particularm ente ruins.
“Bem horrível, hein?” diz Peeta. Ele está m e observando atentam ente.
“Mais ou m enos.” Eu dou de om bros com o se não fosse nada dem ais. “Você deveria ver
algum as das pessoas que levam pra m inha m ãe das m inas.” Eu m e abstenho de dizer com o eu
geralm ente saio da casa sem pre que ela trata de alguém com algo pior que um resfriado.
Pensando nisso, eu nem gosto m uito de ficar perto de tosses. “A prim eira coisa que se deve
fazer é lim pá-lo bem .”
E deixei Peeta de cueca porque ela não está em m á condição e eu não quero puxá-la sobre sua
coxa inchada e, tudo bem , talvez a ideia de vê-lo pelado m e deixa desconfortável. Essa é outra
coisa sobre a m inha m ãe e a Prim . Nudez não tem efeito sobre elas, não lhes dá m otivo algum
para envergonham ento. Ironicam ente, a esta altura dos Gam es, m inha irm ãzinha seria de
m uito m ais utilidade para Peeta do que eu sou. Eu m ovo m eu quadrado de plástico sob ele para
que possa lavar o resto dele. Com cada garrafa que eu derram o sobre ele, pior seu ferim ento
aparece. O resto da parte inferior de seu corpo está m uito bom , só um a picada de tracker
j acker e algum as poucas queim aduras que eu trato rapidam ente. Mas o corte em sua perna...
que diabos posso fazer com isso?
“Por que não deixam os respirar um pouco e então...” eu dissipo.
“E então você rem enda?” diz Peeta. Ele parece quase com pena de m im , com o se soubesse
com o estou perdida.
“É m esm o,” eu digo. “Enquanto isso, com a isso.” Eu ponho algum as m etades de peras secas
em sua m ão e volto para o riacho para lavar o resto de suas roupas. Quando elas estão
esticadas e secando, eu exam ino o conteúdo do kit de prim eiros socorros. São coisas bem
básicas. Bandagens, pílulas de febre, rem édios para acalm ar estôm agos.
Nada do calibre que eu preciso para tratar o Peeta.
“Terem os que experim entar alguns,” eu adm ito. Eu sei que as folhas dos tracker j acker
extraem a infecção, então eu com eço com elas. Dentro de m inutos pressionando o punhado de
coisas verdes m astigadas no ferim ento, pus com eça a escorrer pela lateral de sua perna. Eu
digo a m im m esm a que isso é um a coisa boa e m ordo o interior da m inha bochecha forte
porque m eu café-da-m anhã está am eaçando fazer um a reaparição.
“Katniss?” Peeta diz. Eu encontro seus olhos, sabendo que m eu rosto deve estar de algum tom
de verde. Ele balbucia as palavras. “E quanto aquele beij o?” Eu caio em risada porque a coisa
toda é tão revoltante que não consigo aguentar.
“Algo errado?” ele pergunta um tanto ingenuam ente dem ais.
“Eu... eu não sou nada boa com isso. Eu não sou a m inha m ãe. Eu não faço ideia do que estou
fazendo e odeio pus,” eu digo. “Ui!” eu m e perm ito soltar um resm ungo enquanto lavo a
prim eira rodada de folhas e aplico a segunda. “Uuui!”
“Com o você caça?” ele pergunta.
“Confie em m im . Matar coisas é m uito m ais fácil que isso,” eu digo. “Apesar de que, pelo que
sei, possa estar te m atando.”
“Pode se apressar um pouquinho?” ele pergunta.
“Não. Cala a boca e com a suas peras,” eu digo.
Após três aplicações e o que parece ser um balde de pus, o ferim ento parece m esm o m elhor.
Agora que o inchaço abaixou-se, eu consigo ver o quão profundam ente a espada de Cato
cortou. Até o osso.
“E agora, Dra. Everdeen?” ele pergunta.
“Talvez eu coloque um pouco da pom ada pra queim adura nisso. Eu acho que aj uda com
infecção, de qualquer j eito. E enfaixar?” eu digo. Eu faço isso e a coisa toda parece m uito
m ais controlável, coberta em algodão branco lim po. Apesar de que, contra a bandagem estéril,
a bainha de sua cueca parece noj enta e transbordando com doenças contagiosas. Eu puxo a
m ochila da Rue. “Aqui, cubra-se com isso e eu lavarei sua cueca.”
“Ah, eu não ligo se você m e ver,” diz Peeta.
“Você é exatam ente com o o resto da m inha fam ília,” eu digo. “Eu ligo, tudo bem ?” Eu viro de
costas e olho para o riacho até que a cueca chapinhe na corrente. Ele deve estar se sentindo
um tantinho m elhor se ele consegue atirar.
“Sabe, você é m eio sensível para um a pessoa tão letal,” diz Peeta enquanto eu bato sua cueca
entre duas pedras para lim pá-la.
“Gostaria de ter deixado você dar um banho no Hay m itch no final das contas.” Eu torço m eu
nariz para a m em ória. “O que ele te m andou até agora?”
“Nadinha,” diz Peeta. Então há um a pausa, enquanto ele se dá conta.
“Por que, você conseguiu algo?”
“Rem édio para queim adura,” eu digo quase tim idam ente. “Ah, e um pouco de pão.”
“Eu sem pre soube que você era a favorita dele,” diz Peeta.
“Por favor, ele não suporta ficar no m esm o côm odo que eu," eu digo.
“Porque vocês são m uito parecidos,” resm unga Peeta. Eu ignoro isso, no entanto, porque essa
realm ente não é a hora de eu insultar o Hay m itch, que é m eu prim eiro im pulso.
Eu deixo Peeta cochilar enquanto suas roupas secam , m as ao final da tarde, eu não ouso
esperar ainda m ais. Eu gentilm ente balanço seu om bro. “Peeta, tem os que ir agora.”
“Ir?” Ele parece confuso. “Ir para onde?”
“Pra longe daqui. Corrente abaixo talvez. Para algum lugar em que possam os nos esconder até
que você estej a m ais forte,” eu digo. Eu aj udo-o a se vestir, deixando seus pés descalços para
que possam os andar na água, e puxo-o na vertical. Seu rosto é drenado de cor no m om ento que
coloca peso em sua perna. “Vam os. Você consegue fazer isso.” Mas ele não consegue. Não
por m uito tem po, pelo m enos. Nós andam os cerca de quarenta e cinco m etros correnteza
abaixo, com ele apoiado no m eu om bro, e eu posso afirm ar que ele vai desm aiar. Eu o sento
na ribanceira, coloco sua cabeça entre seus j oelhos, e dou tapinhas em suas costas sem j eito
enquanto vasculho a área. É claro, eu adoraria colocá-lo em cim a de um a árvore, m as isso
não vai acontecer. Podia ser pior, contudo. Algum as dessas pedras form am pequenas
estruturas parecidas com cavernas. Eu ponho m eus olhos em um a a cerca de dezoito m etros
acim a do riacho. Quando é capaz de ficar em pé, eu m eio guio, m eio carrego-o até a caverna.
Na verdade, eu gostaria de procurar um lugar m elhor, m as esse terá que servir porque m eu
aliado está ferido. Branco feito papel, arfando, e, apesar de ter com eçado agora a esfriar, ele
está trem endo.
Eu cubro o chão da caverna com um a cam ada de folhas de pinheiro, desenrolo m eu saco de
dorm ir, e o enfio dentro dele. Eu ponho algum as pílulas e um pouco de água dentro dele
quando ele não está notando, m as ele se recusa a com er até m esm o a fruta. Então ele
sim plesm ente fica deitado ali, seus olhos treinados no m eu rosto enquanto eu construo um tipo
de cobertura de vinhas para esconder a boca da caverna. O resultado é insatisfatório. Um
anim al poderia não questionar isso, m as um hum ano veria que m ãos tinham m anufaturado isso
rápido o bastante. Eu rasgo-a em frustração.
“Katniss,” ele diz. Eu vou até ele e tiro o cabelo de seus olhos. “Obrigado por m e encontrar.”
“Você teria m e encontrado se pudesse,” eu digo. Sua testa está queim ando. Com o se o
rem édio não está fazendo efeito algum .
De repente, do nada, fico com m edo que ele vá m orrer.
“Sim . Olha, se eu não voltar –” ele com eça.
“Não fale assim . Eu não drenei todo esse pus por nada," eu digo.
“Eu sei. Mas só no caso de eu não –” ele tenta continuar.
“Não, Peeta, eu não quero nem discutir isso,” eu digo, colocando m eus dedos em seus lábios
para silenciá-lo.
“Mas eu –” ele insiste.
Im pulsivam ente, eu m e inclino para frente e beij o ele, parando suas palavras. Isso está
provavelm ente atrasado, de qualquer j eito, j á que ele está certo, nós devíam os estar
loucam ente apaixonados. É a prim eira vez que eu beij ei um garoto, o que deveria fazer algum
tipo de im pressão, eu acho, m as tudo que consigo registrar é com o seus lábios estão
anorm alm ente quentes de febre. Eu m e separo e puxo a beirada do m eu saco de dorm ir ao
redor dele. “Você não vai m orrer. Eu proíbo isso. Está certo?”
“Está certo,” ele sussurra.
Eu saio no ar frio da noite bem quando um paraquedas flutua do céu. Meus dedos rapidam ente
desfazem o nó, esperando por algum m edicam ento real para tratar a perna de Peeta. Ao invés
disso eu encontro pote de caldo quente.
Hay m itch não podia estar m e m andando um a m ensagem m ais clara. Um beij o equivale a um
pote de caldo. Eu quase consigo ouvir seu resm ungo.
“Você deveria estar apaixonada, querida. O garoto está m orrendo. Me dê algo com o que
possa trabalhar!"
E ele está certo. Se eu quero m anter Peeta vivo, eu tenho que dar à audiência algo a m ais para
se preocupar. Am antes desafortunados desesperados para chegar em casa j untos. Dois
corações batendo com o um . Rom ance.
Nunca tendo m e apaixonado, isso será realm ente difícil. Eu penso nos m eus pais. O j eito com o
m eu pai nunca falhou em trazer presentes para ela da floresta. O m odo com o o rosto de m inha
m ãe se ilum inava ao som das botas dele na porta. O j eito com o ela quase tinha parado de viver
quando ele m orreu.
“Peeta!” eu digo, tentando o tom especial que m inha m ãe usava só com o m eu pai. Ele
cochilou novam ente, m as eu o beij o para acordá-lo, o que parece assustá-lo. Então ele sorri
com o se fosse ficar feliz em ficar deitado ali m e olhando para sem pre. Ele é ótim o nessas
coisas.
Eu levanto o pote. “Peeta, olhe o que Hay m itch te m andou.” 20
Dar o caldo para Peeta levou um a hora de persuasão, suplicas, am eaças, e sim , beij os, m as
finalm ente, gole por gole, ele esvaziou o pote. Deixo-o dorm ir então e atendo às m inhas
próprias necessidades, engolindo um suprim ento de ervas e raízes enquanto observo o relatório
diário no céu. Sem novas casualidades. Mesm o assim , Peeta e eu dem os à audiência um dia
bastante interessante. Se tiverm os sorte, os Gam em akers vão nos perm itir um a noite pacífica.
Autom aticam ente procuro ao redor um a boa árvore para m e abrigar antes de perceber que
acabou. Pelo m enos por enquanto. Não posso deixar Peeta desprotegido no chão. Eu deixo a
cena de seu últim o esconderij o na m argem do córrego intocado – com o eu poderia ocultá-la?
– e estam os a poucos cinquenta m etros rio abaixo. Ponho m eus óculos, colocando m inhas
arm as ao alcance, e sento-m e para m e m anter em vigilância.
A tem peratura cai rapidam ente eu logo estou trem endo até os ossos. Eventualm ente, eu sedo e
deslizo para dentro do saco de dorm ir com Peeta. Está quente e eu m e aconchego agradecida
até perceber que está m ais do que quente, está excessivam ente quente porque o saco está
refletindo a febre dele. Verifico sua testa e encontro-a queim ando e seca. Não sei o que fazer.
Deixo-o no saco e espero que o calor excessivo term ine a febre? Tiro-o dali e espero que o ar
da noite o esfrie? Acabo apenas um edecendo um a tira de gaze e colocando-a sobre sua testa.
Parece fraco, m as tenho m edo de fazer algo drástico dem ais.
Passo a noite m eio sentada, m eio deitada ao lado de Peeta, refrescando a gaze, tentando não
pensar no fato de, j untando-m e a ele, eu m e fiz m uito m ais vulnerável do que quando estava
sozinha. Presa ao chão, de guarda, com um a pessoa m uito doente para tom ar conta. Mas eu
sabia que ele estava m achucado. E ainda fui atrás dele. Eu só tenho de confiar que qualquer
que sej a o instinto que m e m andou encontrá-lo era bom .
Quando o céu fica róseo, noto o brilho de suor do lábio de Peeta e descubro que a febre
acabou. E não voltou ao norm al, m as a febre baixou alguns graus. Noite passada, quando eu
estava recolhendo vinhas, topei com as bagas de Rue. Descasquei a fruta e am assei no pote de
caldo com água fria.
Peeta se esforça para se levantar quando eu alcanço a caverna. “Eu acordei e você não estava
aqui,” ele diz. “Estava preocupado com você.”
Tenho de rir quando eu o tranquilizo. “Você estava preocupada com igo? Você j á se olhou
ultim am ente?”
“Pensei que Cato e Clove tinham te encontrado. Eles gostam de caçar a noite,” diz, ainda sério.
“Clove? Quem é essa?” Pergunto.
“A garota do Distrito Dois. Ela ainda está viva, certo?” diz.
“Sim , há apenas eles e nós, e Thresh e Foxface,” digo. “Esse é o apelido que eu dei para a
garota do Cinco. Com o você se sente?”
“Melhor do que ontem . Essa é um a enorm e m elhoria sobre a lam a,” diz. “Roupas lim pas e
rem édio e saco de dorm ir... e você.”
“Ah, certo, a coisa toda de rom ance. Estendo a m ão para tocar sua bochecha e ele a pega e
pressiona contra seus lábios. Lem bro-m e do m eu pai fazendo isso com a m inha m ãe e
pergunto de onde Peeta pegou isso. Não tenho certeza se foi do pai dele e da bruxa.
“Sem m ais beij os para você até que tenha com ido,” digo.
Nós conseguim os colocá-lo contra a parede e ele, obedientem ente, engole as colheradas de
m ingau de uvas que eu fiz. Ele recusa as ervas novam ente, no entanto.
“Você não dorm iu,” Peeta diz.
“Estou bem ,” digo. Mas a verdade é, estou exausta.
“Durm a agora. Vou ficar observando. Vou te acordar se algo acontecer,” diz. Eu hesito.
“Katniss, você não pode ficar acordada para sem pre.”
Ele tem um ponto aqui. Tenho que dorm ir eventualm ente. E provavelm ente é m elhor fazer
isso agora quando ele parece relativam ente alerta e tem os a luz do dia do nosso lado. “Tudo
bem ,” digo. “Mas só por algum as horas. Então você m e acorda.” É m uito quente para o saco
de dorm ir agora. Eu coloco-o sobre o chão da caverna e deito, um a m ão no m eu arco
carregado no caso de eu ter de atirar a qualquer m om ento. Peeta se senta ao m eu lado,
inclinando-se contra a parede, sua perna ruim estirada ante a ele, seus olhos focados no m undo
lá fora. “Vá dorm ir,” diz suavem ente. Sua m ão afaga um a m echa do m eu cabelo sobre m inha
testa. Diferente dos beij os e das carícias encenadas até agora, esse gesto parece natural e
confortante. Não quero que ele pare e ele não para. Ele ainda está tocando m eu cabelo quando
caio no sono.
Tem po dem ais. Dorm i tem po dem ais. Sei do m om ento em que abro m eus olhos que é de
tarde. Peeta está no m eu lado, sua posição inalterada. Sento-m e, sentindo-m e m eio defensiva,
m as m elhor do que estive em dias.
“Peeta, você deveria m e acordar depois de algum as horas,” digo.
“Pra quê? Nada aconteceu aqui,” ele diz. “Além disso, eu gosto de te observar dorm ir. Você
não faz cara feia. Melhora m uito sua aparência.”
Isso, é claro, m e traz um a cara feia que o faz rir. É quando percebo quão seco seus lábios
estão. Toco sua testa. Quente com o um fogão a carvão. Ele afirm a que esteve bebendo, m as o
recipiente ainda está todo cheio para m im . Dou a ele m ais pílulas para febre e fico perto dele
enquanto ele tom a o prim eiro, e depois um segundo quarto de água. Então olho suas feridas
m enores, as queim aduras, as picadas, que estão m ostrando m elhoras. Eu m e firm o e desato
sua perna.
Meu coração para m eu estôm ago. Está pior, m uito pior. Não há pus em evidência, m as o
inchaço aum entou e a pele brilhante está inflam ada. Então vej o as listras verm elhas
com eçando a subir pela sua perna. Envenenam ento sanguíneo. Se não for parado, vai m atá-lo
com certeza. Minhas folhas m astigadas e pom ada não vão pará-lo. Vam os precisar de um
forte antibiótico do Capitol. Não posso im aginar o custo de um rem édio tão forte.
Se Hay m itch j untar toda contribuição de todos os patrocinadores, ele teria o bastante? Duvido.
Presentes sobem em preço à m edida que os Gam es continuam . O que com pra um a refeição
com pleta num dia com pra um biscoito no dia doze. E o tipo de rem édio que Peeta precisa teria
sido um prêm io desde o início.
“Bem , há m ais inchaço, m as o pus se foi,” digo num a voz instável.
“Sei o que envenenam ento sanguíneo é, Katniss,” diz Peeta. “Mesm o que m inha m ãe não sej a
um a curandeira.”
“Você só tem de sobreviver aos outros, Peeta. Eles vão te curar no Capitol quando nós
ganharm os,” digo.
“Sim , é um bom plano,” diz. Mas sinto que isso é m ais para m eu benefício.
“Você tem que com er. Mantenha sua força para cim a. Vou fazer sua sopa,” digo.
“Não acenda o fogo,” diz. “Não vale a pena.”
“Vam os ver,” digo. Quando levo o pote para o riacho, estou abatida com quão brutalm ente
quente está. Juro que os Gam em akers estão progressivam ente aum entando a tem peratura do
dia e dim inuindo a noite. O calor das pedras do lago m e da um a ideia, entretanto. Talvez eu
não precise acender o fogo.
Eu m e sento num a grande pedra lisa no m eio do cam inho entre o lago e a caverna. Depois de
purificar m eio pote de água, coloco-o sob luz do sol e acrescendo algum as pedras quentes do
tam anho de ovos na água. Sou a prim eira a adm itir que eu não saiba cozinhar m uito bem . Mas
visto que fazer sopa consiste basicam ente em j ogar tudo num pote e esperar, esse é um dos
m eus m elhores pratos. Moo ervas até que elas quase se tornem um a m assa e m isturo com as
raízes de Rue. Felizm ente elas j á foram torradas, assim preciso apenas esquentá-las. Agora
m esm o, entre a luz do sol e as pedras, a água está quente. Coloco nela a carne e as raízes, tiro
as pedras, e vou procurar algo verde para tem perá-lo um pouco. Em pouco tem po, encontro
um tufo de cebolinhas crescendo na base de algum as pedras. Perfeito. Corto-as bem finas e
acrescento-as ao pote, trocando as pedras novam ente, colocando a tam pa, e deixando o resto
acontecer.
