua voz. A m ultidão está
m urm urando de acordo, uns poucos dando gritinhos agonizantes.
“Não é bom ,” concorda Peeta.
“Bem , eu não acho que algum de nós pode te culpar. É difícil não se apaixonar por essa j ovem
dam a,” diz Ceasar. “Ela não sabia?”
Peeta balança a cabeça. “Não até agora.”
Eu deixo m eus olhos fitarem a tela por tem po suficiente para ver que o rubor nas m inhas
bochechas é claro.
“Vocês não am ariam puxá-la de volta para cá e conseguir um a resposta?” Ceasar pergunta à
audiência. A m ultidão grita assentindo. “Tristem ente, regras são regras, e o tem po de Katniss
Everdeen acabou. Bem , sorte para você, Peeta Mellark, e acho que eu falo por toda a Panem
quando eu digo que nosso coração vai com o seu.”
O rugido da m ultidão é ensurdecedor. Peeta tem absolutam ente apagado o resto de nós do
m apa com sua declaração de am or por m im . Quando a audiência finalm ente se aquieta, ele
sufoca um calm o “Obrigado” e retorna à sua cadeira. Nós ficam os de pé para o hino. Eu tenho
que levantar m inha cabeça por respeito obrigatório e não posso fugir de ver que todas as telas
estão agora dom inadas pelas im agens de Peeta e eu, separados por poucos passos que nas
cabeças dos observadores não podem ser violados. Pobre de nós.
Mas eu sei m elhor.
Depois do hino, os tributos voltam em fila para o salão do Centro de Treinam ento e para os
elevadores. Eu tenho a certeza de entrar num carro que não tem Peeta. A m ultidão retarda
nossas com itivas de estilistas e orientadores e acom panhantes, então nós tem os apenas uns aos
outros com o com panhia. Ninguém fala. Meu elevador pára para colocar quatro tributos antes
de eu estar sozinha e então acho a porta abrindo no décim o segundo andar. Peeta tinha
acabado de sair do seu carro quando eu bato m inhas palm as no seu peito. Ele perde o equilíbrio
e colide em um vaso feio cheio de flores falsas. O vaso se inclina e quebra-se em centenas de
pequenos pedaços. Peeta cai nos cacos, e sangue im ediatam ente flui de suas m ãos.
“Para que foi isso?” ele diz, perplexo.
“Você não tinha nenhum direito! Nenhum direito de dizer aquelas coisas sobre m im !” eu gritei
para ele.
Agora os elevadores se abrem e todo o grupo está lá, Effie, Hay m itch, Cinna, e Portia.
“O que está acontecendo?” diz Effie, um a nota de histeria em sua voz. “Você caiu?”
“Depois que ela m e em purrou,” diz Peeta enquanto Effie e Cinna o aj udam a se levantar.
Hay m itch se vira para m im . “Você o em purrou?”
“Isso foi idéia sua, não foi? Tornar-m e algum tipo de tola na frente de todo o país?” eu replico.
“Foi idéia m inha,” diz Peeta, recuando enquanto ele puxa os pedaços de cerâm ica de suas
palm as. “Hay m itch só m e aj udou com isso.”
“Sim , Hay m itch é m uito útil. Para você!” Eu digo.
“Você é um a tola,” Hay m itch diz com desgosto. “Você acha que ele te prej udicou? Aquele
garoto só deu a você algo que você nunca poderia conseguir sozinha.”
“Ele m e fez parecer fraca!” eu digo.
“Ele fez você parecer desej ável! E vam os encarar, você pode usar toda a aj uda que conseguir
nesse departam ento. Você era tão rom ântica quanto suj eira até ele dizer que queria você.
Agora todos eles querem . Você é tudo sobre o que eles estão falando. Os desafortunados
am antes do Distrito Doze!” diz Hay m itch.
“Mas nós não som os am antes desafortunados!” eu digo.
Hay m itch agarra m eus om bros e m e prende contra a parede. “Quem se im porta? É tudo um
grande show. É tudo com o você é percebida. O m áxim o que eu poderia dizer sobre você
depois da sua entrevista era que você estava boa o bastante, em bora isso em si sej a um
pequeno m ilagre. Agora eu posso dizer que você é um a arrasa-corações. Oh, oh, oh, com o os
garotos de volta para casa caem saudosam ente aos seus pés. O que você pensa que vai te
conseguir m ais patrocinadores?”
O cheiro de vinho do seu hálito m e deixa doente. Eu em purro suas m ãos dos m eus om bros e
m e afasto, tentando lim par m inha cabeça.
Cinna se aproxim a e coloca seus braços ao m eu redor. “Ele está certo, Katniss.” Eu não sei o
que pensar. “Eu deveria ter sido inform ada, então eu não pareceria tão estúpida.”
“Não, sua reação estava perfeita. Se você soubesse, não seria tão real,” diz Portia.
“Ela só está preocupada com o nam orado dela,” diz Peeta bruscam ente, j ogando fora um
pedaço da urna m anchada de sangue.
Minhas bochechas queim am de novo ao pensar em Gale. “Eu não tenho um nam orado.”
“Que sej a,” diz Peeta. “Mas eu aposto que ele é esperto o bastante para reconhecer um blefe
quando ele o vê. Além disso, você não disse que m e am ava. Então o que im porta?” As
palavras estão penetrando. Minha raiva sum indo. Eu estou rasgada agora entre pensar que eu
estava sendo usada e pensar que eu estava tendo um a vantagem . Hay m itch está certo. Eu
sobrevivi à entrevista, m as o que eu era realm ente?
Um a garota boba girando num vestido cintilante. Dando risadinhas. O único m om ento de
qualquer substância que eu abençoei foi quando eu conversei sobre Prim . Com parar isso com
Thresh, seu silêncio, seu poder m ortal, e eu sou esquecível. Boba e brilhante e esquecível. Não,
não inteiram ente esquecível, tenho m eu onze do treino.
Mas agora Peeta fez de m im um obj eto de am or. Não só dele. Ouvi-lo dizer que eu tenho
m uitos adm iradores. E se a audiência realm ente pensa que nós estam os apaixonados... lem bro
o quão forte eles responderam a sua confissão. Am antes desafortunados. Hay m itch está certo,
eles engolem essas coisas em Capitol. De repente m e preocupo se eu não reagi direito.
“Depois de ele dizer que m e am ava, você achou que eu poderia estar apaixonada por ele,
tam bém ?” perguntei.
“Eu achei,” diz Portia. “O m odo com o você fugiu olhar para as câm eras, o rubor.” Os outros
gritam , concordando.
“Você é ouro, querida. Você vai ter patrocinadores se enfileirando ao redor do bloco,” diz
Hay m itch.
Estou em baraçada com a m inha reação. Eu m e forço a adm itir Peeta. “Sinto m uito por te
em purrar.”
“Não tem problem a,” ele encolhe os om bros. “Em bora isso é tecnicam ente ilegal.”
“Suas m ãos estão bem ?” pergunto.
“Elas ficarão bem ,” ele diz.
No silêncio que se seguiu, o cheiro delicioso do nosso j antar flutua da sala de j anta. “Vam os lá,
vam os com er,” diz Hay m icth. Todos nós o seguim os para a m esa e pegam os nossos pratos.
Mas então Peeta está sangrando tanto, e Portia o leva para tratam ento m édico. Nós
com eçam os a crem osa sopa rose-petal sem eles. Na hora que nós term inam os, eles chegam .
As m ãos de Peeta estavam cobertas de ataduras. Eu não posso evitar sentir-m e culpada.
Am anhã nós estarem os na arena. Ele tinha feito um favor para m im e eu tinha respondido a
ele com agressão. Eu nunca vou parar de dever a ele?
Depois do j antar, nós assistim os a gravação na sala de estar. Eu parecia enfeitada e superficial,
girando e rindo no m eu vestido, em bora os outros m e assegurassem que eu era charm osa.
Peeta na verdade é charm oso e totalm ente cativante com o o garoto apaixonado. E lá estava
eu, ruborizando e confusa, bonita pelas m ãos de Cinna, desej ável pela confissão de Peeta,
trágica pelas circunstâncias, e por tudo em conta, inesquecível.
Quando o hino term ina e a tela fica preta, um silêncio cai no côm odo. Am anhã ao am anhecer,
nós serem os despertados e preparados para a arena. Os reais Gam es não com eçam até as dez
porque m uitos dos residentes de Capitol levantam tarde. Mas Peeta e eu tem os que fazer um
com eço m ais cedo. Não tem com o dizer o quão longe nós viaj arem os para a arena que foi
preparada pros Gam es esse ano.
Sei que Hay m itch e Effie não irão conosco. Tão breve eles partirem daqui, eles estarão no
Posto de Com ando dos Gam es, esperando loucam ente inscrever nossos patrocinadores,
trabalhando um a estratégia de com o e quando nos m andar os presentes. Cinna e Portia
viaj arão conosco para o m esm o lugar onde serem os lançados na arena. Ainda as despedidas
finais devem ser ditas aqui.
Effie tom a am bos nós pela m ão e, com lágrim as de verdade em seus olhos, nós desej a sorte.
Agradece-nos por serm os os m elhores tributos que ela j á teve o privilégio de apadrinhar. E
então, porque é Effie e ela aparentem ente é obrigada por algum a lei a dizer algo terrível, ela
acrescenta “Eu não estaria nem um pouco surpresa se eu finalm ente for prom ovida para um
distrito decente próxim o ano!”
Então ela nos beij a nas bochechas e sai apresada, suj eitada ou pela despedida em ocional ou
pela possível m elhora em seu destino.
Hay m itch cruza os braços e olha para nós.
“Algum a palavra final com o conselho?” pergunta Peeta.
“Quando o gongo soar, caia fora de lá. Vocês nem eram vocês até o banho de sangue em
Cornucópia. Só para deixar claro, ponha o m áxim o de distância possível entre vocês e os
outros, e encontrem um a fonte de água,” ele diz. “Entenderam ?”
“E depois disso?” pergunto.
“Fiquem vivos,” diz Hay m itch. É o m esm o conselho que ele nos deu no trem , m as ele não está
bêbado e rindo dessa vez. E nós apenas acenam os. O que há m ais para dizer?
Quando eu vou ao m eu quarto, Peeta dem ora-se para conversar com Portia. Estou satisfeita.
Quaisquer palavras de despedidas para nós trocarm os podem esperar até am anhã. Meus
cobertores estão esticados de novo, m as não há sinal da garota Avox de cabelos verm elhos.
Queria saber o nom e dela. Devia ter perguntado. Ela podia escrever, talvez. Ou representá-lo.
Mas talvez aquilo apenas resultaria em um a punição para ela.
Tom o banho e lavo a cor dourada, a m aquiagem , o odor de beleza do m eu corpo. Tudo o que
resta dos esforços da equipe de design são as cham as nas m inhas unhas. Decido m antê-las
para lem brar a audiência quem eu sou. Katniss, a garota que estava em cham as. Talvez isso
m e dê algo para segurar nos próxim os dias.
Eu coloco um a cam isola grossa de lã e subo na cam a. Preciso de cinco segundos para notar
que eu nunca iria dorm ir. E eu precisava dorm ir desesperadam ente porque na arena todo o
m om ento em que eu cedesse à fadiga seria um convite à m orte.
Isso não é bom . Um a hora, duas, três passam , e m inhas pálpebras se recusam a ficarem
pesadas. Não posso parar de tentar im aginar exatam ente em que terreno estarei am anhã.
Deserto? Pântano? Um a frígida devastação? Acim a de tudo eu espero por árvores, que podem
m e fornecer alguns m eios de dissim ulação e com ida e abrigo. Freqüentem ente há arvores
porque paisagens áridas são m açantes e os Gam es se resolvem m uito rápido sem elas. Mas
com o será o clim a? Que arm adilhas os Gam em akers esconderam para anim ar os m om entos
m ais lentos? E ainda há m eus tributos com panheiros...
Quanto m ais ansiosa eu estou para dorm ir, m ais o sono m e evita. Finalm ente, eu estou inquieta
dem ais m esm o para ficar na cam a. Eu ando no chão, coração batendo m uito rápido,
respiração m uito curta. Meu quarto parece um a cela de um a prisão. Se eu não conseguir ar
logo, vou com eçar a atirar coisas novam ente. Corro no corredor em direção à porta do
telhado. Não está trancada, m as entreaberta. Talvez alguém tenha esquecido de fechá-la, m as
isso não im porta. O cam po de força ao redor do telhado previne qualquer form a desesperada
de escapar. E eu não estou procurando escapar, apenas encher m eus pulm ões de ar. Quero ver
o céu e a lua na últim a noite em que ninguém estará m e caçando.
O telhado não é ilum inado a noite, m as logo que m eu pé descalço toca a superfície de azulej o,
vej o sua silhueta, negra contra as luzes que ilum inam interm inavelm ente no Capitol. Há m uita
com oção acontecendo nas ruas, m úsica e canto e buzina, nada que eu podia escutar através do
grosso vidro dos painéis da j anela no m eu quarto. Eu podia escapular agora, sem ele m e notar;
ele não m e ouviria acim a do ruído. Mas o ar da noite está tão doce, que não posso suportar
retornar àquela gaiola abafada do m eu quarto. E que diferença isso faz? Se nós falarm os ou
não?
Meus pés m ovem -se silenciosam ente sobre os azulej os. Estou apenas a um m etro dele quando
eu digo, “Você deveria dorm ir um pouco.”
Ele se sobressalta, m as não se vira. Posso vê-lo balançando suavem ente a cabeça. “Não queria
perder a festa. É por nós, depois de tudo.”
E venho ao seu lado e m e inclino contra a beira da grade. As ruas largas estão cheias de
pessoas dançando. Eu soslaio para ver suas pequenas figuras em m ais detalhes. “Eles estão em
fantasias?”
“Quem poderia dizer?” Peeta responde. “Com o todas essas roupas m alucas que eles usam
aqui. Não pôde dorm ir, tam bém ?”
“Não pude desligar a m inha m ente,” digo.
“Pensando na sua fam ília?” ele pergunta.
“Não,” adm ito um pouco culpada. “Tudo o que eu posso fazer é pensar sobre isso am anhã. O
que é sem sentido, é claro.” Na luz que vem de baixo, posso ver sua face agora, a estranha
form a que ele apóia suas m ãos enfaixadas. “Eu realm ente sinto m uito quanto a suas m ãos.”
“Isso não im porta, Katniss,” ele diz. “Eu nunca fui um candidato nesses j ogos, de qualquer
form a.”
“Isso não é m aneira de pensar,” digo.
“Por que não? É verdade. Minha m elhor esperança é não dar vexam e e...” Ele hesita.
“E o quê?” digo.
“Eu não sei com o dizer exatam ente. Apenas... eu quero m orrer com o eu m esm o. Isso faz
algum sentido?” ele pergunta. Eu balanço m inha cabeça. Com o ele poderia m orrer com o
alguém além de si m esm o? “Eu não quero que eles m e m udem . Tornem -m e algum tipo de
m onstro que eu não sou.”
Mordo m eu lábio m e sentindo inferior. Enquanto eu estive rum inando sobre a disponibilidade
de árvores, Peeta estava se esforçando em com o m anter sua identidade. Sua própria pureza.
“Você quer dizer que não m atará ninguém ?” pergunto.
“Não, quando a hora chegar, tenho certeza que m atarei com o todo m undo. Eu não posso cair
sem lutar. Só continuo desej ando que eu pudesse pensar num m odo de... m ostrar ao Capitol
que eles não são donos de m im . Que eu sou m ais que um pedaço em seus Gam es,” diz Peeta.
“Mas você não é,” digo. “Nenhum de nós é. É com o os Gam es funcionam .”
“Ok, m as dentro desse quando, ainda há você, ainda há eu,” ele insiste. “Você não vê?”
“Um pouco. Apenas... sem ofensa, m as quem se im porta, Peeta?” digo.
“Eu m e im porto. Quero dizer, o que m ais eu sou autorizado a m e im portar a esse ponto?” ele
pergunta irritado. Ele prende aqueles olhos azuis nos m eus agora, exigindo um a resposta.
Eu dou um passo para trás. “Im porte-se com o que Hay m itch disse. Sobre ficar vivo.” Peeta
sorri para m im , triste e desdenhoso. “Ok. Obrigado pelo toque, querida.” É com o um tapa na
m inha cara. Ele usando o afeito arrogante de Hay m itch. “Olhe, se você quer passar as últim as
horas da sua vida planej ando algum a m orte nobre na arena, é escolha sua. Eu quero passar as
m inhas no Distrito Doze.”
“Não m e surpreenderia se você conseguir,” diz Peeta. “Dê a m inha m ãe o m eu m elhor
quando você voltar, ok?”
“Conte com isso.” digo. Então m e viro e deixo o telhado. Passo o resto da noite entrando e
saindo de um cochilo, im aginando as observações cortantes que farei a Peeta de m anhã. Peeta
Mellark. Nós verem os o quão alto e poderoso ele é quando ele enfrentar a vida e a m orte. Ele
provavelm ente se transform ará naqueles tributos bestas enfurecidos, o tipo que tentar com er o
coração de alguém depois de m atá-los. Houve um cara assim há alguns anos do Distrito 6
cham ado Titus. Ele ficou com pletam ente selvagem e os Gam em akers tiveram que paralisá-lo
com arm as elétricas para j untar os corpos dos j ogares que ele tinha m atado antes que ele os
com essem . Não há regras na arena, m as canibalism o não fica bem com a audiência do
Capitol, então eles tentaram acabar com isso. Havia algum a especulação de que a avalanche
que finalm ente levou Titus para fora foi proj etada especificam ente para assegurar o vencedor
não era um lunático.
Não vej o Peeta de m anhã. Cinna aparece antes do am anhecer, m e dá um a sim ples troca para
vestir, e m e guia para o telhado. Meu vestido final e preparações estarão sozinhos nas
catacum bas sob a própria arena. Um aerobarco aparece do nada no ar, j usto com o aquele na
floresta no dia em que eu vi a garota Avox de cabelos verm elhos capturada, e um a escada
caindo. Eu posiciono m inhas m ãos e piso nos degraus m ais baixos e instantaneam ente é com o
se eu tivesse congelada. Algum tipo de corrente m e j unta a escada enquanto estou deslizando
segura para dentro.
Espero a escapa para m e libertar então, m as ainda estou presa quando um a m ulher num
casaco branco se aproxim a de m im carregando um a seringa. “Esse é apenas seu localizador,
Katniss. Quando m ais parada você estiver, m ais eficiente eu posso colocá-lo,” ela diz.
Parada? Eu estou um a estátua. Mas isso não m e previne da sensação do golpe afiado de dor
enquanto a agulha insere o dispositivo m etálico de localização profundam ente sob a pele no
lado do m eu antebraço. Agora os Gam em akers sem pre serão capazes de traçar m eu lugar na
arena. Não iriam querer perder um tributo.
Tão logo o localizador está no lugar, a escada m e liberta. A m ulher desaparece e Cinna é
retom ado do telhado. Um garoto Avox vem e nos direciona ao quarto onde será o café da
m anhã. Apesar da tensão no m eu estôm ago, eu com o o m áxim o que posso, em bora nenhum a
das com idas deliciosas faça algum a im pressão em m im . Estou tão nervosa que poderia estar
com endo poeira de carvão. A única coisa que m e distrai de tudo é a visão das j anelas enquanto
nós navegam os pela cidade e então para a im ensidão além dela. Isso é o que os pássaros
vêem . Apenas eles são livres e salvos. O oposto de m im .
A corrida continua por m eia-hora antes de j anela ficar escura, sugerindo que nós estam os nos
aproxim ando da arena. O aerobarco aterrissa e Cinna e eu voltam os para a escada, só que
dessa vez ela segue para baixo dentro de um tubo subterrâneo, dentro das catacum bas que
ficam sob a arena. Nós seguim os instruções para o m eu destino, um a sala para m inha
preparação. No Capitol, eles a cham am de Sala de Abertura. Nos distritos, é referida com o
Curral. O lugar para onde os anim ais vão antes do abate.
Tudo é novo em folha, serei o prim eiro e único Tributo a usar essa Sala de Abertura. As arenas
são sítios históricos, preservados depois dos Gam es. Destinos populares para os m oradores de
Capitol visitarem , nas férias. Ir por um m ês, re-assistir os Gam es, passear pelas catacum bas,
visitar os sítios onde as m ortes ocorreram . Você pode m esm o tom ar parte no
restabelecim ento. Dizem que a com ida é excelente.
Eu luto para m anter m eu café da m anhã no estôm ago enquanto tom o banho e lim po os m eus
dentes. Cinna faz em m eu cabelo a sim ples trança que é m inha m arca registrada. Então as
roupas chegam , a m esm a para cada tributo. Cinna não tinha falado nada sobre m eus traj es,
nem sequer sabe o que estará no pacote, m as ele m e aj uda a vestir m inha roupa de baixo,
calça m arron-am arelada sim ples, blusa verde claro, cinto m arrom vigoroso, e um fino casaco
de capuz preto que cai nas m inhas coxas. “O m aterial dessa j aqueta é desenhado para refletir
o calor do corpo. Espere algum as noites frias,” ele diz.
As botas, usadas sobre m eias m uito j ustas, são m elhores do que eu podia ter esperado. Couro
m acio diferente do de casa. Essas aqui têm um a sola de borracha estreita e flexível. Bons para
corrida.
Penso que eu term inei quando Cinna puxa o broche de m ockingj ay de ouro do seu bolso. Tinha
m e esquecido com pletam ente dele.
“Onde você conseguiu isso?” pergunto.
“Na roupa verde que você usou no trem ,” diz. Lem bro agora de tirar do vestido da m inha m ãe,
prendendo-o na cam isa. “É sua lem brança do distrito, certo?” Aceno e ele o prega na m inha
cam isa. “Ele quase abriu o conselho de revisão. Alguns pensaram que o pino podia ser usado
com o um a arm a, o que lhe dá um a vantagem inj usta. Mas, finalm ente, deixaram -no,” diz
Cinna. “Eles elim inaram o anel daquela garota do Distrito Um , entretanto. Se você torcer a
j óia, um prego pula para fora. Envenenado. Ela disse que não tinha conhecim ento do anel
transform ado e não tinham com o provar que ela soubesse. Mas ela perdeu sua lem brança.
Aqui, você está pronta. Dê um giro. Tenha certeza que tudo está confortável.” Eu ando, corro
em um círculo, balanço m eus braços. “Sim , está ótim o. Perfeito.”
“Então não há nada a fazer a não ser esperar pela cham ada,” diz Cinna. “A não ser que você
ache que pode com er m ais?”
Eu recuso a com ida, m as aceito um copo de água que tom o aos golinhos enquanto esperam os
no sofá. Eu não quero roer m inhas unhas ou m order m eus lábios, então eu m e encontro
m ordendo a parte de dentro da m inha bochecha. Ela ainda não está totalm ente curada de
alguns dias atrás. Logo o gosto de sangue enche a m inha boca.
Nervosism o ecoa em terror enquanto eu antecipo o que está por vir. Eu podia estar m orta,
m orta sem rodeios, em um a hora. Menos até. Meus dedos obsessivam ente rastream a
protuberância um pouco dura no m eu antebraço, onde a m ulher tinha inj etado o dispositivo de
rastream ento. Eu pressiono, em bora doa, eu pressiono tão forte que um pequeno inchaço
com eça a se form ar.
“Você quer conversar, Katniss?” Cinna pergunta.
Balanço a m inha cabeça, m as depois de um m om ento estendo m inha m ão a ele. Cinna segura
com as duas m ãos. E é assim com o nós sentam os até um a agradável voz fem inina anunciar
que é a hora da abertura.
Ainda apertando um a das m ãos de Cinna, eu ando m ais e fico em cim a de um a placa circular
de m etal. “Lem bre-se do que Hay m itch falou. Corra, encontre água. O resto virá depois,” diz.
Eu aceno. “E lem bre-se disso. Eu não estou autorizado a apostar, m as se eu pudesse, m eu
dinheiro estaria em você.”
“Verdade?” sussurro.
“Verdade,” diz Cinna. Ele se inclina e m e beij a na testa. “Boa sorte, garota em cham as.” E
então um cilindro de vidro está descendo ao m eu redor, quebrando nosso aperto de m ão,
cortando-o de m im . Ele coloca seus dedos sob seu queixo. Cabeça erguida.