Vej o poucos sinais do j ogo ao redor, m as não m e sinto confortável deixando Peeta sozinho
enquanto caço, então faço m eia dúzia de arm adilhas e rezo para ter sorte. Pergunto-m e sobre
os outros tributos, com o eles estão fazendo agora que sua principal fonte de com ida explodiu.
Pelo m enos três deles, Cato, Clove, e Foxface, contavam com ela. Provavelm ente Thresh não,
entretanto. Tenho o pressentim ento que ele deve dividir algum do conhecim ento de Rue de
com o se alim entar da terra. Eles estão lutando entre si? Procurando por nós? Talvez um deles
tenha nos localizado e estej a apenas esperando pelo m om ento certo para atacar. A ideia m e
envia de volta para a caverna.
Peeta está estendido sobre o saco de dorm ir nas form as das pedras. Em bora ele tenha se
anim ado quando eu entrei, está claro que ele se sente m iserável. Ponho uns panos frios sobre
sua testa, m as eles ficam quentes logo que tocam sua pele.
“Você quer algo?” Pergunto.
“Não,” diz. “Obrigado. Espere, sim . Conte-m e um a história.”
“Um a história? Sobre o quê?” Digo. Não sou um a boa contadora de histórias. É com o cantar.
Mas de vez em quando, Prim consegue um a de m im .
“Algo feliz. Conte-m e sobre o dia m ais feliz que você pode se lem brar,” diz Peeta.
Algo entre um suspiro e um bufo de exasperação deixa m inha boca. Um a história feliz? Isso
requer m uito m ais esforço que a sopa. Eu esprem o m eu cérebro por boas m em órias. A
m aioria envolve Gale e eu fora caçando e de algum a form a não penso que essas iriam ser
boas para Peeta e a audiência. Resta Prim .
“Eu j á te contei com o consegui a cabra de Prim ?” Pergunto. Peeta balança a cabeça, e olha
para m im com expectativa. Então eu com eço. Mas cuidadosam ente. Porque m inhas palavras
estão saindo para toda Panem . E enquanto as pessoas sem dúvida som aram dois m ais dois e
perceberam que caço ilegalm ente, não quero m achucar Gale ou Greasy Sae ou a açougueira,
ou até os Pacificadores de casa que são m eus clientes, por anunciar publicam ente que eles
quebram a lei, tam bém .
Aqui está a verdadeira história de com o consegui dinheiro para a cabra de Prim , Lady . Era
um a tarde de sexta, o dia anterior ao décim o aniversário de Prim no final de m aio. Logo que a
escola term inou, Gale e eu entram os na floresta, porque eu queria conseguir o bastante para
trocar por um presente para Prim . Talvez algum novo tecido para um vestido ou um a escova
de cabelo. Nossas arm adilhas foram bem feitas e a floresta estava cheia de verduras, m as isso
realm ente era nada m ais que nossa m édia de um a noite de sexta. Estava desapontada quando
voltam os, m esm o Gale dizendo que seria m elhor no dia seguinte. Nós estávam os descansando
por um m om ento perto do riacho quando o vim os. Um j ovem cervo, provavelm ente de um
ano, pelo seu tam anho. Seus chifres ainda estavam crescendo, ainda pequenos e revestidos de
veludo. Posicionado para correr, m as inconsciente de nós, não fam iliar com hum anos. Bonito.
Menos bonito, talvez, quando duas flechas o pegaram , um a no pescoço, outra no peito. Gale e
eu atiram os ao m esm o tem po. O cervo tentou correr, m as tropeçou, e a faca de Gale deslizou
pelo seu pescoço antes que ele soubesse o que estava acontecendo. Mom entaneam ente, senti
um a dor por m atar algo tão j ovem e inocente. E então m eu estôm ago rugiu ao pensar naquela
carne j ovem e inocente.
Um veado! Gale e eu tínham os apenas pegado três no total. O prim eiro, um a corça que tinha
m achucado a perna de algum a form a, quase não contava. Mas sabíam os por experiência que
não deveríam os levar a carcaça para o Hob. Isso causou caos com pessoas barganhando as
partes e, na verdade, tentando pegar alguns pedados para si. Greasy Sae interferiu e m andou
nossa corça para a açougueira, m as não antes de ele ser m uito danificado, pedaços grande de
carne levados, a pele cheia de buracos. Em bora todos tenham pagado j ustam ente, isso baixou
o preço da caça.
Dessa vez, esperam os até o anoitecer e passam os pelo buraco na cerca perto da açougueira.
Em bora conhecíam os os caçadores, não seria bom carregar o veado de 10 quilos pelas ruas do
Distrito 12 à luz do dia, com o se estivéssem os esfregando-o na cara dos oficiais.
A açougueira, um a m ulher pequena e volum osa de nom e Rooba, veio para a porta de trás
quando batem os. Você não discute com Rooba. Ela te dá um preço, que você pega ou parte,
m as é um preço j usto. Pegam os sua oferta do veado e j ogou dois bifes de veado que podíam os
pegar depois do abate. Mesm o com o dinheiro dividido por dois, nem Gale nem eu tivem os
tanto de um a vez em nossas vidas. Decidim os m anter em segredo e surpreender nossas
fam ílias com o dinheiro da carne no final do próxim o dia.
Foi daí onde tirei dinheiro para a cabra, m as contei a Peeta que vendi um velho m edalhão de
prata da m inha m ãe. Isso não pode m achucar ninguém . Então pego a história do final da tarde
do aniversário de Prim .
Gale e eu fom os ao m ercado na praça para que eu pudesse com prar o m aterial do vestido.
Enquanto eu estava correndo m eus dedos sobre um grosso pano azul de algodão, algo apareceu
na m inha vista. Há um velho que m antém um pequeno rebanho de cabras do outro lado de
Seam . Não sei seu nom e real, todos o cham am apenas de Hom em da Cabra. Suas j untas são
inchadas e deform adas em ângulos dolorosos, e ele tem um a tosse seca que prova que ele
passou anos nas m inas. Mas ele é sortudo. Em algum m om ento ele j untou dinheiro suficiente
para essas cabras e agora tem algo a fazer na sua velhice além de m orrer de fom e.
Ele é im undo e im paciente, m as as cabras são lim pas e o leite delas é rico se você pode
bancar.
Um a das cabras, um a branca com m anchas pretas, estava caída num a carroça. Era fácil ver o
por que. Algo, provavelm ente um cão, bateu no seu om bro e um a infecção com eçou. Isso era
ruim , o Hom em da Cabra tinha segurado-a para pegar seu leite. Mas eu pensei que conhecia
alguém que podia consertar.
“Gale,” sussurrei. “Quero um a cabra para Prim .”
Possuir um a cabra pode m udar sua vida no Distrito 12. Os anim ais podem viver à quase tudo, e
Meadow tem a alim entação perfeita, e eles podem dar quatro galões de leite por dia. Para
beber, fazer leite, vender. Não é nem contra a lei.
“Ela está m uito m al,” disse Gale. “É m elhor dar um a olhada m ais de perto.” Aproxim am o-nos
e com pram os um copo de leite para dividir, então ficam os perto da cabra com o se
estivéssem os curiosos.
“Deixem -na,” disse o hom em .
“Apenas olhando,” disse Gale.
“Bem , olhem rápido. Ela vai pra açougueira logo. Dificilm ente alguém vai com prar o leite
dela, então eles apenas pagam m etade do preço,” disse o hom em .
“Quando a açougueira está dando por ela?” Perguntei.
O hom em encolheu os om bros. “Fiquem por aí e vej am .” Virei-m e e vi Rooba vindo pela
praça para nós. “Sorte você aparecer,” disse o Hom em da Cabra quando ela chegou. “A
garota está de olho na sua cabra.”
“Não se ela a com prou,” digo cuidadosam ente.
Rooba olha para m im de baixo para cim a e franze o cenho para a cabra. “Ela não é. Olhe para
aquele om bro. Aposto que m etade da carcaça estará m uito podre, até para salsicha.”
“O quê?” disse o Hom em da Cabra. “Nós tínham os um trato.”
“Nós tínham os um trato com o anim al com poucas m arcas de dentes. Não essa coisa. Venda-a
para a garota se ela for estúpida o bastante para levá-la,” disse Rooba. Quando ela se retirava,
vi sua piscadela.
O Hom em da Cabra estava furioso, m as ainda quis se livrar daquela cabra. Levou m eia hora
para acertar o preço. Um a boa m ultidão se j untou para dar opinião. Era um excelente negócio
se a cabra vivesse; e um roubo se ela m orresse. As pessoas tom avam seus lados na discussão,
m as eu levei a cabra.
Gale se ofereceu para carregá-la. Acho que ele queria ver o rosto de Prim tanto quanto eu.
Num m om ento de vertigem , com prei um laço rosa e atei no seu pescoço. Então correm os
para m inha casa.
Você deveria ter visto a reação de Prim quando entram os com a cabra. Lem brar-se da garota
que chorou para salvar aquele terrível gato velho, Buttercup. Ela estava tão excitada que
com eçou a chorar e rir ao m esm o tem po. Minha m ãe estava m enos anim ada, vendo o
m achucado, m as então com eçou a trabalhar neles, m oendo ervas e persuadindo a m istura a
descer pela garganta do anim al.
“Eles parecem você,” diz Peeta. Quase esqueci que ele estava ali.
“Ah, não, Peeta. Eles trabalharam com m ágica. Aquela coisa não poderia m orrer m esm o se
tentasse,” digo. Mas então m ordo m inha língua, percebendo com o deve ter soado para Peeta,
que estava m orrendo, nas m inhas incom petentes m ãos.
“Não se preocupe. Não estou tentando,” ele brinca. “Term ine a história.”
“Bem , é isso. Só lem bro-m e daquela noite, Prim insistiu em dorm ir com Lady no cobertor
próxim o ao fogo. E antes de dorm irem , a cabra lam beu sua bochecha, com o se estivesse
dando a ela um beij o de boa noite ou algo assim ,” digo. “Já era louca por ela.”
“Ainda estava usando a fita rosa?” ele pergunta.
“Acho que sim ,” digo. “Por quê?”
“Estou apenas tentando im aginar,” diz pensativam ente. “Posso ver porque esse dia te deixou
feliz.”
“Bem , eu sabia que aquela cabra seria um a pequena m ina de ouro,” digo.
“Sim , é claro que eu estava m e referindo a isso, não ao últim o presente que você deu a sua
irm ã que am a tanto que tom ou seu lugar na colheita,” diz Peeta secam ente.
“A cabra se pagou por si só. Muitas vezes,” digo num tom superior.
“Bem , ela não ousaria m ais nada depois de você ter salvado a vida dela,” diz Peeta. “Tenciono
fazer a m esm a coisa.”
“Sério? O que você vai m e custar de novo?” pergunto.
“Muitos problem as. Não se preocupe. Você ganhará de volta tudo,” diz.
“Você não está fazendo sentido,” digo. Testo sua testa. A febre não subiu. “Você está m ais
frio, entretanto.”
O som de trom betas m e assusta. Fico de pé e vou até a boca da caverna rapidam ente, não
querendo perder um a sílaba. É m eu novo m elhor am igo, Claudius Tem plesm ith, e com o eu
esperava, ele está nos convidando para um banquete. Bem , nós não estam os com tanta fom e e,
na verdade, eu afasto sua oferta com indiferença quando ele diz, “Agora esperem . Alguns de
vocês podem j á estar rej eitando m inha oferta. Mas não é um banquete ordinário. Cada um de
vocês precisa de algo desesperadam ente.”
Eu preciso de algo desesperadam ente. Algo para curar a perna de Peeta.
“Cada um de vocês vai encontrar esse algo num a m ochila, m arcada com o núm ero do seu
distrito, na Cornucópia ao am anhecer. Pensem bem sobre recusar a aparecer. Para alguns de
vocês, essa será a últim a chance,” diz Claudius.
Não há nada m ais, apenas suas palavras pairando no ar. Pulo quando Peeta agarra m eu om bro
de trás. “Não,” ele diz. “Você não vai arriscar sua vida por m im .”
“Quem disse que eu ia?” digo.
“Então, você não vai?” ele pergunta.
“Claro que não vou. Dê-m e algum crédito. Você acha que vou correr direto para algum a
com petição livre contra Cato, Clove e Thresh? Não sej a estúpido,” digo, aj udando-o a se
deitar.
“Vou deixá-los lutar, e verem os quem estará no céu am anhã de noite, e vam os planej ar daí.”
“Você é um a péssim a m entirosa, Katniss. Não sei com o você sobreviveu por tanto tem po.”
Ele com eça a m e im itar. “Eu sabia que aquela cabra seria um a pequena m ina de outro. Você
está m ais frio, entretanto. É claro que eu não vou.” Ele balança a cabeça. “Nunca j ogue
cartas. Você vai perder até sua últim a m oeda,” diz.
A raiva ruboriza m eu rosto. “Certo, eu vou, e você não pode m e parar!”
“Posso te seguir. Ao m enos m etade do cam inho. Posso não chegar à Cornucópia, m as se eu
gritar seu nom e, aposto que algo pode m e encontrar. E então vou estar m orto, com certeza,”
ele diz.
“Você não conseguirá andar cem m etros daqui com essa perna” digo.
“Então vou m e arrastar,” diz Peeta. “Você vai e eu vou, tam bém .” Ele é teim oso o bastante e
talvez só forte o bastante para fazer. Vir uivando atrás de m im na floresta. Mesm o se um
tributo não encontrá-lo, algum a coisa m ais vai. Ele não pode se defender. Provavelm ente terei
de prendê-lo na caverna para ir. E quem sabe o que o esforço pode fazer com ele?
“O que eu deveria fazer? Sentar aqui e ver você m orrer?” digo. Ele pode saber que não é um a
opção. Que a audiência m e odiaria. E francam ente, eu m e odiaria, tam bém , se nem tentasse.
“Não vou m orrer. Eu prom eto. Se você prom eter não ir,” ele diz.
Estam os em algo com o um em pate. Sei que não posso argum entar com ele nessa, então nem
tento. Finj o, relutante, concordar. “Então você tem de fazer o que eu disser. Beba sua água,
acorde-m e quando eu disser, e com a cada pedaço de sopa, não im porta quão noj ento ela
sej a!” Grito para ele.
“Feito. Está pronta?” ele pergunta.
“Espere aqui,” digo. O ar ficou frio em bora o sol ainda estej a alto. Estou certa sobre os
Gam em akers bagunçando a tem peratura. Pergunto-m e se a coisa que alguém precisa
desesperadam ente é um bom banquete. A sopa ainda está boa e quente no pote de ferro. E, na
verdade, não tem um gosto m uito ruim .
Peeta com e sem reclam ar, até raspa o pote para m ostrar seu entusiasm o. Ele fala com o está
deliciosa, que deveria ser encoraj ador, se você não soubesse o que a febre faz às pessoas. Ele
é com o escutar Hay m itch antes que o álcool o afogue na incoerência. Dou a ele outra dose de
rem édio para febre antes dele dorm ir com pletam ente.
Quando desço até o riacho para m e lavar, tudo que posso pensar é que ele vai m orrer se eu
não for ao banquete. Vou m antê-los por um dia ou dois, e então a infecção vai atingir seu
coração ou seu cérebro ou seus pulm ões e ele se vai. E eu estarei aqui sozinha. De novo.
Esperando pelos outros.
Estou tão perdida nos pensam entos que acho perto um paraquedas, em bora ele flutuasse ante a
m im . Então eu m e lanço atrás dele, puxando-o da água, rasgando o tecido prateado para
recuperar o frasco. Hay m itch fez! Ele conseguiu rem édio – não sei com o, persuadiu algum as
tolas m ulheres rom ânticas para vender suas j oias – e posso salvar Peeta! É um frasco tão
pequeno, porém . Deve ser forte o bastante para curar alguém tanto doente com o Peeta. Um a
onda de dúvidas m e atravessa. Destam po o frasco e dou um a cheirada profunda. Minha força
cai ao doentio cheiro doce. Sem dúvidas, é sonífero. Um rem édio com um no Distrito 12.
Barato, em relação aos outros rem édios, m as m uito viciante. Quase todos têm um a dose ou
outra. Tem os um a garrafa em casa. Minha m ãe dá a histéricos pacientes para desacordá-los
para dar pontos num a ferida ruim ou aquietar suas m entes ou apenas aj udar alguém em dor a
atravessar a noite. É apenas um pouco. Um frasco desse tam anho poderia desacordar Peeta
por todo um dia, m as qual é o bom disso? Estou tão furiosa que estou quase atirando a últim a
oferta de Hay m itch no riacho percebo. Um dia todo? É m ais do que eu preciso.
Eu m oo um punhado de bagas para que o gosto não sej a não notável e acrescendo folhas de
hortelã em boa m edida. Então volto para a caverna. “Trouxe para você um banquete. Achei
bagas um pouco rio abaixo.”
Peeta abre sua boca para o prim eiro pedaço sem hesitação. Ele engole e depois franze o cenho
levem ente. “Elas são m uito doces.”
“Sim , elas são bagas doces. Minha m ãe faz geleia com eles. Você nunca as provou antes?”
digo, em purrando a próxim a colherada na sua boca.
“Não,” ele diz, quase surpreso. “Mas o gosto é fam iliar. Bagas doces?”
“Bem , você não pode consegui-las no m ercado, elas são silvestres,” digo. Outro bocado desce.
Apenas um para ir.
“Elas são doces com o xarope,” diz, tom ando a últim a colherada. “Xarope.” Seus olhos se
am pliam quando ele percebe a verdade. Eu pressiono m inha m ão sobre sua boca e seu nariz
fortem ente, forçando-o a engolir em vez de cuspir. Ele tenta vom itar o m istura, m as é tarde
dem ais, ele j á está perdendo a consciência. Mesm o quando ele desacorda, posso ver em seus
olhos que o que fiz é im perdoável.
Sento-m e sobre m eus calcanhares e olho para ele com um a m istura de tristeza e satisfação.
Um a baga m ancha seu queij o, e eu o lim po. “Quem não pode m entir, Peeta?” digo, em bora
ele não possa m e escutar.
Isso não im porta. O resto de Panem pode.
21
Nas horas restantes antes do anoitecer, eu reúno pedras e faço e faço o m eu m elhor para
cam uflar a abertura da caverna. É um processo dem orado e árduo, m as após suar m uito e
deslocar as coisas do lugar, estou bastante satisfeita com o m eu trabalho. A caverna parece ser
agora um a parte de um a pilha m aior de pedras, com o m uitas na vizinhança. Eu ainda posso
rastej ar até o Peeta por um a pequena abertura, m as é indetectível do lado de fora. Isso é bom ,
porque eu precisarei dividir aquele saco de dorm ir novam ente hoj e à noite. E, tam bém , se eu
não voltar do banquete, Peeta ficará escondido, m as não inteiram ente aprisionado. Apesar de
eu duvidar que ele possa aguentar m uito m ais sem rem édio. Se eu m orrer no banquete, o
Distrito 12 provavelm ente não terá um vencedor.
Eu faço um a refeição com o peixe m enor e m ais espinhento que habita o riacho aqui abaixo,
encho cada recipiente com água e a purifico, e lim po m inhas arm as. Eu tenho nove flechas
restantes. Eu debato se devo deixar a faca com Peeta para que ele tenha algum a proteção
enquanto eu estiver longe, m as realm ente não há razão. Ele estava certo sobre cam uflagem
ser sua últim a defesa final. Mas eu talvez ainda tenha uso para a faca. Quem sabe o que
poderei encontrar?
Essas são algum as das coisas de que estou bastante certa. Que pelo m enos Cato, Clove e
Thresh estarão por perto quando o banquete com eçar. Não tenho m uita certeza sobre a
Foxface, j á que confrontação direta não é seu estilo ou ponto forte. Ela é ainda m enor do que
eu e está desarm ada, a não ser que tenha pego algum as arm as recentem ente.
Ela provavelm ente ficará em algum lugar por perto, vendo o que pode catar. Mas os outros
três... ficarei ocupada. Minha habilidade de m atar a distância é m inha m elhor vantagem , m as
eu sei que terei que ir até o fim para conseguir aquela m ochila, a com o núm ero 12 que
Claudius Tem plesm ith m encionou.
Eu observo o céu, esperando por um oponente a m enos ao am anhecer, m as ninguém aparece
hoj e à noite. Am anhã haverá rostos lá no alto. Banquetes sem pre resultam em fatalidades.
Eu engatinho até a caverna, guardo m eus óculos, e m e aconchego próxim a ao Peeta.
Felizm ente, eu tive aquele bom e longo sono hoj e. Tenho que perm anecer acordada. Eu não
acho realm ente que alguém atacará nossa caverna hoj e à noite, m as não posso arriscar perder
o am anhecer.
Tão fria, hoj e a noite está tão am argam ente fria. Com o se os Gam em akers tivessem m andado
um a infusão de ar congelado na arena, o que pode ser exatam ente o que tenham feito. Eu m e
deito próxim a ao Peeta no saco, tentando absorver cada pedacinho do calor da febre dele. É
estranho estar tão fisicam ente próxim a a alguém que está tão distante. Peeta podia m uito bem
estar de volta em Capitol, ou no Distrito 12, ou na lua agora, e ele não estaria m ais difícil de se
alcançar. Eu nunca m e senti m ais sozinha desde que os Gam es com eçaram .
Sim plesm ente aceite que será um a noite ruim , eu digo a m im m esm a. Eu tento não fazê-lo,
m as não consigo evitar pensar na m inha m ãe e em Prim , m e perguntando se elas pregarão o
olho esta noite. Nesse estágio tão avançados dos Gam es, com um evento im portante com o o
banquete, as aulas provavelm ente serão canceladas. Minha fam ília pode ou assistir naquela
televisão de ferro-velho cheia de estática em casa ou se j untar à m ultidão na praça e assistir
nas telas grandes e claras. Elas terão privacidade em casa, m as apoio na praça. As pessoas
lhes falarão coisas bondosas, lhes darão um pouco de com ida se puderem se dar ao luxo. Me
pergunto se o padeiro j á as procurou, especialm ente agora que Peeta e eu som os um tim e, e
cum priu sua prom essa de m anter a barriga da m inha irm ã cheia.
Os ânim os devem estar altos no Distrito 12. Raram ente tem os alguém por quem torcer nesse
estágio dos Gam es. Claro, as pessoas estão anim adas pelo Peeta e por m im , especialm ente
agora que estam os j untos. Se eu fechar m eus olhos, posso im aginar seus gritos para as telas,
nos encoraj ando. Eu vej o seus rostos – Greasy , Sae e Madge e até m esm o os Peacekeepers
que com pram as m inhas carnes – torcendo por nós.
E Gale. Eu o conheço. Ele não estará gritando e torcendo. Mas ele estará assistindo, cada
m om ento, cada reviravolta, e desej ando que eu volte para casa. Me pergunto se ele está
torcendo para que Peeta volte tam bém . Gale não é m eu nam orado, m as seria, se eu abrisse
essa porta? Ele falou sobre nós fugirm os j untos. Isso era apenas um cálculo prático das nossas
chances de sobrevivência longe do distrito? Ou algo m ais?
Me pergunto o que ele acha de todos esses beij os.
Através de um a rachadura nas pedras, eu observo a lua cruzar o céu. Ao que eu j ulgo serem
três antes do am anhecer, eu com eço os preparos finais. Tenho cuidados em deixar Peeta com
água e o kit m édico bem ao seu lado. Nada m ais será de m uito uso se eu não retornar, e até
m esm o isso iria apenas prolongar sua vida por um curto período. Após algum debate, eu tiro
sua j aqueta e a fecho sobre a m inha própria. Ele não precisa dela. Não agora no saco de
dorm ir com sua febre, e durante o dia, se eu não estiver ali para rem ovê-la, ele assará nela.
Minhas m ãos j á estão duras de frio, então eu pego o par de m eias extra de Rue, corto buracos
para os m eus dedos, e coloco-as. De qualquer j eito, aj uda. Eu encho sua pequena sacola com
um pouco de com ida, um a garrafa d’água, e bandagens, enfio a faca no m eu cinto, pego m eu
arco e flechas. Estou prestes a partir quando m e lem bro da im portância de sustentar a rotina
dos am antes desafortunados e m e inclino e dou um beij o longo e dem orado em Peeta.
Im agino os suspiros lacrim ej antes em anando de Capitol e finj o afastar um a lágrim a própria.
Então passo esprem ida pela abertura nas pedras para a noite.
Minha respiração form a nuvenzinhas brancas quando atinge o ar. Está tão frio quanto um a
noite de novem bro lá em casa. Um a quando deslizei para a floresta, lanterna na m ão, para m e
j untar a Gale num local pré-arranj ado onde nos sentaríam os agasalhados j untos, tom ando chá
de ervas de frascos de m etal, enrolados em colchas, esperando que algum a caça passasse pelo
nosso cam inho enquanto a m anhã chegava. Ah, Gale, eu penso. Se ao m enos você m e
protegesse agora...
Me m ovo o m ais rápido que ouso. Os óculos são m uito notáveis, m as eu ainda sinto falta
solenem ente do uso do m eu ouvido esquerdo. Eu não sei o que a explosão fez, m as danificou
algo profundo e irreparável. Não im porta. Se eu chegar em casa, serei tão rica que serei capaz
de pagar alguém para ouvir para m im .
A floresta sem pre parece diferente de noite. Mesm o com os óculos, tudo tem um ângulo
estranho. Com o se as árvores e flores e pedras diurnas tivessem ido para cam a e tivessem
m andado versões ligeiram ente agourentas de si m esm as para tom arem seu lugar. Não tento
nada arriscado, com o tom ar um a nova rota. Eu cam inho pelo riacho e sigo o m esm o traj eto de
volta ao esconderij o da Rue perto do lado. Ao longo do cam inho, não vej o sinal de outro
tributo, nem um a baforada de ar, nem um trem or de galho. Ou sou a prim eira a chegar ou os
outros se posicionaram na noite passada. Ainda falta m ais de um a hora, talvez duas, quando eu
m e retorço para um arbusto e espero o sangue com eçar a fluir.
Eu m astigo algum as folhas de m enta, m eu estôm ago não aceita m uito m ais. Graças a Deus,
tenho a j aqueta de Peeta, assim com o a m inha própria. Se não, eu seria forçada a m e m over
para perm anecer aquecida. O céu vira um cinza nebuloso de m anhã e ainda não há sinal dos
outros tributos. Não é m uito surpreendente, na verdade. Todos se distinguiram ou pela força ou
pela letalidade ou perspicácia. Eles supõem , eu m e pergunto, que tenho Peeta com igo? Eu
duvido que Foxface e Thresh saibam que ele foi ferido.
Melhor ainda se acharem que ele está cobrindo por m im quando eu for pegar a m ochila.
Mas onde está? A arena se ilum inou o bastante para eu rem over m eus óculos. Eu consigo ouvir
os pássaros m atinais cantando. Não está na hora? Por um segundo, entro em pânico achando
que estou no local errado. Mas não, estou certa de que m e lem bro de Claudius Tem plesm ith
especificando a Cornucópia. E ali está. E aqui estou eu. Então onde m eu banquete?
Bem quando o prim eiro raio de sol brilha na dourada Cornucópia, há um distúrbio na cam pina.
O chão perante a boca da trom ba se dividi em dois e um a m esa redonda com um a toalha
branca-de-neve sobe na arena. Na m esa estão quatro m ochilas, duas pretas grandes com os
núm eros 2 e 11, um a verde de tam anho m édio com o núm ero 5, e um a laranj a m inúscula –
sério, eu podia carregá-la ao redor do m eu punho – que deve estar m arcada com um 12.
A m esa acabou de cair no lugar quando um a figura lança-se para fora da Cornucópia, pega a
m ochila verde, e sai a toda velocidade.
Foxface! É bem coisa dela inventar um a ideia tão esperta e arriscada! O resto de nós está
ainda aprum ado em torno da cam pina, avaliando a situação, e ela pegou a dela. Ela nos
prendeu, tam bém , porque ninguém quer persegui-la, não enquanto sua própria m ochila está
tão vulnerável na m esa. Foxface deve ter deixado propositadam ente as outras m ochilas,
sabendo que roubando um a sem seu núm ero iria definitivam ente encoraj ar um perseguidor.
Essa deveria ter sido a m inha estratégia! Na hora que superei m inhas em oções de surpresa,
adm iração, raiva, ciúm es, e frustração, observo aquela j uba de cabelos averm elhados
desaparecer nas árvores bem longe da área de alcance. Hum . Estou sem pre tem endo os
outros, m as talvez Foxface sej a a verdadeira oponente aqui.
Ela m e custou tem po, tam bém , porque agora está claro que eu preciso ir para a m esa a seguir.
Quem quer que chegue antes de m im irá facilm ente pegar a m inha m ochila e ir em bora. Sem
hesitação, eu corro a toda velocidade para a tabela. Eu consigo sentir a em ergência do perigo
antes de o ver. Felizm ente, a prim eira faca vem voando pelo m eu lado direito, então sou capaz
de ouvir e consigo desviar com o m eu arco. Me viro, retrocedendo a corda do arco e m ando
um a flecha diretam ente no coração da Clove. Ela se vira exatam ente o suficiente para evitar
um golpe fatal, m as a ponta perfura seu braço esquerdo. Infelizm ente, ela j oga com o direito,
m as é o suficiente para retardá-la por alguns m om entos, tendo que puxar a flecha do seu
braço, avaliar a gravidade do ferim ento. Eu continuo m e m ovim entando, posicionam ento a
próxim a flecha autom aticam ente, com o só alguém que caçou durante anos sabe fazer.
Estou na m esa agora, m eus dedos fechando sobre a m inúscula m ochila laranj a. Minha m ão
desliza entre as correias e eu a puxo pelo m eu braço, é realm ente pequena dem ais para caber
em qualquer outra parte da m inha anatom ia, e eu estou m e virando novam ente para atirar
quando a segunda faca m e pega na testa. Ela corta em cim a da m inha sobrancelha direita,
abrindo um a ferida que envia um fluxo escorrendo pelo m eu rosto, cegando m eu olho,
enchendo m inha boca com o gosto picante e m etálico do m eu próprio sangue. Eu cam baleio
para trás, m as ainda consigo enviar m inha flecha pronta na direção geral do m eu agressor. Eu
sei enquanto ela deixa as m inhas m ãos que vai errar. E então Clove bate em m im , m e
deixando cair de costas, prendendo m eus om bros no chão, com seus j oelhos.
É isso, eu penso, e espero, por Prim , que sej a rápido. Mas Clove quer saborear o m om ento.
Até m esm o sente que tem tem po. Sem dúvida Cato está em algum lugar próxim o, a
protegendo, esperando pelo Thresh e possivelm ente pelo Peeta.
"Onde está o seu nam orado, Distrito Doze? Ainda persistindo?" ela pergunta.
Bem , enquanto estiverm os falando eu estou viva. "Ele está lá fora agora. Caçando o Cato," eu
rosno para ela. Então eu grito a plenos pulm ões. "Peeta!"
Clove com prim i seu punho na m inha traqueia, m uito eficazm ente cortando a m inha voz. Mas a
cabeça dela está virando de lado a lado, e eu sei que por um m om ento ela está pelo m enos
considerando que eu estou dizendo a verdade. Já que nenhum Peeta aparece para m e salvar,
ela se volta para m im .
"Mentirosa," ela diz com um sorriso. "Ele está quase m orto. Cato sabe onde o cortou. Você
provavelm ente está com ele am arrado em algum a árvore enquanto você tenta m anter seu
coração batendo. O que está na m ochilinha bonita? O rem édio para o Lover Boy ? Que pena
que ele nunca vai recebê-lo."
Clove abre sua j aqueta. Está forrada com um im pressionante conj unto de facas. Ela seleciona
cuidadosam ente um a de aparência quase delicada com um a lâm ina cruel e curvada. "Eu
prom eti ao Cato que se ele m e deixasse ter você, eu daria ao público um bom espetáculo."
Luto agora em um esforço para rem ovê-la, m as não adianta.
Ela é m uito pesada e seu aperto em m im é m uito firm e.
"Esqueça, Distrito Doze. Nós vam os te m atar. Bem com o nós m atam os sua aliadinha patética...
qual era o nom e dela? Aquela que pulava nas árvores? Rue? Bem , Rue prim eiro, depois você, e
então eu acho que nós vam os sim plesm ente deixar a natureza cuidar do Lover Boy . Com o isso
soa?" Clove pergunta. "Agora, por onde com eçar?"
Ela descuidadam ente retira o sangue da m inha ferida com a m anga da sua j aqueta. Por um
m om ento, ela analisa m eu rosto, inclinando-o de lado a lado com o se fosse um bloco de
m adeira e ela estivesse decidindo exatam ente que padrão esculpir nele. Eu tento m order sua
m ão, m as ela pega o cabelo no alto da m inha cabeça, m e forçando de volta ao chão. "Eu
acho..." ela quase ronrona. "Eu acho que vam os com eçar com a sua boca." Eu aperto os m eus
dentes j untos enquanto ela traça provocativam ente o contorno dos m eus lábios com a ponta da
lâm ina.
Eu não fecho m eus olhos. O com entário sobre Rue m e encheu de fúria, fúria o suficiente que
eu penso em m orrer com algum a dignidade. Com o o m eu últim o ato de rebeldia, vou encará-
la enquanto conseguir enxergar, o que provavelm ente não será um período de tem po
prolongado, m as eu vou encará-la, eu não vou gritar. Eu vou m orrer, de m eu próprio j eitinho,
invicta.
"Sim , eu não acho que você vai ter m uito m ais uso para os seus lábios. Quer soprar para o
Lover Boy um últim o beij o?" ela pergunta, eu j unto um bocado de sangue e saliva e cuspo no
rosto dela. Ela fica verm elha de raiva. "Muito bem . Vam os com eçar."
Eu m e preparo para a agonia que certam ente se seguirá. Mas enquanto sinto a ponta abrir o
prim eiro corte em m eu lábio, algum a form a grande arranca Clove do m eu corpo e então ela
grita. Fico m uito estupefata de prim eira, incapaz dem ais de processar o que aconteceu. O
Peeta, de algum a form a, veio ao m eu resgate? Os Gam em akers soltaram algum anim al
selvagem para aum entar a diversão? Um aerobarco inexplicavelm ente a puxou pelo ar?
Mas quando eu m e levanto com m eus braços dorm entes, vej o que não é nenhum a das
alternativas acim a. Clove está balançando a trinta centím etros do chão, presa nos braços de
Thresh. Solto um suspiro, vendo-o assim , elevando-se sobre m im , segurando Clove com o um a
boneca de pano. Me lem bro dele grande, m as ele parece m ais m aciço, m ais poderoso do que
eu m e lem brava. Aliás, ele parece ter ganho peso na arena. Ele vira a Clove e a arrem essa no
chão.
Quando ele berra, eu pulo, nunca tendo ouvido-o falar acim a de um m urm úrio. "O que você
fez para aquela m enininha? Você a m atou?"
Clove está lutando para trás de quatro, com o um inseto frenético, chocada dem ais até m esm o
para cham ar por Cato. "Não! Não, não fui eu!"
"Você disse o nom e dela. Eu ouvi você. Você a m atou?" Outro pensam ento traz um a onda
fresca de raiva a seus traços. "Você a cortou com o você ia cortar esta m enina aqui?"
"Não! Não, eu –" Clove vê a pedra, cerca do tam anho de um pequeno pedaço de pão na m ão
de Thresh e perde a cabeça. "Cato!" ela chia. "Cato!"
"Clove!" eu ouvi a resposta de Cato, m as ele está m uito longe, posso afirm ar isso, para aj udá-
la. O que ele estava fazendo? Tentando conseguir a Foxface ou o Peeta? Ou ele estivera
deitado esperando por Thresh e sim plesm ente tinha j ulgado m al a localização dele?
Thresh desce a pedra com força contra a têm pora de Clove.
Não está sangrando, m as consigo ver o am asso em seu crânio e sei que ela é um caso perdido.
Ainda há vida nela agora, contudo, na rápida ascensão e queda de seu peito, no baixo gem ido
escapando de seus lábios.
Quando Thresh gira para m im , a pedra levantada, eu sei que não há propósito em correr. E
m eu arco está vazio, a últim a flecha arm ada tinha ido parar na direção de Clove. Estou presa
no brilho dos seus estranhos olhos castanhos dourados. "O que ela quis dizer? Sobre Rue ser sua
aliada?"
"Eu – eu – nós nos unim os. Explodim os os suprim entos. Eu tentei salvá-la, eu tentei. Mas ele
chegou lá prim eiro. Distrito 1," eu digo. Talvez se ele souber que eu aj udei a Rue, ele não
escolherá algum fim lento e sádico para m im .
"E você o m atou?" ele exige.
"Sim . Eu m atei ele. E a enterrei em flores," eu digo. "E eu cantei para ela até dorm ir."
Lágrim as brotam dos m eus olhos. A tensão e a luta saem de m im com a lem brança. E fico
oprim ida pela Rue, e pela dor na m inha cabeça, e pelo m eu m edo de Thresh, e pelo gem ido da
m enina m orrendo a alguns m etros de distância.
"Até dorm ir?" Thresh diz rispidam ente.
"Até m orrer. Eu cantei até que ela m orresse," eu digo. "O seu distrito... eles m e m andaram
pão." Minha m ão levanta-se, m as não para pegar um a flecha que eu sei que nunca vou
alcançar. Só para enxugar m eu nariz. "Faça isso rápido, está bem , Thresh?"
Em oções conflitantes cruzam o rosto de Thresh. Ele abaixa a pedra e aponta para m im , quase
acusadoram ente. "Só dessa vez, eu te deixarei ir. Pela garotinha. Você e eu, estam os quites.
Não se deve m ais nada. Entendeu?"
Aceno porque entendo m esm o. Sobre se dever. Sobre odiar isso. Entendo que se Thresh
ganhar, ele terá que voltar e enfrentar um distrito que j á quebrou todas as regras para m e
agradecer, e ele está quebrando as regras por m e agradecer tam bém . E eu entendo que, no
m om ento, Thresh não vai esm agar o m eu crânio.
"Clove!" a voz de Cato está m uito m ais perto agora. Eu posso afirm ar pela dor nela que ele a
vê no chão.
"É m elhor você correr agora, Garota do Fogo," diz Thresh.