Eu levanto m eu queixo e fico tão reta quanto posso. O cilindro com eça a levantar. Por talvez
quinze segundos, eu estou na escuridão e então eu posso sentir a placa m etálica m e
em purrando para fora do cilindro, para o ar aberto. Por um m om ento, m eus olhos estão
ofuscados pela brilhante luz do sol e eu estou consciente apenas do vento forte com o cheiro
esperançoso de pinheiros.
Então escuto o lendário locutor, Claudius Tem plesm ith, enquanto sua voz ruge ao m eu redor.
“Dam as e cavalheiros, deixem o septuagésim o quarto Hunger Gam es com eçarem !” 11
Sessenta segundos. É esse o tem po que devem os perm anecer nos nossos círculos de m etal
antes do som de um gongo nos liberar. Pise para fora antes de dar um m inuto, e m inas
terrestres arrancarão suas pernas. Sessenta segundos para absorver o círculo de tributos, todos
eqüidistantes de Cornucópia, um a gigante trom beta de corno dourada na form a de um cone
com um a ponta curva, a boca de qual tem pelo m enos seis m etros e dez centím etros de altura,
derram ando as coisas que nos darão vida aqui na arena. Com ida, recipientes de água, arm as,
rem édios, vestim entas, iniciadores de fogo. Espalhados pela Cornucópia estão outros
suprim entos, seu valor dim inuindo quanto m ais distante estej am da trom beta. Por exem plo, a
apenas três passos dos m eus pés está um plástico de noventa centím etros quadrados.
Certam ente seria de algum a utilidade em um aguaceiro. Mas ali na boca, eu consigo ver um a
barraca de acam par que protegeria de quase qualquer tipo de tem po. Se eu tivesse coragem de
ir brigar por ela contra os outros vinte e três tributos. O que eu fui instruída a não fazer.
Nós estam os em um pedaço aberto de chão terreno. Um a planície de terra de chão. Atrás dos
tributos na m inha frente, eu não consigo ver nada, indicando ou um a ladeira excessiva ou até
m esm o um precipício. À m inha direita tem um lago. À m inha esquerda e às m inhas costas,
um m astro de floresta de pinheiro. É aqui que Hay m itch iria querer que eu fosse.
Im ediatam ente.
Eu ouço as instruções dele na m inha cabeça. “Só para deixar claro, ponha o m áxim o de
distância possível entre vocês e os outros, e encontrem um a fonte de água.” Mas é tentador, tão
tentador, quando eu vej o os prêm ios esperando lá perante m im . E eu sei que se eu não pegá-
los, algum a outra pessoa pegará. Que os Tributos Profissionais que sobrevivem ao banho de
sangue dividirão a m aioria dessa pilhagem vital. Algo captura a m inha atenção. Lá,
descansando em um am ontoado de cobertores, está um estoj o prateado de flechas e um arco,
j á pendurado, só esperando ser engaj ado. Esse é m eu, eu penso. É para m im .
Eu sou rápida. Eu consigo correr a toda velocidade m ais rápido do que qualquer um a das
garotas na nossa escola, apesar de algum as conseguirem m e vencer em corridas de distância.
Mas esse com prim ento de trinta e seis m etros, é para isso que fui feita. Eu sei que posso pegá-
los, eu sei que consigo alcançá-los prim eiro, m as então a pergunta é quão rápido eu consigo
sair dali? Depois que eu tiver afastado os pacotes e pegado as arm as, outros terão chegado na
trom beta, e um ou dois eu talvez sej a capaz de alvej ar, m ais digam os que há um a dúzia, a
queim a-roupa, eles poderiam m e abater com as lanças e clavas. Ou seus próprios punhos
poderosos.
Ainda assim , eu não serei o único alvo. Aposto que m uitos dos outros tributos rej eitariam um a
garota m enor, m esm o um a que tirou onze em seu treinam ento, para abater seus adversários
m ais ferozes.
Hay m itch nunca m e viu correr. Talvez se ele tivesse visto, ele teria m e dito para ir adiante.
Pegar a arm a. Já que é essa a arm a que pode ser a m inha salvação. E eu só vej o um arco na
pilha inteira. Eu sei que o m inuto deve estar quase acabando e terei que decidir qual a m inha
estratégia será e eu m e encontrando posicionando m eu pé para correr, não para longe para a
prisão da floresta cercante, m as na direção da pilha, na direção do arco.
Hay m itch nunca m e viu correr. Talvez se ele tivesse visto, ele teria m e dito para ir adiante.
Pegar a arm a. Já que é essa a arm a que pode ser a m inha salvação. E eu só vej o um arco na
pilha inteira. Eu sei que o m inuto deve estar quase acabando e terei que decidir qual a m inha
estratégia será e eu m e encontrando posicionando m eu pé para correr, não para longe para a
prisão da floresta cercante, m as na direção da pilha, na direção do arco. Quando de repente eu
noto Peeta, ele está a cerca de cinco tributos à m inha direita, um a distância bem boa, ainda
assim , consigo afirm ar que ele está olhando para m im e eu acho que ele pode estar
balançando sua cabeça. Mas o sol está nos m eus olhos, e enquanto eu estou quebrando m inha
cabeça sobre isso, o gongo soa.
E eu perdi! Eu perdi m inha chance! Porque esses poucos segundos extras que eu perdi por não
estar pronta são o bastante para m udar de ideia sobre ir. Meus pés se arrastaram por um
m om ento, confusos com a direção que o m eu cérebro queria tom ar e então eu m e arrem essei
para frente, rem ovi a placa de plástico e um pão de form a. As escolhas são tão pequenas e eu
estou tão brava com Peeta por m e distrair que eu corri a toda velocidade por dezoito m etros
para pegar um a m ochila laranj a brilhante que poderia carregar qualquer coisa, porque eu não
consigo suportar partir com literalm ente nada.
Um garoto, eu acho que do Distrito 9, pega a m ochila ao m esm o tem po que eu e por um breve
instante nós lutam os por ela e então ele tosse, respingando sangue no m eu rosto. Eu recuo,
enoj ada pelo respingo quente e grudento. Então o garoto desliza para o chão. É quando eu vej o
a faca nas suas costas. Outros tributos j á alcançaram a Cornucópia e estão se espalhando para
atacar. Sim , a garota do Distrito 2, há nove m etros, correndo na m inha direção, um a m ão
apertando m eia dúzia de facas. Eu a vi j ogá-las no treinam ento. Ela nunca erra. E eu sou seu
próxim o alvo.
Todo o m edo geral que eu estive sentindo se condensa em um m edo im ediato dessa garota,
dessa predadora que pode m e m atar em segundos. Adrenalina é atirada através de m im e eu
atiro a m ochila por sobre um om bro e corro a toda velocidade para a floresta. Eu consigo ouvir
a lâm ina assobiando na m inha direção e eu levanto a m ochila reflexivam ente para proteger a
m inha cabeça. A lâm ina se aloj a na m ochila. Com am bas as alças nos m eus om bros agora, eu
corro para as árvores. De algum m odo eu sei que a garota não m e perseguirá. Que ela será
atraída de volta para a Cornucópia antes que todas as coisas boas acabem . Um sorriso irônico
cruza o m eu rosto. Obrigada pela faca, eu penso.
Na beira da floresta eu m e viro por um instante para analisar o cam po. Em torno de m ais ou
m enos um a dúzia de tributos estão despedaçando na trom beta. Diversos j á estão caídos m ortos
no chão. Aqueles que fugiram estão desaparecendo nas árvores ou no vazio oposto a m im . Eu
continuo correndo até que a floresta tenha m e escondido dos outros tributos, então dim inuo
para um a corrida leve uniform e que acho que consigo m anter por algum tem po. Pelas
próxim as horas, eu alterno entre correr de leve e andar, colocando o m áxim o de distância
quanto consigo entre eu e m eus com petidores. Eu perdi m eu pão durante a luta com o garoto
do Distrito 9, m as consegui enfiar m eu plástico na m inha m anga então enquanto eu ando eu
dobro-o organizadam ente e enfio-o em um bolso. Eu tam bém solto a faca – é fina com um a
lâm ina longa e afiada, serrada próxim a ao cabo, o que será útil para serrar coisas – e deslizo-a
no m eu cinto. Eu não ouso parar para exam inar o conteúdo da m ochila ainda. Eu
sim plesm ente continuo, pausando apenas para checar perseguidores.
Eu posso continuar por um longo tem po. Eu sei disso pelos dias na floresta. Mas eu precisarei
de água. Essa foi a segunda instrução do Hay m itch, e j á que eu m eio que estraguei o prim eiro,
eu fico de olho por qualquer sinal dela. Sem sorte.
A floresta com eça a desenvolver-se, e os pinheiros estão m esclados com um a variedade de
árvores, algum as eu reconheço, algum as são com pletam ente estrangeiras para m im . Um a
hora, eu ouço um barulho e puxo m inha faca, pensando que talvez eu tenha que m e defender,
m as eu só assustei um coelho. “Bom te ver,” eu sussurro. Se há um coelho, pode haver
centenas sim plesm ente esperando para serem capturados.
O chão se inclina. Eu não gosto disso particularm ente. Vales m e fazem sentir aprisionada. Eu
quero ficar no alto, com o nas colinas ao redor do Distrito 12, onde consigo ver m eus inim igos
se aproxim ando. Mas eu não tenho escolha a não ser continuar indo.
Estranho, m as não m e sinto m uito m al. Os dias m e em panturrando se provaram válidos. Eu
tenho capacidade de resistência m esm o tendo dorm ido pouco. Estar na floresta é rej uvenante.
Estou feliz pela solidão, apesar de ser um a ilusão, porque eu provavelm ente estou na tela
agora. Não consistentem ente, m as em intervalos. Há tantas m ortes para se m ostrar no
prim eiro dia que um tributo viaj ando pela floresta não é m uito que se ver. Mas eles m ostrarão
o bastante de m im para inform ar às pessoas que eu estou viva, intacta e m e m ovendo. Um dos
dias m ais pesados de aposta é a abertura, quando as casualidades iniciais aparecem . Mas isso
não se com para ao que acontece quando o cam po se esprem e em um punhado de j ogadores.
É final da tarde quando eu com eço a escutar os canhões. Cada tiro representa um tributo
m orto. A luta deve ter finalm ente acabado na Cornucópia. Eles nunca coletam os corpos do
banho de sangue até que os assassinos tenham se dispersado. No dia da abertura, eles nem ao
m enos disparam os canhões até a luta inicial acabar, porque é difícil dem ais ter um a noção das
fatalidades. Eu m e perm ito pausar, ofegando, enquanto conto os tiros. Um ... dois… três…
continuam ente até que se chegue a onze. Onze m ortos no total. Treze restantes para j ogar.
Minhas unhas arranham o sangue seco do garoto do Distrito 9 que tossiu no m eu rosto. Ele se
foi, certam ente. Eu m e pergunto sobre Peeta. Ele durou o dia? Eu saberei em algum as horas.
Quando eles proj etarem as im agens dos m ortos no céu para o resto de nós verm os.
Repentinam ente, eu sou sobrecarregada pelo pensam ento que Peeta possa j á estar perdido,
drenado de sangue, coletado, e em processo de ser transportado de volta para Capitol para ser
lim po, vestido novam ente, e m andado em um a caixa de m adeira sim ples de volta para o
Distrito 12. Não m ais aqui. Se dirigindo para casa. Eu tentei arduam ente m e lem brar se eu o
tinha visto um a vez que a ação com eçara. Mas a últim a im agem que consigo invocar é o Peeta
balançando sua cabeça enquanto o gongo soa.
Talvez sej a m elhor, se ele j á tiver partido. Ele não tinha confiança algum a de que poderia
vencer. E eu não acabarei com a tarefa desagradável de m atá-lo. Talvez sej a m elhor se ele
tiver saído dessa de vez.
Eu desm orono próxim a a m inha m ochila, exausta. Eu preciso vasculhar o que tem nela de
qualquer j eito antes que a noite caia. Ver o que eu tenho para trabalhar. Enquanto eu
desengancho as alças, eu consigo sentir que tem um a estrutura forte, apesar de ser de um a cor
infeliz. Esse laranj a praticam ente brilhará no escuro. Eu faço um a nota m ental para cam uflá-
la cedo am anhã.
Eu abro rapidam ente a aba. O que eu m ais quero, bem nesse m om ento, é água. A diretriz do
Hay m itch para achar água im ediatam ente não era arbitrária. Eu não durarei m uito sem ela.
Por alguns dias, eu serei capaz de funcionar com os sintom as desagradáveis da desidratação,
m as após isso eu deteriorarei para um desam paro e estarei m orta em um a sem ana, no
m áxim o. Eu cuidadosam ente coloco a vista os estoques. Um fino saco de dorm ir preto que
reflete o calor corporal. Um pacote de bolachas. Um pacote de tiras de carne seca. Um a
garrafa de iodo. Um a caixa de fósforos de m adeira. Um rolo pequeno de aram e. Um par de
óculos de sol. E um a garrafa de plástico de dois litros com um a tam pa para levar água que está
totalm ente seca.
Nada de água. Seria tão difícil assim para eles encherem a garrafa? Eu m e torno consciente da
secura na m inha garganta e boca, das rachaduras nos m eus lábios. Eu estivera m e m ovendo o
dia todo. Estava quente e eu tinha suado m uito. Eu faço isso em casa, m as sem pre houve
riachos para se beber, ou neve para derreter se chegasse a esse ponto. Enquanto eu tornava a
encher m inha m ochila eu tive um péssim o pensam ento. O lago. Aquele que eu vi enquanto
estava esperando pelo gongo soar. E se aquela fosse a única fonte de água na arena? Desse
j eito eles garantiriam nos atrair para um a briga. O lago é um a j ornada de dia todo de onde eu
m e sento agora, um a j ornada m uito m ais árdua com nada para beber. E então, m esm o que o
alcance, com certeza deverá estar pesadam ente segura por alguns dos Tributos Profissionais.
Eu estou prestes a entrar em pânico quando m e lem bro do coelho que eu assustei hoj e m ais
cedo. Ele tem que beber, tam bém . Eu só tenho que achar onde.
O crepúsculo está chegando e eu estou facilm ente enferm a. As árvores são finas dem ais para
oferecer m uito esconderij o. A cam ada de folhas de pinheiro que abafa os m eus passos tanto
dificulta localizar anim ais quando eu preciso das trilhas deles para achar água. E eu ainda estou
m e dirigindo colina abaixo, cada vez m ais profundam ente para um vale que parece
interm inável.
Estou com fom e, tam bém , m as eu ainda não ouso assaltar m eu estoque precioso de bolachas e
carne. Ao invés, eu uso a m inha faca e vou trabalhar em um pinheiro, cortando a casca de
árvore e raspando um grande punhado de cortiça m acia. Eu lentam ente m astigo o negócio
enquanto ando. Após um a sem ana da com ida m ais chique do m undo, é um pouco difícil
engolir. Mas eu j á com i m uitos pinheiros na m inha vida. Eu m e aj ustarei rapidam ente.
Mais um a hora, e fica claro que eu tenho que achar um lugar para acam par. Criaturas da noite
estão saindo. Eu consigo ouvir o pio de um a coruj a ou o uivo ocasional, m inha prim eira pista
de que estarei com petindo com predadores pelos coelhos. Se eu serei vista com o um a fonte de
alim ento, é cedo dem ais para afirm ar. Pode haver qualquer quantidade de anim ais m e
perseguindo nesse m om ento.
Mas nesse instante, eu decido tornar m eus tributos com panheiros um a prioridade. Tenho
certeza de que m uitos continuarão caçando pela noite. Aqueles que venceram na Cornucópia
terão com ida, um a abundância de água do lago, tochas ou lanternas, e arm as que estão se
coçando para usar. Eu só posso esperar que eu tenha viaj ado longe e rápido o bastante para
estar fora de alcance.
Antes de m e assentar, eu pego m eu aram e e arm o duas arm adilhas de m ovim ento nos galhos
cortados. Eu sei que é arriscado arm ar em boscadas, m as a com ida acabará logo aqui. E eu
não posso arm ar arm adilhas quando estiver fugindo. Ainda assim , eu ando m ais cinco m inutos
antes de acam par.
Eu escolho a m inha árvore cuidadosam ente. Um salgueiro, não terrivelm ente alto, m as
aloj ado em um grupo de outros salgueiros, oferecendo esconderij o nesses galhos longos e
fluidos. Eu subo, ficando com os galhos m ais fortes perto do tronco, e acho um a forquilha
vigorosa com o m inha cam a. Leva algum tem po, m as eu arranj o o saco de dorm ir de um a
m aneira relativam ente confortável. Eu coloco m inha m ochila no fundo do saco, então m e
deslizo para dentro. Com o precaução, eu rem ovo m eu cinto, enrolo-o todo ao redor do galho e
do m eu saco de dorm ir, e o recoloco na m inha cintura. Agora se eu rolar no m eu sono, eu não
irei cair no chão. Eu sou pequena o bastante para enfiar o topo do saco por sobre a m inha
cabeça, m as eu coloco m eu capuz tam bém . A m edida em que a noite cai, o ar esfria
rapidam ente. Apesar do risco que eu corri em pegar a m ochila, eu sei agora que foi a escolha
certa. Esse saco de dorm ir, radiando e preservando o m eu calor corporal, será inestim ável.
Tenho certeza de que há diversos tributos cuj a m aior preocupação agora é com o se m anter
quente, enquanto eu na verdade serei capaz de ter algum as horas de sono. Se eu apenas não
estivesse com tanta sede...
A noite acabou de chegar quando eu ouço o hino que precede o recapitulam ento das m ortes.
Através dos galhos eu consigo ver o selo de Capitol, que parece estar flutuando no céu. Eu na
verdade estou vendo outra tela, um a enorm e que é transportada por um de seus aerobarcos
ausentes. O hino dissipa-se e o céu fica escuro por um m om ento. Em casa, estaríam os
assistindo a cobertura total de cada um a das m ortes, m as isso dá um a vantagem inj usta para os
tributos vivos. Por exem plo, se eu coloco m inhas m ãos num arco e acerto alguém , m eu
segredo seria revelado a todos. Não, aqui na arena, tudo que vem os são as m esm as fotografias
que m ostraram quando televisionaram nossas notas do treinam ento. Fotos de rosto sim ples.
Mas agora, invés de notas, eles postam apenas núm eros de distritos. Eu tom o um longo fôlego à
m edida que os rostos dos onze tributos m ortos com eçam e m arca-os um por um nos m eus
dedos.
A prim eira a aparecer é a garota do Distrito 3. Isso quer dizer que todos os Tributos
Profissionais do 1 e do 2 sobreviveram . Nenhum a surpresa aqui. Então o garoto do 4. Eu não
esperava essa, geralm ente todos os Profissionais sobrevivem ao prim eiro dia. O garoto do
Distrito 5... eu acho que a garota de rosto de raposa o m atou. Am bos os tributos do 6 e do 7. O
garoto do 8. Am bos do 9. Sim , ali está o garoto por quem eu briguei pela m ochila. Eu conto nos
m eus dedos, só m ais um tributo m orto faltando. É o Peeta? Não, lá está a garota do Distrito 10.
É isso. O selo de Capitol está de volta com um floreio m usical final. Então a escuridão e os sons
da floresta retornaram .
Estou aliviada por Peeta estar vivo. Eu digo a m im m esm a novam ente que se eu for m orta, a
vitória dele beneficiará m ais a m inha m ãe e a Prim . É isso o que eu digo a m im m esm a para
explicar as em oções conflitantes que surgem quando eu penso no Peeta. A gratitude por ele ter
m e dado um a vantagem ao professar seu am or por m im na entrevista. A raiva por sua
superioridade no telhado. O tem or que possam os ficar cara a cara a qualquer m om ento nessa
arena.
Onze m ortos, m as nenhum do Distrito 12. Eu tento perceber quem sobrou. Cinco Tributos
Profissionais. A cara de raposa. Thresh e Rue. Rue... então ela sobreviveu ao prim eiro dia
afinal. Eu não posso evitar m e sentir feliz. Isso dá dez de nós. Os outros três eu descobrirei
am anhã. Agora que está escuro, e que eu viaj ei m uito, e eu estou aconchegada altam ente
nessa árvore, agora eu devo tentar descansar.
Eu não durm o realm ente há dois dias, e então houve o longo dia de j ornada até a arena.
Lentam ente, eu perm ito que m eus m úsculos relaxem . Que m eus olhos fechem . A últim a coisa
que eu penso é que é sorte eu não roncar...
Snap! O som de um galho quebrando m e acorda. Por quanto tem po eu dorm i? Quatro horas?
Cinco? A ponta do m eu nariz está congelada. Snap! Snap! O que está havendo? Esse não é o
som de um galho sob o pé de alguém , m as a explosão aguda de alguém vindo de um a árvore.
Snap! Snap! Eu j ulgo ser há centenas de m etros a m inha direita. Lentam ente, silenciosam ente,
eu m e viro naquela direção. Por alguns m inutos, não há nada além de escuridão e um pouco
de arrastam ento de pés. Então eu vej o um a faísca e um fogo pequeno com eça a florescer.
Um par de m ãos se aquece nas cham as, m as eu não consigo distinguir m ais que isso.
Eu tenho que m order o m eu lábio para não gritar cada nom e im undo que conheço para o
iniciador do fogo. O que está pensando? Um fogo logo ao anoitecer teria sido um a coisa.
Aqueles que batalharam na Cornucópia, com sua força superior e excedente de
fornecim entos, não seria possível para eles estarem perto o bastante para avistar cham as
então. Mas agora, quando eles provavelm ente estiveram passando um pente fino na floresta
por horas procurando as vítim as. Tanto faz se você tam bém estivesse acenando um a bandeira
e gritando, “Venha e m e pegue!”
E aqui estou eu, a um a distância curta do m aior idiota dos Gam es. Presa em um a árvore. Não
ousando fugir, j á que m inha localização em geral acabou de ser anunciada para qualquer
assassino que se im porta. Quero dizer, eu sei que está frio aí e nem todo m undo tem um saco
de dorm ir. Mas então você cerra seus dentes e agüenta até o am anhecer!
Eu m e deito ardendo no m eu saco pelas próxim as horas, na verdade pensando que se eu
conseguir sair dessa árvore, eu não terei o m enor problem a em dizim ar m eu vizinho próxim o.
Meu instinto tem sido de fugir, não lutar. Mas obviam ente essa pessoa é um perigo. Pessoas
estúpidas são perigosas. E essa provavelm ente não tem m uita arm a, enquanto eu tenho essa
faca excelente.
Eu m e deito ardendo no m eu saco pelas próxim as horas, na verdade pensando que se eu
conseguir sair dessa árvore, eu não terei o m enor problem a em dizim ar m eu vizinho próxim o.
Meu instinto tem sido de fugir, não lutar. Mas obviam ente essa pessoa é um perigo. Pessoas
estúpidas são perigosas. E essa provavelm ente não tem m uita arm a, enquanto eu tenho essa
faca excelente.
O céu ainda está escuro, m as eu consigo sentir os prim eiros sinais do am anhecer se
aproxim ando. Estou com eçando a achar que nós – quero dizer, a pessoa cuj a m orte eu estou
agora planej ando e eu – nós podem os realm ente ter passado despercebidos. Então eu ouço.
Diversos pares de pés correndo. O iniciador do fogo deve ter cochilado. Eles estão em cim a
dela antes que ela possa escapar. Eu sei que é um a garota agora, eu consigo afirm ar pela
súplica, pelo grito agonizante que se segue. Então há um a risada e parabenizações de diversas
vozes. Alguém grita, “Doze j á foram e faltam onze!” o que consegue um a rodada de assovios
de apreciação.
Então eles estão lutando em bando. Não estou realm ente surpresa. Regularm ente alianças são
form adas nos estágios prim ários dos Gam es. Os fortes se j untam para caçar os fracos, então,
quando a tensão com eça a se tornar grande dem ais, com eçam a se virar uns contra os outros.
Eu não tenho que pensar m uito em quem form ou essa aliança. Serão os Tributos Profissionais
restantes dos Distritos 1, 2 e 4. Dois garotos e três garotas. Aqueles que alm oçavam j untos.