Não precisa m e dizer duas vezes. Eu m e reviro e m eus pés m ergulham na terra batida
enquanto eu fuj o de Thresh e Clove e do som da voz de Cato. Só quando eu alcanço a floresta
eu m e viro por um instante. Thresh e am bas as m ochilas grandes estão desaparecendo pela
beirada da cam pina até a área que eu nunca vi. Cato se aj oelha ao lado da Clove, lança na
m ão, im plorando para ela ficar com ele. Em um instante, ele perceberá que é fútil, ela não
pode ser salva. Eu bato contra as árvores, repetidam ente afastando o sangue que está vertendo
em m eus olhos, fugindo com o a criatura selvagem e ferida que sou. Após alguns m inutos, ouço
o canhão e sei que Clove m orreu, que Cato ficará atrás dos rastros de um de nós. Ou do Thresh
ou do m eu. Estou dom inada com terror, fraca por causa do m eu ferim ento na cabeça,
trem endo. Eu carrego um a flecha, m as Cato consegue j ogar a lança quase tão longe quanto eu
consigo atirar.
Só um a coisa m e acalm a. Thresh está com a m ochila de Cato contendo o negócio que ele
precisa desesperadam ente. Se eu tivesse que apostar, Cato se dirigiu atrás de Thresh, não de
m im . Ainda assim , não retardo quando chego na água. Eu m ergulho diretam ente, as botas
ainda calçadas, e m e debato correnteza abaixo. Eu tiro as m eias de Rue que estive usando
com o luvas e as pressiono na m inha testa, tentando estancar o fluxo de sangue, m as elas ficam
encharcadas em m inutos.
De algum a form a eu volto para a caverna. Eu m e aperto para passar pelas pedras. À luz
m anchada, eu puxo a pequena m ochila laranj a do m eu braço, abro o fecho, e despej o o
conteúdo no chão. Um a caixa m agra contendo um a agulha hipodérm ica.
Sem hesitar, eu aperto a agulha no braço do Peeta e pressiono lentam ente o êm bolo.
Minhas m ãos vão até a m inha cabeça e então caem no m eu colo, escorregadias de sangue.
A últim a coisa que m e lem bro é de um a m ariposa verde-e-prata prim orosam ente bela
pousando na curva do m eu pulso.
22
O som de chuva batendo contra o teto de nossa casa gentilm ente m e puxa para consciência.
Luto para retornar ao sono, entretanto, enrolada num quente bolo de cobertores, segura em
casa. Vagam ente estou consciente de que m inha cabeça dói. Possivelm ente eu tenho gripe e é
por isso que posso ficar na cam a, em bora possa dizer que dorm i por m uito tem po. A m ão da
m inha m ãe acaricia m inha bochecha e não a afasto com o eu faria se estivesse totalm ente
acordada, nunca querendo que ela saiba o quanto desej o aquele toque gentil. O quando eu senti
a sua falta em bora ainda não confiasse nela. Então há um a voz, um a voz errada, não da m inha
m ãe, e estou com m edo.
“Katniss,” diz. “Katniss, você pode m e ouvir?”
Meus olhos se abrem e a sensação de segurança desaparece. Não estou em casa, não com
m inha m ãe. Estou num a caverna escura e fria, m eus pés nus congelando apesar do cobertor, o
ar m aculado com o claro cheiro de sangue. O rosto pálido e cansado de um garoto entra na
m inha visão, e depois de um inicial golpe de alarm e, sinto-m e m elhor. “Peeta.”
“Hey ,” ele diz. “Bom ver seus olhos novam ente.”
“Por quanto tem po estive apagada?” pergunto.
“Não tenho certeza. Acordei ontem de m anhã e você estava deitada ao m eu lado num a poça
de sangue assustadora,” ele diz. “Acho que finalm ente parou, m as eu não m e sentaria nem
nada.”
Eu cuidadosam ente levanto m inha m ão para m inha cabeça e encontro-a enfaixada. Esse
sim ples gesto m e deixa fraca e tonta. Peeta segura um a garrafa nos m eus lábios e bebo com
sede.
“Você está m elhor,” digo.
“Muito m elhor. O que quer que você inj etou no m eu braço fez um truque,” diz. “Essa m anhã,
quase todo o inchaço da m inha perna tinha sum ido.”
Ele não parecia zangado por eu tê-lo enganado, drogado, e corrido para o banquete. Talvez eu
estej a apenas batida dem ais e vou escutar depois quando estiver m ais forte. Mas por enquanto,
ele é toda gentileza.
“Você com eu?” pergunto.
“Sinto m uito por dizer que engoli três pedaços daquelas ervas antes de perceber que elas
deveriam durar m ais. Não se preocupe, estou de volta à dieta rígida,” diz.
“Não, é bom . Você precisa com er. Vou caçar em breve,” digo.
“Não tão em breve, certo?” ele diz. “Você só tem de m e deixar tom ar conta de você por ora.”
Eu realm ente não pareço ter m uita escolha. Peeta m e alim enta com pedaços de ervas e uvas
secas e m e faz beber m uita água. Ele esfrega m eus pés para aquecê-los e os enrola em sua
j aqueta antes de enfiar o saco de dorm ir de volta ao redor do m eu queixo.
“Suas botas e m eias ainda estão m olhadas e o tem po não está aj udando m uito,” ele diz. Há um
ruído de um trovão, e vej o a eletricidade ilum inando o céu através da abertura das pedras. A
chuva gotej a pelos vários buracos do teto, m as Peeta construiu um tipo de cobertura sobre
m inha cabeça e a parte superior do m eu corpo, prendendo um pedaço de plástico na pedra
acim a de m im .
“O que provocou essa tem pestade? Quero dizer, quem é o alvo?” diz Peeta.
“Cato e Thresh,” digo sem pensar. “Foxface está em seu esconderij o em algum lugar, e
Clove...
ela m e cortou e então...” Minha voz falha.
“Sei que Clove está m orta. Vi no céu noite passada,” diz. “Você a m atou?”
“Não. Thresh quebrou sua cabeça com um a pedra,” digo.
“Sorte que ele não te pegou, tam bém ,” diz Peeta.
A m em ória do banquete retorna com força total e m e sinto doente. “Ele m e pegou. Mas m e
deixou.” Então, é claro, tenho de contar a ele. Sobre coisas que m antive para m im m esm a,
porque ele estava tão doente para perguntar e eu não estava pronta para reviver, de qualquer
m odo. Com o a explosão e m eu ouvido e Rue m orrendo e o garoto do Distrito 1 e o pão. Tudo
que leva ao que aconteceu com Thresh e com o ele estava pagando um a dívida de sorte.
“Ele te deixou porque não queria dever a você nada?” pergunta Peeta com descrença.
“Sim . Não espero que você entenda. Você sem pre teve o suficiente. Mas se você vivesse em
Seam , eu não teria de explicar,” digo.
“E não tente. Obviam ente sou m uito turvo para com preender.”
“É com o o pão. Com o eu nunca pareço pargar a dívida com você por aquilo,” digo.
“O pão? O quê? De quando éram os crianças?” diz. “Acho que podem os deixar isso. Quero
dizer, você só m e trouxe de volta da m orte.”
“Mas você não m e conhecia. Nós nunca tínham os nos falado. Além disso, é o prim eiro
presente que é sem pre o m ais difícil de pagar. Eu não estaria nem ao m enos aqui se você não
tivesse m e aj udado então,” digo. “Por que você fez, de qualquer m aneira?”
“Por quê? Você sabe o porquê,” Peeta diz. Dou com m inha cabeça um leve e doloroso agito.
“Hay m itch disse que dem oraria bastante para te convencer.”
“Hay m itch?” pergunto. “O que ele tem a ver com isso?”
“Nada,” Peeta diz. “Então, Cato e Thresh, huh? Acho que é esperar dem ais que eles se
destruam sim ultaneam ente?”
Mas o pensam ento apenas m e irrita. “Acho que nós gostaríam os de Thresh. Acho que ele seria
nosso am igo no Distrito Doze,” digo.
“Estão vam os esperar que Cato m ate Thresh, assim não terem os de fazer isso,” diz Peeta
cruelm ente.
Não quero nem um pouco que Cato m ate Thresh. Não quero que ninguém m ais m orra. Mas
essa não é absolutam ente o tipo de coisa que vencedores dizem na arena. Apesar dos m eus
esforços, posso sentir as lágrim as se acum ulando nos m eus olhos.
Peeta olha para m im com preocupação. “O que é? Você está sentindo m uita dor?” Dou a ele
outra resposta, porque é igualm ente verdadeira, m as pode ser levada com o um breve
m om ento de fraqueza em vez de um a fraqueza term inal. “Quero ir para casa, Peeta,” digo
queixosam ente, com o um a criança pequena.
“Você vai. Prom eto,” ele diz, e se inclina para m e dar um beij o.
“Quero ir para casa agora,” digo.
“Não m e diga. Volte a dorm ir e sonhe com casa. E você vai estar lá de verdade antes que
você saiba,” ele diz. “Ok?”
“Ok,” sussurro. “Acorde-m e se m e precisar para vigiar.”
“Estou bem e descansado, graças a você e a Hay m itch. Além disso, quem sabe quando isso
vai durar?” diz.
O que ele quer dizer? A tem pestade? A breve trégua que ela trás para nós? Os próprios Gam es?
Não sei, m as estou m uito triste e cansada para perguntar.
É de tarde quando Peeta m e acorda. A chuva se tornou torrencial, m andando fluxos de água
através do nosso teto, onde houve apenas goteiras. Peeta colocou o pote de caldo sob a pior e
reposicionou o plástico para desviar a m aior parte de m im . Sinto-m e um pouco m elhor, capaz
de sentar sem ficar tão tonta, e estou absolutam ente fam inta. Assim está Peeta. Está claro que
ele esperou eu acordar para com er e está ávido para com eçar.
Há pouco restou m uito. Dois pedaços de ervas, um a pequena m istura de raízes, e um punhado
de frutas secas.
“Deverias racionar?” Peeta pergunta.
“Não, vam os acabá-lo. As ervas estão ficando velhas, de qualquer j eito, e a últim a coisa que
precisam os é ficar doente por causa de com ida estragada,” digo, dividindo a com ida em duas
pilhas iguais. Tentam os com er devagar, m as am bos estam os com tanta fom e que term inam os
em dois m inutos. Meu estôm ago não está satisfeito. “Am anhã é dia de caçar,” digo.
“Eu não vou ser de m uita aj uda nisso,” Peeta diz. “Nunca cacei antes.”
“Eu m ato e você cozinha,” digo. “E você pode sem pre colher.”
“Queria que existisse algum arbusto de pão por aí,” diz Peeta.
“O pão que m e m andaram do Distrito 11 ainda estava quente,” digo com um suspiro. “Aqui,
com a esses.” Dou a ele duas folhas de hortelã e coloco algum as na m inha boca.
É difícil até para ver a proj eção no céu, m as é claro o suficiente para saber que não houve
m ais m ortes hoj e. Então Cato e Thresh não saíram ainda.
“Para onde Thresh foi? Quero dizer, o que há do outro lado do círculo?” Pergunto a Peeta.
“Um cam po. Até o ponto que você pode ver é cheio de ervas tão altas quanto m eus om bros.
Não sei, talvez algum as delas tenham sem entes. Há partes de diferentes cores. Mas não há
trilhas,” diz Peeta.
“Aposto que algum as delas têm sem entes. Aposto que Thresh sabe quais, tam bém ,” digo.
“Você foi lá?”
“Não. Ninguém realm ente queria seguir Thresh naquelas ervas. Tem um a sensação sinistra lá.
Toda vez que olho para o cam po, tudo em que consigo pensar são coisas escondidas. Cobras,
anim ais raivosos, e areia m ovediça,” Peeta diz. “Pode haver qualquer coisa lá.” Não digo a
Peeta, m as suas palavras m e lem bram das advertências que dão a nós sobre não ir além da
cerca no Distrio 12. Não posso evitar, por um m om ento, com pará-lo a Gale, que veria aquele
cam po com o um a potencial fonte de com ida tanto quanto um a am eaça. Thresh certam ente
viu. Não é que Peeta sej a frágil, exatam ente, ele provou que não é covarde. Mas há coisa que
você não questiona tanto, acho, quando sua casa sem pre cheira com o um a fornada de pães,
enquanto que Gale questiona tudo. O que Peeta pensaria das brincadeiras irreverentes que
passam entre nós quando quebram os a lei todo dia? Iria chocá-lo? As coisas que dissem os
sobre Panem ? As desgraças de Gale contra o Capitol?
“Talvez haj a um arbusto de pão naquele cam po,” digo. “Talvez sej a por isso que Thresh
pareça m elhor alim entado agora do que quando com eçam os os Gam es.”
“Ou isso ou ele tem generosos patrocinadores,” diz Peeta. “Pergunto-m e o que nós teríam os de
fazer para conseguir que Hay m itch nos m ande algum pão.” Levanto m inhas sobrancelhas
antes de m e lem brar que ele não sabe sobre a m ensagem que Hay m itch nos enviou há duas
noites. Um beij o igual a um pote de caldo. Não é o tipo de coisa que posso deixar escapar,
tam pouco. Dizer m eus pensam entos em voz alta seria confessar para a audiência que esse
rom ance foi fabricado para brincar com suas sim patias e isso resultaria em nenhum a com ida.
De algum a form a aceitável, eu tenho de com eçar tudo de volta no cam inho certo. Algo
sim ples para com eçar. Estendo a m ão e tom o a dele.
“Bem , ele provavelm ente usou m uito recurso aj udando-m e a te desacordar,” digo de form a
travessa.
“Sim , sobre aquilo,” diz Peeta, entrelaçando seus dedos nos m eus. “Não tente algo com o aquilo
novam ente.”
“Ou o quê?” pergunto.
“Ou... ou...” Ele não pode pensar em nada bom . “Só m e dê um m inuto.”
“Qual é o problem a?” digo com um sorriso.
“O problem a é que nós dois estam os vivos. O que apenas reforça a ideia na sua cabeça de que
você fez a coisa certa,” diz Peeta.
“Eu fiz a coisa certa,” digo.
“Não! Só não, Katniss!” Seu aperto fica m ais forte, m achucando m inha m ão, e há raiva real
em sua voz. “Não m orra por m im . Você não vai m e fazer qualquer favor. Certo?” Estou
assustada com sua intensidade, m as reconheço um a excelente oportunidade de conseguir
com ida, então eu tento continuar. “Talvez eu tenha feito por m im m esm a, Peeta, você j á
pensou nisso? Talvez você não sej a o único que... que se preocupe com ... o que seria se...”
Eu m e atrapalho. Não sou tão boa com as palavras com o Peeta. E enquanto estou
conversando, a ideia de perder Peeta de verdade m e atinge novam ente e percebo o quanto não
quero que ele m orra. E não é sobre os patrocinadores. E não é sobre o que vai acontecer em
casa. E não é só porque eu queira ficar sozinha. É ele. Eu não quero perder o garoto com o
pão.
“Se o quê, Katniss?” ele diz suavem ente.
Eu gostaria de fechar as persianas, bloquear esse m om ento dos olhos curiosos de Panem .
Mesm o que isso signifique perder com ida. O que quer que eu estej a sentindo, não é problem a
de ninguém além de m im .
“Esse é exatam ente o tipo de tópico que Hay m itch m e disse para m e afastar,” digo
evasivam ente, em bora Hay m itch nunca tenha dito nada do tipo. De fato, ele provavelm ente
está m e am aldiçoando agora m esm o por deixar a bola cair durante tal m udança em ocional.
Mas Peeta de algum m odo percebe.
“Então tenho apenas de preencher os vazios eu m esm o,” diz, e se m ove para m im .
Esse é o prim eiro beij o em que am bos estam os totalm ente conscientes. Nenhum de nós m anco
por doença ou dor ou sim plesm ente inconsciente. Nossos lábios nem queim ando de febre ou
gelados. Esse é o prim eiro beij o com o qual sinto um a agitação dentro do m eu peito.
Quente e curiosa. Esse é o prim eiro beij o que m e faz querer outro.
Mas eu não consigo. Bem , eu consigo um segundo beij o, m as é apenas um suave na ponta do
m eu nariz, porque Peeta está distraído. “Acho que seu m achucado está sangrando de novo.
Venha, deite-se, é hora de se deitar, de qualquer m aneira,” diz.
Minhas m eias estão secas o bastante para usá-las agora. Faço Peeta colocar sua j aqueta de
volta. O frio úm ido parece m e cortar até m eus ossos, então ele deve estar m eio congelado.
Insisto em ficar na prim eira vigia, tam bém , em bora nenhum de nós pense que alguém virá
nesse tem po. Mas ele não vai aceitar a m enos que eu estej a com o saco, tam bém , e estou com
tantos calafrios que é inútil discutir.
Em contraste com duas noites atrás, quando sentia que Peeta estava a m ilhões de m ilhas de
distância, estou im pressionada com seu im ediatism o agora. Quando nos assentam os, ele puxa
m inha cabeça para usar seu braço com o travesseiro, e o outro fica sobre m im protetoram ente
m esm o quando ele vai dorm ir. Ninguém m e segurou dessa form a por um longo tem po. Desde
que m eu pai m orreu e eu parei de confiar na m inha m ãe, os braços de ninguém m e fizeram
sentir segurança.
Com a aj uda dos óculos, observo as cotas de água batendo no chão da caverna. Rítm ica e
tranquila. Várias vezes, eu cochilo brevem ente e então acordo de repente, culpada e furiosa
com igo m esm a. Depois de três ou quatro horas, não posso evitar, tenho de acordar Peeta
porque não posso m anter m eus olhos abertos. Ele não parece se im portar.
“Am anhã, quando estiver seco, vam os encontrar um lugar tão alto nas árvores em que am bos
possam os dorm ir em paz,” prom eto enquanto caio no sono.
Mas am anhã não é m elhor em term os de tem po. O dilúvio continua com o se os Gam em akers
tencionassem nos lavar. O trovão é tão poderoso que parece trem er o chão. Peeta está
considerando sair da caverna para procurar por com ida, m as digo a ele que nessa tem pestade
seria inútil. Ele não será capaz de ver um m etro ante seus olhos e apenas conseguirá ficar
m olhado até os ossos. Ele sabe que estou certa, m as a m ordida nos nossos estôm agos está se
tornando dolorosa.
O dia se transform a em noite e não há pausa no tem po. Hay m itch é nossa única esperança,
m as nada é im inente, ou por falta de dinheiro – tudo vai custar um a quantia exorbitante – ou
porque ele está insatisfeito com nossa perform ance. Provavelm ente o últim o. Eu seria a
prim eira a adm itir que não estam os exatam ente fascinantes hoj e. Privados de com ida, fracos
de ferim entos, tentando não reabrir as feridas. Estam os sentados aconchegados um no outro no
saco de dorm ir, sim , m as principalm ente para nos m anter quentes. A coisa m ais excitante que
fazem os é cochilar.
Não estou m uito certa de com o aum entar o rom ance. O beij o na noite passada foi ótim o, m as
trabalhar para outro vai levar algum a prem editação. Há garotas no Seam , algum as garotas
com erciantes, tam bém , tam bém , que navegam nessas águas facilm ente. Mas nunca tive m uito
tem po ou uso para isso. De qualquer form a, só um beij o não é m ais suficiente, porque se fosse
nós teríam os com ida noite passada. Meus instintos m e dizem que Hay m itch não está
procurando apenas afeição física, ele quer algo m ais pessoal. O tipo de coisa que ele estava
tentando conseguir que eu contasse sobre m im quando estávam os praticando para a entrevista.
Sou podre nisso, m as Peeta não é. Talvez a m elhor aproxim ação sej a fazer com que ele fale.
“Peeta,” digo suavem ente. “Você disse na entrevista que tinha um a queda por m im desde
sem pre. Quando o sem pre com eçou?”
“Ah, vam os ver. Acho que no prim eiro dia na escola. Tínham os cinco anos. Você usava um
vestido de lã verm elho e seu cabelo... estava em duas tranças em vez de um a. Meu pai apontou
para você quando estávam os esperando para o alinham ento,” Peeta diz.
“Seu pai? Por quê?” pergunto.
“Ele disse, ‘Vê aquela garota? Quis casar com a m ãe dela, m as ela fugiu de m im com um
m ineiro de carvão’,” Peeta diz.
“O quê? Você está brincando!” exclam o.
“Não, verdade,” Peeta diz. “E eu disse, ‘Um m ineiro de carvão? Porque ela quis um m ineiro
de carvão se poderia ter você?’ E ele disse, ‘Porque quando ele canta... até os pássaros param
para escutar’.”
“Isso é verdade. Eles param . Quero dizer, eles paravam ,” digo. Estou im pressionada e
surpreendentem ente m ovida, pensando no padeiro dizendo isso a Peeta. Golpeia em m im
m inha própria relutância em cantar, m inha própria dem issão de m úsica pode não ser porque
eu pensava que era um a perda de tem po. Pode ser porque m e lem bra tanto m eu pai.
“Então naquele dia, na assem bléia m usical, a professora perguntou quem sabia a canção do
vale. Sua m ão subiu logo no ar. Ela te levantou no banco e você cantou para nós. E j uro, todos
os pássaros do lado de fora da j anela ficaram em silêncio,” Peeta diz.
“Ah, por favor,” digo, rindo.
“Não, aconteceu. E logo quando sua m úsica term inou, eu soube – bem com o sua m ãe – que eu
estava perdido,” Peeta diz. “Então, pelos próxim os onze anos, tentei criar coragem para falar
com você.”
“Sem sucesso,” acrescento.
“Sem sucesso. Então, de algum m odo, m eu nom e sendo escolhido na colheita foi um a sorte,”
diz Peeta.
Por um m om ento, estou quase estupidam ente feliz e depois confusão m e varre. Porque nós
deveríam os estar fazendo isso, fingir estarm os apaixonados não é estarm os apaixonados. Mas a
história de Peeta tem um fundo de verdade. Essa parte sobre m eu pai e os pássaros. E eu
cantei no prim eiro dia na escola, em bora não m e lem bre da m úsica. E o vestido de lã
verm elho... havia um , passado para Prim depois da m orte do m eu pai.
Isso explicaria outra coisa, tam bém . Por que Peeta apanhou para m e dar o pão naquele dia
terrível. Então, se todos aqueles detalhes são verdade... poderia ser tudo verdade?
“Você tem um a... m em ória fora do com um ,” digo hesitante.
“Eu m e lem bro de tudo sobre você,” diz Peeta, colocando um a m echa solta do m eu cabelo
atrás do m eu ouvido. “Era você quem não prestava atenção.”
“Estou prestando agora,” digo.
“Bem , não tenho m uita concorrência aqui,” ele diz.
Quero m e afastar, fechar as portas outra vez, m as sei que não posso. É com o se eu ouvisse
Hay m itch sussurrando no m eu ouvido. “Diga! Diga!”
Engulo com força e as palavras saem . “Você não teve m uita concorrência em qualquer
lugar.” E dessa vez, sou eu quem se inclina.
Nossos lábios m al se tocam quando um som m etálico do lado de fora nos faz pular. Meu arco
sobe, a flecha j á preparada para voar, m as não há outro som . Peeta espreita através das
pedras, e então dá um berro. Antes que eu possa pará-lo, ele se abaixa na chuva, então estende
algo para m im . Um paraquedas prateado am arrado a um a cesta. Abro-a de um a vez e o que
há dentro é um banquete – pães, queij o de cabra, m açãs, e o m elhor de tudo, um a terrina com
um ensopado de cordeiro j unto com arroz. O prato que eu disse a Caesar Flickerm an que era a
coisa m ais im pressionante que o Capitol tinha a oferecer.
Peeta volta para dentro, seu rosto ilum inado com o o sol. “Acho que Hay m itch finalm ente
ficou cansado de nos observar m orrer de fom e.”
“Tam bém acho,” respondo.
Mas na m inha cabeça posso ouvir as palavras presunçosas, senão levem ente exasperadas,
“Sim , isso é o que eu estava procurando, querida.”
23
Cada célula do m eu corpo quer que eu m ergulhe no cozido e com a até m e satisfazer, j ogando
punhado atrás de punhado em m inha boca. Mas a voz de Peeta m e para. "É m elhor irm os com
calm a nesse cozido. Lem bra-se da prim eira noite no trem ? A com ida farta m e deixou doente e
eu não estava nem m esm o m orrendo de fom e, então."
"Você está certo. E eu poderia sim plesm ente inalar o negócio todo!" eu digo
arrependidam ente. Mas não o faço. Estam os m uito sensíveis. Cada um de nós pega um rolinho,
m etade de um a m açã, e um a porção do tam anho de um ovo de cozido e arroz. Eu m e forço a
com er o cozido em pequeninas colheradas – eles nós m andaram até m esm o talheres e pratos –
saboreando cada m ordida. Quando term inam os, eu encaro ansiosam ente o prato. "Eu quero
m ais."
"Eu tam bém . Te digo um a coisa. Esperam os um a hora, se continuar desse j eito, então nós nos
servim os de novo," diz Peeta.
"Acertado," eu digo. "Vai ser um a longa hora."
"Talvez não tanto," diz Peeta. "O que foi que você estava dizendo logo antes da com ida chegar?
Algo sobre m im ... nenhum a com petição... m elhor coisa que j á aconteceu com você..."
"Eu não m e lem bro dessa últim a parte," eu digo, esperando que estej a m uito turvo aqui para as
câm eras captarem m eu rubor.
"Ah, está certo. Isso era o que eu estava pensando," diz ele. "Chega m ais, eu estou congelando."
Eu abro espaço para ele no saco de dorm ir. Nós nos encostam os contra a parede da caverna, a
m inha cabeça em seu om bro, seus braços em volta de m im . Eu posso sentir Hay m itch m e
cutucando para continuar com o ato. "Então, desde que tínham os cinco, você nunca nem notou
outras garotas?" Eu lhe pergunto.
"Não, eu notei quase todas as garotas, m as nenhum a delas deixou um a im pressão duradoura,
só você," ele diz.
"Tenho certeza de que seus pais ficariam anim ados, você gostando de um a garota de Seam ,"
eu digo.
"Dificilm ente. Mas eu não poderia m e im portar m enos. De qualquer form a, se voltarm os,
você não será um a garota de Seam , você será um a garota da Vila dos Vitoriosos," ele diz.
Está certo. Se vencerm os, cada um irá ganhar um a casa na parte da cidade reservada para os
vitoriosos do Hunger Gam es. Há m uito tem po, quando os Gam es com eçaram , o Capitol
construíra um a dúzia de casas chiques em cada distrito. É claro, no nosso apenas um a está
ocupada. A m aioria das outras nunca teve m oradores.
Um pensam ento perturbador m e atinge. "Mas então, o nosso único vizinho será Hay m itch!"
"Ah, isso vai ser bom ," diz Peeta, apertando seus braços ao m eu redor. "Você e eu e
Hay m itch.
Muito acolhedor. Piqueniques, aniversários, longas noites de inverno ao redor da fogueira
recontando velhos contos do Hunger Gam es."
"Eu te disse, ele m e odeia!" eu digo, m as não posso deixar de rir com a im agem de Hay m itch
se tornando m eu novo am igo.
"Só às vezes. Quando ele está sóbrio, eu nunca o ouvi dizer um a coisa negativa sobre você," diz
Peeta.
"Ele nunca está sóbrio!" eu protesto.
"Está certo. Em quem estou pensando? Ah, sei. É Cinna quem gosta de você. Mas isso é
principalm ente porque você não tentou fugir quando ele botou fogo em você," diz Peeta. "Por
outro lado, Hay m itch... bem , se eu fosse você, eu evitaria Hay m itch com pletam ente. Ele te
odeia."
"Eu pensei que você tinha dito que eu era a sua favorita," eu digo.
"Ele m e odeia m ais," diz Peeta. "Eu não acho que as pessoas, de um m odo geral, sej am suas
coisas favoritas."
Eu sei que o público apreciará nós nos divertindo às custas de Hay m itch. Ele tem estado por
perto há tanto tem po, ele é praticam ente um velho am igo de alguns deles. E depois de seu
m ergulho de cabeça para fora do palco na colheita, todo m undo o conhece. A esta altura, eles
terão arrastado-o para fora da sala de controle para entrevistas sobre nós. Não há com o prever
que tipo de m entiras ele inventou. Ele tem um a espécie de desvantagem porque a m aioria dos
m entores tem um parceiro, um outro vencedor para aj udá-lo, enquanto que Hay m itch tem
que estar pronto para entrar em ação a qualquer m om ento. Meio que com o eu quando estava
sozinha na arena. Eu m e pergunto com o ele está aguentando, com a bebida, a atenção, e o
stress de tentar nos m anter vivos.
É engraçado. Hay m itch e eu não nos dam os bem em pessoa, m as talvez Peeta estej a certo
sobre nós serm os parecidos, porque ele parece ser capaz de se com unicar com igo pelo
sincronism o dos seus presentes.
Com o eu saber que tinha que estar perto de água quando ele a negou e com o eu sabia que o
xarope do sono não era apenas algo para aliviar a dor de Peeta e com o agora eu sei que eu
tenho que bancar o rom ance. Ele não fez m uito esforço para se conectar com Peeta, na
verdade. Talvez ele ache que um a tigela de caldo de carne seria apenas um a tigela de caldo de
carne para Peeta, enquanto eu veria as restrições que viriam com ela.
Um pensam ento m e atinge, e eu estou espantada que a pergunta tenha levado tanto tem po para
aparecer. Talvez sej a porque só recentem ente com ecei a ver Hay m itch com um grau de
curiosidade. "Com o você acha que ele fez isso?"
"Quem ? Fez o quê?" Peeta pergunta.
"Hay m itch. Com o você acha que ele ganhou os Gam es?" eu digo.
Peeta considera isto por um bom tem po antes de responder. Hay m itch é m uito robusto, m as
não tem um físico de se adm irar com o Cato ou Thresh. Ele não é particularm ente bonito. Não
da m aneira que faz com que patrocinadores façam chover presentes para você. E ele é tão
grosseiro, é difícil im aginar alguém unindo-se a ele. Há apenas um a m aneira de Hay m itch
poder ter vencido, e Peeta diz bem quando eu m esm a estou chegando a essa conclusão.
"Ele foi m ais esperto que os outros," diz Peeta.
Aceno, então deixo a conversa acabar. Mas secretam ente estou m e perguntando se Hay m itch
ficou sóbrio o suficiente para aj udar Peeta e eu porque achou que poderíam os ter a
inteligência para sobreviver.
Talvez ele nem sem pre tenha sido um bêbado. Talvez, no com eço, ele tentou aj udar os
tributos. Mas depois ficou insuportável. Deve ser um inferno ser m entor de duas crianças e
depois vê-las m orrer. Ano após ano após ano. Percebo que se eu sair daqui, isso se tornará o
m eu trabalho. Ser a m entora da m enina do Distrito 12. A ideia é tão repelente, eu a em purro
da m inha m ente.
Cerca de m eia hora se passa antes de decidir que tenho que com er de novo. O próprio Peeta
está com m uita fom e para discutir.
Enquanto eu estou servindo m ais duas pequenas porções de cozido de carneiro e arroz, nós
ouvim os o hino com eçar a tocar. Peeta pressiona seus olhos contra um a fenda na rocha para
ver o céu.
"Não haverá nada para ver hoj e à noite," eu digo, m uito m ais interessada no cozido do que o
céu. "Nada aconteceu ou nós teríam os ouvido um canhão."
"Katniss," Peeta diz calm am ente.
"O quê? Devem os dividir outro rolinho, tam bém ?" Eu pergunto.
"Katniss," ele repete, m as eu m e encontro querendo ignorá-lo.
"Eu vou dividir um . Mas eu vou poupar o queij o para am anhã," eu digo. Vej o Peeta olhando
para m im . "O quê?"
"Thresh está m orto," diz Peeta.
"Ele não pode estar," eu digo.
"Eles devem ter disparado o canhão durante o trovão e nós perdem os," diz Peeta.
"Você tem certeza? Quer dizer, está chovendo canivetes lá fora. Eu não sei com o você
consegue ver algum a coisa," eu digo. Eu o afasto das rochas e esprem o m eus olhos para o céu
escuro e chuvoso. Por cerca de dez segundos, eu vislum bro um a im agem distorcida de Thresh
e então ele se vai. Bem assim .
Eu desm orono pelas rochas, esquecendo m om entaneam ente da tarefa às m ãos. Thresh está
m orto. Eu deveria estar feliz, certo?
Menos um tributo a encarar. E um poderoso tam bém . Mas eu não estou feliz. Tudo em que
posso pensar é em Thresh m e deixando ir, deixando-m e correr por causa da Rue, que m orreu
com aquela lança em seu estôm ago...
"Você está bem ?" pergunta Peeta.
Eu dou de om bros evasivam ente e seguro m eus cotovelos com as m inhas m ãos, abraçando-os
perto do m eu corpo. Eu tenho que enterrar a dor verdadeira, porque quem vai apostar em um
tributo que fica choram ingando a m orte de seus adversários? Rue era um a coisa. Éram os
aliadas. Ela era tão j ovem . Mas ninguém vai entender a m inha tristeza pelo assassinato de
Thresh. A palavra m e para bruscam ente. Assassinato! Felizm ente, eu não disse em voz alta.
Isso não vai m e ganhar nenhum ponto na arena. O que eu digo é, "É só que... se não
ganhássem os... Eu queria que Thresh ganhasse. Porque ele m e deixou ir. E por causa da Rue."
"Sim , eu sei," diz Peeta. "Mas isso significa que estam os um passo m ais perto do Distrito Doze."
Ele em purra um prato de com ida nas m inhas m ãos. "Com a. Ainda está quente."
Eu dou um a m ordida no cozido para m ostrar que eu realm ente não m e im porto, m as é com o
cola na m inha boca e é um grande esforço engolir. "Significa tam bém que Cato vai voltar a
nos caçar."
"E ele tem suprim entos de novo," diz Peeta.
"Ele estará ferido, eu aposto," eu digo.
"O que te faz dizer isso?" Peeta pergunta.
"Porque Thresh nunca teria sucum bido sem um a luta. Ele é tão forte, quero dizer, ele era. E
eles estavam em seu território," eu digo.
"Que bom ," diz Peeta. "Quanto m ais Cato estiver ferido, m elhor. Eu m e pergunto com o a
Foxface está se virando."
"Oh, ela está bem a," eu digo irritada. Eu ainda estou com raiva que ela pensou em se esconder
na Cornucópia e eu não. "Provavelm ente será m ais fácil pegar Cato do que ela."
"Talvez eles irão se pegar nós poderem os sim plesm ente ir para casa," diz Peeta. "Mas é
m elhor term os cuidado extra com as vigilâncias. Eu cochilei algum as vezes."
"Eu tam bém ," eu adm ito. "Mas não hoj e."
Nós term inam os nossa com ida em silêncio e depois Peeta se oferece para ficar com a
prim eira vigilância. Eu m e enterro profundam ente no saco de dorm ir ao lado dele, puxando
m eu capuz sobre o m eu rosto para escondê-lo das câm eras. Eu só preciso de alguns m om entos
de privacidade onde eu posso deixar qualquer em oção cruzar o m eu rosto sem ser vista. Sob o
capuz, eu silenciosam ente digo adeus ao Thresh e agradeço-lhe pela m inha vida. Eu prom eto
m e lem brar dele e, se eu puder, fazer algo para aj udar sua fam ília e a de Rue, se eu ganhar.
Então eu escapo para o sono, confortável por um a barriga cheia e o calor constante de Peeta
ao m eu lado.
Quando Peeta m e acorda m ais tarde, a prim eira coisa que eu registro é o cheiro de queij o de
cabra. Ele está segurando m etade de um rolinho aberto com o negócio branco crem oso e
coberto com fatias de m açã. "Não fique brava," diz ele. "Eu tive que com er de novo. Aqui está
a sua m etade."
"Oh, bom ,” eu disse, im ediatam ente dando um a m ordida enorm e. O queij o gordo e forte tem
gosto daqueles que a Prim faz, as m açãs são doces e crocantes. "Hm m ."
"Fazem os um a torta de queij o de cabra e m açã na padaria," diz ele.
"Aposto que é caro," eu digo.
“Caro dem ais para a m inha fam ília com er. A não ser que tenha ficado m uito estragado. É
claro, praticam ente tudo o que com em os é estragado," diz Peeta, puxando o saco de dorm ir
em torno dele. Em m enos de um m inuto, ele está roncando.
Hum . Eu sem pre assum i que os loj istas tinham um a vida m ole.
E é verdade, Peeta sem pre teve o suficiente para com er. Mas é m eio deprim ente ter que viver
sua vida de pão dorm ido, das fornadas duras e secas que ninguém m ais queria. Um a coisa
sobre nós, j á que trago a nossa com ida para casa diariam ente, é que a m aioria está tão fresca
que você tem que se certificar de que ela não vai fugir.
Em algum m om ento durante o m eu turno, a chuva para, não gradualm ente, m as de um a vez
só. O aguaceiro acaba e há apenas os gotej am entos residuais de água dos galhos, a pressa do
córrego agora transbordando abaixo de nós. Um a linda lua cheia em erge, e m esm o sem os
óculos eu posso ver o lado de fora. Eu não consigo decidir se a lua é real ou apenas um a
proj eção dos Gam em akers. Eu sei que estava cheia pouco antes de sair de casa. Gale e eu
assistim o-a subir à m edida que caçavam os nas horas tardias.
Quanto tem po eu estive fora? Suponho que se passaram cerca de duas sem anas na arena, e
houve aquela sem ana de preparação em Capitol. Talvez a lua tenha com pletado seu ciclo.
Por algum a razão, eu quero m uito que sej a a m inha lua, a m esm a que eu vej o da floresta em
torno do Distrito 12. Isso m e daria algo para m e agarrar no m undo surreal da arena onde a
autenticidade de tudo deve ser duvidada.
Quatro de nós restantes.
Pela prim eira vez, perm ito-m e realm ente pensar na possibilidade de que poderia voltar para
casa. Para a fam a. Para a riqueza. Para m inha própria casa na Vila dos Vitoriosos. Minha m ãe
e Prim viveriam lá com igo. Nada m ais de m edo da fom e. Um novo tipo de liberdade. Mas
então... o quê? Com o seria a m inha vida diária? A m aior parte dela foi consum ida com a
aquisição de com ida. Tire isso e eu não tenho m uita certeza sobre quem eu realm ente sou, qual
é a m inha identidade. A ideia m e assusta um pouco. Penso em Hay m itch com todo o seu
dinheiro. O que sua vida se tornou? Ele vive sozinho, sem esposa ou filhos, a m aior parte de
seus horas despertas ele está bêbado. Eu não quero acabar assim .
"Mas você não estará sozinha," eu sussurro para m im m esm a. Eu tenho m inha m ãe e Prim .
Bem , por enquanto. E depois... eu não quero pensar no depois, quando Prim tiver crescido,
m inha m ãe falecido. Eu sei que nunca vou m e casar, nunca arriscarei trazer um a criança ao
m undo. Porque se há um a coisa que ser um vitorioso não garante, é a segurança de seus filhos.