Por um m om ento, eu ouço-os checando os suprim entos da garota. Eu posso afirm ar por seus
com entários que eles não acharam nada de bom . Eu m e pergunto se a vítim a é a Rue, m as
rapidam ente descarto esse pensam ento. Ela é brilhante dem ais para estar preparando um a
fogueira com o essa.
“É m elhor nos afastarm os para que eles possam pegar o corpo antes que ele com ece a feder.”
Estou quase certa que esse é o garoto bruto do Distrito 2. Há m urm úrios de assentim ento e
então, para m eu horror, eu escuto o bando se dirigindo na m inha direção. Eles não sabem que
eu estou aqui. Com o poderiam ? E eu estou bem escondida no grupo de árvores. Pelo m enos
enquanto o sol perm anece abaixado. Então m eu saco de dorm ir preto se transform ará de
cam uflagem em encrenca. Se eles sim plesm ente continuarem se m ovendo, eles passarão por
m im e terão ido em bora em um m inuto.
Mas os Profissionais param na clareira a cerca de nove m etros da m inha árvore. Eles têm
lanternas, tochas. Eu consigo ver um braço aqui, um a bota ali, através dos intervalos nos
galhos. Eu viro pedra, nem m esm o ousando respirar. Eles m e avistaram ? Não, ainda não. Eu
consigo afirm ar pelas palavras deles que suas m entes estão em outro lugar.
“Não deveríam os ter ouvido um canhão j á?”
“Eu diria que sim . Nada para im pedir que eles entrem im ediatam ente.”
“A não ser que ela não estej a m orta.”
“Ela está m orta. Eu m esm o a im obilizei.”
“Então onde está o canhão?”
“Alguém deveria voltar. Se certificar que o trabalho foi feito.”
“É, não querem os ter que localizá-la duas vezes.”
“Eu disse que ela está m orta!”
Um a discussão ocorre até que um tributo silencia os outros. “Estam os perdendo tem po! Eu vou
term inar com ela e vam os nos m over.”
Eu quase caio da árvore. A voz pertence ao Peeta.
12
Graças a Deus, eu tive a perspicácia de m e cingir. Eu rolei para o lado de fora da bifurcação e
encarei o chão, segura no lugar pelo cinto, por um lado, e m eus pés escarranchados na
m ochila dentro do m eu saco de dorm ir, apoiados contra o tronco. Deve ter havido algum
farfalho quando eu m e inclinei de lado, m as os Profissionais estavam m uito concentrados em
sua discussão para perceber.
“Vá em frente, então, Lover Boy ,” diz o garoto do Distrito 2. “Vej a por si m esm o.” Eu só
tenho um vislum bre de Peeta, ilum inado pela tocha, voltando para a garota pelo fogo.
Seu rosto está inchado dos m achucados, há um a bandagem m anchada de sangue em um
braço, e pelo som de seu andar, está m ancando. Lem bro dele balançando sua cabeça, m e
dizendo para não entrar na briga pelos suprim entos, quando o tem po todo, o tem po todo ele
planej ava se atirar no centro das coisas. Justo o oposto do que Hay m itch tinha dito para ele
fazer.
Ok, eu posso engolir isso. Ver todos aqueles suprim entos foi tentador. Mas isso... isso é outra
coisa. Essa parceria com a m atilha de lobos Profissionais para caçar o resto de nós. Ninguém
do Distrito 12 pensaria em fazer um a coisa dessas! Tributos Profissionais são excessivam ente
cruéis, arrogantes, m elhor alim entados, m as só porque são os cãezinhos do Capitol.
De m odo universal, um sólido ódio de todos m enos aqueles de seus próprios distritos. Posso
im aginar as coisas que eles estão dizendo sobre ele em casa agora. E Peeta teve a ousadia de
conversar com igo sobre desonra?
Obviam ente, o garoto nobre do telhado estava j ogando apenas m ais um j ogo com igo. Mas esse
será seu últim o. Eu assistirei avidam ente o céu de noite por sinais de sua m orte, se eu m esm a
não m atá-lo prim eiro.
Os Tributos Profissionais estão silenciosos até que ele sai do cam po auditivo, então usam vozes
baixas.
“Por que nós apenas não o m atam os logo agora e acabam os com isso?”
“Deixe-o por enquanto. Qual é o dano? E ele é útil com aquela faca.” Ele é? Isso é novidade.
Que m onte de coisas interessantes eu estou aprendendo sobre m eu am igo Peeta hoj e.
“Além disso, ele é nossa m elhor chance de encontrá-la.” Eu levo um m om ento para registrar
que eles estão se referindo a m im .
“Por quê? Você acha que ela está m esm o naquela coisa rom ântica e sentim ental?”
“Ela deve. Parece m uito sim plória para m im . Toda vez que eu penso nela dando voltas
naquele vestido, tenho vontade de vom itar.”
“Gostaria de saber com o ela conseguiu aquele onze.”
“Aposto que o Lover Boy sabe.”
O som de Peeta retornando os silencia.
“Ela estava m orta?” Pergunta o garoto do Distrito 2.
“Não. Mas ela está agora,” diz Peeta. Justo então, o canhão dispara. “Prontos para ir adiante?”
O grupo dos Profissionais com eça a correr j usto enquanto a alvorada com eça irrom per, e as
m úsicas dos pássaros preenchem o ar. Eu perm aneço na m inha posição estranha, os m úsculos
trem endos com o esforço por um longo tem po, então m e suspendo de volta ao m eu galho. Eu
preciso descer, continuar, m as por um m om ento eu fico deitada ali, digerindo o que acabei de
escutar. Não só Peeta está com os Profissionais, ele está os aj udando a m e encontrar. A garota
sim plória que tem que ser levada a sério por causa de seu onze. Porque ela pode usar seu arco
e flecha. O que Peeta sabe m elhor que qualquer um .
Mas ele não disse pra eles ainda. Ele está guardando essa inform ação porque sabe que é tudo
que o m antém com vida? Ele ainda está fingindo m e am ar para a audiência? O que está se
passando pela cabeça dele?
De repente, os pássaros ficam silenciosos. Então um pássaro dá um a cham ada de alerta. Um a
sim ples nota. Com o aquela que Gale e eu escutam os quando a Avox de cabelos verm elhos foi
pega. Alto, acim a da fogueira m orrendo, um aerobarco se m aterializa. Um enorm e conj unto
de dentes de m etal cai. Devagar, gentilm ente, a tributo m orta é levada para dentro do
aerobarco.
Então ele som e. Os pássaros retom am o canto.
“Mexa-se,” sussurro para m im m esm a. Esquivo-m e do saco de dorm ir, e o coloco na m ochila.
Respiro fundo. Enquanto estava oculta na escuridão e no saco de dorm ir e ram os de salgueiro,
é provável que tenha sido difícil para as câm eras conseguirem um bom close de m im . Sei que
eles devem estar m e rastreando agora m esm o. No m inuto que eu bato no chão, tenho
garantido m eu close-up.
A audiência estará fora de si, sabendo que eu estava na árvore, que eu escutei a conversa dos
Profissionais, que eu descobri que Peeta estava com eles. Até que eu planej e exatam ente
com o eu vou j ogar, é m elhor, ao m enos, passar por cim a das coisas. Não perplexa.
Certam ente não confusa ou assustada.
Não, eu preciso ver um passo à frente no j ogo.
Então enquanto deslizo para fora das folhagens e dentro da luz do am anhecer, paro por um
segundo, dando às câm eras tem po para focarem em m im . Então inclino m inha cabeça
levem ente para o lado e dou um sorriso. Vej am ! Deixem -no im aginarem o que isso significa!
Eu estou para abandonar o lugar quando penso nas cobras. Talvez sej a im prudente checá-las
com os outros tão perto. Mas eu tenho. Muitos anos de caçada, eu acho. E a isca de um a
possível com ida. Sou recom pensada com um ótim o coelho. Num piscar de olhos, eu lim pei e
retirei as tripas do anim al, deixando a cabeça, os pés, rabo, pele, e vísceras sob um a pilha de
folhas. Gostaria de ter fogo – com er coelho cru pode te dar febre, um a lição que aprendi da
pior form a – quando penso no tributo m orto. Eu corro de volta ao seu cam po. Certo o bastante,
o carvão do fogo de sua m orte ainda está quente. Eu corto o coelho, colo num galho em form a
de espelho, e coloco-o sobre as brasas.
Estou satisfeita com as câm eras agora. Quero que os patrocinadores vej am que eu posso
caçar, que eu sou um a boa aposta porque não cairei em arm adilhas tão facilm ente quanto os
outros irão pela fom e. Enquanto o coelho assa, eu m ôo parte dos ram os carbonizados e passo-o
sobre m inha m ochila laranj a. O tom a escurece, m as eu sinto que um a cam ada de lam a iria
aj udar definitivam ente. É claro, para ter lam a, precisaria de água...
Eu puxo m eus utensílios, seguro m inha saliva, chuto algum a suj eira sobre as brasas, e tom o a
direção oposta da que os Profissionais foram . Com o m etade do coelho enquanto eu vou, então
em brulho as sobras em um plástico para m ais tarde. A carne pára o rugido no m eu estôm ago,
m as faz pouco para sossegar m inha sede. Água é m inha m aior prioridade agora.
Enquanto eu m archo, tenho certeza que ainda estou prendendo as telas em Capitol, então tenho
o cuidado de continuar a esconder m inhas em oções. Mas que diversão Claudius Tem plesm ith
deve estar tendo com seus com entaristas convidados, dissecando o com portam ento de Peeta,
m inha reação. O que fazer de tudo? Peeta tem revelado suas verdadeiras cores? O que isso
afeta nas chances de aposta? Nós perderem os patrocínios? Nós ao m enos tem os patrocínio?
Sim , tenho certeza que tem os, ou pelo m enos tínham os.
Certam ente Peeta acabou nossa dinâm ica de nam orados celebridades. Ou não? Talvez, um a
vez que ele não fale m uito sobre m im , nós ainda possam os conseguir algo disso. Talvez as
pessoas pensem que é algo que nós planej am os j untos se eu parecer que estou divertida agora.
O sol se eleva no céu e m esm o através da cobertura parece excessivam ente ilum inado. Cubro
os m eus lábios com a gordura do coelho e tento não arquej ar, m as é inútil. Só se passou apenas
um dia e eu estou desidratada rápido. Tento pensar em tudo que sei sobre achar água.
Corro m orro abaixo, então, de fato, continuar a descer nesse vale não é um a m á idéia. Se eu
pudesse apenas localizar um a pista do j ogo ou um ponto particularm ente verde na vegetação,
podia m e aj udar bastante, m as nada parece m udar. Há apenas um leve declive gradual, os
pássaros, a m esm ice nas árvores.
Enquanto o dia passa, sei que estou com problem as. O pouco que eu pude urinar era castanho
escuro, m inha cabeça está doendo, e há um a m ancha seca na m inha língua que se recusa a
um edecer. O sol m achuca m eus olhos então eu pego m eus óculos escuros, m as quando eu os
coloco, eles fazem algo suspeito com a m inha visão, então apenas os coloco de volta na m inha
m ochila.
É fim de tarde quando acho que encontrei aj uda. Identifico um grupo de arbustos de bagas e
m e apresso em tirar as frutas, sugando o doce suco de suas peles. Mas j usto quando eu estou
segurando-os para os m eus lábios, realm ente olho para eles. O que eu pensei que era arando
tinha o form ato levem ente diferente, e quando eu abro um , o interior é verm elho vivo. Eu não
reconheço essas bagas, talvez elas sej am com estíveis, m as eu estou achando que essa é um a
vil arm adilha da parte dos Gam em akers. Até o instrutor de plantas no Centro de Treinam ento
nos disse para fugir de bagas a m enos que você estej a 100 por cento certa de que elas não
sej am tóxicas. Algo que eu j á sabia, m as estou com tanta sede que preciso de tem po para ter a
força de j ogá-las fora.
Fadiga está com eçando a m e envolver, m as não o cansaço usual que segue um a longa
cam inhada. Tenho que parar e descansar freqüentem ente, em bora eu saiba que a única cura
para o que m e aflige requer procura contínua. Experim ento um a nova tática – subir nas
árvores tão alto que ouso no m eu instável estado – para procurar algum sinal de água. Mas tão
longe eu consigo ver em qualquer direção, há o m esm o im placável trecho de floresta.
Determ inada a continuar até o cair da noite, cam inho até estar tropeçando sobre m eus pés.
Exausta, eu m e lanço em cim a de um a árvore e m e prendo lá. Não tenho apetite, m as chupo
os ossos do coelho para dar a m inha boca algo para fazer. A noite cai, o hino toca, e no alto do
céu vej o a figura de agora, que aparentem ente era do Distrito 8. À qual o Peeta voltou para
acabar.
Meu m edo do grupo de Profissionais é m ínim o com parado à m inha sede ardente. Além disso,
eles estão seguindo para longe de m im e por enquanto eles tam bém terão de descansar. Com a
escassez de água, eles podem ter que retornar para o lago para encher as garrafas.
Talvez, esse é o único curso para m im tam bém .
A m anhã traz agonia. Minha cabeça palpita a cada batida do coração. Movim entos sim ples
m andam punhaladas de dor através das m inhas j untas. Eu caio m ais do que pulo da árvore.
Tom a alguns m inutos para eu j untar m eus utensílios. Em algum lugar dentro de m im , sei que
isso é errado. Eu deveria estar agindo m ais cuidadosam ente, m ovendo-m e com m ais urgência.
Mas m inha m ente parece enevoada e form ar um plano é difícil. Inclino-m e para trás contra o
tronco da árvore, um dedo delicadam ente alisando a superfície de lixa da m inha língua,
enquanto avalio m inhas opções. Com o eu consigo água?
Retornar ao lago. Nada bom . Eu nunca faria isso.
Esperar por chuva. Não há nem um a nuvem no céu.
Continuar procurando. Sim , essa é m inha única chance. Mas então, outro pensam ento m e bate,
e a explosão de raiva que se segue traz m eu senso de volta.
Hay m itch! Ele podia m e m andar água! Aperte um botão e a envie para m im em um
páraquedas de prata em m inutos. Sei que devo ter patrocinadores, no m ínim o um ou dois que
podem bancar m eio litro de água para m im . Sim , é caro, m as essas pessoas, elas são feitas de
dinheiro. E eles estarão apostando em m im tam bém . Talvez Hay m itch não perceba o quão
profunda é m inha necessidade.
Digo num a voz tão alta quanto ouso. “Água.” Espero, esperançosa, por um pára-quedas descer
do céu. Mas nada está vindo.
Algo está errado. Eu estava enganada sobre ter patrocinadores? Ou o com portam ento de Peeta
fez com que eles todos recuassem ? Não, não acredito. Há alguém aí fora que quer m e
com prar água, só Hay m itch está recusando em deixá-la passar para cá. Com o m eu m entor,
ele tem o controle do fluxo de presentes dos patrocinadores. Sei que ele m e odeia. Ele deixou
isso bem claro. Mas o bastante para m e deixar m orrer? Disso? Não pode fazer isso, pode? Se
um m entor m altrata seus tributos, será responsabilizado pelos telespectadores, pelas pessoas do
Distrito 12. Mesm o Hay m itch não se arriscaria, arriscaria? Diga o que quiser sobre m eus
com panheiros negociantes de Hob, m as não acho que eles dariam boas-vindas a ele lá se m e
deixasse m orrer dessa form a. E então onde ele iria conseguir a sua bebida? Então... o quê? Ele
está tentando m e fazendo sofrer por desafiá-lo? Ele está direcionando todo o patrocínio para
Peeta? Ele está tão bêbado até para notar o que está acontecendo nesse m om ento? De algum a
form a não acredito nisso e não acredito que ele está tentando m e m atar por negligência,
tam bém . Ele tem , na verdade, no seu próprio m odo desagradável, genuinam ente tentado m e
preparar para isso. Então, o que está acontecendo?
Eu enterro m eu rosto em m inhas m ãos. Não há perigo de lágrim as agora, eu não poderia
produzir nenhum a nem para salvar a m inha vida. O que Hay m itch está fazendo? Apesar da
m inha raiva, ódio, e suspeitas, um a pequena voz detrás da m inha cabeça sussurra um a
resposta.
Talvez ele estej a te m andando um a m ensagem , ela diz. Um a m ensagem . Dizendo o quê?
Então eu sei. Só há um a boa razão para Hay m itch estar segurando a água de m im . Porque ele
sabe que eu quase estou encontrando-a.
Eu cerro m eus dentes e m e coloco de pé. Minha m ochila parece ter triplicado o peso. Encontro
um galho quebrado que vai servir com o um a bengala e com eço a cam inhada. O sol está forte,
ainda m ais abrasador que os prim eiros dois dias. Sinto-m e com o um velho pedaço de couro,
secando e chicoteando no calor. Todo passo é um esforço, m as m e recuso a parar. Eu m e
recuso a sentar. Se eu sentar, há um a boa chance de não ser capaz de m e levantar de novo, de
que eu nem lem bre m inha tarefa.
Que presa fácil eu sou! Qualquer tributo, até a pequena Rue, poderia m e pegar agora,
m eram ente pulando sobre m im e m e m atando com m inha própria faca, e eu teria pouca força
para resistir. Mas se alguém está na m inha parte da floresta, ignora-m e. A verdade é, eu sinto
com o se estivesse a m ilhões de quilôm etros de outra alm a viva.
Não sozinha, porém . Não, eles com certeza têm as câm eras m e seguindo agora. Penso nos
anos assistindo tributos m orrendo de fom e, congelando, sangrando, ou desidratando até a
m orte. A m enos que haj a um a briga m uito boa acontecendo em algum lugar, eu estou sendo a
atração.
Meus pensam entos voltam a Prim . É provável que ela não estej a m e assistindo ao vivo, m as
eles m ostram as gravações na escola durante o alm oço. Por ela, tenho que parecer o m enos
desesperada possível.
Mas pela tarde, sei que o final está chegando. Minhas pernas estão trem endo e m eu coração
acelerado. Eu continuo esquecendo exatam ente o que estou fazendo. Tropeço repetidam ente e
consigo recuperar m eus pés, m as quando a vara escorrega por debaixo de m im , eu finalm ente
caio no chão incapaz de m e levantar. Deixo m eus olhos se fecharem .
Eu m e enganei quanto ao Hay m itch. Ele não tem nenhum a intenção de m e aj udar. Está tudo
certo, penso. Não é tão ruim aqui. O ar é m enos quente, significando que a noite se aproxim a.
Há um suave, doce cheiro que m e lem bra lírios. Meus dedos batem no chão m acio, deslizando
facilm ente sobre ele. Esse é um bom lugar para m orrer, penso.
Minhas pontas dos dedos fazem pequenos padrões de giros na terra fria e escorregadia. Eu
adoro lam a, penso. Quantas vezes eu segui as caças com a aj uda dessa m acia e legível
superfície. Bom para picadas de abelha, tam bém . Lam a. Lam a. Lam a! Meus olhos se abrem
e eu envio m eus dedos na terra. É lam a! Meu nariz se ergue no ar. E aqueles são lírios!
Aguapés!
Eu rastej o agora, sobre a lam a, arrastando-m e em direção ao cheiro. Cinco m etros de onde eu
caí, rastej o pela confusão de plantas até a poça. Flutuando na superfície, flores am arelas no
florescer, estão m eus belos lírios.
É tudo o que posso fazer para não m ergulhar o m eu rosto na água e engolir tudo o que posso.
Mas tenho j uízo o bastante para m e abster. Com as m ãos trem endo, pego m inha garrafa
térm ica e a encho com água. Acrescento o que eu lem bro ser o núm ero certo de gotas de iodo
para purificá-la. A m eia hora de espera é um a agonia, m as eu consigo. Ao m enos, penso que é
m eia hora, m as é certam ente o tem po que posso suportar.
Devagar, calm a agora, digo para m im m esm a. Tom o um gole e m e obrigo a esperar. Então
outro. Durante o próxim o par de horas, eu tom o m etade do galão. Então um segundo. Preparo
outro antes de m e retirar para um a árvore onde eu continuo bebericando, com endo coelho, e
até m esm o um dos m eus preciosos biscoitos. No m om ento que o hino toca, sinto-m e
consideravelm ente m elhor. Não há rostos essa noite, nenhum tributo m orreu hoj e. Am anhã eu
ficarei aqui, descansando, cam uflando m inha m ochila com lam a, pegando alguns daqueles
pequenos peixes que eu vi enquanto bebia, desenterrando as raízes do aguapé para fazer um a
boa refeição. Eu m e aconchego debaixo do m eu saco de dorm ir, segurando m inha garrafa de
água com o se fosse m inha própria vida, que, é claro, é.
Um as poucas horas depois, um barulho de pés m e balança do m eu sono. Eu olho ao redor em
confusão. Ainda não am anheceu, m as m eus doloridos olhos podem ver.
Seria difícil perder a parede de fogo descendo sobre m im .
13
Meu prim eiro im pulso é descer da árvore, m as eu estou am arrada. De algum m odo, m eus
dedos tateando soltam a fivela e eu caio no chão num am ontoado, ainda em brulhada em m eu
saco de dorm ir. Não há tem po para qualquer tipo de arrum ação. Felizm ente, m inha m ochila e
garrafa de água j á estão no saco. Eu em purro a fivela, hasteio o saco sobre m eu om bro, e
fuj o.
O m undo se transform ou em cham as e fum aça. Galhos queim ando explodem das árvores e
caem em chuvas de faíscas aos m eus pés. Tudo que posso fazer é seguir os outros, os coelhos e
veados e eu até m esm o avisto um a m atilha de cachorros selvagens disparando pela floresta.
Eu confio no sentido de direção deles porque seu instinto é m ais aguçado que o m eu. Mas eles
são m uito m ais velozes, voando pelo m atagal tão graciosam ente enquanto m inhas botas
enroscam em raízes e troncos caídos de árvores, que não há m aneira de eu acom panhá-los.
O calor é horrível, m as pior que o calor é a fum aça, que am eaça m e sufocar a qualquer
m om ento. Eu puxo o colar da m inha cam iseta sobre m eu nariz, grata por encontrá-la ensopada
com suor, e ela m e oferece um fino véu de proteção. E eu corro, sufocando, m eu saco
batendo contra m inhas costas, m eu rosto cortado com os galhos que se m aterializam sem aviso
do nevoeiro cinza, porque eu sei que devo correr.
Isso não é nenhum a fogueira de tributo que saiu de controle, nenhum a ocorrência acidental.
As cham as que pressionam sobre m im tem um a altura anorm al, um a uniform idade que as
m arca com o feitas por hum anos, feitas por m áquinas, feitas por Gam em akers. As coisas
estavam quietas dem ais hoj e. Nenhum a m orte, talvez nem m esm o um a luta. A audiência em
Capitol estaria se entediando, clam ando que esses Gam es estavam a beira de serem
sonolentos. Isso é um a coisa que os Gam es não podem ser.
Não é difícil seguir a m otivação dos Gam em akers. Há o bando dos Profissionais e então há o
resto de nós, provavelm ente espalhados longe e escassam ente pela arena. Esse fogo foi
designado para nos revelar, para nos atrair. Pode não ser o dispositivo m ais original que eu j á
havia visto, m as é m uito, m uito eficiente.
Eu pulo por sobre um a lenha em cham as. Não alto o bastante. A ponta final da m inha j aqueta
pega fogo e eu tenho que parar para arrancá-la do m eu corpo e extirpar as cham as. Mas eu
não ouso deixar a j aqueta, queim ada e ardendo com o estava, eu arrisco enfiá-la no m eu saco
de dorm ir, esperando que a falta de ar sufoque o que eu não extingui. Isso é tudo que eu tenho,
o que eu carrego nas costas, e é pouco para se sobreviver.
Em um a questão de m inutos, m inha garganta e nariz estavam queim ando. A tosse com eçou
logo depois e m eus pulm ões com eçaram a parecer que realm ente estavam sendo cozinhados.
Desconforto transform ou-se em agonia até que cada respiração m andava um a dor abrasadora
pelo m eu peito. Eu consigo m e abrigar debaixo de um a pedra brotando bem quando o vôm ito
com eçou, e eu perco m inha j anta escassa e o pouco de água que sobrou no m eu estôm ago.