Os nom es dos m eus filhos iriam direto para as bolas de colheita com o os de todo m undo. E eu
j uro que nunca vou deixar que isso aconteça.
O sol eventualm ente nasce, sua luz deslizando pelas fendas e ilum inando o rosto de Peeta. Em
quem ele vai se transform ar se voltarm os para casa? O garoto desconcertante e de bom
caráter que pode prolongas m entiras tão convincentes que toda a Panem acredita que ele é
perdidam ente apaixonado por m im , e, adm ito, há m om entos em que ele m e faz acreditar
nisso? Pelo m enos, serem os am igos, eu penso. Nada m udará o fato de que salvam os as vidas
uns dos outros aqui. E além disso, ele será sem pre o m enino com o pão. Bons am igos.
Qualquer coisa além disso, contudo... e sinto os olhos cinzentos de Gale observando eu observar
Peeta, lá no Distrito 12.
Desconforto m e faz m over. Eu m e aproxim o m ais e chacoalho o om bro de Peeta. Seus olhos
se abrem sonolentam ente e quando se concentram em m im , ele m e puxa para um longo beij o.
"Estam os perdendo tem po de caça," eu digo quando finalm ente rom po o beij o.
"Eu não cham aria isso de desperdício," diz ele se esticando bastante enquanto se senta. "Então
caçam os de estôm ago vazio para nos dar um a vantagem ?"
"Nós não," eu digo. "Nós nos entupim os para nos dar poder de resistência."
"Conte com igo," diz Peeta. Mas posso ver que ele fica surpreso quando divido o resto do cozido
e do arroz e dou-lhe um prato com pleto. "Tudo isso?"
"Nós ganharem os isso de volta hoj e," eu digo, e am bos avançam os em nossos pratos. Mesm o
frio, é um a das m elhores coisas que eu j á provei. Eu abandono o m eu garfo e raspo os últim os
punhados de m olho com o m eu dedo. "Eu posso sentir Effie Trinket estrem ecendo com a
m inha educação."
"Ei, Effie, vej a isso!" diz Peeta. Ele j oga seu garfo por cim a do om bro e literalm ente lam be o
prato até ficar lim po com a língua, fazendo sons altos de satisfação. Então ele sopra um beij o
pra ela e grita, "Nós sentim os sua falta, Effie!"
Eu cubro a boca com a m ão, m as estou rindo. "Pare! Cato pode estar logo do lado de fora de
nossa caverna."
Ele pega a m inha m ão. "O que m e im porta? Eu tenho você para m e proteger agora," diz Peeta,
puxando-m e para ele.
"Vam os," eu digo exasperada, desem baraçando-m e do seu aperto, m as não antes que ele
receba outro beij o.
Um a vez que em balam os tudo e estam os do lado de fora de nossa caverna, o nosso hum or
m uda para um sério. É com o se, pelos últim os dias, protegidos pelas rochas e da chuva e da
preocupação de Cato com Thresh, nos foi dado um a pausa, um a espécie de férias. Agora,
em bora o dia estej a ensolarado e quente, am bos sentim os que estam os realm ente de volta nos
Gam es. Eu entrego m inha faca para Peeta, j á que quaisquer arm as que ele j á possuíra se
foram há m uito, e ele desliza-as para seu cinto. Minhas últim as sete flechas - das doze eu
sacrifiquei três na explosão, duas no banquete - chocalham um pouco perdidas na alj ava. Eu
não posso m e dar ao luxo de perder m ais.
"Ele estará nos caçando agora," diz Peeta. "Cato não é um de esperar sua presa passar por
perto."
"Se ele estiver ferido-" eu com eço.
"Não im portará," Peeta interrom pe. "Se ele puder se m over, ele está vindo."
Com toda a chuva, o córrego invadiu suas m argens em vários m etros de cada lado. Param os lá
para repor a nossa água. Eu verifico as arm adilhas que m ontei dias atrás e fico sem nada. Não
é de se estranhar com esse tem po. Além do m ais, eu não vi m uitos anim ais ou sinais deles
nesta área.
"Se querem os com ida, é m elhor voltarm os ao m eu antigo território de caça," eu digo.
"Você que m anda. Apenas m e diga o que você precisa que eu faça," diz Peeta.
"Fique de olho," eu digo. "Fica nas pedras o tanto quanto possível, não há sentido em deixar-lhe
pistas para seguir. E ouça por nós dois." Está claro, a este ponto, que a explosão destruiu a
audição na m inha orelha esquerda de vez.
Eu andaria na água para cobrir as nossas pistas com pletam ente, m as não tenho certeza se a
perna do Peeta poderia aguentar a corrente. Em bora os rem édios tenham apagado a infecção,
ele ainda está m uito fraco. Minha testa dói ao longo do corte da faca, m as depois de três dias o
sangram ento parou. Eu uso um a bandagem em volta da m inha cabeça, contudo, apenas no
caso do esforço físico fazer ela voltar.
À m edida enquanto nos dirigim os ao lado do córrego, passam os pelo lugar onde eu encontrei
Peeta cam uflado nas ervas daninhas e lam a. Um a coisa boa, entre a chuva e as m argens
inundadas, é que todos os sinais de seu esconderij o foram elim inados. Isso significa que, se for
necessário, podem os voltar à nossa caverna. Caso contrário, eu não arriscaria com Cato atrás
de nós.
Os pedregulhos dim inuem para rochas que eventualm ente viram pedrinhas, e então, para m eu
alívio, estam os de volta para folhas de pinheiro e a inclinação gentil do chão da floresta. Pela
prim eira vez, percebo que tem os um problem a. Navegando pelo terreno rochoso com um a
perna ruim - bem , você naturalm ente irá fazer algum ruído. Mas m esm o na cam a lisa de
folhas, Peeta é barulhento. E eu quero dizer barulhento barulhento, com o se ele estivesse
pisando forte ou algo assim . Eu m e viro e olho para ele.
"O quê?" ele pergunta.
"Você tem que m over-se m ais silenciosam ente,” eu digo. "Esqueça o Cato, você está
espantando cada coelho em um raio de dezesseis quilôm etros."
"Sério?" ele diz. "Desculpe, eu não sabia."
Então, com eçam os de novo e ele está um pouquinhozinho m elhor, m as m esm o com apenas
um a orelha funcionando, ele está m e fazendo pular.
"Você pode tirar as suas botas?" eu sugiro.
"Aqui?" ele pergunta ele incrédulo, com o se eu tivesse lhe pedido para andar descalço sobre
brasas ou algo assim . Eu tenho que m e lem brar que ele ainda não está acostum ado com a
floresta que é o lugar assustador e proibido para além das cercas do Distrito 12. Eu penso em
Gale, com seu piso de veludo. É assom broso o quão pouco som ele produz, m esm o quando as
folhas caíram e é um desafio m over-se sem espantar a caça. Tenho certeza de que ele está
rindo lá em casa.
"Sim ," eu disse pacientem ente. "Eu tam bém tirarei. Dessa form a, nós dois vam os ficar m ais
silenciosos." Com o se eu estivesse fazendo barulho. Assim am bos nos livram os de nossas botas
e m eias e, enquanto há algum a m elhora, eu poderia j urar que ele está fazendo um esforço
para quebrar cada ram os que encontram os.
Não é preciso dizer que, em bora tenham se passado várias horas para chegar ao m eu antigo
acam pam ento com a Rue, eu não atirei em nada. Se a corrente se acalm asse, peixes poderiam
ser um a opção, m as a correnteza ainda é m uito forte. Enquanto param os para descansar e
beber água, eu tento encontrar um a solução. Idealm ente, eu despej aria Peeta agora com
algum a tarefa sim ples de coletar raízes e iria caçar, m as então ele ficaria com apenas um a
faca para se defender contra as lanças e a força superior de Cato. Então o que eu realm ente
gostaria é tentar escondê-lo num lugar seguro, então ir caçar e voltar e recolhê-lo.
Mas tenho a sensação de que seu ego não vai aceitar essa sugestão.
"Katniss," diz ele. "Nós precisam os nos dividir. Eu sei que estou espantando a caça."
"Só porque sua perna está m achucada," eu digo com generosidade, porque, realm ente, dá pra
dizer que isso é apenas um a pequena parte do problem a.
"Eu sei," ele diz. "Então, por que você não segue em frente? Mostre-m e algum as plantas para
coletar e dessa m aneira am bos serem os úteis."
“Não se o Cato vier e te m atar." Eu tentei dizer isso de um a m aneira agradável, m as ainda soa
com o se eu achasse que ele é fraco.
Surpreendentem ente, ele apenas ri. "Olha, eu posso lidar com o Cato. Lutei com ele antes, não
lutei?"
É, e isso deu m uito certo. Você acabou m orrendo em um a orla de lam a. É o que eu quero
dizer, m as não posso. Ele realm ente salvou m inha vida ao lutar contra o Cato, afinal. Eu tento
outra tática. "E se você subir em um a árvore e agisse com o vigia enquanto eu caço?" eu digo,
tentando fazer isso soar com o um trabalho m uito im portante.
"E se você m e m ostrar o que é com estível por aqui e ir nos buscar um pouco de carne?" diz
ele, im itando m eu tom . "Só não vá longe, no caso de precisar de aj uda."
Eu suspiro e m ostro-lhe algum as raízes para cavar. Nós precisam os m esm o de alim entos, sem
dúvida. Um a m açã, dois rolinhos, e um pedaço de queij o do tam anho de um a am eixa não vão
durar m uito. Vou sim plesm enter cam inhar por um a curta distância e esperar que Cato estej a
longe.
Ensino-lhe um assobio de pássaro - não um a m elodia com o o da Rue, m as um assobio sim ples
de duas notas - que podem os usar para nos com unicarm os que estam os bem . Felizm ente, ele é
bom nisso. Deixando-o com a m ochila, eu saio.
Eu sinto que tenho onze novam ente, presa não à segurança da cerca, m as a Peeta, perm itindo-
m e dezoito, talvez vinte e sete m etros de espaço para caçar. Longe dele, porém , a floresta fica
viva com sons de anim ais. Tranquilizada por seus assobios periódicos, perm ito-m e derivar para
m ais longe, e logo tenho dois coelhos e um esquilo gordo para exibir. Eu decido que é o
suficiente. Eu posso colocar arm adilhas e talvez conseguir alguns peixes. Com as raízes de
Peeta, isto será o suficiente por hora.
Enquanto eu volto a curta distância, percebo que trocam os sinais faz um tem po. Quando o m eu
assobio não recebe nenhum a respostas, eu corro. Rapidam ente, eu encontro a m ochila, um
arrum ado m onte de raízes ao lado. A folha de plástico foi colocada no terreno onde o sol pode
atingir a única cam ada de bagas que ela cobre. Mas onde está ele?
"Peeta!" eu cham o em pânico. "Peeta!" Eu m e viro para o farfalhar de folhas e quase m ando
um a flecha por ele. Felizm ente, eu puxo m eu arco no últim o segundo e fica preso em um
tronco de carvalho a sua esquerda. Ele salta para trás, atirando um punhado de bagas na
folhagem .
Meu m edo sai com o raiva. "O que você está fazendo? Você deveria estar aqui, não correndo
pela floresta!"
"Eu encontrei algum as bagas correnteza abaixo," diz ele, claram ente confuso com a m inha
explosão.
"Eu assobiei. Por que você não assobiou de volta?" eu repreendo-o.
"Eu não ouvi. A água está m uito alta, acho," diz ele. Ele cruza e coloca suas m ãos sobre m eus
om bros. É quando sinto que estou trem endo.
"Eu pensei que Cato tinha te m atado!" eu quase grito.
"Não, eu estou bem ." Peeta envolve seus braços em volta de m im , m as eu não respondo.
"Katniss?"
Eu em purro, tentando entender m eus sentim entos. "Se duas pessoas concordam em um sinal,
elas ficam por perto. Porque se um deles não responde, eles estão em apuros, está certo?"
"Está certo!" ele diz.
"Está certo. Porque foi isso que aconteceu com a Rue, e eu assisti ela m orrer!" eu digo. Viro-
m e para longe dele, vou até a m ochila e abro um a garrafa de água fresca, apesar de ainda ter
um pouco na m inha. Mas não estou pronto para perdoá-lo. Eu observo a com ida. Os rolinhos e
as m açãs estão intocados, m as alguém pegou definitivam ente parte do queij o. "E você com eu
sem m im !" Eu realm ente não m e im porto, eu só quero algo pelo que ficar brava.
"O quê? Não, eu não com i," diz Peeta.
"Ah, e suponho que as m açãs com eram o queij o," eu digo.
"Eu não sei o que com eu o queij o," Peeta diz devagar e claram ente, com o se estivesse
tentando não perder a paciência, "m as não foi eu. Eu estive correnteza abaixo coletando bagas.
Você gostaria de algum as?"
Eu quero, na verdade, m as eu não quero ceder tão cedo. Mas eu ando até lá e olho para elas.
Eu nunca vi esse tipo antes.
Não, j á vi. Mas não na arena. Estas não são as bagas da Rue, em bora elas se pareçam .
Tam bém não são iguais as que eu aprendi sobre no treinam ento. Eu m e inclino e apanho
algum as, rolando-as entre m eus dedos.
A voz de m eu pai volta para m im . "Estas não, Katniss. Nunca estas. Elas são nightlock* . Você
estará m orta antes que atinj am o seu estôm ago."
* a palavra ‘nightlock’ foi criada pela autora, usando a j unção dos nom es ‘nightshade’
(j urubeba) + ‘hem lock’ (pinheiro do Canadá), am bas plantas extrem am ente venenosas.
Bem então, o canhão dispara. Eu m e viro bruscam ente, esperando que Peeta colapse no chão,
m as ele apenas levanta suas sobrancelhas. O aerobarco aparece a noventa m etros, m ais ou
m enos, de distância. O que sobrou do corpo em agrecido de Foxface é levantado no ar. Eu
posso ver o brilho verm elho dos seus cabelos ao sol.
Eu deveria ter sabido no m om ento em que vi o queij o desaparecido...
Peeta pegou-m e pelo braço, em purrando-m e na direção de um a árvore. "Escale. Ele estará
aqui em um segundo. Terem os um a m elhor chance lutando contra ele de cim a."
Eu o paro, de repente calm a. "Não, Peeta, ela foi m atança sua, não do Cato.”
"O quê? Eu nem sequer a vi desde o prim eiro dia," diz ele. "Com o eu poderia tê-la m atado?"
Em resposta, seguro as bagas.
24
Leva algum tem po para explicar a situação para Peeta. Com o Foxface roubou a com ida da
pilha de suprim entos antes de eu explodi-la, com o ela tentou tirar o bastante para ficar viva,
m as não o suficiente para alguém notar, com o ela não questionaria a natureza das bagas se nós
estivéssem os preparando-nos para com ê-las.
“Pergunto-m e com o ela nos encontrou,” diz Peeta. “Minha culpa, eu acho, se eu estava tão
barulhento com o você diz.”
Estávam os tão difíceis de seguir quanto um rebanho de gado, m as tento ser gentil. “E ela é
esperta, Peeta. Bem , ela era. Até você superá-la.”
“Não de propósito. Não parece j usto de form a algum a. Quero dizer, nós estaríam os m ortos,
tam bém , se ela não tivesse com ido as bagas antes.” Ele se corrige. “Não, claro, não
estaríam os. Você as reconheceria, não?”
Assinto. “Nós as cham am os de fechos da noite.”
“Até o nom e soa m ortal,” diz. “Sinto m uito, Katniss. Eu realm ente pensei que elas pareciam as
m esm as que você j untou.”
“Não se desculpe. Isso significa que estam os um passo m ais perto de casa, certo?” pergunto.
“Vam os acabar com o resto,” Peeta diz. Ele recolhe um a folha de plástico azul,
cuidadosam ente colocando as bagas dentro, e vai j ogá-las na floresta.
“Espera!” grito. Encontro a bolsa de couro que pertencia ao garoto de Distrito 1 e encho-a com
punhados de bagas do plástico. “Se elas enganaram Foxface, talvez possam enganar Cato
tam bém . Se ele estiver nos caçando ou algo assim , podem os agir com o se acidentalm ente
derrubam os a bolsa, e se ele as com er –”
“Então olá Distrito Doze,” Diz Peeta.
“Isso,” digo, prendendo a bolsa no m eu cinto.
“Ele vai saber onde estam os agora,” diz Peeta. “Se ele estava em algum lugar por perto e viu o
aerobarco, vai saber que nós a m atam os e virá atrás de nós.” Peeta está certo. Essa pode ser a
oportunidade que Cato esteve esperando. Mas m esm o se correm os agora, há carne para
cozinhar e nosso fogo vai ser outro sinal da nossa localização.
“Vam os fazer fogo. Agora.” Com eço a j untar ram os e galhos.
“Você está pronta para encará-lo?” Peeta pergunta.
“Estou pronta para com er. Melhor cozinhar nossa com ida enquanto tem os chance. Se ele
souber que estam os aqui, ele sabe. Mas ele tam bém sabe que há dois de nós e provavelm ente
assum a que estam os caçando Foxface. Isso significa que você se recuperou. E o fogo significa
que não estam os nos escondendo, estam os convidando-o. Você se m ostraria?” pergunto.
“Talvez não,” ele diz.
Peeta é um diabo com o fogo, tentando trazer cham a da m adeira úm ida. Num piscar de olhos,
tenho coelhos e esquilos torrando, as raízes, m isturadas com folhas, cozinhando na brasa.
Tom am os turnos de j untar verduras e vigiar por causa de Cato, m as com o eu antecipei, ele
não aparece.
Quando a com ida está pronta, eu guardo a m aior parte, deixando para nós a perna do coelho
para com erm os enquanto cam inham os.
Quero ir m ais alto na floresta, subir um a boa árvore, e fazer acam pam ento para a noite, m as
Peeta resiste. “Não posso subir com o você, Katniss, especialm ente com m inha perna, e não
acho que poderia dorm ir a quinze m etros do chão.”
“Não é seguro ficar em aberto, Peeta,” digo.
“Não podem os voltar para a caverna?” ele pergunta. “É perto da água e fácil para se
defender.”
Suspiro. Várias horas m ais de cam inhada – ou deveria dizer estrondo – através da floresta para
chegar até a área que tivem os de deixar de m anhã para caçar. Mas Peeta não pede por m uito.
Ele seguiu m inhas instruções todo dia e tenho certeza de que, se fosse o contrário, ele não m e
faria passar a noite num a árvore. Percebo que não fui m uito boa com Peeta hoj e. Im plicando
com quão barulhento ele era, gritando com ele sobre desaparecer. O rom ance divertido que
sustentam os na caverna desapareceu no aberto, sob o sol quente, com a am eaça de Cato sobre
nós. Hay m itch deve estar irritado com igo. E quanto à audiência...
Eu m e estico e dou a ele um beij o. “Claro. Vam os voltar para a caverna.” Ele parece satisfeito
e aliviado. “Bem , essa foi fácil.” Tiro m inha flecha do carvalho, com cuidado para não
danificar a ponta. Essas flehas são a com ida, segurança, e vida por si só agora.
Jogam os um pouco m ais de m adeira no fogo. Isso deve lançar fum aça por m ais algum as
horas, em bora eu duvide que Cato assum a algum a coisa a esse ponto. Quando chegam os ao
riacho, vej o que a água tem dim inuído consideravelm ente e que se m ove num ritm o lento,
então voltam os para ele. Peeta está feliz pelo favor e, visto que ele é m uito m ais silencioso na
água que na terra, é um a boa idéia. É um a longa cam inhada para a caverna, entretanto,
m esm o descendo, m esm o com o coelho dos dando im pulso. Am bos estam os exaustos pela
m archa de hoj e e ainda m al alim entados. Mantenho m eu arco carregado, am bos para Cato e
qualquer peixe que possa ver, m as o riacho para estranham ente vazio de criaturas.
Quando alcançam os nosso destino, nossos pés estão pesados e o sol desce no horizonte.
Enchem os nossas garrafas de água e subim os a pequena inclinação para nosso esconderij o.
Não é m uito, m as fora daqui é um a im ensidão, e isso é a coisa m ais próxim a que tem os de
um a casa. Será m ais quente que um a árvore, tam bém , porque provê algum abrigo do vento
que com eçou a vir continuam ente do oeste. Coloco um bom j antar, m as Peeta m eio que
com eça a cochilar. Depois de dias de inércia, a caçada tom ou seu pedágio. Mando-o ir para o
saco de dorm ir e guardo o resto da sua com ida para quando ele acordar. Ele dorm e
im ediatam ente. Puxo o saco de dorm ir até seu queixo e beij o sua testa, não para a audiência,
m as para m im . Porque estou tão grata de ele ainda estar aqui, não m orto no rio com o eu
pensei. Tão grata por não ter de encarar Cato sozinha.
O brutal e sanguinário Caro, que pode quebrar um pescoço com o giro de seu braço, que tem o
poder de superar Thresh, que se destacou para m im desde o início. Ele provavelm ente tem um
ódio especial por m im desde quando o superei no treinam ento. Um garoto com o Peeta iria
apenas encolher os om bros por isso. Mas tenho a sensação de que Cato levou a distração. O
que não é difícil. Peno na sua ridícula reação ao encontrar os suprim entos explodidos. Os
outros estavam irritados, é claro, m as ele estava com pletam ente louco. Pergunto-m e agora se
Cato não é inteiram ente são.
O céu se ilum ina com o selo, e observo Foxface brilhar no céu e então desaparecer do m undo
para sem pre. Ele não disse, m as não acho que Peeta se sentiu bem a m atando, m esm o sendo
essencial. Não posso fingir que sinto falta dela, m as tenho de adm irá-la. Acho que, se eles
tivessem nos dado algum tipo de teste, ela teria sido a m ais esperta de todos os tributos. Se, de
fato, nós tivéssem os colocado um a arm adilha para ela, aposto que ela teria percebido e fugido
das bagas. Foi a própria ignorância de Peeta que a trouxe para baixo. Passou m uito tem po
tendo certeza de subestim ar m eus oponentes que esqueci que superestim á-los é tão perigoso
quanto.
O que m e trás de volta para Cato. Mas enquanto penso que com preendo Foxface, quem ela era
e com o ela operava, ele é um pouco m ais escorregadio. Poderoso, bem treinado, m as espeto?
Não sei. Não com o ela era. E totalm ente sem a falta de controle que Foxface dem onstrava.
Acredito que Cato pode facilm ente perder seu j ulgam ento com o aj uste de tem peratura. Não
que eu m e sinta superior nesse ponto. Penso no m om ento em que m andei a flecha voando até
a m açã na boca do porco quando estava tão irada. Talvez eu entenda Cato m elhor do que
penso.
Apesar da fadiga no m eu corpo, m inha m ente está alerta, então deixo Peeta dorm ir m ais que o
usual. De fato, um suave dia cinzento com eça quando balanço seu om bro. Ele olha, quase em
alarm e. “Eu dorm i a noite toda. Isso não é j usto, Katniss, você deveria ter m e acordado.” Eu
m e estico e entro na bolsa. “Vou dorm ir agora. Acorde-m e se algo interessante acontecer.”
Aparentem ente nada acontece, porque quando abro m eus olhos, a luz gente e brilhante da
tarde atravessa as pedras. “Nenhum sinal do nosso am igo?” pergunto.
Peeta balança a cabeça. “Não, ele está m antendo um preocupante perfil baixo.”
“Quando tem po você pensa que terem os antes que os Gam em akers nos una?” pergunto.
“Bem , Foxface m orreu há quase um dia, então há deu tem po para a audiência fazer suas
apostas e ficar entediada. Acho que pode acontecer a qualquer m om ento,” diz Peeta.
“Sim , tenho o pressentim ento de que hoj e é o dia,” digo. Sento-m e e olho para o terreno
pacífico. “Pergunto-m e com o eles vão fazer.”
Peeta perm anece em silêncio. “Não há nenhum a boa resposta.
“Bem , até eles fazerem , não tem sentido perder tem po caçando hoj e. Mas provavelm ente
iram os com er o que puderm os para o caso de acontecer problem as,” digo.
Peeta guarda nossas ferram entas enquanto preparo um a grande refeição. O resto dos coelhos,
raízes, verduras, e pedaços com o últim o pedaço de queij o. A única coisa que deixo de reserva
é o esquilo e a m açã.
Quando term inam os, tudo que resta é um a pilha de ossos do coelho. Minhas m ãos estão
engorduradas, o que faz crescer m inha sensação de im undice. Talvez nós não tem os banho
diariam ente em Seam , m as nos m antem os m ais lim pas do que isso. Exceto pelos m eus pés,
que andaram no riacho, estou coberta de um a cam ada de suj eira.
Deixar a caverna dá um a sensação de finalização. Não acho que haverá outra noite na arena
de m odo algum . De um m odo ou outro, m orta ou vida, tenho o pressentim ento de que vou
escapar hoj e. Dou as rochas um tapinha de adeus, e vam os para o rio para nos lavar. Posso
sentir m inha pele, com ichando com a água fria. Posso fazer m eu cabelo e fazer um a trança.
Estou m e perguntando se devem os ser capaz de dar num a rápida esfregada nas nossas roupas
quando chegam os ao riacho. Ou o que costum ava ser um riacho. Agora há apenas um a cam a
de ossos secos. Toco o chão para senti-lo.
“Nem m esm o um pouco úm ido. Eles devem ter drenado-o enquanto dorm íam os.” Digo. Um
m edo de língua rachada, corpo dolorido e m ente confusa trazida pela m inha desidratação
passada desliza na m inha consciência. Nossas garrafas e peles estão bem cheias, m as com dois
goles e nesse sol quente não vai levar m uito tem po para acabá-las.
“A lagoa,” diz Peeta. “É para onde querem que nós nos dirij am os.”
“Talvez os lagos ainda tenham algum a água,” digo esperançosam ente.
“Podem os verificar,” diz, m as ele está apenas m e anim ando. Estou tentando m e anim ar,
porque sei o que encontrarei quando retornarm os para o lago onde m olhei m inha perna. A
boca aberta e em poeirada de um buraco. Mas fazem os a viagem de qualquer j eito, apenas
para confirm ar o que nós j á sabem os.
“Você está certo. Eles estão nos dirigindo para a lagoa,” digo. Onde não há cobertura. Onde
eles garantiram um a luta sangrenta até a m orte, com o nada para bloquear sua visão. “Você
quer direto ou esperar até a água acabar?”
“Vam os agora, enquanto tem os com ida e estam os descansados. Vam os logo term inar com
isso,” ele diz.
Assinto. É divertido. Quase sinto com o se fosse o prim eiro dia dos Gam es novam ente. Que eu
estou na m esm a posição. Vinte e um tributos estão m ortos, m as ainda tenho de m atar Cato. E
realm ente, ele não era aquele a m atar? Agora parece que os outros tributos foram apenas
pequenos obstáculos, distrações, afastando-nos da real batalha dos Gam es. Cato e eu.
Mas não, há um garoto esperando ao m eu lado. Sinto seus braços ao m eu redor.
“Dois contra um . Deve ser m oleza,” diz.
“Na próxim a vez que com erm os, será em Capitol,” respondo.
“Pode apostar que sim ,” diz.
Ficam os ali por um m om ento, presos num abraço, sentindo um ao outro, a luz do sol, o
farfalhar das folhas aos nossos pés. Então sem um a palavra, nos separam os e cam inham os
para a lagoa.
Não m e im porto agora que os passos de Peeta façam os roedores correrem , os pássaros
voarem . Tem os de lutar contra Cato e eu faria isso aqui ou na planície. Mas duvido que eu
tenha escolha. Se os Gam em akers nos querem no aberto, então no aberto estarem os.
Param os para descansar por uns m om entos sob um a árvore onde os profissionais m e
em boscaram . A casca do ninho de tracker j acker, batida até a polpa pela chuva e secada pelo
sol, confirm a a localização. Toco-o com a ponta da bota, e ela se dissolve em poeira que é
rapidam ente carregada pela brisa. Não posso evitar olhar para as árvores onde Rue
secretam ente estava, esperando para salvar m inha vida. Tracker j ackers. O corpo inchado de
Glim m er. As terríveis alucinações...
“Vam os,” digo, esperando escapar da escuridão que rodeia esse lugar. Peeta não discute.
Dado ao nosso início atrasado do dia, quando chegam os à planície j á está no início da noite.
Não há sinal de Cato. Nenhum sinal de nada, exceto a Corpucópia dourada brilhando nos raios
de sol oblíquos. Só para garantir que Cato decidiu em purrar Foxface contra nós, circulam os a
Cornucópia para ter certeza de que ela está vazia. Então obedientem ente, com o se seguindo
instruções, andam os até a lagoa e enchem os nossos recipientes de água.
Franzo as sobrancelhas ao sol recuando. “Não querem os brigar com ele depois de escurecer.
Há apenas um par de óculos.”
Peeta cuidadosam ente coloca gotas de iodo na água. “Talvez sej a isso que ele estej a
esperando. O que você quer fazer? Voltar para a caverna?”
“Isso ou encontrar um a árvore. Mas vam os dar a ele m ais m eia hora. Então vam os recuar,”
respondo.
Sentam os perto da lagoa, à vista. Não há com o se esconder agora. Nas árvores no lim ite da
planície, posso ver os m ockingj ay s se m ovim entando. Jogando m elodias de volta e adiante
entre eles, com o brilhantes bolas coloridas. Posso senti-los parar curiosos ao som da m inha voz,
escutando m ais. Repito as notas no silêncio. Prim eiro um m ockingj ay garganteia a canção de
volta, e depois outro. Então todo o m undo se torna vivo com o som .
“Bem com o sei pai,” diz Peeta.
Meus dedos encontram o alfinete na m inha cam isa. “É a m úsica de Rue,” digo. “Acho que
eles se lem bram .”
A m úsica cresce e eu reconheço o esplendor disso. Enquanto as notas se sobrepõem , um a
com plem entando a outra, form ando um a harm onia linda e m isteriosa. Esse era o som , então,
graças a Rue, que m andava os trabalhadores do Distrito 11 para casa cada noite. Alguém vai
com eçá-la na parada, pergunto-m e, agora que ela está m orta?
Por um m om ento, apenas fecho m eus olhos e escuto, hipnotizada com a beleza da m úsica.
Então algo com eça a atrapalhar a canção. Executa cortes irregulares, linhas im perfeitas. Notas
dissonantes intercalam com a m elodia. As vozes dos m ockingj ay s se elevam num grito de
alarm e.
Estam os de pé, Peeta em punhando sua faca, eu posicionada para atirar, quando Cato aparece
pelas árvores e corre até nós. Ele não tem nenhum a lança. De fato, suas m ãos estão vazias,
em bora ele corra direto para nós. Minha prim eira flecha atinge seu peito e inexplicavelm ente
cai de lado.
“Ele tem algum tipo de arm adura!” grito para Peeta.
Bem a tem po, tam bém , porque Cato está sobre nós. Eu m e abraço, m as ele corre entre nós
sem dim inuir a velocidade. Posso dizer pela sua respiração ofegante, o suor escorrendo de seu
rosto purpúreo, que ele esteve correndo m uito por um longo tem po. Não em nossa direção.
De algo. Mas o quê?
Meus olhos exam inam a floresta bem na hora de ver a prim eira criatura entrando na planície.
Quando estou m e virando, vej o outra m eia dúzia se reunindo. Então estou tropeçando
cegam ente atrás de Cato com nenhum pensam ento exceto m e salvar.
25
Mutações. Sem dúvidas sobre isso. Eu nunca tinha visto esses cães, m as eles não são anim ais
nascidos naturalm ente. Eles lem bram lobos enorm es, m as lobos se equilibram sobre as patas
traseiras? Lobos acenam para o resto do bando com a pata dianteira com o se tivesse um pulso?
Essas coisas eu posso ver a distância. De perto, tenho certeza de que m ais atributos
am eaçadores serão revelados.
Cato correu em linha direta para a Cornucópia, e sem perguntas eu o segui. Se ele pensa que é
o lugar m ais seguro, que sou eu para discutir? Além disso, m esm o que eu conseguia correr
para a floresta, seria im possível para Peeta fazer esse cam inho com aquela perna – Peeta!
Minhas m ãos tinham acabado de tocar o m etal da cauda pontuda da Cornucópia quando eu m e
lem bro de que sou parte de um tim e. Ele está uns quinze m etros atrás de m im , coxeando o
m ais rápido que consegue, m as os cães estão se aproxim ando rapidam ente. Atirei um a flecha
no bando e um cai, m as há m uitos outros para tom ar seu lugar.
Peeta está acenando para eu subir o chifre, “Vá, Katniss! Vá!” Ele está certo. Não posso
proteger nenhum de nós no chão. Com eço a subir, escalando a Conucópia com m inhas m ãos e
m eus pés. A superfície de ouro puro foi desenhada para lem bra o chifre curvado que nós
enchem os na colheita, então há pequenas pontas e fendas para conseguir se agarrar de
m aneira decente. Mas depois de um dia sob o sol da arena, o m etal está quente o bastante para
queim ar m inhas m ãos.
Cato está deitado no topo do chifre, sete m etros acim a do chão, lutando para recuperar o
fôlego enquanto ele vom ita sobre a ponta. Agora é a m inha chance de acabar com ele. Paro
no m eio do cam inho para cim a do chifre e carrego outra flecha, m as quando estou quase
deixando-a voar, ouço Peeta gritar. Eu m e viro e vej o que ele acabou de alcançar a cauda, e
os cães estão logo em sua cola.
“Suba!” grito. Peeta com eça a subir atrasado não apenas pela sua perna, m as pela faca na sua
m ão. Atiro um a flecha na garganta do prim eiro m utante que chega ao m etal. Enquanto m orre
a criatura ataca, descuidosam ente abrindo cortes em alguns de seus com panheiros. É quando
eu olho para as garras. Dez centím etros e claram ente bem afiadas.
Peeta alcança m eus pés e eu agarro seu braço e o puxo para cim a. Então eu m e lem bro de
Cato esperando no topo e m e viro, m as ele está dobrado com câim bras e m ais preocupado
com os cães do que conosco. Ele fala algo ininteligível. O som de aspiração e rosnados vindo
dos cães não está aj udando.
“O quê?!” Grito para ele.
“Ele disse, ‘Eles podem subir?’” responde Peeta, levando a m inha atenção de volta para a base
do chifre.
Os cães estão com eçando a se reunir. Enquanto eles se j untam , eles se levantam novam ente
para facilm ente ficar de pé sobre suas patas traseiras, dando a eles um aspecto
assustadoram ente hum ano. Cada um tem um a pele grossa, alguns com o pelo liso, outros
ondulados, e as cores variam de preto até o que posso descrever com o loiro. Há algo neles,
algo que faz os cabelos na m inha nuca se arrepiarem , m as não posso dizer o quê.
Eles colocam seus focinhos no chifre, cheirando e provando o m etal, colocando as patas sobre
a superfície e fazendo sons agudos com a outra. Deve ser assim com o eles se com unicam ,
porque o bando recua com o se aguardasse. Então um deles, um cão de bom tam anho com
pelos loiros m acios e ondulados com eça a com er e pula no chifre. As patas traseiras devem
ser incrivelm ente poderosas, porque elas chegam a m eros três m etros abaixo de nós, seus
lábios rosados se repuxando para um ranger de dentes. Por um m om ento a coisa fica lá, e
naquele m om ento percebo que o que m e deixa incom odada nesses cães. Os olhos verdes
brilhando para m im não são de nenhum cão ou lobo, nenhum canino que eu tenha visto.
Eles não inconfundivelm ente hum anos. E essa revelação m al é registrada quando percebo a
coleira com o núm ero 1 incrustado com j óias e o horror daquilo m e atinge. O cabelo loiro, os
olhos verdes, o núm ero... é Glim m er.
Um som agudo escapa dos m eus lábios e tenho problem as para segurar a flecha no lugar. Eu
estive esperando por fogo, apenas consciente dem ais do m eu suprim ento dim inuído de flechas.
Esperando ver se as criaturas podiam , de fato, subir. Mas agora, m esm o quando o cão
com eçou a deslizar para trás, incapaz de encontrar algum apoio no m etal, m esm o quando eu
posso ouvir o lento rangido das garras com o unhas no quadro, eu atiro em sua garganta. O seu
corpo se debate e cai no chão com um a pancada.
“Katniss?” Posso sentir o aperto de Peeta no m eu braço.
“É ela!” grito.
“Quem ?” pergunta Peeta.
Minha cabeça gira de lado a lado enquanto exam ino o bando, tom ando os vários tam anhos e
cores. O pequeno com pele verm elha e olhos cor de âm bar... Foxface! E ali, o cabelo pálido e
olhos castanho-esverdeados do garoto do Distrito 9 que m orreu quando nós lutam os pela
m ochila! E, pior o tudo, o m enor cão, com pelo preto lustroso, grandes olhos castanhos e um a
coleira onde se lê 11 entalhado. Mostrando os dentes com ódio. Rue...
“O que é, Katniss?” Peeta balança m eu om bro.
“São eles. Todos eles. Os outros. Rue e Foxface e... todos os outros tributos,” eu sufoco.
Ouço Peeta arfar em reconhecim ento. “O que eles fizeram a eles?Você não acha... que esses
podem ser os olhos deles de verdade?”
Os olhos deles são o que m enos m e preocupa. E os cérebros deles? Eles têm algum a m em ória
dos tributos reais? Eles foram program ados para odiar nossos rostos particularm ente porque
nós sobrevivem os e eles foram insensivelm ente assassinados? E os que nós m atam os de
verdade... eles acreditam que estarão vingando suas m ortes?
Antes que eu consiga pensa nisso, os cães com eçam um novo assalto ao chifre. Eles se
dividiram em dois grupos nos lados no chifre e estão usando aquelas traseiras poderosas para
subirem . Um par de dentes de fecham a centím etros da m inha m ão e então ouço Peeta gritar,
sinto o balanço do seu corpo, o peso pesado do garoto e cão puxando-m e para o lado. Se não
fosse pelo suporte do m eu braço, ele estaria no chão, m as enquanto a coisa está aqui em cim a,
tom a toda a m inha força para nos m anter na curva de trás do chifre. E m ais tributos estão
vindo.
“Mate, Peeta! Mate!” Estou gritando, e em bora não possa ver exatam ente o que está
acontecendo, sei que ele deve ter escaqueado a coisa porque o aperto fica m ais leve. Sou
capaz de puxá-lo de volta para o chifre onde nós nos agarram os em direção ao topo, onde nos
aguarda dois m ales m enores.
Cato ainda não está de pé, m as sua respiração está m ais lenta e sei que em breve ele vai se
recobrar o bastante para vir atrás de nós, para nos lançar para a m orte. Eu arm o m eu arco,
m as a flecha acaba indo para um cão que só pode ser Thresh. Quem m ais pularia não talto?