Agachando de quatro, eu forço o vôm ito até que não tenha sobrado nada para subir.
Eu sei que preciso continuar m e m exendo, m as estou trem endo e tonta agora, arfando por ar.
Eu m e perm ito um a colherada de água para lim par m inha boca e cuspir, então tom o alguns
goles da m inha garrafa. Você tem um m inuto, eu digo a m im m esm a. Um m inuto para
descansar. Eu tom o tem po para reordenar m eus suprim entos, estofar o saco de dorm ir, e
desordenadam ente enfiar tudo na m ochila. Meu m inuto acabou. Eu sei que é hora de m e
m exer, m as a fum aça encobriu m eus pensam entos. Os anim ais de pernas ligeiras que eram a
m inha bússola m e deixaram para trás. Eu sei que não estive nessa parte da floresta antes, não
havia pedras de tam anho considerável com o essa na qual estou m e abrigando nas m inhas
viagens anteriores. Para onde os Gam em akers estão m e levando? De volta para o lago? Para
um terreno totalm ente novo cheio com novos perigos? Eu tinha acabado de encontrar algum as
horas de paz na poça quando esse ataque com eçou. Haveria algum j eito de eu viaj ar
paralelam ente ao fogo e conseguir voltar para cá, para enfim um a fonte de água? A parede de
fogo devia ter um fim e não queim aria indefinitivam ente. Não porque os Gam em akers não
pudessem m antê-la queim ando, m as porque, novam ente, isso cham aria acusações de tédio da
audiência. Se eu conseguisse voltar para trás da linha de fogo, eu conseguiria evitar encontrar
os Profissionais. Eu tinha acabado de decidir tentar e voltar, apesar de precisar de quilôm etros
de viagem para longe do inferno e então um a rota m uito tortuosa de volta, quando a prim eira
bola de fogo explode na pedra a cerca de sessenta centím etros da m inha cabeça. Eu salto de
debaixo do m eu leito, energizada por m edo renovado.
O j ogo deu um a virada. O fogo era só para nos fazer m over, agora a audiência verá um a
diversão de verdade. Quando eu ouço o próxim o sibilo, eu m e abaixo no chão, não tom ando o
tem po para olhar. A bola de fogo atinge um a árvore à m inha esquerda, engolfando-a em
cham as. Perm anecer parada é m orrer. Mal estou de pé quando a terceira bola atinge o chão
onde estava deitada, m andando um a pilastra de fogo atrás de m im . O tem po perde o
significado agora que eu tento freneticam ente desviar dos ataques. Eu não consigo ver de onde
estão sendo m andados, m as não é um aerobarco. Os ângulos não são extrem os o bastante.
Provavelm ente todo esse segm ento da floresta foi arm ado com lançadores de precisão que
estão escondidos em árvores ou pedras. De algum lugar, em um a sala gelada e im aculada, um
Gam em aker está sentado com um par de controles, os dedos no gatilho que poderiam acabar
com a m inha vida em um segundo. Tudo o que precisa é um golpe direto.
Qualquer plano vago que eu tinha concebido em relação a retornar para a m inha poça é
apagado da m inha m ente enquanto eu ziguezagueio e salto para evitar bolas de fogo. Cada um a
é som ente do tam anho de um a m açã, m as engloba um poder trem endo em contato.
Cada sentido que eu tenho fica em sobrecarga à m edida que a necessidade de sobreviver tom a
conta. Não há tem po para j ulgar se um m ovim ento é o correto. Quando há um sibilo, eu aj o ou
m orro.
Algo m e m antém m ovendo para frente, contudo. Toda um a vida de assistir os Hunger Gam es
m e inform a que certas áreas da arena são equipadas para certos ataques. E que se eu
conseguir sim plesm ente sair dessa seção, eu talvez consiga sair do alcance dos lançadores. Eu
talvez tam bém possa então cair diretam ente num a sepultura de víboras, m as não posso m e
preocupar com isso agora.
Por quanto tem po eu m e arrastei desviando das bolas de fogo, não sei dizer, m as os ataques
finalm ente com eçam a dim inuir. O que é bom , porque eu novam ente estou tendo ânsias.
Dessa vez é um a substância ácida que escalda a m inha garganta e acha cam inho até o m eu
nariz tam bém . Sou forçada a parar enquanto m eu corpo convulsiona, tentando
desesperadam ente se livrar dos venenos que estive sugando durante o ataque. Eu espero pelo
próxim o sibilo, o próxim o sinal para fugir. Não vem . A força da ânsia esprem eu lágrim as dos
m eus olhos doloridos. Minhas roupas estão ensopadas em suor. De algum m odo, através da
fum aça e do vôm ito, eu capturo o cheiro de cabelo queim ado. Minhas m ãos rem exem m inha
trança e descobrem que um a bola de fogo cauterizou pelo m enos quinze centím etros dela.
Mechas de cabelo escuro esfarelam nos m eus dedos. Eu encaro-as, fascinada pela
transform ação, quando o sibilo é registrado.
Meus m úsculos reagem , só que não rápidos o bastante dessa vez. A bola de fogo atinge o chão
do m eu lado, m as não antes de derrapar pela m inha panturrilha direita. Vendo a perna da
m inha calça pegando fogo m e faz pirar. Eu giro e corro para trás de quatro, esperneando,
tentando m e retirar do horror. Quando eu finalm ente reganho sentido o bastante, eu rolo a
perna para frente e para trás no chão, o que sufoca a pior parte. Mas então, sem pensar, eu
rasgo o tecido restante com as m inhas próprias m ãos.
Eu sento no chão, a alguns m etros do calor em anado da bola de fogo. Minha panturrilha está
gritando, m inhas m ãos cobertas por açoites verm elhos. Estou trem endo dem ais para m e
m over. Se os Gam em akers quiserem m e finalizar, agora é a hora.
Eu ouço a voz do Cinna, carregando im agens de tecidos ricos e pedras preciosas brilhantes.
“Katniss, a garota que estava pegando fogo.” Que risada gostosa os Gam em akers deviam estar
dando dessa. Talvez, as lindas vestim entas de Cinna tenham até m esm o trazido essa tortura
particular para m im . Eu sei que ele não podia ter previsto isso, deve estar sofrendo por m im ,
porque, de fato, eu acredito que ele gosta de m im . Mas no todo, talvez aparecer
com pletam ente pelada naquela carruagem tivesse sido m ais seguro para m im .
O ataque agora tinha acabado. Os Gam em akers não m e querem m orta. Ainda não, de
qualquer m aneira. Todos sabem que eles poderiam destruir todos nós dentro de segundo após o
gongo de abertura. O esporte real do Hunger Gam es é observar os tributos m atando uns aos
outros. De vez em quando, eles m atam um tributo só para lem brar aos j ogadores que eles
podem . Mas na m aioria, eles nos m anipulam para confrontar uns aos outros cara-a-cara. O
que quer dizer que, se não estão m ais atirando em m im , tem pelo m enos um outro tributo
próxim o.
Eu m e arrastaria para um a árvore e m e acobertaria agora se pudesse, m as a fum aça ainda
está grossa o bastante para m e m atar. Eu m e faço ficar de pé e com eço a m ancar para longe
da parede de cham as que ilum ina o céu. Parece não estar m ais m e perseguindo, exceto com
suas nuvens pretos fedorentas.
Outra luz, a do dia, com eça a em ergir suavem ente. Giros de fum aça capturam os raios
solares.
Minha visibilidade é pobre. Eu consigo ver talvez treze m etros em qualquer direção. Um tributo
podia facilm ente estar escondido de m im daqui. Eu devia puxar m inha faca com o precaução,
m as eu duvido da m inha habilidade de segurá-la por m uito tem po. A dor nas m inhas m ãos não
pode de j eito algum com petir com a da m inha panturrilha. Eu odeio queim aduras, sem pre as
odiei, m esm o um a pequena adquirida quando puxava um a fornada de pão do forno. É o pior
tipo de dor para m im , m as eu nunca experenciei nada com o isso.
Eu estou tão cansada que nem ao m enos noto que estou no lago até estar até o tornozelo. É
alim entada por um a nascente, borbulhando de um a fenda em algum as pedras, e
agradavelm ente gelada. Eu enfio m inhas m ãos na água rasa e sinto alívio instantâneo. Não é
isso que m inha m ãe sem pre diz? O prim eiro tratam ento para um a queim adura é água gelada?
Que reduz o calor? Mas ela queria dizer queim aduras m enores. Provavelm ente ela
recom endaria isso para as m inhas m ãos. Mas e quanto à m inha panturrilha? Apesar de eu não
ter tido coragem ainda de exam iná-la, suponho que sej a um ferim ento de um nível totalm ente
diferente.
Eu deito de barriga na beirada do lago por um tem po, balançando m inhas m ãos na água,
exam inando as pequenas cham as em m inhas unhas que estavam com eçando a descascar.
Ótim o. Já tive fogo o bastante por um a vida.
Eu lavo o sangue e as cinzas do m eu rosto. Eu tento relem brar tudo que eu sei sobre
queim aduras. São ferim entos com uns em Seam , onde cozinham os e aquecem os nossas casas
com carvão. Então há os acidentes nas m inas... Um a fam ília um a vez trouxe um j ovem
inconsciente im plorando para m inha m ãe aj udá-lo. O m édico do distrito que é responsável por
tratar os m inerados tinha descartado-o, dito a fam ília para levá-lo para casa para m orrer. Mas
eles não aceitavam isso. Ele ficou deitado na m esa da nossa cozinha, desacordado
inteiram ente. Eu vislum brei o ferim ento em sua coxa, carne aberta e carbonizada, queim ada
até o osso, antes que eu fugisse de casa. Eu fui para a floresta e cacei o dia todo, assom brada
pela terrível perna, as m em órias da m orte do m eu pai. O que foi engraçado é que, Prim , que
tem m edo de sua própria som bra, ficou e aj udou. Minha m ãe diz que curandeiros nascem , e
não são feitos. Elas fizeram seu m elhor, m as o hom em m orreu, j ustam ente com o o m édico
tinha dito.
Minha perna precisa de atenção, m as eu ainda não consigo olhar para ela. E se for tão ruim
quanto do hom em e eu conseguir ver o m eu osso? Então eu lem bro da m inha m ãe dizendo que
se um a queim adura é severa, a vítim a podia nem ao m enos sentir dor, porque os nervos
estariam destruídos. Encoraj ada por isso, eu m e sento e balanço m inha perna na m inha frente.
Eu quase desm aio ao ver a m inha panturrilha. A carne é um verm elho brilhante coberto com
bolhas. Eu m e forço a tom ar fôlegos profundos e vagarosos, sentindo-m e bem certa que as
câm eras estão no m eu rosto. Eu não posso m ostrar fraqueza com esse ferim ento. Não se eu
quiser aj udar. Pena não te dá aj uda. Adm iração por sua recusa em ceder te dá. Eu corto o
restante da perna da calça no j oelho e exam ino o ferim ento m ais de perto. A área queim ada é
cerca do tam anho da m inha m ão. Nenhum a pele está preta. Eu acho que não é tão ruim para
ensopar. Cuidadosam ente, eu estiquei m inha perna no lago, sustentando o calcanhar da m inha
bota num a pedra para que o couro não ficasse m uito encharcado, e suspiro, porque isso
oferecia m esm o algum alívio. Eu sei que há ervas, se eu conseguisse achá-las, que
acelerariam a cura, m as eu não consigo exatam ente lem brar. Água e tem po serão
provavelm ente tudo que eu terei com o que trabalhar.
Eu deveria estar m e m exendo? A fum aça está lentam ente dissipando, m as ainda é pesada
dem ais para ser saudável. Se eu continuar longe do fogo, eu não estarei andando diretam ente
para as arm as dos Profissionais? Além do m ais, toda vez eu levanto m inha perna da água, a
dor ressalta tão intensam ente que eu tenho que deslizar para dentro de novo. Minhas m ãos
estão ligeiram ente m enos exigentes. Elas conseguem aguentar pequenos intervalos do lago.
Então eu lentam ente coloco o m otor de volta em ação. Prim eiram ente eu encho m inha
garrafa com a água do lago, trato-a, e quando tem po o bastante passou, com eço a reidratar
m eu corpo. Após um tem po, eu m e forço a m ordiscar um a bolacha de água e sal, o que aj uda
a acalm ar m eu estôm ago. Eu enrolo m eu saco de dorm ir. Exceto por algum as m arcas pretas,
é relativam ente incólum e. Minha j aqueta é outro assunto. Fedendo e queim ada, pelo m enos
trinta centím etros nas costas não havia conserto algum . Eu corto a área danificada, ficando
com um a vestim enta que fica sim plesm ente no final das m inhas costelas. Mas o capuz está
intacto e é bem m elhor do que nada.
Apesar da dor, o entorpecim ento com eça a tom ar conta. Eu iria para um a árvore e tentaria
descansar, exceto que eu seria facilm ente avistada. Além do m ais, abandonar m eu lago seria
im possível. Eu arrum o organizadam ente m eus suprim entos, até m esm o coloco m eu saco nos
m eus om bros, m as não consigo partir. Eu avisto algum as plantas aquáticas com raízes
com estíveis e faço um a pequena refeição com m eu últim o pedaço de coelho. Tom o um gole
de água. Observo o sol fazer um vagaroso arco pelo céu. Onde eu iria, de qualquer j eito, que
fosse m ais seguro que aqui? Eu recuo sobre m eu saco, sobrecarregada por sonolência. Se os
Profissionais m e querem , que eles m e achem . Eu penso antes de ser levada em um estupor.
Que eles m e achem .
E eles m e acham . É um a sorte eu estar pronta para m e m over, porque quando ouço os passos,
eu tenho m enos de um m inuto de dianteira. A noite com eçou a cair. No m om ento em que
acordo, estou de pé e correndo, respingando pelo lago, voando sobre os m atagais. Minha perna
m e desacelera, m as eu sinto que m eus perseguidores não estão tão velozes quanto eram antes
que o fogo, tam pouco. Eu ouço suas tossidas, suas vozes ásperas cham ando uns aos outros.
Ainda assim , eles estão cercando, bem com o um bando de cachorros selvagens, então eu faço
o que fiz m inha vida toda em tais circunstâncias. Eu escolho um a árvore alta e com eço a
escalar. Se correr dói, escalar é agonizante, porque requere não só esforço, m as contato direto
das m inhas m ãos na casca da árvore. Eu sou rápida, contudo, e na hora que eles alcançaram a
base do m eu tronco, estou a seis m etros de altura. Por um instante, nós param os e
inspecionam os um ao outro. Eu espero que eles não consigam ouvir o m artelar do m eu
coração.
Pode ser agora, eu penso. Que chance eu tenho contra eles? Todos os seis estão aqui, os cinco
Profissionais e Peeta, e m inha única consolação é que eles estão bem acabados, tam bém .
Mesm o assim , olhe para as arm as deles. Olhe para os rostos deles, sorrindo m aliciosam ente e
rosnando para m im , um a m orte certa acim a deles. Parece bastante desesperançoso. Mas
então outra coisa é assim ilada. Eles são m aiores e m ais fortes que eu, sem dúvida, m as
tam bém são m ais pesados. Há um a razão por ser eu e não Gale a se arriscar a arrancar as
frutas m ais altas, ou roubar os ninhos de pássaro m ais rem otos. Eu devo pesar pelo m enos vinte
dois ou vinte e sete quilos a m enos que o m enor dos Profissionais.
Agora eu sorrio. “Com o vocês estão?” eu cham o alegrem ente.
Isso os deixa desconcertados, m as eu sei que a m ultidão irá am ar.
“Bem o bastante,” diz o garoto do Distrito 2. “Você?”
“Está um pouco quente pro m eu gosto,” eu digo. Eu quase consigo ouvir a risada de Capitol. “O
ar é m elhor aqui em cim a. Por que você não sobe?”
“Acho que irei,” diz o m esm o garoto.
“Aqui, tom e isso, Cato,” diz a garota do Distrito 1, e ela lhe oferece o arco prateado e a caixa
de flechas. Meu arco! Minhas flechas! Só a visão deles m e deixa tão nervosa que eu quero
gritar, com igo m esm a, com o traidor Peeta por m e distrair de pegá-los. Eu tento fazer contato
visual com ele agora, m as ele parece estar intencionalm ente evitando o m eu olhar enquanto
ele lustra sua faca com a bainha de sua cam iseta.
“Não,” diz Cato, em purrando o arco. “Eu ficarei m elhor com a m inha espada.” Eu consigo ver
a arm a, um a lâm ina pequena e pesada em seu cinto.
Eu dou a Cato tem po de se arvorar antes de eu com eçar a escalar novam ente. Gale sem pre diz
que eu o lem bro de um esquilo, do j eito que eu consigo subir até m esm o o galho m ais delgado.
Parte disso é por causa do m eu peso, m as parte é por prática. Você tem que saber onde
colocar suas m ãos e pés. Já estou a m ais nove m etros acim a quando ouço o estrondo e olho
para baixo para ver Cato sacudindo-se violentam ente enquanto ele e o galho caem . Ele acerta
o chão com força e estou esperando que ele possivelm ente tenha quebrado seu pescoço
quando ele se levanta novam ente, xingando com o um dem ônio.
A garota com as flechas, Glim m er eu ouço alguém cham á-la – credo, os nom es que as
pessoas no Distrito 1 dão a seus filhos são tão ridículos – de qualquer j eito, Glim m er escala a
árvore até que os galhos com eçam a quebrar sob seus pés e então tem o bom senso de parar.
Estou a pelo m enos vinte e quatro m etros de altura agora. Ela tenta atirar em m im e fica
evidente de im ediato que ela é incom petente com um arco. Um a das flechas, contudo, fica
aloj ada na árvore próxim a a m im e consigo pegá-la. Eu a aceno provocativam ente acim a de
sua cabeça, com o se esse fosse o único propósito de recuperá-la, quando na verdade eu quero
usá-la se eu tiver a chance de fazê-lo. Eu poderia m atá-los, cada um deles, se aquelas arm as
prateadas estivessem em m inhas m ãos.
Os Profissionais se reagrupam no chão e eu consigo ouvi-los rosnando conspiratoriam ente
entre si, furiosos por eu tê-los feito parecer tolos. Mas o crepúsculo chegou e sua j anela para
m e atacar está se fechando. Finalm ente, eu ouço Peeta dizer severam ente, “Ah, deixe que ela
fique lá em cim a. Não é com o se ela fosse a algum lugar. Nós lidarem os com ela de m anhã.”
Bom , ele está certo sobre um a coisa. Eu não vou a lugar algum . Todo o alívio da água do lago
se foi, deixando-m e sentir a potência total das m inhas queim aduras. Eu desço para um a
forquilha na árvore e desaj eitadam ente preparo m inha cam a. Coloco m inha j aqueta. Deito
m eu saco de dorm ir. Me am arro e tento m e im pedir de gem er. O calor do saco é dem ais para
a m inha perna. Eu faço um corte no tecido e pairo m inha panturrilha no ar. Eu pingo água no
ferim ento, nas m inhas m ãos.
Toda a m inha bravata se foi. Estou fraca da dor e fam inta, m as não consigo m e forçar a
com er.
Mesm o que eu consiga sobreviver à noite, o que a m anhã trará? Eu encaro a folhagem
tentando m e forçar a descansar, m as as queim aduras proíbem isso. Pássaros estão se
preparando para a noite, cantando canções de ninar para seus filhotes. Criaturas da noite
em ergem . Um a coruj a pia. O fraco odor de cangam bá corta a fum aça. Os olhos de algum
anim al m e espreitam de um a árvore vizinha – talvez um gam bá – capturando a cham a das
tochas dos Profissionais. De repente, estou apoiada em um cotovelo. Esses não são olhos de
gam bá, conheço m uito bem sua reflexão envidraçada. De fato, esses não são nem ao m enos
olhos de anim ais. Nos últim os raios turvos de luz, eu a vej o, observando-m e silenciosam ente
entre os galhos. Rue.
Por quanto tem po ela estava aí? O tem po todo, provavelm ente. Parada e invisível enquanto a
ação se desdobrava na frente dela. Talvez ela tenha se dirigido para sua árvore pouco antes de
m im , escutando que o bando estava tão perto.
Por um tem po nós seguram os os olhares um a da outra. Então, sem nem ao m enos o farfalhar
de um a folha, sua pequena m ão desliza para fora e aponta para algo acim a da m inha cabeça.
14
Meus olhos seguem a linha do seu dedo apontado para a folhagem acim a de m im . No início,
não tenho idéia de para o que ela estej a apontando, m as então, uns 13 m etros acim a, percebo a
vaga form a na luz turva. Mas de... de quê? Algum tipo de anim al? Parece do tam anho de um
racum , m as está pendurado no galho, oscilando sem pre ligeiram ente. Há algo m ais. Entre os
sons noturnos fam iliares de um a floresta, m eus ouvidos registram um baixo zum bido. Então
percebo. É ninho de vespas.
Medo m e atravessa, m as eu tenho j uízo suficiente de continuar parada. Depois de tudo, não sei
que tipo de vespas vivem ali. Poderia ser o tipo ordinário deixe-nos-em -paz-e-nós-deixarem os-
vocês-em -paz. Mas esses são os Hunger Gam es, e ordinário não é a regra. É m ais provável
que elas sej am um a das m utações do Capitol, tracker j acker. Com o os j abberj ay s, aquelas
vespas assassinas eram geradas em laboratório e posicionadas estrategicam ente, com o um
cam po m inado, em torno dos distritos durante a guerra. Maiores do que as vespas norm ais, eles
têm um sólido corpo especial de ouro e um a picada que gera um nódulo do tam anho de um a
am eixa em contato. A m aior parte das pessoas não consegue tolerar m ais que poucas picadas.
Algum as m orrem na prim eira. Se você viver, as alucinações trazidas pelo veneno podem levar
as pessoas à loucura. E há outra coisa, essas vespas vão caçar qualquer um que incom ode seu
ninho e atacá-lo até m atá-lo. É de onde a parte do nom e tracker vem .
Depois da guerra, o Capitol destruiu todos os ninhos ao redor de suas cidades, m as os próxim os
aos distritos foram deixados intocados. Outro lem brete de nossa fraqueza, suponho, bem com o
os Hunger Gam es. Outra razão para se m anter dentro da cerca do Distrito 12.
Quando Gale e eu chegávam os perto de um ninho de tracker j ackers, nós im ediatam ente
cam inhávam os para a direção oposta.
Então é isso que está pendurado sobre m im ? Olho de volta para Rue por aj uda, m as ela
evaporou na sua árvore.
Dada as circunstâncias, penso que não im porta que tipo de ninho de vespa é. Estou ferida e
em boscada. A escuridão m e dá um breve adiam ento, m as no m om ento em que o sol subir, os
Profissionais form ularão um plano para m e m atar. Não tem chance de eles fazerem de outra
form a depois que eu os fiz parecerem estúpidos. Aquele ninho pode ser a única opção que eu
tenho. Se eu pudesse derrubá-la em cim a deles, poderia ser capaz de escapar. Mas eu
arriscaria m inha vida no processo.
É claro, nunca serei capaz de m e aproxim ar do ninho o bastante para soltá-lo. Terei que serrar
o galho do tronco e m andar toda a coisa para baixo. A parte dentada da m inha faca deve ser
capaz de fazer isso. Mas m inhas m ãos seriam ? E a vibração da serração levantará o enxam e?
E
se os Profissionais descobrirem o que estou fazendo e m overem seu acam pam ento? Isso iria
acabar com todo o propósito.
Noto que a m elhor chance que terei de fazer a serração sem ser notada será durante o hino.
Que pode com eçar a qualquer instante. Arrasto-m e para fora do m eu saco, asseguro-m e que
m inha faca está no m eu cinto, e com eço o m eu cam inho acim a na árvore. Isso em si é
perigoso visto que os galhos estão se tornando precariam ente finos até para m im , m as
persevero.
Quando alcanço o m em bro que suporta o ninho, o zum bido se torna m ais distintivo. Mas ainda
é estranham ente fraco, se esses forem tracker j ackers. É a fum aça, penso. Ela os sedou. Essa
foi um a das defesas que os rebeldes encontraram para com bater as vespas.
O selo do Capitol brilha acim a de m im e o hino ruge. É agora ou nunca, penso, e com eço a
serrar. Bolhas estouram na m inha m ão direita enquanto eu desaj eitadam ente arrasto a faca
para trás e adiante. Logo que eu pego o entalhe, o trabalho requer m enos esforço, m as é quase
m ais do que eu posso lidar. Cerro m eus dentes e olho para o céu ocasionalm ente para registrar
se houve nenhum a m orte hoj e. Está certo. A audiência ficará satisfeita m e vendo m achucada
e forçada a subir nas árvores e com um grupo abaixo de m im . Mas o hino está acabando e
estou apenas a três quartos do cam inho pela m adeira quando a m úsica acaba, e o céu fica
escuro, e sou forçada a parar.
E agora? Poderia provavelm ente term inar o trabalho pela sensação do tato, m as esse pode não
ser o plano m ais esperto. Se as vespas estão m uito debilitadas, se o ninho cair, se eu tentar
escapar, isso tudo pode ser um a perda fatal de tem po. Melhor, penso, esgueirar-se aqui de
m adrugada e m andar o ninho para os inim igos.
Na luz fraca das tochas dos Profissionais, m ovim ento-m e de volta para m inha bifurcação para
achar a m elhor surpresa que eu j á tive. Sobre m eu saco de dorm ir está um pequeno pote de
plástico preso a um pára-quedas prateado. Meu prim eiro presente de um patrocinador!
Hay m itch deve ter m andando durante o hino. O pote cabe facilm ente na palm a da m inha
m ão.
O que pode ser? Não com ida, com certeza. Desaperto a tam pa e sei pelo cheiro que é
rem édio. Cautelosam ente, eu exam ino a superfície do rem édio. A pulsação nas pontas dos
m eus dedos som e.
“Ah, Hay m itch,” sussurro. “Obrigada.” Ele não m e abandonou. Nem m e deixou para
defender-m e sozinha. O custo desse rem édio deve ter sido astronôm ico. Provavelm ente não
um , m as vários patrocinadores contribuíram para com prar esse pequeno pote. Para m im , era
sem preço.
Mergulho dois dedos no pote e espalho o bálsam o sobre m inha panturrilha. O efeito é quase
m ágico, apagando a dor em contato, deixando um a agradável sensação fria. Isso não é m istura
de ervas que m inha m ãe tritura das plantas da floresta, é m edicam ento de alta tecnologia
fabricado em laboratórios do Capitol. Quando m inha panturrilha está tratada, esfrego um a
cam ada fina em m inhas m ãos. Depois de em pacotar o pote no pára-quedas, guardo-o seguro
na m inha m ochila. Agora que a dor se tranqüilizou, é tudo que posso fazer para m e
reposicionar no saco antes de dorm ir.
Um pássaro que aterrissou apenas há alguns m etros de m im m e alerta que um novo dia está
am anhecendo. Na luz cinza da m anhã, exam ino m inhas m ãos. O rem édio transform ou todas
as m anchas verm elhas e irritadas em um a pele de bebê m acia e rosa. Minha perna ainda está
inflam ada, m as a queim ação é m uito m enor. Aplico um a nova cam ada de rem édio e
silenciosam ente pego m inhas coisas. O que quer que aconteça, vou ter que m e m exer, e
m exer rápido. Tam bém com o um biscoito e um a fatia de carne e tom o alguns goles de água.
Quase nada ficou no m eu estôm ago ontem , e j á estou com eçando a sentir os efeitos da fom e.
Abaixo de m im , posso ver o grupo de Profissionais e Peeta dorm indo no chão. Por sua posição,
inclinada contra o tronco da árvore, penso que Glim m er ficou responsável pela guarda, m as a
fadiga a venceu.
Meus olhos apertam enquanto eles tentam com preender a árvore próxim a a m im , m as não
posso perceber Rue. Visto que ela m e deu a dica, parece j usto avisá-la. Além disso, se vou
m orrer hoj e, é Rue quem quero que ganhe. Mesm o que isso signifique um pouco de com ida
extra para m inha fam ília, a idéia de Peeta sendo coroado vencedor é insuportável.
Cham o o nom e de Rue num sussurro quieto e os olhos aparecem , arregalados e alertas,
im ediatam ente. Ela aponta para o ninho novam ente. Seguro m inha faca e faço o m ovim ento
da serração. Ela acena e desaparece. Há um farfalho na árvore m ais próxim a. Então o
m esm o som de novo um pouco além . Percebo que ela está pulando de árvore em árvore.
Tudo o que posso fazer é não rir alto. É isso o que ela m ostrou para os Gam em akers? Im agino-
a voando ao redor do equipam ento de treino nunca tocando o chão. Deveria ter conseguido
pelo m enos um dez.
Listras rosadas aparecem ao leste. Não posso m e dar ao luxo de esperar m ais. Com parada a
agonia da subida de ontem à noite, essa é m oleza. No ram o da árvore que segura o ninho,
posiciono m inha faca no entalhe e estou com eçando a puxar os dentes pela m adeira quando
vej o algo se m ovendo. Lá, no ninho. O brilho dourado de um tracker j acker fazendo
preguiçosam ente o seu cam inho através da superfície cinza parecida com papel. Sem dúvida,
está agindo um pouco subj ugado, m as as vespas estão em cim a e se m ovendo, e isso significa
que os outros logo estarão fora tam bém . Suor parece nas palm as das m inhas m ãos, espum ando
pelo rem édio, e faço o m elhor para secá-las na m inha cam isa. Se eu não partir esse galho em
questão de segundos, o enxam e inteiro pode em ergir e m e atacar.
Não tem sentido ficar adiando. Respiro fundo, pego o cabo da faca e forço para baixo o m ais
forte que posso. Para trás, para frente, para trás, para frente! Os tracker j ackers com eçam a
zunir e tem o que eles estej am vindo. Para trás, para frente, para trás, para frente! Um a dor
aguda dispara pelo m eu j oelho e percebo que um m e encontrou e os outros virão logo. Para
trás, para frente, para trás, para frente. E logo quando a faca atravessa, arrem esso o final do
galho o m ais longe que posso. Ele cai através dos galhos m ais baixos, esbarrando
tem porariam ente em alguns poucos, m as então se deform a até rom per com um a pancada no
chão.
O inchaço. A dor. O líquido. Assistir Glim m er se debater até a m orte no chão. É dem ais para
lidar antes m esm o de o sol clarear o horizonte. Não quero pensar em com o Glim m er deve
parecer agora. Seu corpo desfigurado. Seus dedos inchados endurecidos ao redor do arco...
O arco! Em algum lugar na m inha m ente confundida um a pensam ento se conecta a outro e
estou de pé, balançando-m e através das árvores de volta para Glim m er. O arco. As flechas.
Devo pegá-los. Não escutei os disparos dos canhões ainda, então talvez Glim m er estej a em
algum tipo de com a, seu coração ainda lutando contra o veneno das vespas. Mas assim que ele
parar e os canhões sinalizarem sua m orte, um aerobarco aparecerá e retom ará seu corpo,
tirando o único arco e bainha de flechas que eu vi nos Gam es. E m e recuso a deixar escapá-los
pelos m eus dedos novam ente!
Alcanço Glim m er logo quando os canhões disparam . Os tracker j ackers sum iram . Essa garota,
bela de form a im pressionante no seu vestido dourado na noite das entrevistas, está
irreconhecível. Suas feições erradicadas, seus m em bros três vezes m aior que o tam anho
norm al. Os inchaços das picadas j á com eçaram a explodir, em itindo líquido verde putrefato ao
seu redor. Tenho que quebrar alguns dos que costum avam serem seus dedos com um a pedra
para libertar o arco. A bainha de flechas está presa sob suas costas. Tento girar seu corpo
puxando um braço, m as a carne desintegra-se em m inhas m ãos e caio no chão.
Isso é real? Ou as alucinações com eçaram ? Esfrego m eus olhos apertados e tento respirar pela
m inha boca, ordenando-m e a não ficar doente. Café da m anhã deve ficar no estôm ago, pode
ser dias antes de eu caçar novam ente. O segundo canhão dispara e estou achando que a garota
do Distrito 4 acabou de m orrer. Ouço os pássaros ficarem silenciosos e então um dá um grito
de aviso, o que significa que aerobarco está para aparecer.
Confusa, penso que é para Glim m er, em bora isso não faça sentido porque ainda estou no
painel, ainda brigando pelas flechas. Eu inclino para trás sobre m eus j oelhos e as árvores ao
m eu redor com eçam a rodar em círculos. No m eio do céu, localizo o aerobarco. Atiro-m e
sobre o corpo de Glim m er com o se fosse protegê-lo, m as então vej o a garota do Distrito 4
sendo elevada no ar e sum indo.
“Faça isso!” Eu m e ordeno. Apertando m inha m andíbula, em purro m inhas m ãos sob o corpo
de Glim m er, segurando o que deve ser sua caixa torácica, e a forçando sobre seu estôm ago.
Não posso evitar, estou respirando rapidam ente agora, a coisa toda tão aterrorizante e estou
perdendo m inha noção do que é real. Puxo a bainha de flechas prateada, m as ela está presa
em algum a coisa, sua om oplata, algum a coisa, e finalm ente a solto. Estou rodeando a bainha
com m eus braços quando ouço passos, alguns passos, vindo pelos arbustos, e percebo que os
Profissionais estão voltando. Eles estão voltando para m e m atar ou pegar suas arm as, ou
am bos.
Mas é m uito tarde. Puxo um a flecha pegaj osa da bainha e tento posicioná-la na corda do arco,
m as em vez de um a corda vej o três e o cheiro das cordas é tão repulsivo que não sou capaz de
fazer. Não sou capaz. Não sou capaz.
Estou desam parada quando o prim eiro caçador m ovim enta-se através das árvores, lança
levantada, posicionada para atirar. O choque no rosto de Peeta não faz sentido para m im .
Espero o golpe. Em vez disso seu braço cai do seu lado.
“O que você ainda está fazendo aqui?” ele sibila para m im . Encaro sem com preender
enquanto um a gota de água pinga do ferrão sob seu ouvido. Todo o seu corpo com eça a cintilar
com o se ele tivesse m ergulhado no orvalho. “Você está louca?” Ele está m e em purrando com
o cabo da lança agora. “Levante! Levante!” levanto, m as ele ainda está m e em purrando. O
quê? O que está acontecendo? Ele m e em purra para longe dele rudem ente.
“Corra!” ele grita. “Corra!”
Atrás dele, Cato corta seu cam inho pelos galhos. Ele está m olhado, tam bém , e ferroado
gravem ente sob um olho. Pego o brilho da luz do sol em sua espada e faço com o Peeta diz.
Segurando apertado m eu arco e flechas, batendo em árvores que aparecem do nada,
tropeçando e caindo enquanto tento m e equilibrar. Ultrapasso m inha poça e entro num a
floresta não fam iliar. O m undo com eça a se dobrar de form a alarm ante. Um a borboleta incha
até o tam anho de um a casa então se espedaça em m ilhões de estrelas. Árvores se
transform am em sangue e salpicam m inhas botas. Form igas com eçam a rastej ar para fora
das bolhas em m inhas m ãos e não consigo m e livrar delas. Elas sobem pelos m eus braços,
m eu pescoço. Alguém está gritando, um grito longo, alto e agudo que nunca pára para respirar.
Tenho a vaga idéia de que talvez sej a eu. Tropeço e caio em um buraco forrado com
m inúsculas bolhas laranj a que zum bem com o o ninho de tracker j acker. Dobrando m eus
j oelhos até m eu queixo, espero pela m orte.
Nauseada e desorientada, sou capaz de form ar apenas um pensam ento. Peeta Mellark acabou
de salvar a m inha vida.
Então as form igas perfuram m eus olhos e eu perco os sentidos.
15
Eu entro em um pesadelo, do qual eu acordo repetitivam ente só para encontrar um terror
m aior m e aguardando. Todas as coisas que eu m ais tem o, todas as coisas que eu tem o pelos
outros se m anifestam em detalhes tão vívidos que eu não posso evitar acreditar que sej am
reais. Cada vez que eu acordo, eu penso, Por fim , isso acabou, m as não acabou. É só o com eço
de um novo capítulo de tortura. De quantas m aneiras que observo Prim m orrer? Revivo os
últim os instantes do m eu pai? Sinto o m eu próprio corpo ser despedaçado? Essa é a natureza do
veneno do tracker j acker, tão cuidadosam ente criado para alvej ar o lugar onde o m edo vive no
seu cérebro.
Quando eu finalm ente volto a m im , eu fico deitada quieta, esperando pelo próxim o ataque de
im agens. Mas eventualm ente eu aceitei que o veneno deve ter finalm ente saído do m eu
sistem a, deixando m eu corpo quebrado e fraco. Eu ainda estou deitada de lado, presa na
posição fetal. Eu levanto um a m ão até m eus olhos para achá-los seguros, intocados por
form igas que nunca existiram . Sim plesm ente esticar m eus m em bros requisita um esforço
enorm e. Tantas partes de m im doem , não parece que vale a pena fazer um inventário delas.
Muito, m uito lentam ente eu consigo m e sentar. Estou num buraco raso, não enchido pelas
bolhas laranj as zum bindo da m inha alucinação, m as com folhas velhas e m ortas. Minhas
roupas estão úm idas, m as eu não sei se a causa era ou água da lagoa, orvalho, chuva, ou suor.
Por um longo tem po, tudo que eu consigo fazer é tom ar pequenos goles da m inha garrafa e
observar um besouro rastej ar pela lateral de um arbusto de m adressilva.
Por quanto tem po fiquei desacordada? Era de m anhã quando eu perdi a razão. Agora era de
tarde. Mas a dureza nas m inhas j untas sugeria que m ais de um dia tinha passado,
possivelm ente até dois. Se sim , eu não teria j eito de saber quais tributos tinha sobrevivido
àquele ataque do tracker j acker. Nem a Glim m er ou a garota do Distrito 4. Mas havia o garoto
do Distrito 1, am bos os tributos do Distrito 2, e Peeta. Eles m orreram das picadas?
Certam ente, se sobreviveram , seus últim os dias devem ter sido tão horríveis quanto os m eus
próprios. E quanto à Rue? Ela é tão pequena, não seria preciso m uito veneno para dom á-la.
Mas tam bém ... os tracker j ackers teriam que pegá-la, e ela tinha tido um a boa dianteira.
Um gosto ruim e podre penetra a m inha boca, e a água tem pouco efeito nisso. Eu m e arrasto
até o arbusto de m adressilva e arranco um a flor. Eu gentilm ente puxo o estam e da flor e
coloco a gota de néctar na m inha língua. A doçura se espalha pela m inha boca, pela m inha
garganta, aquecendo m inhas veias com lem branças do verão, e a floresta da m inha casa e a
presença de Gale ao m eu lado. Por algum a razão, nossa discussão daquela últim a m anhã volta
até m im .
“Nós poderíam os fazer, sabe.”
“O quê?”
“Deixar o distrito. Fugir. Viver na floresta. Você e eu, nós podem os fazer isso.” E de repente,
eu não estou pensando no Gale, m as no Peeta e... Peeta! Ele salvou a m inha vida! eu penso.
Porque na hora que nos encontram os, eu não conseguia afirm ar o que era real e o que o
veneno do tracker j acker tinha m e feito im aginar. Mas se ele tinha m e salvado, e m eus instintos
diziam que ele tinha, por que m otivo? Ele sim plesm ente está trabalhando no ângulo de Lover
Boy que ele tinha iniciado na entrevista? Ou ele realm ente estava tentando m e proteger? E se
ele estivesse, o que ele estava fazendo com aqueles Profissionais, pra com eço de conversa?
Nada disso fazia sentido.
Eu m e pergunto por um m om ento o que Gale achou do incidente e então eu em purro esse
negócio todo para fora da m inha m ente porque por algum a razão Gale e Peeta não coexistem
bem j untos nos m eus pensam entos.
Então eu m e foco na coisa realm ente boa que aconteceu desde que eu pousei na arena. Eu
tenho um arco e flechas! Um a inteira dúzia de flechas se você contar aquele que eu recuperei
na árvore. Elas não possuem sem elhança algum a com o lim o verde nocivo que saiu do corpo
da Glim m er – o que m e leva a crer que isso pode não ter sido inteiram ente real –, m as elas
têm um a boa quantidade de sangue seco nelas. Eu posso lim pá-las m ais tarde, m as eu tiro um
m inuto para atirar algum as num a árvore próxim a. Elas são m ais parecidas com as arm as do
Centro de Treinam ento do que com as m inhas lá em casa, m as quem liga? Eu posso trabalhar
com elas.
As arm as m e davam um a perspectiva totalm ente nova nos Gam es. Eu sei que tenho
adversários fortes para enfrentar. Mas eu não sou m ais um a m era presa que corre e se
esconde e tom a m edidas desesperadas. Se Cato saísse pelas árvores agora, eu não fugiria, eu
atiraria. Descubro que estou na verdade antecipando o m om ento com prazer.
Mas prim eiro, eu tenho que colocar um pouco de força de volta no m eu corpo. Estou m uito
desidratada novam ente e m eu suprim ento de água está terrivelm ente baixo. A pequena
cam ada de gordura que eu consegui adquirir ao m e em panturrar durante o tem po de
preparação em Capitol se foi, além de diversos quilos a m ais, tam bém . Meus quadris e costelas
estão m ais proem inentes do que eu m e lem bro desde aqueles terríveis m eses após a m orte do
m eu pai. E então há os m eus ferim entos a se conter – queim aduras, cortes, e contusões de
bater nas paredes, e três picadas de tracker j ackers, que estão tão doloridas e inchadas com o
nunca. Eu trato as m inhas queim aduras com pom ada e tento untar um pouco as m inhas
picadas tam bém , m as não faz efeito algum nelas.
Minha m ãe conhecia um tratam ento para elas, algum tipo de folha que podia retirar o veneno,
m as ela raram ente tinha m otivo para usá-la, e eu nem m e lem bro nom e, quanto m ais de sua
aparência.
Prim eiro água, eu penso. Você pode caçar pelo cam inho agora. É fácil ver a direção de onde
vim pelo cam inho de destruição que m eu corpo desvairado fez pela folhagem . Então eu ando
em outra direção, esperando que m eus inim igos ainda estão presos no m undo surreal do
veneno do tracker j acker.
Eu não posso m e m over m uito rapidam ente, m inhas j untas rej eitam quaisquer m ovim entos
abruptos. Mas eu estabeleço m inha passada lenta de caçadora que eu uso quando persigo um a
caça. Dentro de poucos m inutos, eu avisto um coelho e faça a m inha prim eira m atança com o
arco e a flecha. Não é o m eu tiro lim po norm al no olho, m as eu o tom o. Após cerca de um a
hora, eu acho um riacho, raso, m as largo, e m ais do que o suficiente para as m inhas
necessidades. O sol está quente e severo, então enquanto eu espero m inha água purificar, eu
m e dispo até ficar de roupa de baixo e arrasto-m e na corrente branda. Estou im unda da
cabeça aos pés, tento m e chapinhar, m as eventualm ente só fico parada na água por alguns
m inutos, deixando ela lim par a fuligem e o sangue e a pele que com eçou a descascar das
m inhas queim aduras. Após lavar as m inhas roupas e pendurá-las nos arbustos para secar, eu
sento no banco ao sol por um pouquinho, desem baraçando m eu cabelo com m eus dedos. Meu
apetite retorna e eu com o um biscoito e um a tira de bife. Com um punhado de m usgo, eu poli o
sangue das m inhas arm as de prata.
Refrescada, eu trato das m inhas queim aduras de novo, tranço m eu cabelo novam ente, e m e
visto nas m inhas roupas úm idas, sabendo que o sol iria secá-las logo. Seguindo o riacho contra
sua corrente parece o m ais inteligente a se fazer. Estou viaj ando colina acim a agora, o que eu
prefiro, com um a fonte de água fresca não só para m im , m as possivelm ente para caça. Eu
facilm ente acerto um pássaro estranho que deve ser algum a form a de peru selvagem .
No fim da tarde, eu decido construir um a pequena fogueira para cozinhar a carne, apostando
que o pôr-do-sol aj udaria a esconder a fum aça e eu posso apagar o fogo ao cair da noite. Eu
lim po a caça, tom ando cuidado extra com o pássaro, m as não há nada de alarm ante nele.
Um a vez que as penas são depenadas, ele não é m aior que um a galinha, m as é rechonchudo e
firm e. Eu acabo de colocar a prim eira porção sobre os carvões quando eu ouço o galho se
quebrar.
Em um m ovim ento, eu m e viro para o som , trazendo o arco e flecha no m eu om bro. Não há
ninguém ali. Ninguém que eu consiga ver, de qualquer j eito. Então eu avisto a ponta da bota de
um a criança sim plesm ente espiando detrás de um tronco de um a árvore. Meus om bros
relaxam e eu sorrio. Ela consegue se m over pela floresta com o um a som bra, você tem que
dar-lhe esse crédito. Com o m ais ela poderia ter m e seguido? As palavras saem da m inha boca
antes que eu possa pará-las.
“Sabe, eles não são os únicos que podem form ar alianças,” eu digo.
Por um instante, não há resposta. Então um dos olhos da Rue espia por trás do tronco. “Você
m e quer com o aliada?”
“Por que não? Você m e salvou com aqueles tracker j ackers. Você é esperta o bastante para
ainda estar viva. E eu não pareço conseguir m e livrar de você," eu digo. Ela pestenej a para
m im , tentando decidir. “Está com fom e?” Eu consigo vê-la engolir em seco, seu olho
vacilando para a carne. “Vam os, então, eu tive duas m atanças hoj e.” Rue sai hesitantem ente
no aberto. “Posso curar suas picadas.”
“Pode?” eu pergunto. “Com o?”
Ela procura na m ochila que carrega e puxa um punhado de folhas. Tenho quase certeza de que
são essas as que a m inha m ãe usa. “Onde encontrou elas?”
“Por aí. Nós todos carregam os elas quando trabalham os nos pom ares. Elas deixaram um
m onte de ninhos lá,” diz Rue. “Tem um m onte aqui tam bém .”
“É m esm o. Você é do Distrito Onze. Agricultura,” eu digo. “Pom ares, hein? Deve ser assim
que você consegue voar pelas árvores com o se tivesse asas.” Rue sorri. Eu parei em um a das
poucas coisas que ela adm itirá ter orgulho. “Bem , vam os lá, então. Me conserta.” Eu caio
pesadam ente ao lado da fogueira e subo a perna da m inha calça para revelar a picada no m eu
j oelho. Para m inha surpresa, Rue coloca o punhado de folhas em sua m ão e com eça a
m astigá-las. Minha m ãe usaria outros m étodos, m as não é com o se tivéssem os m uita opção.
Após um m inuto, m ais ou m enos, Rue pressiona um bloco verde noj ento de folhas m astigadas
e cuspe no m eu j oelho.
“Ahhh.” O som sai da m inha boca antes que eu possa pará-lo. É com o se as folhas estivessem
realm ente sugando a dor da picada.
Rue dá um a risadinha. “Sorte você ter tido o bom senso de puxar os ferrões, ou seria m uito
pior.”
“Põe no m eu pescoço! Põe na m inha bochecha!” eu quase im ploro.
Rue enche sua boca com outro punhado de folhas, e logo eu estou rindo, porque o alívio é tão
doce. Eu noto um a queim adura grande no antebraço da Rue. “Eu tenho algo para isso.” Eu
deixo m inhas arm as de lado e unto seu braço com o rem édio para queim adura.
“Você tem bons patrocinadores,” ela diz saudosam ente.
“Você não recebeu nada ainda?” eu pergunto. Ela balança sua cabeça. “Você irá, contudo.
Vej a. Quanto m ais perto chegarm os do fim , m ais as pessoas perceberão com o você é
esperta.” Eu viro a carne.
“Você não estava brincando, sobre m e querer com o aliada?” ela pergunta.
“Não, eu estou falando sério,” eu digo. Eu quase consigo ouvir Hay m itch urrando enquanto eu
m e j unto à criança franzina. Mas eu quero ela. Porque ela é um a sobrevivente, e eu confio
nela, e por que não adm itir? Ela m e lem bra a Prim .
“Está bem ,” ela diz, e estica sua m ão. Nós apertam os. “É um acordo.” É claro, esse tipo de
acordo só pode ser tem porário, m as nenhum a de nós m enciona isso.
Rue contribui para a refeição com um grande punhado de algum tipo de raiz dura. Assada
sobre o fogo, elas tem o doce e picante gosto de pastinaca. Ela reconhece a ave, tam bém ,
algum a coisa selvagem que cham am de groosling em seu distrito. Ela diz que às vezes um a
m anada vaga pelo pom ar e eles têm um alm oço decente nesse dia. Por um tem po, toda a
conversa para enquanto enchem os nossos estôm agos. O groosling tem um a carne deliciosa que
é tão gorda, a gordura pinga no seu rosto quando você a m orde.
“Ah,” diz Rue com um suspiro. “Eu nunca com i um a perna inteira sozinha.” Aposto que não.
Aposto que ela raram ente tem carne. “Pegue a outra,” eu digo.
“Sério?” ela pergunta.
“Pegue o que quiser. Agora que eu tenho um arco e flecha, eu posso conseguir m ais. Além
disso, eu tenho arm adilhas. Eu posso te m ostrar com o m ontá-las,” eu digo. Rue ainda olha
incerta para a perna. “Ah, pega,” eu digo, colocando a perna da galinha em sua boca. “Só
ficará boa por alguns dias, de qualquer j eito, e nós tem os o pássaro todo, além do coelho.”
Um a vez que ela tom ou posse dela, seu apetite ganha e ela dá um a bocada enorm e.
“Eu achava que, no Distrito Onze, você teria um pouco m ais para com er do que nós. Sabe, j á
que vocês plantam com ida,” eu digo.
Os olhos de Rue se alargam . “Ah, não, não podem os com er as colheitas.”
“Eles te prendem , ou algo assim ?” eu pergunto.
“Eles te açoitam e fazem todo m undo assistir,” diz Rue. “O prefeito é m uito severo quanto a
isso.”
Eu posso afirm ar pela expressão dela que não é um a ocorrência tão incom um . Um
açoitam ento público é algo raro no Distrito 12, apesar de um ocorrer ocasionalm ente.
Tecnicam ente, Gale e eu podíam os ser açoitados diariam ente por caçar ilegalm ente na
floresta
– bem , tecnicam ente, podíam os conseguir m uito pior – exceto que todos os oficiais com pram a
nossa carne. Além do m ais, nosso prefeito, o pai da Madge, não parece gostar m uito de tais
eventos. Talvez ser o distrito m enos prestigioso, m ais pobre, e m ais ridicularizado do país tem
suas vantagens. Tal com o ser am plam ente ignorado pelo Capitol enquanto produzíssim os
nossas quotas de carvão.
“Você tem todo o carvão que quer?” Rue pergunta.
“Não,” eu pergunto. “Só o que com pram os e o que quer que fique preso nas nossas botas.”
“Eles nos alim entam um pouquinho a m ais durante a colheita, para que as pessoas possam
continuar por m ais tem po,” diz Rue.
“Você não tem que estar na escola?” eu pergunto.
“Não durante a colheita. Todos trabalham nessa época," diz Rue.
É interessante, escutar sobre a vida dela. Nós tem os tão pouca com unicação com qualquer um
fora do nosso distrito. De fato, eu m e pergunto se os Gam em akers estão bloqueando a nossa
conversa, porque m esm o que a inform ação parece ser inofensiva, eles não querem que
pessoas em distritos diferentes saibam um as sobre as outras.
Com o Rue sugeriu, nós deitam os toda a nossa com ida para planej ar adiantadam ente. Ela viu a
m aior parte da m inha, m as eu acrescento as últim as bolachas e tiras de bife à pilha. Ela
coletou um a bela coleção de raízes, nozes, verduras frescas, e até m esm o algum as bagas.
Eu rolo um a baga estranha nos m eus dedos. “Você tem certeza de que isso é seguro?”
“Ah, sim , nós a tem os lá em casa. Eu estou com endo elas há dias,” ela diz, enfiando um
punhado em sua boca. Eu m ordo um a hesitantem ente, e é tão boa quanto as nossas am oras
silvestres. Ter a Rue com o aliada parece um a escolha m elhor o tem po todo. Nós dividim os
nosso suprim ento de com ida, para que, caso fôssem os separadas, am bas ficaríam os bem por
alguns dias. Fora a com ida, Rue tem um pequeno odre de água, um estilingue caseiro, e um
par extra de m eias. Ela tam bém tem um caco afiado de pedra que usa com o faca. “Eu sei que
não é m uito,” ela diz, com o se estivesse envergonhada, “m as eu tinha que sair da Cornucópia
rápido.”
“Você fez bem ,” eu digo. Quando eu espalho m eus utensílios, ela arfa um pouco quando vê o
óculos de sol.
“Com o você conseguiu ele?” ela pergunta.
“Na m inha m ochila. Ele foi inútil até agora. Não bloqueia o sol e dificulta enxergar,” eu digo
com um dar de om bros.
“Ele não é para o sol, ele é para a escuridão,” exclam a Rue. “As vezes, quando colhem os à
noite, eles passam alguns pares para aqueles que ficam m ais ao alto das árvores. Onde a luz
das tochas não alcança. Um a vez, esse garoto Martin, tentou ficar com o seu. Escondeu em sua
calça. Eles o m ataram no ato.”
“Eles m ataram um garoto por ficar com isso?” eu digo.
“Sim , e todos sabiam que ele não era perigoso. Martin não era bem da cabeça. Quer dizer, ele
ainda agia com o alguém de três anos. Ele só queria o óculos para brincar,” diz Rue.
Ouvir isso m e faz sentir que o Distrito 12 é algum tipo de refúgio seguro. É claro, as pessoas
desm aiam por causa de fom e o tem po todo, m as eu não consigo im aginar os Peacekeepers
assassinando um a criança boba, Tem um a garotinha, um a das netas da Greasy Sae, que vaga
por Hob. Ela não é bem certa das ideias, m as ela é tratada com o um tipo de anim al de
estim ação. As pessoas lhe j ogam restos e coisas.
“Então o que ele faz?” eu pergunto a Rue, pegando o óculos.
“Ele te deixa ver na com pleta escuridão,” diz Rue. “Experim ente-os hoj e à noite quando o sol
se por.”
Eu dou alguns fósforos à Rue e ela se certifica de que eu tenho folhas o bastante no caso das
m inhas picadas doerem novam ente. Nós extinguim os nossa fogueira e nos dirigim os corrente
acim a até quase o anoitecer.
“Onde você dorm e?” eu pergunto a ela. “Nas árvores?” Ela assente. “Só com a sua j aqueta?”
Rue ergue seu par extra de m eias. “Eu tenha essas para as m inhas m ãos.” Eu penso em com o
as noites têm sido frias. “Você pode com partilhar o m eu saco de dorm ir se quiser. Nós duas
cabem os facilm ente." Seu rosto ilum ina-se. Eu posso afirm ar que isso é m ais do que ela
ousava esperar.
Nós escolhem os um a forquilha alta em um a árvore e nos acom odam os pela noite, bem
quando o hino com eça a tocar. Não houve m ortes hoj e.
“Rue, eu só acordei hoj e. Quantas noites eu perdi?” O hino deveria bloquear nossas palavras,
m as ainda assim eu sussurro. Eu até m esm o tom o a precaução de cobrir m eus lábios com a
m inha m ão. Eu não quero que a audiência saiba o que eu estou planej ando contar a ela sobre
Peeta. Entendendo a m inha dica, ela faz o m esm o.
“Duas,” ela diz. “As garotas dos Distritos Um e Quatro estão m ortas. Há dez de nós restantes.”
“Algo estranho aconteceu. Pelo m enos, eu acho que sim . Pode ter sido o veneno do tracker
j acker m e fazendo im aginar coisas,” eu digo. “Você conhece o garoto do m eu distrito? Peeta?
Eu acho que ele salvou a m inha vida. Mas ele estava com os Profissionais.”
“Ele não está com eles agora,” ela diz. “Eu os espiei em seu acam pam ento base no lago. Eles
voltaram antes que tivessem um colapso por causa das picadas. Mas ele não está lá. Talvez ele
tenha m esm o te salvado e teve que fugir.”
Eu não respondo. Se, de fato, Peeta m e salvou, eu estou devendo a ele novam ente. E isso não
pode ser pago de volta. “Se ele salvou, foi tudo provavelm ente só parte de sua atuação. Sabe,
para fazer as pessoas pensarem que ele está apaixonado por m im .”
“Ah,” diz Rue pensativam ente. “Eu não achei que fosse um a atuação.”
“Claro que é,” eu digo. “Ele arquitetou isso com o nosso m entor.” O hino acabou e o céu fica
preto. “Vam os experim entar esse óculos.” Eu peguei o óculos e os coloquei. Rue não estava
brincando. Eu consigo ver tudo, desde as folhas nas árvores até o gam bá passeando pelos
arbustos há uns bons quinze m etros de distância. Eu poderia m atá-lo daqui se eu quisesse. Eu
poderia m atar qualquer um .
“Eu m e pergunto quem m ais tem um desses,” eu digo.
“Os Profissionais têm dois. Mas eles têm de tudo no lago,” Rue diz. “E eles são tão fortes.”
“Som os fortes, tam bém ,” eu digo. “Só que de um a m aneira diferente.”
“Você é. Você consegue atirar,” ela diz. “O que eu posso fazer?”
“Você pode se alim entar. Eles podem ?” eu pergunto.
“Eles não precisam . Eles têm todos aqueles suprim entos,” Rue diz.
“Digam os que eles não tivessem . Digam os que os suprim entos se foram . Quanto tem po eles
durariam ?” eu digo. “Quer dizer, é o Hunger Gam es, certo?”
“Mas, Katniss, eles não estão com fom e,” diz Rue.
“Não, não estão. Esse é o problem a,” eu concordo. E pela prim eira vez, eu tenho um plano.
Um plano que não é m otivado pela necessidade de fugir e evadir. Um plano ofensivo. “Acho
que vam os ter que consertar isso, Rue.”
16
Rue decidiu confiar em m im totalm ente. Sei disso porque logo que o hino acaba ela se abraça
contra m im e dorm e. Nem eu tenho nenhum tem or dela, com o não tom o nenhum a precaução
particular. Se ela m e quisesse m orta, tudo o que ela precisaria fazer era desaparecer daquela
árvore sem m ostrar o ninho de tracker j acker. O que m e irrita, bem no fundo da m inha m ente,
é o óbvio. Am bas não podem os ganhar esses Gam es. Mas visto que as chances ainda estão
contra nossa sobrevivência, consigo ignorar esse pensam ento.
Além disso, estou distraída pela m inha últim a ideia sobre os Profissionais e seus suprim entos.
De algum m odo Rue e eu tem os que encontrar um a form a de destruir a com ida deles. Tenho
certeza que se alim entar será um trem endo esforço para eles. Tradicionalm ente, a estratégia
dos Tributos Profissionais é pegar toda a com ida cedo e trabalhar a partir daí. Os anos em que
eles não a protegeram bem – um ano um grupo de répteis repugnantes a destruíram , noutro
um a inundação provocada pelos Gam em akers a levou – foram geralm ente os anos em que
tributos de outros distritos tinham vencido. O fato de os Profissionais terem crescido em um
m ar de rosas é, na verdade, sua desvantagem , porque eles não sabem com o é ficar com fom e.
Não da form a que Rue e eu sabem os.
Mas estou m uito exausta para com eçar qualquer plano detalhado essa noite. Minhas feridas
sarando, m inha m ente ainda um pouco enevoada pelo veneno, e o calor de Rue ao m eu lado,
sua cabeça encostada no m eu om bro, m e dá um a sensação de segurança. Percebo, pela
prim eira vez, o quão sozinha eu estava na arena. O quão confortante a presença de outro ser
hum ano pode ser. Cedo a m inha sonolência, resolvendo que am anhã vou virar a m esa.
Am anhã, serão os Profissionais que terão que se cuidar.
A explosão do tiro dos canhões m e acorda. O céu está m arcado com luzes, os pássaros j á
trepidando. Rue se em poleira em um galho perto de m im , suas m ãos segurando algum a coisa.
Nós esperam os, escutando por m ais tiros, m as não há nenhum m ais.
“Quem você pensa que era?” não posso evitar pensar em Peeta.
“Não sei. Poderia ser qualquer um dos outros,” diz Rue. “Acho que saberem os essa noite.”
“Quem ainda resta novam ente?” pergunto.
“O garoto do Distrito Um . Am bos os tributo do Dois. O garoto do Três. Thresh e eu. E você e
Peeta,” diz Rue. “São oito. Espere, e o garoto do Dez, aquele com a perna ruim . Ele faz nove.”
Há alguém m ais, m as nenhum a de nós consegue se lem bra de quem é.
“Queria saber com o esse últim o m orreu,” diz Rue.
“Não diga. Mas é bom para nós. Um a m orte deve segurar a m ultidão um pouco. Talvez
tenham os tem po para fazer algo antes que os Gam em akers decidam que as coisas estão m uito
devagar,” digo. “O que há em suas m ãos?”
“Café da m anhã,” diz Rue. Ela revela dois grandes ovos.
“Eles são de que tipo?” pergunto.
“Não tenho certeza. Há um a área pantanosa por aqui. Algum tipo de pássaro aquático,” ela diz.
Seria legal cozinhá-los, m as nenhum a de nós quer correr o risco com o fogo. Acho que o
tributo que m orreu hoj e era um a vítim a dos Profissionais, o que significa que eles se
recuperaram o bastante para estar de volta aos Gam es. Nós duas sugam os de dentro do ovo,
com endo perna de coelho e algum as bagas. É um bom café da m anhã em qualquer lugar.
“Pronta para fazer?” digo, puxando m inha m ochila.
“Fazer o quê?” diz Rue, m as pela form a com o ela salta, pode-se dizer que está dentro de
qualquer coisa que eu proponha.
“Hoj e nós levam os a com ida dos Profissionais,” digo.
“Sério? Com o?” Pode-se ver o brilho de excitação nos seus olhos. Dessa form a, ela é
exatam ente o oposto de Prim , para quem aventuras são experiências difíceis.
“Não tenho idéia. Vam os, tem os que calcular um plano enquanto caçam os,” digo.
Nós não conseguim os caçar m uito porque estou m uito ocupada pegando cada pedaço de
inform ação que posso tirar de Rue sobre a base dos Profissionais. Ela só esteve os espiando
brevem ente, m as ela é observadora. Eles m ontaram seu cam po ao lado do lago. Seus
suprim entos estão j untos uns trinta m etros afastados. Durante o dia, eles deixavam outro
tributo, o garoto do Distrito 3, para vigiar os suprim entos.
“O garoto do Distrito Três?” pergunto. “Ele está trabalhando com eles?”
“Sim , ele fica no acam pam ento o tem po todo. Ele foi picado, tam bém , quando eles levaram os
tracker j ackers para o lago,” diz Rue. “Acho que eles concordaram em deixá-lo viver se ele
atuasse com o guarda. Mas ele não é m uito grande.”
“Que arm as ele tem ?” pergunto.
“Nada dem ais que eu pude ver. Um a lança. Ele talvez sej a capaz de nos arrastar com isso,
m as Thresh poderia m atá-lo facilm ente,” diz Rue.
“E a com ida apenas está a céu aberto?” digo. Ela acena. “Algo não está certo em tudo isso.”
“Eu sei. Mas não posso dizer o que é exatam ente,” diz Rue. “Katniss, m esm o se nós
consigam os chegar à com ida, com o iríam os livrar-nos dela?”
“Queim ando. Derrubando no lago. Ensopando-a com com bustível.” Cutuco Rue na barriga,
com o eu faria com Prim . “Com ê-la!” Ela ri. “Não se preocupe, pensarei em algo. Destruir
coisas é m uito m ais fácil que construí-las.”
Por enquanto, nós escavam os raízes, j untam os bagas e verduras, planej am os um a estratégia
em voz baixa. E eu vim a conhecer Rue, a m ais velha de seis crianças, protetora feroz de seus
irm ãos, que dá suas rações para os m ais novos, que explora os cam pos num distrito onde os
Pacificadores são bem m enos gentis que os nossos. Rue, que quando você a pergunta o que ela
m ais am a no m undo, responde, de todas as coisas, “Música.”
“Música?” digo. No nosso m undo, classifico m úsica em algum lugar entre fitas de cabelo e
arco-íris em term os de inutilidade. Ao m enos um arco-íris te dá um a indicação do tem po.
“Você tem m uito tem po para isso?”
“Nós cantam os em casa. No trabalho, tam bém . É por isso que eu adoro seu broche,” ela diz,
apontando para o m ockingj ay do qual eu j á tinha m e esquecido.
“Você tem m ockingj ay s?” pergunto.
“Ah, sim . Tenho alguns que são m eus am igos especiais. Nós podem os cantar para trás e para
frente por horas. Eles carregam m ensagens para m im ,” ela diz.
“O que você quer dizer?” digo.
“Geralm ente sou a m aior, então sou a prim eira a ver as penas que sinalizam o fim do tem po.
Há um a pequena m úsica em especial que faço,” diz Rue. Ela abre a boca e canta um a
pequena execução de quatro notas num a voz clara e suave. “E os m ockingj ay s a espalham por
todo o pom ar. É com o todos sabem que é a hora de parar,” ela continua. “Eles podem ser
perigosos entretanto, se você chegar m uito perto de seus ninhos. Mas você não podem culpá-
los por isso.”
Eu libero o broche e o dou para ela. “Aqui, pegue-o. Significa m ais para você do que para
m im .”
“Ah, não,” diz Rue, fechando seus dedos para trás sobre o broche. “Eu gosto de vê-lo em você.
É com o eu decidi que podia confiar em você. Além disso, eu tenho isso.” Ela puxa um colar
feito de algum tipo de erva de sua cam isa. Nele está pendurado um a estrela de m adeira
rudem ente esculpida. “É um am uleto de boa sorte.”
“Bem , funcionou até agora,” digo, prendendo o m ockingj ay de volta na m inha cam isa.
“Talvez você deva ficar com isso.”
No alm oço, tem os um plano. No início da tarde, estam os prontas para executá-lo. Aj udo Rue a
coletar e colocar a m adeira para as duas prim eiras fogueiras, para a terceira ela terá tem po
sozinha. Decidim os nos encontrar depois do terreno onde com em os nosso prim eiro alim ento
j untas. O rio deve aj udar a m e guiar de volta pra lá. Antes de partir, tenho a certeza que Rue
está bem estocada com com ida e fósforos. Até insisto que ela tom e m eu saco de dorm ir, no
caso de não ser possível nos encontrar no cair da noite.
“E você? Não terá frio?” ela pergunta.
“Não se eu pegar outro saco no lago,” digo. “Sabe, roubar não é ilegal aqui,” digo com um
sorriso.
No últim o m inuto, Rue decide m e ensinar seu sinal m ockingj ay , o que ela dá para indicar que
o dia de trabalho acabou. “Talvez não funcione. Mas se você ouvir m ockingj ay s cantando,
saiba que estou bem , apenas não consegui voltar a tem po.”
“Há m uito m ockingj ay s aqui?” Pergunto.
“Você não os viu? Eles têm ninhos em todos os lugares,” diz. Tenho que adm itir que não notei.
“Ok, então. Se tudo for de acordo com o plano, verei você no j antar,” digo.
Inesperadam ente, Rue atira seus braços ao m eu redor. Hesito apenas por um m om ento antes
de abraçá-la de volta.
“Sej a cuidadosa,” diz para m im .
“Você tam bém ,” digo. Viro-m e e volto para o rio, sentindo-m e um pouco preocupada. Com
Rue ser assassinada, com Rue não ser assassinada e nós duas sendo deixadas por últim o, com
deixar Rue sozinha, com deixar Prim sozinha em casa. Não, Prim tem m inha m ãe e Gale e
um padeiro que prom eteu que ela não terá fom e. Rue tem apenas a m im .
Quando alcanço o lago, tenho só que seguir a descida para o lugar onde eu inicialm ente fiquei
depois do ataque dos tracker j ackers. Tenho que ser cautelosa enquanto m e m ovo ao longo da
água, porque encontro m eus pensam entos preocupados com perguntas sem respostas, a
m aioria envolvendo Peeta. O canhão que atirou cedo essa m anhã, aquilo significava sua
m orte? Senso assim , com o ele m orreu? Nas m ãos de um Profissional? E foi um a vingança por
ter m e deixado viva? Eu m e esforço de novo para lem brar aquele m om ento sobre o corpo de
Glim m er, quando ele apareceu entre as árvores. Mas só o fato de que ele estava brilhando
leva-m e a duvidar de tudo que aconteceu.
Devo ter m e m ovido m uito devagar ontem porque alcanço o trecho raso onde tom ei m eu
banho há poucas horas. Paro para tornar a encher m inha água e adicionar um a cam ada de
lam a a m inha m ochila. Parece ter um a tendência a voltar ao laranj a não im porta quantas
vezes eu a cubra.
Minha proxim idade do acam pam ento dos Profissionais afia m eus sentidos, e quanto m ais perto
fico deles, m ais ponderada sou, parando freqüentem ente para tentar escutar sons anorm ais,
um a flecha j á encaixada no m eu arco. Não vej o nenhum tributo, m as noto algum as das coisas
que Rue m encionou. Pedaços de bagas doces. Um arbusto com as folhas que curaram m inhas
picadas. Grupos dos ninhos de tracker j ackers nas vizinhanças da árvore em que eu estava
presa. E aqui e acolá, um brilho preto-e-branco da asa de um m ockingj ay nos galhos sobre a
m inha cabeça.
Quando alcanço a árvore com o ninho abandonado, paro por um m om ento, para reunir
coragem . Rue deu instruções específicas sobre com o chegar ao m elhor lugar para espiar perto
do lago desse ponto. Lem bre-se, digo para m im m esm a. Você é a caçadora agora, não eles.
Seguro m eu arco firm e e continuo. Vou para o bosque que Rue m e disse e de novo tenho que
adm irar sua esperteza. É bem no lim ite da floresta, m as a folhagem é tão espessa que posso
facilm ente observar o acam pam ento dos Profissionais sem ser localizada. Entre nós está a
extensão plana onde os Gam es com eçaram .
Há quatro tributos. O garoto do Distrito 1, Cato e a garota do Distrito 2, e um garoto m agro e
pálido que deve ser do Distrito 3. Ele fez quase nenhum a im pressão em m im durante nosso
tem po no Capitol. Posso m e lem brar quase nada sobre ele, nem suas vestes, nem sua
pontuação no treinam ento, nem sua entrevista. Mesm o agora, enquanto ele está sentida lá
ocupando-se com algum tipo de caixa de plástico, ele é facilm ente ignorado na presença de
seus grandes e dom inantes com panheiros. Mas ele deve ser de algum valor ou eles não teria se
incom odado em deixá-lo vivo. Ainda assim , vê-lo apenas m e dá um a sensação de
intranqüilidade quando ao m otivo dos Profissionais possivelm ente deixarem -no com o um
guarda, por que eles perm itiram que ele vivesse.
Todos os quatro tributos parecem ainda estar se recuperando do ataque dos tracker j ackers.
Mesm o daqui, posso ver os grandes pedaços inchados em seus corpos. Eles não devem ter tido
a consciência de rem over os ferrões, ou se tiveram , não sabem sobre as folhas que as curam .
Aparentem ente, quaisquer que sej am os rem édios que encontraram em Cornucópia foram
ineficazes.
A Cornucópia está na sua posição original, m as dentro deve ter sido lim po. A m aioria dos
suprim entos, seguros em caixotes, sacos e caixas de plástico, está em pilhada ordenadam ente
em um a pirâm ide, no que parece ser um a distância questionável do acam pam ento. Outros
estão espalhados ao redor do perím etro da pirâm ide, quase im itando o esboço de suprim entos
ao redor da Cornucópia ao assalto dos Gam es. O teto de tecido que, além de desencoraj ar os
pássaros, parece ser um a proteção inútil da pirâm ide.
Toda a estrutura é com pletam ente com plicada. A distância, a rede, e a presença do garoto do
Distrito 3. Um a coisa é certa, destruir aqueles suprim entos não vai ser tão fácil quanto parece.
Algum outro fator está em j ogo aqui, e é m elhor que eu com preenda logo o que é. Meu palpite
é que a pirâm ide é um a arm adilha de algum a m aneira. Penso em buracos escondidos, redes
que caem , um segm ento que quando quebrado enviar um dardo venenoso no seu coração.
Realm ente, as possibilidades são infinitas.
Enquanto penso nas m inhas opções, ouço Cato gritar. Ele está apontando para a floresta, m uito
além de m im , e sem m e virar sei que Rue deve ter acendido a fogueira. Tivem os a certeza de
j untar m adeira verde para fazer a fum aça notável. Os Profissionais com eçam a se arm ar
im ediatam ente.
A discussão é interrom pida. Está alto o bastante para eu escutar que a preocupação é se o
garoto do Distrito 3 deveria ficar ou acom panhá-los.
“Ele vem . Precisam os dele na floresta, e seu trabalho aqui está feito, de qualquer form a.
Ninguém pode tocar aqueles suprim entos,” diz Cato.
“E o Lover Boy ?” diz o garoto do Distrito 1.
“Eu continuo te dizendo, esqueça-o. Sei onde eu o cortei. É um m ilagre que ele não sangrou até
a m orte ainda. De qualquer m odo, ele não está em condições de nos atacar,” diz Cato.
Então Peeta está aí fora na floresta, gravem ente ferido. Mas ainda estou no escuro sobre o que
o m otivou a trair os Profissionais.
“Vam os,” diz Cato. Ele em purra um a lança para as m ãos do garoto do Distrito 3, e eles se
deslocam na direção do fogo. A últim a coisa que ouço enquanto eles entram na floresta é Cato
dizendo, “Quando nós a encontrarm os, eu a m atarei no m eu estilo, sem ninguém interferir.”
De algum m odo não acho que ele está falando de Rue. Ela não derrubou um ninho de tracker
j ackers nele.
Fico parada por m eia hora ou m ais, tentando calcular o que fazer com os suprim entos. A única
vantagem que tenho com o arco e flecha é a distância. Eu podia m andar um a flecha em
cham as na pirâm ide facilm ente o bastante – sou boa o suficiente na m ira para acertar aquelas
aberturas na rede – m as não há garantia de que pegue. Mas provável que se queim e e aí? Não
conseguiria nada e daria a eles m uita inform ação m inha. Que eu estava aqui, que tenho um
cúm plice, que posso usar o arco e flecha com precisão.
Não há alternativa. Vou ter que m e aproxim ar e ver se não posso descobrir o que exatam ente
protege os suprim entos. Na realidade, estou quase m e revelando quando um m ovim ento é
capturado pelo m eu olho. Algum as centenas de m etros a m inha direita, vej o alguém em ergir
da floresta. Por um segundo, acho que é Rue, m as então reconheço Foxface – ela é a única
que nós não podíam os nos lem brar essa m anhã – rastej ando para o plano. Quando decide que
é seguro, ela corre para a pirâm ide, com passos rápidos e pequenos. Justo antes de alcançar o
círculo de suprim entos que foram espalhados ao redor da pirâm ide, ela pára, exam ina o chão,
e cuidadosam ente coloca seu pé em um ponto. Então com eça a se aproxim ar da pirâm ide
com pulinhos estranhos, às vezes parando sobre um pé, oscilando levem ente, às vezes
arriscando poucos passos.
Num certo ponto, ela se lança no ar, sobre um pequeno barril e pousa equilibrada nas pontas
dos pés. Mas ela erra o alvo um pouco, e seu ím peto a j oga para frente. Ouço-a dar um berro
agudo quando suas m ãos batem no chão, m as nada acontece. Em um m om ento, ela fica de pé
e continua até alcançar a m aior parte dos suprim entos.
Então, estou certa quanto à arm adilha explosiva, m as claram ente é m ais com plexa do que
im aginei. Estava certa quanto à garota, tam bém . Quão astuta ela é para ter descoberto esse
cam inho até a com ida e ser capaz de replicá-lo tão bem ? Ela enche sua bolsa, tom ando alguns
itens de um a variedade de recipientes, biscoitos de um caixote, um punhado de m açãs de um
saco que está suspenso num a corda do lado de fora da caixa. Mas só um punhado de cada, não
o bastante para indicar que tem com ida faltando. Não o bastante para causar suspeita. E
depois ela está fazendo sua dançinha estranha de volta para fora do círculo e corre para dentro
da floresta novam ente, sã e salva.
Percebo que estou cerrando os dentes de frustração. Foxface confirm ou o que eu estava
pensando. Mas que tipo de arm adilha eles arm aram que requer tanta destreza? Tem tantos
pontos de gatilho? Porque ela gritou assim que suas m ãos fizeram contato com a terra? Você
pensaria... e rapidam ente com eça a surgir em m im ... você pensaria que todo o chão iria
explodir.
“É m inado,” m urm uro. Isso explica tudo. A disposição dos Profissionais de deixar seus
suprim entos, a reação de Foxface, o envolvim ento com o garoto do Distrito 3, onde eles têm
fábricas, onde eles têm televisões e autom óveis e explosivos. Mas onde ele as conseguiu? Nos
suprim entos? Esse não é o tipo de arm a que os Gam em akers geralm ente dão, visto que eles
gostam de ver tirarem sangue pessoalm ente. Saio dos arbustos e atravesso um a das placas
m etálicas que elevaram os tributos para a arena. O chão ao redor dela foi escavado e colocado
de volta.
O cam po m inado foi desativado depois dos sessenta segundo ficando sobre as placas, m as o
garoto do Distrito 3 deve ter dado um j eito de ativá-las. Nunca vi ninguém nos Gam es fazer
isso. Aposto que isso chocou até os Gam em akers.
Bem , viva para o garoto do Distrito 3 por ativar m ais de um deles, m as o que eu deveria fazer
agora? Obviam ente, não posso ir passear nessa bagunça sem explodir. E quanto a m andar um a
flecha em cham as, isso é m ais ridículo agora. As m inas com eçam a funcionar com a pressão.
Não tem que ser m uito, tam pouco. Um ano, um a garota derrubou sua lem brança, um a
pequena bola de m adeira, enquanto ela estava em sua placa, e eles literalm ente tiveram de
lim par os seus pedaços do chão.
Meu braço é m uito bom , talvez sej a capaz de atirar algum as lá e explodir o quê? Talvez um a
m ina? Isso com eçaria um a reação em cadeia. Ou não? O garoto do Distrito 3 teria colocado as
m inas de m odo que um a única m ina não perturbaria as outras? Protegendo assim os
suprim entos, e se assegurando da m orte do invasor. Mesm o se eu explodir de um a m ina, trarei
os Profissionais de volta com certeza. E de qualquer form a, o que estou pensando? Há aquela
rede, am arrada claram ente para desviar de tal ataque. Além disso, o que eu realm ente
precisaria é atirar trinta pedras de um a vez só, desencadeando um a reação em cadeia,
dem olindo tudo.
Olho de volta para a floresta. A fum aça do segundo fogo de Rue está se elevando em direção
ao céu. A essa hora, os Profissionais provavelm ente j á com eçaram a suspeitar de algum tipo
de truque. O tem po está correndo.
Há um a solução para isso, sei que há, se eu puder m e focar. Fito a pirâm ide, as caixas, os
caixotes, pesadas dem ais para desm oronar com um a flecha. Talvez um a contenha óleo de
cozinha, e a idéia da flecha em cham as está revivendo quando noto que posso acabar perdendo
todas as vinte flechas e não conseguir um acerto na caixa de óleo, com o eu tinha adivinhado.
Estou verdadeiram ente pensando em tentar recriar o cam inho da Foxface para a pirâm ide na
esperança de encontrar um novo m eio para destruição quando m eus olhos caem no saco de
m açãs. Eu poderia cortar a corda com um tiro, com o fiz tanto no Centro de Treinam ento? É
um saco grande, m as ainda assim talvez pode ser boa o bastante para apenas um a explosão. Se
eu apenas pudesse soltar todas as m açãs...
Sei o que fazer. Passo para a pastagem e pego três flechas para fazer o trabalho. Coloco m eus
pés com cuidado, bloqueando o resto do m undo enquanto m iro m eticulosam ente. A prim eira
flecha rasga do lado da bolsa perto do topo, deixando um a fenda no saco. A segunda am plia o
buraco. Posso ver a prim eira m açã balançando quando lanço o terceiro arco, pegando o
retalho rasgado e cortando-o do saco.
Por um m om ento, o tem po parece congelar. E depois as m açãs caem no chão e sou j ogada
para trás.
17
O im pacto com a terra da planície com pactada sob pressão m e tira o fôlego. Minha m ochila
pouco faz para suavizar o golpe. Felizm ente m eu coldre de flechas ficou preso na curva do
m eu cotovelo, poupando tanto ele quanto o m eu om bro, e m inha flecha está presa no m eu
aperto.
O chão ainda trem e com as explosões. Eu não consigo ouvi-las. Eu não consigo ouvir nada no
m om ento. Mas as m açãs devem ter ativado o suficiente de m inas, fazendo com que
escom bros ativassem as outras. Eu consigo proteger m eu rosto com m eus braços enquanto
pedaços despedaçados de substâncias, algum as queim ando, choviam ao m eu redor. Um a
fum aça ácida enche o ar, o que não é o m elhor rem édio para alguém que está tentando
recuperar a habilidade de respirar.
Após cerca de um m inuto, o chão para de vibrar. Eu rolo de lado e m e perm ito um m om ento
de satisfação ao ver a ruína fum egantes que recentem ente fora a pirâm ide. Provavelm ente os
Profissionais não conseguirão salvar nada disso.
É m elhor eu cair fora daqui, eu penso. Eles virão diretam ente para esse lugar. Mas, um a vez
de pé, eu percebo que escapar talvez não sej a tão sim ples. Estou tonta. Não do tipo
ligeiram ente instável, m as do tipo que faz as árvores precipitarem -se ao seu redor e faz com
que a terra se m ova em ondas sob seus pés.
Eu dou alguns passos e de algum m odo acabo de quatro. Eu espero alguns m inutos para fazer
isso passar, m as não passa.
Pânico com eça a se assentar. Eu não posso ficar aqui. Fugir é essencial.
Mas eu não posso tam pouco andar ou escutar. Eu coloco um a m ão no m eu ouvido esquerdo,
aquele que estava virado na direção da explosão, e ela sai sangrenta. Eu fiquei surda da
explosão? A ideia m e apavora. Eu confio tanto nos m eus ouvidos quanto nos m eus olhos com o
caçadora, talvez m ais às vezes. Mas eu não posso deixar m eu m edo aparecer. Absolutam ente,
positivam ente, eu estou ao vivo em cada tela em Panem . Nada de rastros de sangue, eu digo a
m im m esm a, e consigo puxar m eu capuz sobre m inha cabeça, am arrar a corda sob m eu
queixo com dedos não cooperantes. Isso deve aj udar a enxugar o sangue. Eu não consigo
andar, m as consigo rastej ar? Eu m e m ovo para frente em tentativa. Sim , se eu for bem
devagar, eu consigo rastej ar. A m aior parte da floresta oferecerá um a cobertura insuficiente.
Minha única esperança é voltar à m aranha da Rue e m e esconder na folhagem . Eu não posso
ser pega aqui de quatro no aberto. Não só eu vou enfrentar a m orte, m as com certeza será
um a longa e dolorosa pelas m ãos de Cato. Pensar que Prim teria que assistir isso m e m antém
obstinadam ente indo em direção, centím etro por centím etro, ao esconderij o.
Outra explosão m e golpeia e m e põe de cara no chão. Um a m ina errante, disparada por um
engradado desm oronando. Isso acontece m ais duas vezes. Eu sou lem brada daquelas últim as
sem entes que estouram quando Prim e eu estouram os pipoca no fogo em casa.
Dizer que eu escapei no últim o segundo é um a atenuação. Eu literalm ente acabei de m e
arrastar para o am ontoado na base das árvores quando sai Cato, m ovim entando-se em alta
velocidade no aberto, logo seguido por seus com panheiros. Sua raiva é tão extrem a que podia
ser côm ica – então as pessoas realm ente arrancam seus cabelos e batem no chão com seus
punhos – se eu não soubesse que estava direcionada a m im , ao que eu tinha feito a ele.
Acrescente a isso a m inha proxim idade, m inha inabilidade de correr ou m e defender, e de
fato, o negócio todo tinha m e apavorado. Estou feliz por m eu esconderij o tornar im possível que
as câm eras deem um a olhada de perto em m im , porque estou roendo m inhas unhas com o se
não houvesse am anhã. Mordiscando os últim os pedaços de esm alte, tentando im pedir m eus
dentes de trepidarem .
O garoto do Distrito 3 j oga pedras nas ruínas e deve ter declarado que todas as m inhas foram
ativadas, porque os Profissionais estão se aproxim ando dos destroços.
Cato term inou a prim eira fase de seu ataque de raiva e desconta sua raiva nos restantes
fum egantes ao chutar vários recipientes abertos. Os outros tributos estão cutucando a baderna,
procurando algo para salvar, m as não há nada. O garoto do Distrito 3 fez seu trabalho bem
dem ais. Essa ideia deve ocorrer ao Cato tam bém , porque ele se vira para o garoto e parece
estar gritando com ele. O garoto do Distrito 3 só tem tem po de se virar e correr antes que Cato
o prenda com um a chave de braço de costas. Eu consigo ver a ondulação dos m úsculos nos
braços de Cato enquanto ele dá um solavanco severo na cabeça do garoto para o lado.
Foi rápida assim . A m orta do garoto do Distrito 3.
Os outros dois Profissionais pareciam estar tentando acalm ar Cato. Eu consigo afirm ar que ele
quer voltar para a floresta, m as eles ficam apontando para o céu, o que m e confunde até que
eu percebo, É claro. Eles acham que quem quer que tenha acionado as explosões está m orto.
Eles não sabem sobre as flechas e as m açãs. Eles presum em que a arm adilha explosiva foi à
culpada, m as que o tributo que explodiu os suprim entos foi m orto fazendo isso. Se tivesse
havido um tiro de canhão, ele poderia ter sido perdido facilm ente nas explosões subsequentes.
Os restos despedaçados do ladrão rem ovidos pelo aerobarco.
Eles se retiram para o lado m ais distante do lago para perm itir que os Gam em akers recuperem
o corpo do garoto do Distrito 3. E eles esperam . Eu acho que um canhão é disparado. Um
aerobarco aparece e leva o garoto m orto. O sol m ergulha abaixo do horizonte. A noite cai. No
céu, eu vej o o selo e sei que o hino deve ter com eçado. Um m om ento de escuridão. Eles
m ostram o garoto do Distrito 3. Eles m ostram o garoto do Distrito 10, que deve ter m orrido
essa m anhã. Então o selo reaparece. Então, agora eles sabem .
O bom bardeador sobreviveu. Na luz do selo, eu consigo ver Cato e a garota do Distrito 2
colocarem seus óculos de visão noturna. O garoto do Distrito 1 acende um galho de árvore
para fazer um a tocha, ilum inando a determ inação am arga no rosto de todos. Os Profissionais
cam inham de volta à floresta para caçar.
A tontura dim inuiu e em bora m eu ouvido esquerdo ainda estej a ensurdecido, eu consigo ouvir
um zum bido no m eu direito, o que parece ser um bom sinal. Não há razão para deixar o m eu
esconderij o, contudo. Eu estou tão segura quanto posso estar, aqui na cena do crim e. Eles
provavelm ente acham que o bom bardeador tem um a vantagem de duas ou três horas sobre
eles.
Ainda assim , passa um tem pão antes de eu arriscar um m ovim ento.
A prim eira coisa que eu faço é procurar m eus próprios óculos e coloca-los, o que m e relaxa
um pouco, ter pelo m enos um dos m eus sentidos de caçadora funcionando. Eu bebo um pouco
de água e lim po o sangue da m inha orelha. Tem endo que o cheiro de carne atraia predadores
não desej ados – sangue fresco j á é ruim o bastante – eu faço um a bela refeição de verduras
frescas e raízes e bagas que Rue e eu coletam os hoj e.
Onde está a m inha pequena aliada? Ela conseguiu voltar para o local de encontro? Ela está
preocupada com igo? Pelo m enos o céu m ostrou que estam os vivas.
Eu contei rapidam ente os tributos sobreviventes nos m eus dedos. O garoto do 1, am bos do 2,
Foxface, am bos do 11 e 12. Som ente oito de nós. As apostas deviam estar ficando m uito
quentes no Capitol.
Eles farão especiais sobre cada um de nós agora. Provavelm ente entrevistarão nossos am igos
e fam iliares. Faz m uito tem po desde que um tributo do Distrito 12 chegou ao top oito. E agora
há dois de nós. Em bora pelo que Cato dissera, Peeta está prestes a sair. Não que Cato sej a o
especialista em qualquer coisa. Ele não tinha acabado de perder seu estoque inteiro de
suprim entos?
Que com ece o septuagésim o quarto Hunger Gam es, Cato, eu penso. Que ele com ece de
verdade.
Um a brisa gelada surgiu. Eu alcanço m eu saco de dorm ir antes de lem brar que eu o deixei
com a Rue. Eu devia pegar outro, m as com as m inas e tudo, eu esqueci. Eu com eço a trem er.
Já que pernoitar durante a noite em um a árvore não é sensato, de qualquer form a, eu afundo
em um buraco sob os arbustos e m e cubro com folhas de pinheiros. Eu ainda estou congelando.
Eu estendo m inha coberta de plástico sobre a parte superior do m eu corpo e posiciono m inha
m ochila para bloquear o vento. É um pouco m elhor. Eu com eço a ter m ais em patia pela
garota do Distrito 8 que acendeu um a fogueia naquela prim eira noite.
Mas agora sou eu quem precisa cerrar m eus dentes e aguentar até de m anhã. Mais folhas,
m ais folhas de pinheiro. Eu enfio m eus braços dentro da m inha j aqueta e puxo m eus j oelhos
até m eu peito. De algum m odo, eu adorm eço.
Quando eu abro m eus olhos, o m undo parece ligeiram ente fraturado, e levo um m inuto para
perceber que o sol deve estar bem acim a e que o óculos fragm enta a m inha visão. Enquanto
eu sento e rem ovo-os, eu ouço um a risada em algum lugar perto do lago e congelo. A risada
está distorcida, m as o fato de que ela é registrada significa que eu devo estar recuperando
m inha audição. Sim , m eu ouvido direito consegue escutar novam ente, apesar de estar
zum bindo. Quanto ao ouvido esquerdo, pelo m enos o sangram ento parou.
Eu espio entre os arbustos, com m edo de que os Profissionais tenham retornado, m e prendendo
aqui por um tem po indefinido. Não, é a Foxface, de pé nos escom bros da pirâm ide e rindo. Ela
é m ais esperta que a m aioria dos Profissionais, realm ente achando alguns itens úteis nas cinzas.
Um pote de m etal. A lâm ina de um a faca. Estou perplexa por seu divertim ento até que eu
percebo que com as provisões dos Profissionais elim inadas, ela realm ente pode ter um a
chance. Exatam ente com o o resto de nós. Passa pela m inha cabeça m e revelar recruta-la
com o um a segunda aliada contra o bando. Mas eu descarto. Há algo naquele sorriso astucioso
que m e faz ter certeza que ao fazer am izade com a Foxface eu iria no fim ganhar um a facada
pelas costas. Com isso em m ente, essa pode ser um a ótim a hora para atirar nela. Mas ela ouviu
algo, não eu, porque sua cabeça vira para longe, na direção da declinação, e ela corre a toda
velocidade para a floresta. Eu espero. Ninguém , nada aparece. Ainda assim , se a Foxface
achou que era perigoso, talvez sej a hora de eu sair daqui tam bém . Além do m ais, eu estou
ansiosa para contar a Rue sobre a pirâm ide.
Já que eu não faço ideia sobre onde os Profissionais estão, a rota de volta pelo riacho parece
tão boa quanto qualquer outra. Eu m e apresso, arco carregado em um a m ão, um pedaço
grande de groosling frio na outra, porque eu estou esfom eada agora, e não só de folhas e
bagas, m as de gordura e proteína da carne. A viagem para o riacho é rotineira. Um a vez lá, eu
reencho m inha água e m e lim po, tom ando um cuidado particular com m eu ouvido
m achucado. Então eu viaj o colina acim a usando o riacho com o guia.
Um a hora, eu acho pegadas de botas na lam a pela m argem . Os Profissionais estiveram aqui,
m as faz tem po. As pegadas são profundas porque foram feitas na lam a fofa, m as agora elas
quase secaram no sol quente. Eu não fui cuidadosa o bastante quanto ao m eu próprio rastro,
contando com um a pegada leve e as folhas de pinheiro para esconder m eus passos. Agora eu
retiro m inhas botas e m eias e fico descalça no leito do riacho.
A água gelada tem um efeito revigorante no m eu corpo, no m eu espírito. Eu capturo dois
peixes, presas fáceis nesse riacho vagaroso, e vou e com o um cru, apesar de ter acabado de
com er o groosling. O segundo eu salvo para Rue.
Gradualm ente, sutilm ente, o zum bido no m eu ouvido direito dim inuiu até que vai em bora
inteiram ente. Eu m e acho tocando a m inha orelha esquerda periodicam ente, tentando afastar o
que quer que enfraqueça sua habilidade de coletar sons. Se há algum a m elhora, não é
detectável. Eu não consigo m e aj ustar à surdez. Isso m e faz sentir desequilibrada e indefesa na
m inha esquerda. Até m esm o cega. Minha cabeça fica virando para o lado m achucado,
enquanto m inha orelha direita tenta com pensar pela parede de nada onde ontem havia um
fluxo constante de inform ação. Quanto m ais o tem po passa, m enos esperança eu tenho de que
esse é um m achucado que irá sarar.
Quando eu alcanço o local do nosso prim eiro encontro, eu tenho certeza de que não foi violado.
Não há sinal da Rue, não no chão ou nas árvores. Isso é estranho. Ela j á devia ter retornado, j á
que é m eio dia. Indubitavelm ente, ela passou a noite num a árvore em algum lugar. O que m ais
ela poderia fazer sem luz e com os Profissionais com seus óculos de visão noturna vagueando
pela floresta. E a terceira fogueira que ela devia acender – apesar de eu ter esquecido de
procurá-la na noite passada – era a m ais distante do nosso local. Ela provavelm ente só está
sendo cuidadosa ao voltar.
Eu gostaria que ela se apressasse, porque eu não quero ficar andando por aqui por m uito
tem po. Eu quero passar a tarde viaj ando para terrenos m ais altos, caçando pelo cam inho. Mas
não há realm ente nada para m im fazer exceto esperar.
Eu lavo o sangue da m inha j aqueta e o cabelo e lim po m inha crescente lista de ferim entos. As
queim aduras estão m uito m elhores, m as eu coloco um pouco de rem édio nelas de qualquer
m odo. A coisa principal a se preocupar agora é im pedir a infecção de se espalhar. Eu vou em
frente e com o o segundo peixe. Ele não vai durar m uito no sol quente, m as deve ser fácil o
bastante pegar alguns m ais com um a lança para a Rue. Se ela apenas aparecesse.
Me sentindo m uito vulnerável no solo com a m inha audição desequilibrada, eu escalo um a
árvore para esperar. Se os Profissionais aparecerem , esse será um bom lugar para atirar neles.
O sol se m ove lentam ente. Eu faço coisas para passar o tem po. Mastigo folhas e aplico-as às
m inhas picadas, que estão reduzidas, m as ainda delicadas. Penteio m eu cabelo úm ido com
m eus dedos e faço um a trança. Enlaço m inhas botas. Checo m eu arco e m inhas nove flechas
restantes. Testo m eu ouvido esquerdo repetitivam ente por sinais de vida ao farfalhar um a folha
perto dele, m as sem bons resultados.
Apesar do groosling e do peixe, m eu estôm ago está rosnando, e eu sei que vou ter o que
cham am os de dia vazio lá no Distrito 12. Esse é um dia onde não im porta o que você coloca na
sua barriga, nunca é o bastante. Não ter nada a fazer exceto sentar em um a árvore piora, então
eu decido desistir. Afinal de contas, eu perdi m uito peso na arena, eu preciso de algum as
calorias extras. E ter o arco e as flechas m e deixa m uito m ais confiante sobre m eus prospectos
futuros.
Eu lentam ente descasco e com o um punhado de nozes. Minha últim a bolacha. O pescoço do
groosling. Isso é bom porque leva tem po para lim par. Finalm ente, um a asa de groosling e o
pássaro é história. Mas é um dia vazio, e m esm o com tudo isso eu com eço a sonhar acordada
com com ida. Particularm ente com os pratos im orais servidos em Capitol. O frango no m olho
crem oso de laranj a. Os bolos e pudins. Pão com m anteiga. Macarrão com m olho verde. O
carneiro e guisado de am eixa seca. Eu chupo algum as folhas de m enta e digo a m im m esm a
para superar isso. A m enta é boa porque geralm ente bebem os chá de m enta após o j antar,
então engana o m eu estôm ago, fazendo-o pensar que a hora de com er passou. Mais ou m enos.
Pendurada na árvore, com o sol m e esquentando, um punhado de m enta, m eu arco e flechas a
m ão... esse é o m ais perto de relaxar que eu estive desde que entrei na arena. Se apenas a Rue
aparecesse, e nós pudéssem os ir em bora. À m edida que as som bras crescem , m inha
inquietação crescia tam bém . Ao fim da tarde, eu resolvo ir procura-la. Eu posso, pelo m enos,
visitar o local onde ela acendeu a terceira fogueira e ver se há algum a pista sobre seu
paradeiro. Antes que eu vá, eu espalho algum as folhas de m enta ao redor da nossa velha
fogueira de acam pam ento. Já que as coletam os a um a boa distância, Rue entenderá que eu
estive aqui, enquanto elas não significavam nada para os Profissionais.
Em m enos de um a hora, estou no lugar onde concordam os em acender a terceira fogueira e
eu sei que algo deu errado. A m adeira fora arrum ada prim orosam ente, espalhada
habilidosam ente com estopim , m as nunca fora acessa. Rue m ontou a fogueira, m as nunca
voltou aqui. De algum m odo entre a segunda coluna de fum aça que eu espiei antes de explodir
os suprim entos e esse local, ela se encrencou.
Eu tenho que m e lem brar que ela ainda está viva. Ou não está? Será que houve um tiro do
canhão anunciando sua m orte nas horas m atinais quando até m esm o o m eu bom ouvido estava
danificado dem ais para captar? Ela aparecerá no céu hoj e à noite? Não, eu m e recuso a
acreditar nisso. Poderia haver um a centena de outras explicações. Ela poderia ter se perdido.
Encontrado um bando de predadores ou outro tributo, com o Thresh, e teve que se esconder.
O que quer que tenha acontecido, tenho quase certeza de que ela está presa em algum lugar,
em algum lugar entre a segunda fogueira e a não acesa aos m eus pés. Algo está m antendo-a
em cim a de um a árvore.
Eu acho que vou caçá-lo.
É um alívio estar fazendo algo após sentar por toda à tarde. Eu m e arrasto silenciosam ente
pelas som bras, deixando-as m e esconderem . Mas nada parece suspeito. Não havia sinal de
nenhum tipo de luta, nenhum rom pim ento de folhas no chão. Eu paro por apenas um m om ento
quando ouço. Eu tenho que inclinar m inha cabeça para o lado para ter certeza, m as ali está ele
de novo. A canção de quatro notas da Rue saindo da boca de um m ockinj ay . Aquela que quer
dizer que ela está bem .
Eu sorrio e m e m ovo na direção do pássaro. Outro, a apenas um a pequena distância, pega o
punhado de notas. Rue estivera cantando para eles, e recentem ente. De outro m odo, eles
teriam pego outra canção. Meus olhos se levantam para as árvores, procurando por um sinal
dela. Eu engulo em seco e canto suavem ente de volta, esperando que ela saiba que é seguro se
j untar a m im . Um m ockingj ay repete a m elodia para m im . E é aí que eu ouço o grito.
É o grito de um a criança, o grito de um a m enina, não há ninguém na arena capaz de fazer esse
som exceto Rue. E agora eu estou correndo, sabendo que isso pode ser um a arm adilha,
sabendo que os três Profissionais podem estar aprum ados para m e atacar, m as eu não consigo
evitar.
Há outro grito agudo, dessa vez o m eu nom e. “Katniss! Katniss!”
“Rue!” eu grito de volta, para que ela saiba que estou por perto. Então, eles sabem que estou
por perto, e com sorte a garota que os atacou com os tracker j ackers e tirou um onze que eles
ainda não conseguem explicar será o bastante para tirar a atenção deles dela. “Rue! Estou
indo!”
Quando eu chego na clareira, ela está no chão, irrem ediavelm ente presa num a rede. Ela só
tem tem po de esticar sua m ão pela rede e dizer m eu nom e antes que a lança entre em seu
corpo.
18
O garoto do Distrito 1 m orre antes que possa arrancar a lança. Minha flecha entra no centro do
seu pescoço. Ele cai de j oelhos e divide o breve resto da sua vida em tirar a flecha e se afogar
em seu próprio sangue. Eu carrego novam ente, m ovendo m inha m ira de um lado para o outro,
enquanto grito para Rue, “Há m ais? Há m ais?”
Ela tem que dizer várias vezes antes de eu ouvir. Rue rolou de lado, seu corpo curvado para
dentro e ao redor da lança. Em purro o garoto para longe dela e puxo m inha faca, libertando-a
da rede. Um a olhada na ferida e sei que está além da m inha capacidade de curar, além da de
qualquer um , provavelm ente. A ponta da lança está enterrada até o cabo em seu estôm ago.
Eu m e encolho ante a ela, encarando desam paradam ente a arm a cravada. Não há sentido em
palavras de conforto, em dizer a ela que ela ficará bem . Não é tola. Sua m ão se estende e a
agarro com o se fosse a linha da vida. Com o se fosse eu que estivesse m orrendo em vez dela.
“Você explodiu a com ida?” ela sussurra.
“Cada pedaço,” digo.
“Você tem que ganhar,” diz.
“Eu vou. Vou ganhar por nós duas agora,” prom eto. Ouço um canhão e olho para cim a. Deve
ser pelo garoto do Distrito 1.
“Não vá.” Rue aperta sua m ão na m inha.
“Claro que não. Estou bem aqui,” digo. Eu m e aproxim o dela, puxando sua cabeça para o m eu
colo. Gentilm ente afago o cabelo grosso e escuro atrás de seu ouvido.
“Cante,” ela diz, m as eu m al capturo a palavra.
Cantar? Penso. Cantar o quê? Sei algum as m úsicas. Acredite ou não, havia m úsica na m inha
casa tam bém . Músicas que eu aj udei a escrever. Meu pai m e pressionava com aquela voz
notável – m as não canto desde sua m orte. Exceto quando Prim está m uito doente. Então canto
para ela as m esm as m úsicas que ela gostava quando bebê. Cantar. Minha garganta está
apertada com as lágrim as, rouca por causa da fum aça e fatigada. Mas se esse é o últim o
pedido de Prim , quer dizer, de Rue, tenho que ao m enos tentar. A m úsica que vem para m im é
um a canção de ninar sim ples, um a que cantam os para bebês irritados e fam intos dorm irem . É
velha, m uito velha, acho. Feita há m uito tem po em nossas colinas. O que m eu professor de
m úsica cham a de ar da m ontanha. Mas as palavras são fáceis e suaves, prom etendo que o
am anhã será m ais prom issor que esse terrível pedaço de tem po que cham am os de hoj e.
Dou um a pequena tosse, lim po a garganta, e com eço:
Bem dentro da cam pina, sob o salgueiro
Um a cam a de gram a, um m acio travesseiro verde
Deite sua cabeça, e feche seus olhos sonolentos
E quando de novo eles abrirem , o sol nascerá.
Aqui é seguro, aqui é quente
Aqui as m argaridas te guardam de qualquer dano
Aqui seus sonhos são doces e o am anhã os tornará verdadeiros Aqui é o lugar onde eu te am o.
Os olhos de Rue se fecharam . Seu peito se m ove, m as apenas suavem ente. Minha garganta
libera as lágrim as e elas descem pelas m inhas bochechas. Mas tenho que term inar a m úsica
por ela.
Bem dentro da cam pina, escondido longe
Um m anto de folhas, um raio de lua irradia
Esqueça suas tristezas e deixe seus problem as aquietarem E quando de novo for am anhã, eles
irão partir.
Aqui é seguro, aqui é quente
Aqui as m argaridas te guardam de qualquer dano
As linhas finais m al são audíveis.
Aqui seus sonhos são doces e o am anhã os tornará verdadeiros Aqui é o lugar onde eu te am o.
Tudo está parado e quieto. Então, de m odo quase assustador, os m ockingj ay s recolhem m inha
m úsica.
Por um m om ento, fico sentada lá, observando m inhas lágrim as caírem em seu rosto. O
canhão de Rue dispara. Eu m e inclino para frente e pressiono m eus lábios contra sua testa.
Devagar, com o se para não acordá-la, deito sua cabeça no chão e libero sua m ão.
Eles vão querer que eu saia daqui. Assim eles podem coletar os corpos. E não há nada pelo que
ficar. Viro o garoto do Distrito 1 sob seu rosto e pego sua m ochila, retom o a flecha que acabou
com sua vida. Corto da m ochila de Rue de suas costas tam bém , sabendo que ela iria querer
que eu pegasse-a, m as deixasse a lança em seu estôm ago. Arm as nos corpos serão
transportadas para o aerobarco. A lança não tem nenhum a utilidade para m im , então quanto
m ais cedo ela se for, m elhor.
Não posso parar de olhar para Rue, m enor do que nunca, um filhote encolhido num ninho.
Não posso deixá-la assim . Passado o dano, m as parecendo com pletam ente indefesa. Odiar o
garoto do Distrito 1, que tam bém parece tão vulnerável na m orte, parece im próprio. É o
Capitol que eu odeio, por fazer isso com todos nós.
A voz de Gale está na m inha cabeça. Sua fúria contra o Capitol não m ais à toa, não m ais para
ser ignorada. A m orte de Rue m e forçou a confrontar m inha própria fúria contra a crueldade,
a inj ustiça a qual eles nos infligem . Mas aqui, m esm o m ais forte do que em casa, sinto m inha
im potência. Não há com o ter vingança contra o Capitol. Há?
Então m e lem bro das palavras de Peeta no terraço. “Só continuo desej ando que eu pudesse
pensar num m odo de... m ostrar ao Capitol que eles não são donos de m im . Que eu sou m ais
que um pedaço em seus Gam es”. E pela prim eira vez, com preendo o que ele quis dizer.
Eu quero fazer algum a coisa, aqui, agora, para envergonhá-los, para responsabilizá-los, para
m ostrar ao Capitol que não im porta o que eles nos forcem a fazer existe um a parte de cada
tributo que eles não podem com andar. Que Rue foi m ais que um pedaço em seus Gam es. E eu
tam bém .
Eles vão ter que exibir isso. Ou, m esm o se eles escolham virar as câm eras para outro lugar
nesse m om ento, eles vão ter que trazê-las de volta quando coletarem seus corpos e todos a
verão então e saberão que fui eu que fiz. Dou um passo para trás e dou um a últim a olhada para
Rue. Ela realm ente poderia estar dorm indo na cam pina, apesar de tudo.
“Tchau, Rue,” sussurro. Pressiono os três dedos do m eio da m inha m ão esquerda contra m eus
lábios e estendo-os em sua direção. Então m e afasto sem olhar para trás.
Os pássaros estão silenciosos. Em algum lugar, um m ockingj ay dá o assobio de aviso que
precede um aerobarco. Não sei com o ele sabe. Deve ouvir coisas que os hum anos não podem .
Eu paro, m eus olhos focados no que está adiante, não no que está acontecendo atrás de m im .
Não leva m uito tem po, e a usual m úsica dos pássaros recom eçam e sei que ela se foi.
Outro m ockingj ay , um j ovem pelo que parece, pousa num galho ante a m im e irrom pe na
m elodia de Rue.
Minha m úsica, o aerobarco, eram estranhas dem ais para esse novato pegar, m as ele dom inou
um punhado de suas notas. As que dizem que está a salvo.
“Sã e salva,” digo enquanto passo por baixo do galho. “Não tem os de nos preocupar com ela
agora.” Sã e salva.
Não tenho idéia de onde ir. A breve sensação de lar que tive naquela noite com Rue sum iu.
Meus pés vagam por aqui e acolá até pôr-do-sol. Não estou com m edo, nem m esm o alerta. O
que m e faz um alvo fácil. Exceto que m atarei qualquer um que eu encontrar agora. Sem
em oção ou o m ais suave trem or em m inhas m ãos. Meu ódio pelo Capitol não dim inuiu nem
um pouco m eu ódio pelos com petidores. Especialm ente pelos Profissionais. Eles, pelo m enos,
podem pagar pela m orte de Rue.
Ninguém se m aterializa, entretanto. Não há m uito de nós e é um a grande arena. Em breve eles
serão em purrados por algum a arm adilha para nos forçar a nos j untar. Mas houve bastante
sangue hoj e. Talvez nós consigam os dorm ir.
Estou puxando m inha m ochila num a árvore para acam par quando um paraquedas prateado
cai ante a m im . Um presente dos patrocinadores. Mas por que agora? Estou em um a boa
condição de suprim entos. Talvez Hay m itch notou m eu desânim o e está tentando m e anim ar
um pouco. Ou pode ser algo para aj udar m eu ouvido?
Abro o paraquedas e encontro um pequeno pão. Não é tão pão branco e suave do Capitol. É
feito de grão de ração escura e em form a de um crescente. Polvilhado com sem entes. Eu
relem bro a lição de Peeta sobre os vários pães dos distritos no Centro de Treinam ento. Esse
pão veio do Distrito 11. Eu cuidadosam ente levando o pão ainda quente. Quanto deve custar
para as pessoas do Distrito 11, que não podem nem m esm o se alim entarem ? Quantos devem
ter dado um a m oeda para j untar o suficiente por esse pão? Isso é por Rue, certam ente. Mas
em vez de perder o presente quando ela m orreu, eles autorizaram Hay m itch a dá-lo para
m im .
Com o um agradecim ento? Ou porque, com o eu, eles não gostem de débitos? Por qualquer
razão, esse é o prim eiro. Um presente de um distrito para um tributo que não é dos seus.
Eu levanto m eu rosto e dou um passo para os últim os raios de luz do pôr-do-sol. “Meu obrigado
para as pessoas do Distrito Onze,” digo. Quero que eles saibam que sei de onde veio.
Que todo o valor do presente foi reconhecido.
Subo perigosam ente alto na árvore, não por segurança, m as para ficar tão longe quanto posso.
Meu saco de dorm ir está dobrado de m odo organizado na m ochila da Rue. Am anhã vou
ordenar os suprim entos. Am anhã vou fazer um novo plano. Mas hoj e à noite, tudo que posso
fazer é m e segurar e com er alguns pedaços de pão. É bom . Tem gosto caseiro.
Logo o sinal está no céu, e o hino toca no m eu ouvido direito. Vej o o garoto do Distrito 1, Rue.
É tudo por essa noite. Sobraram seis de nós, penso. Apenas seis. Com o pão ainda preso em
m inhas m ãos, eu caio no sono im ediatam ente.
Às vezes, quando as coisas estão particularm ente ruins, m eu cérebro m e dá um sonho feliz.
Um a visita do m eu pai na floresta. Um a hora de luz do sol e bolo com Prim . Hoj e à noite m e
dá Rue, ainda enfeitada com suas flores, em poleirada no alto m ar de árvores, tentando m e
ensinar com o conversar com os m ockingj ay s. Não vej o nenhum sinal de suas feridas, nenhum
sangue, apenas um a garota brilhante e risonha. Ela canta m úsicas que nunca ouvi num a voz
m elódica e clara. Continuam ente. Através da noite. Há um período sonolento no qual posso
ouvir as últim as notas de sua m úsica em bora ela estej a perdida nas folhas. Quando acordo,
estou m om entaneam ente confortada. Tento segurar a sensação pacífica do sonho, m as ela
rapidam ente desaparece, deixando-m e m ais triste e sozinha que nunca.
Lentidão im pregna todo m eu corpo, com o se houvesse líquido em m inhas veias. Perdi a
vontade de fazer até as tarefas m ais sim ples, para fazer nada além de deixar aqui, encarando
cegam ente a cobertura de folhas. Por algum as horas, perm aneço sem m e m over. Com o
sem pre, é a pensam ento do rosto ansioso de Prim enquanto ela m e assiste nas telas em casa
que m e tira da letargia.
Eu m e dou um a série de com andos sim ples a seguir, com o “Agora você tem de se sentar,
Katniss. Agora você tem de beber água, Katniss.” Obedeço as ordens com m ovim entos lentos
e robóticos. “Agora você tem de ordenar as bolsas, Katniss.” Na bolsa de Rue está m eu saco
de dorm ir, seu quase vazio odre de água, um punhado de nozes e raízes, um pedaço do coelho,
suas m eias extras, e sua m unição. O garoto do Distrito 1
tem algum as facas, duas pontas de lança de reposição, um a lanterna, um a pequena bolsa de
couro, um estoj o de prim eiros socorros, um a garrafa cheia de água, e um pacote de frutas
secas. Um pacote de frutas secas! De todo que ele poderia ter escolhido. Para m im , esse é um
sinal de extrem a arrogância. Por que se incom odar em carregar com ida quando você tem tal
generosidade de volta ao acam pam ento? Quando você vai m atar seus inim igos tão
rapidam ente que você estará de volta a casa antes de ficar com fom e? Posso apenas esperar
que os outros Profissionais se preocupem tão pouco com com ida e agora se encontrem sem
nada.
Falando nisso, m eus próprios suprim entos estão baixos. Term ino o pão do Distrito 11 e o resto
do coelho. Com o com eçou, desapareceu rápido. Tudo que restou são as raízes e nozes de Rue,
as frutas secas do garoto, e um pedaço de bife. Agora você tem de caçar, Katniss, digo a m im
m esm a.
Obedientem ente guardo os suprim entos que quero na m inha bolsa. Depois de descer da árvore,
escondo as facas e as pontas de lança do garoto num a pilha de pedras para que ninguém m ais
posa usá-las. Perdi m eu rum o com toda a peram bulação que diz ontem de tarde, m as tento e
volto na direção do riacho. Sei que estou no curso quando passo pela terceira fogueira apagada
de Rue. Pouco depois, descubro um grupo de pássaros em poleirado nas árvores e consigo
tom ar três antes de eles perceberem o que os atingiu. Retorno para o sinal de fogo de Rue e
acendo-o, não m e im portando com a fum aça excessiva. Onde você está, Cato? Penso
enquanto asso os pássaros e as raízes de Rue. Estou esperando bem aqui.
Quem sabe onde os Profissionais estão agora? Ou m uito longe para m e alcançar ou m uito
certos de que esse é um truque ou... é possível? Muito apavorados com igo? Eles sabem que eu
tenho um arco e flechas, é claro, Cato m e viu tirá-los do corpo de Glim m er, m as eles j á
som aram dois m ais dois? Descobriram que eu explodi os suprim entos e m atei o com panheiro
Profissional deles? Possivelm ente eles acham que Thresh fez isso. Seria m ais fácil ele vingar a
m orte de Rue do que eu? Sendo do m esm o distrito? Não que ele j á teve algum interesse nela.
E Foxface? Ela estava por ali para observar eu explodir os suprim entos? Não. Quando a peguei
rindo nas cinzas na m anhã seguinte, foi com o se alguém tivesse dado a ela um a linda surpresa.
Duvido que eles pensem que Peeta acendeu esse sinal de fogo. Cato está certo de que ele está
m orto. Encontro-m e desej ando poder contar a Peeta sobre as flores que coloquei sobre Rue.
Que agora entendo o que ele estava tentando dizer no telhado. Talvez se ele ganhar os Gam es,
ele m e verá na noite do vencedor, quando eles exibirem novam ente os destaques dos Gam es
na tela sobre o palco onde fizem os nossas entrevistas. O ganhador se senta num lugar de honra
na plataform a, rodeado por sua equipe de suporte. Mas eu falei para Rue que eu estaria lá. Por
nós duas. E de algum a form a isso parece até m ais im portante que a prom essa que fiz a Prim .
Eu realm ente penso que tenho um a chance de fazer agora. Ganhar. Não é só ter flechas e ser
m ais inteligente que os Profissionais algum as vezes, em bora essas coisas aj udem . Às vezes
acontece quando eu estava segurando a m ão de Rue, observando a vida ser drenada dela.
Agora estou determ inada a vingá-la, a fazer sua perda inesquecível, e posso apenas fazer isso
ganhando e através disso m e fazendo inesquecível.
Eu asso dem ais os pássaros esperando que alguém apareça para atirar, m as ninguém aparece.
Talvez os outros tributos estej am por aí batendo em alguém até a m orte. O que seria bom .
Desde o banho de sangue, eu fui apresentada nas telas m ais do que m e im portaria.
Eventualm ente, enrolo m inha com ida e volta ao riacho para tornar a encher m inha água e
tom ar algum a. Mas a indolência da m anhã volta e em bora sej a apenas o início da tarde, subo
num a árvore e m e organizo para a noite. Meu cérebro com eça a repetir os eventos de ontem .
Continuo vendo Rue ser furada com a lança, m inha flecha atingindo o pescoço do garoto. Não
sei nem por que eu m e im porto com o garoto.
Então percebo... ele foi m inha prim eira presa.
Junto com outras estatísticas que eles reportam para aj udar as pessoas a escolher suas apostas,
cada tributo tem um a lista de m ortes. Acho que tecnicam ente tenho crédito por Glim m er e
pela garota do Distrito 4, tam bém , por derrubar o ninho sobre elas. Mas o garoto do Distrito 1
foi a prim eira pessoa que eu sabia que m orreria pelas m inhas ações. Num erosos anim ais
perderam suas vidas pelas m inhas m ãos, m as apenas um hum ano. Ouço Gale dizendo,
“Que diferença pode ser, realm ente?”
Incrivelm ente sim ilar na execução. Um arco puxado, um a flecha atirada. Inteiram ente
diferente nas consequências. Matei o garoto cuj o nom e nem m esm o sei. Em algum lugar sua
fam ília está chorando por ele. Seus am igos clam am por m eu sangue. Talvez ele tinha um a
nam orada que realm ente acreditava que ele retornaria...
Mas então penso no corpo im óvel de Rue e sou capaz de banir o garoto da m inha m ente. Ao
m enos, por ora.
Foi um dia sem ocorrências de acordo com o céu. Sem m ortes. Pergunto-m e quanto tem po
terem os até a próxim a catástrofe nos reunir novam ente. Se for essa noite, quero dorm ir um
pouco prim eiro. Cubro m eu ouvido bom para bloquear as notas do hino, e então ouço as
trom betas e m e sento ereta em antecipação.
Na m aioria, a única com unicação que os tributos têm de fora da arena é o núm ero de m ortos
noturno. Mas ocasionalm ente, há trom betas que seguem um anúncio. Usualm ente, isso seria
um a cham ada para um festim . Quando com ida é escassa, os Gam em akers convidam os
j ogadores a um banquete, em algum lugar conhecido com o a Cornucópia, com o um a
persuasão para j untar e lutar. Algum as vezes há um festim e outras nada além de um naco de
pão velho pelo qual os tributos com petem . Eu não iria por com ida, m as esse seria a hora ideal
para m atar alguns com petidores.
A voz de Claudius Tem plesm ith ruge de cim a, congratulando os seis de nós que restam . Mas
ele não está nos convidando para um festim . Ele está dizendo algo m uito confuso. Houve um a
m udança nas regras dos Gam es. Um a m udança nas regras! Isso por si só pode levar a
reflexão, visto que não tem os realm ente algum a regra para falar, exceto não pisar fora do seu
círculo por sessenta segundos e a regra tácita de não com er uns aos outros. Sob um a nova
regra, am bos os tributos do m esm o distrito serão declarados vencedores se forem os últim os
vivos.
Claudius dá um a pausa, com o se ele soubesse que nós não entendem os, e repete a m udança de
novo.
A novidade é captada. Dois tributos podem vencer esse ano. Se eles foram do m esm o distrito.
Am bos podem viver. Dois de nós podem viver.
Antes que eu possa m e conter, grito o nom e de Peeta.
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