Sinto um m om ento de alívio porque finalm ente estam os acim a da linha dos cães e eu acabo de
m e virar para encarar Cato quando Peeta dá um solavanco ao m eu lado. Tenho a certeza de
que o bando o pegou quando seu sangue respinga no m eu rosto.
Cato está na m inha frente, quase no extrem o do chifre, segurando Peeta com um a gravata,
cortando seu ar. Peeta está arranhando o braço de Cato, m as fracam ente, com o se estivesse
confuso sobre se é m ais im portante respirar ou tentar conter o j orro de sangue que sai do
buraco que um cão deixou na sua panturilha.
Eu m iro um das m inhas duas últim as flechas na cabeça de Cato, sabendo que não teria
nenhum efeito se fosse no seu tronco ou nos m em bros, que posso ver agora que estão cobertos
por um piro de roupa, um a m alha cor de carne. Algum a arm adura de ótim a qualidade do
Capitol. Era isso que estava no seu saco no banquete? Arm adura para se defender contra
m inhas flechas? Bem , eles se esqueceram de m andar um a proteção para o rosto.
Cato apenas ri. “Atire em m im e ele cai com igo.”
Ele está certo. Se eu atirar nele e ele cair sobre os cães, é certo que Peeta vai m orrer com ele.
Chegam os a um beco sem saída. Não posso atirar em Cato sem m atar Peeta, tam bém . Ele não
pode m atar Peeta sem a garantia de um a flecha no seu cérebro. Ficam os parados com o
estátuas, procurando por um a saída.
Meus m úsculos estão tão tensos que parecem que vão se quebrar a qualquer m om ento. Meus
dentes estão cerrados duram ente. Os cães ficaram quietos e a única coisa que posso ouvir é o
sangue batendo no m eu ouvido bom .
Os lábios de Peeta estão ficando azuis. Se eu não fizer algo rapidam ente, ele vai m orrer de
asfixia e então eu o perderei e Cato provavelm ente vai usar seu corpo com o um a arm a contra
m im . Na verdade, tenho certeza de que esse sej a o plano de Cato, porque quando ele pára de
rir, seus lábios form am um sorriso triunfante.
Com o se fosse seu últim o esforço, Peeta levanta seus dedos, pingando sangue de sua perna, até
o braço de Cato. Em vez de tentar se livrar do aperto, seus dedos m udam de direção e fazem
um deliberado X sobre a parte de trás da m ão de Cato. Cato percebe o que isso significa
exatam ente um segundo depois de m im . Posso dizer pelo m odo com o seu sorriso desapareceu
de seus lábios. Mas é um segundo tarde dem ais porque, nessa hora, m inha flecha está
perfurando sua m ão. Ele grita e por reflexo liberta Peeta, que bate contra ele. Por um
m om ento terrível, penso que os dois vão cair. Eu corro para agarrar Peeta enquanto Cato
perde o equilíbrio no chifre úm ido de sangue e cai no chão.
Nós o ouvim os cair, o ar deixando seu corpo com o im pacto, e então os cães o atacam . Peeta e
eu nos abraçam os, esperando pelo canhão, esperando que a com petição acabe, esperando
serm os libertados. Mas isso não acontece. Não ainda. Porque esse é o clím ax dos Hunger
Gam es, e a audiência espera um show.
Eu não assisto, m as posso ouvir o ranger dos dentes, os rosnados, os uivos de dor tanto hum ano
quanto de besta enquanto Cato avança sobre o bando de cães. Não posso entender com o ele
pode estar sobrevivendo até que m e lem bro da arm adura o protegendo dos tornozelos até o
pescoço e percebe com o a noite pode ser longa. Cato deve ter um a faca ou um a espada ou
algum a coisa, tam bém , algum a coisa que ele tenha escondido nas suas roupas, porque de vez
em quando há um grito de m orte de um cão ou o som de m etal quando lâm inas colidem com o
chifre de ouro. O com bate continua ao lado da Cornucópia, e sei que Cato deve estar tentando
fazer um a m anobra que pode salvar a sua vida – voltar para a cauda do chifre e se reunir a
nós. Mas no final, apesar das suas força e habilidade notáveis, ele é sim plesm ente derrotado.
Não sei quando tem po se passa, talvez um a hora ou m ais, quando Cato cai no chão e ouvis os
cães o agarrando, levando-o para dentro da Cornucópia. Agora vão acabar com ele, penso.
Mas ainda não há nenhum canhão.
Cai a noite e o hino toca e não há nenhum a im agem de Cato no céu, apenas os gem idos fracos
vindo do m etal debaixo de nós. O ar gelado soprando pela planície m e lem bra de que os
Gam es não acabaram e podem não acabar por sabe-se lá quanto tem po, e ainda não há
garantia de vitória.
Viro m inha atenção a Peeta e percebo que a perna dele está sangrando pior que nunca. Todos
os nossos suprim entos, nossas m ochilas, perm aneceram em baixo perto do lago, onde nós os
abandonam os quando correm os dos cães. Não tenho bandagens, nada para parar o fluxo de
sangue da sua panturrilha. Em bora eu estej a trem endo com o vento cortante, tiro m inha
j aqueta, rem ovo m inha blusa, e fecho m inha j aqueta o m ais rápido possível. Aquela prevê
exposição faz com que m eus dentes trem am além do m eu controle.
O rosto de Peeta está pálido sob a luz da lua. Eu o faço deitar-se antes de sondar sua ferida.
Sangue escorregadio e quente corre pelos m eus dedos. Um a bandagem não é suficiente. Eu vi
m inha m ãe am arrar um torniquete um punhado de vezes e tento replicá-lo. Corto um a m anga
da m inha cam isa, enrolo duas vezes ao redor da sua perna bem debaixo do seu j oelho, e faço
um nó. Eu não tenho um a vareta, então pego m eu arco e insiro no nó, girando-o o m ais
apertado que ouso. É um negócio arriscado – Peeta pode acabar perdendo sua perna – m as
quando eu peso isso com perder sua vida, que alternativa eu tenho? Eu enfaixo sua ferida com
o resto da m inha cam isa e m e deito ao seu lado.
“Não durm a,” digo a ele. Não tenho certeza se isso é exatam ente um protocolo m édico, m as
tenho m edo de que, se ele durm a, ele nunca irá acordar novam ente.
“Você está com frio?” ele pergunta. Ele abre o zíper da sua j aqueta e m e pressiono contra ele
quando ele o fecha ao m eu redor. É um pouco m ais quente, dividir o calor dos nossos corpos
dentro da m inha dupla cam ada de j aquetas, m as é noite é um a criança. A tem peratura vai
continuar a cair.
Mesm o agora posso sentir a Cornucópia, que queim ava quando eu subi pela prim eira vez,
lentam ente virando gelo.
“Cato pode ganhar essa coisa ainda,” sussurro para Peeta.
“Não acredite nisso,” ele diz, puxando m eu corpo, m as ele está trem endo m ais do que eu.
As horas seguintes são as piores da m inha vida, o que se você pensar bem significa m uita
coisa.
O frio pode torturar o bastante, m as o pesadelo real é escutar Cato, gem endo, im plorando, e
finalm ente apenas choram ingando enquanto os cães trabalhavam nele. Depois de m uito pouco
tem po, eu não m e im porto m ais com quem ele é ou o que ele fez, tudo que quero é que ele
pare de sofrer.
“Por que eles apenas não o m atam ?” pergunto a Peeta.
“Você sabe por que,” diz, e m e puxa m ais para perto.
E eu sei. Nenhum telespectador daria as costas para o show agora. Do ponto de vista dos
Gam em akers, essa é a últim a palavra em entretenim ento.
E continua e continua e eventualm ente consum e com pletam ente a m inha m ente, bloqueando
m em órias e esperanças de um am anhã, apagando tudo além do presente, que com eço a
acreditar que nunca vai m udar. Nunca haverá nada além de frio, m edo e os sons agonizantes
do garoto m orrendo no chifre.
Peeta com eça a dorm ir agora, e em cada vez que faz, eu m e encontro gritando seu nom e cada
vez m ais alto, porque se ele m orrer agora, sei que provavelm ente vou ficar com pletam ente
insana. Ele está lutando, provavelm ente m ais por m im do que por ele, e é difícil porque
inconsciência seria um a form a própria de escapar. Mas a adrenalina que palpita pelo m eu
corpo nunca iria m e perm itir segui-lo, então não posso deixá-lo. Eu apenas não posso.
A única indicação da passagem do tem po estava no céu, o sutil m ovim ento da lua. Então Peeta
com eça a apontá-lo para m im , insistindo que sei seu progresso e às vezes, por um m om ento,
sinto um brilho de esperança antes que a agonia da noite m e engula novam ente.
Finalm ente, ouço-o sussurrar que o sol está subindo. Abro m eus olhos e encontro estrelas
desaparecendo na luz pálida do am anhecer. Posso ver, tam bém , com o o rosto de Peeta se
tornou pálido. Com o o pouco o tem po que ele tem . E sei que tenho de levá-lo de volta para o
Capitol.
Ainda assim , o canhão não atira. Pressiono m eu ouvi bom contra o chifre e posso ouvir a voz
dele.
“Acho que ele está m ais perto agora. Katniss, você pode atirar nele?” Peeta pergunta.
Se ele estiver perto da boca, posso ser capaz. Seria um ato de m isericórdia a esse ponto.
“Minha últim a flecha está no seu torniquete,” digo.
“Faça-o valer,” diz Peeta, abrindo o zíper da sua j aqueta, deixando-m e livre.
Então eu tiro a flecha, tentando colocar o torniquete de volta o m ais apertado que m eus dedos
congelados são capazes. Esfrego m inhas m ãos, tentando ganhar circulação. Quando eu rastej o
até o extrem o do chifre e fico na ponta, sinto as m ãos de Peeta m e dando suporte.
Leva alguns m om entos para encontrar Cato na luz turva, no sangue. Então a m assa de carne
crua que costum ava ser nosso inim igo faz um som , e sei onde sua boca está. E acho que o que
ele está tentando dizer é por favor.
Pena, não vingança, m anda a flecha até seu crânio. Peeta m e puxa de volta, arco na m ão,
bainha vazia.
“Você conseguiu?” ele sussurra.
O tiro do canhão é a resposta.
“Então ganham os, Katniss,” ele diz de form a vazia.
“Viva para nós,” solto, m as não há o prazer de vitória na m inha voz.
Um buraco se abre na planície com o se fosse com binado, o restante dos cães entram nele,
desaparecendo com o se a terra se fechasse acim a deles.
Nós esperam os pelo aerobarco para tom ar os restos de Cato, pelas trom betas da vitória que
deveriam se seguir, m as nada acontece.
“Hey !” grito para o ar. “O que está acontecendo?” a única resposta é a vibração dos pássaros
acordando.
“Talvez sej a o corpo. Talvez tenham os de nos distanciar,” diz Peeta.
Tento m e lem brar. Você tem de se distanciar do tributo m orto na m orte final? Meu cérebro
está m uito confuso para ter certeza, m as qual seria a outra razão para a dem ora?
“Ok. Acha que pode conseguir chegar até o lago?” pergunto.
“Acho que é m elhor tentar,” diz Peeta. Descem os pela causa do chifre e caím os no chão. Se a
rigidez dos m eus m em bros é assim ruim , com o Peeta pode se m over? Eu m e levanto prim eiro,
balançando e curvando m eus braços e pernas até que acho que posso aj udá-lo a se levantar.
De algum a form a, nós chegam os ao lago. Eu dou um punhado de água gelada para Peeta e
tragoo o segundo para m im .
Um m ockingj ay dá um assobio longo e baixo, e lágrim as de alívio enchem m eus olhos quando
o aerobarco aparece e leva o corpo de Cato. Agora eles vão no levar. Agora podem os ir para
casa.
Mas novam ente não há nenhum a resposta.
“O que eles estão esperando?” diz Peeta fracam ente. Entre a perda do torniquete e o esforço
de andar até o lago, sua ferida se abriu novam ente.
“Eu não sei,” digo. Sej a o que for, não posso vê-lo perder m ais sangue. Eu m e levanto para
encontrar um pedaço de pau, m as quase im ediatam ente encontro a flecha que ricocheteou na
arm adura de Cato. Isso acontece com a outra flecha. Quando eu m e inclino para pegá-las, a
voz de Claudius Tem plesm ith explode na arena.
“Saudações aos finalistas do septuagésim o quarto Hunger Gam es. A m udança anterior foi
revogada. Um a análise m ais atenta às regras revelou que apenas um vencedor está
autorizado,” diz. “Boa sorte e que as chances estej am em seu favor.” Há um pequeno barulho
de estática e então nada m ais. Eu fito Peeta com descrença enquanto a verdade com eça a
fazer sentido. Eles nunca tiveram a intenção de deixar nós dois vivos. Isso tudo foi planej ado
pelos Gam em akers para garantir o confronto m ais dram ático da história. E
com o um a tola, caí nessa.
“Se você pensar bem , isso não é um a surpresa,” ele diz suavem ente. Observo com o ele
dolorosam ente consegue ficar de pé. Então ele está andando na m inha direção, com o se fosse
em câm era lenta, sua m ão está puxando a faca do seu cinto –
Antes que eu estej a consciente das m inhas ações, m eu arco está carregado com a flecha
apontada para o seu coração. Peeta levanta suas sobrancelhas e vej o que a faca j á não está
m ais em sua m ão, e sim caiu na água. Deixo m inha arm a cair e dou um passo para trás, m eu
rosto queim ando em o que só pode ser vergonha.
“Não,” diz. “Faça.” Peeta m anca em m inha direção e coloca a arm a de volta às m inhas m ãos.
“Não posso,” digo. “Não vou.”
“Faça. Antes que eles m andem aqueles m utantes de volta ou algo do tipo. Não quero m orrer
com o Cato,” ele diz.
“Então você atira em m im ,” digo furiosa, em purrando a arm a de volta para ele. “Você atira
em m im e vai para casa e viva com isso” E quando eu digo, sei que a m orte agora m esm o
seria m ais fácil que viver com isso.
“Você sabe que eu não posso,” Peeta diz, j ogando fora a arm a. “Ótim o, vou prim eiro, de
qualquer form a.” Ele se inclina para baixo e retira sua bandagem , elim inando a barreira final
entre seu sangue e a terra.
“Não, você não pode se m atar,” digo. Estou de j oelhos, cobrindo desesperadam ente a
bandagem sobre sua ferida.
“Katniss,” ele diz. “É o que eu quero.”
“Você não vai m e deixar aqui sozinha,” digo. Porque se ele m orrer, eu nunca irei para casa,
nunca realm ente. Vou passar o resto da m inha vida nessa arena tentando pensar na m inha
saída.
“Escute,” ele diz m e puxando para eu ficar de pé. “Nós dois sabem os que eles precisam ter
um vencedor. E só pode ser um de nós. Por favor, faça isso. Por m im .” E ele com eça a falar o
quanto m e am a, o que a vida seria sem m im , m as eu parei de escutar porque suas palavras
anteriores estão presas na m inha cabeça, girando desesperadam ente.
Nós dois sabem os que eles precisam ter um vencedor.
Sim , eles precisam ter um vencedor. Sem um vencedor, toda a coisa seria j ogada na cara dos
Gam em akers. Eles teriam falhado com o Capitol. Possivelm ente seriam executados, lenta e
dolorosam ente, enquanto as câm eras exibiriam cara im agem em todo o país.
Se Peera e eu m orrêssem os, eu eles pensassem que iríam os m orrer...
Meus dedos se atrapalham com a bolsa no m eu cinto, soltando-a. Peeta vê e suas m ãos
agarram m eu pulso. “Não, não vou te deixar.”
“Confie em m im ,” sussurro. Ele segura m eu olhar por um longo tem po antes de m e solta. Eu
solto a parte superior da bolsa e coloco um punhado de bagas na sua m ão. Então encho a
m inha. “No três?”
Peeta se inclina para baixo e m e beij a um a vez, m uito gentilm ente. “No três,” diz.
Ficam os de pé, costas contra costas, nossas m ãos vazias apertando um a a do outro.
“Mostre-os. Quero que todos vej am ,” diz.
Eu entendo m eus dedos, e as bagas escuras brilham ao sol. Dou um últim o aperto na m ão de
Peeta com o um sinal, ou um adeus, e com eçam os a contar. “Um .” Talvez eu estej a errada.
“Dois.” Talvez eles não se im portem se nós m orrêssem os. “Três!” É tarde dem ais para m udar
de idéia. Levanto m inha m ão para m inha boca, lançando um últim o olhar para o m undo. AS
bagas acabam de passar pelos m eus lábios quando as trom betas com eçam a tocar.
A voz frenética de Claudius Tem plesm ith grita acim a delas. “Parem ! Parem ! Dam as e
cavalheiros, tenho o prazer de apresentar os vencedores dos septuagésim o quarto Hunger
Gam es, Katniss Everdeen e Peeta Mellark! Dou-lhes – os tributos do Distrito Doze!” 26
Eu cuspi as pagas da m inha boca, lim pando m inha língua com a ponta da m inha cam isa para
ter certeza de que nenhum suco perm aneça. Peeta m e puxa para o lago onde nós dois
lim pam os nossas bocas com água, e então caím os um nos braços do outro.
“Você não engoliu nada?” pergunto a ele.
Ele balança a cabeça. “Você?”
“Acho que estaria m orta agora se tivesse,” digo. Posso ver seus lábios se m ovendo em
resposta, m as não posso escutá-lo acim a do rugido da m ultidão no Capitol que está tocando ao
vivo pelos autofalantes.
O aerobarco se m aterializa acim a de nossas cabeças e duas escadas caem , só que não há
chance de eu deixar Peeta. Eu m antenho um braço ao redor dele enquanto o aj udo a subir, e
nós dois colocam os um pé no prim eiro degrau da escada. A corrente elétrica nos congela no
lugar, e dessa vez estou satisfeita porque não tenho certeza de que Peeta pode subir o resto da
escada. E visto que m eus olhos estão olhando para baixo, posso ver que enquanto nossos
m úsculos estão im óveis, nada está im pedindo que o sangue sej a drenado da perna de Peeta.
Com o previsto, no m inuto em que a porta se fecha atrás de nós e a corrente pára, ele cai no
chão inconsciente.
Meus dedos ainda estão agarrando a parte de trás de sua j aqueta são fortem ente que quando o
levam fica um punhado de tecido preto na m inha m ão. Médicos num branco estéril, com
m áscaras e luvas, j á preparados para operar, entram em ação. Peeta está tão pálido e im óvel
na m esa de prata, tubos e fios brotam dele de todas as m aneiras, e por um m om ento m e
esqueço de que estam os foram dos Gam es e vej o os m édicos com o m ais um a am eaça, m ais
um grupo de m utts designados a m atá-lo. Petrificada, eu corro até ele, m as sou pega e j ogada
em outro quarto, e um a porta de vidro se fecha entre nós. Eu bato o vidro, gritando. Todos m e
ignoram exceto um atendente do Capitol que aparece atrás de m im e m e oferece um a bebida.
Eu caio no chão, m eu rosto contra a porta, encarando sem com preender a taça na m inha m ão.
Suco gelado de laranj a, com um canudo enfeitado. Quão errado parece na m inha m ão suj a e
cheia de sangue com unhas im undas e cicatrizes. Fico com água na boca com o cheiro, m as o
coloco cuidadosam ente no chão, não confiando em algo tão lim po e bonito.
Através do vidro, vej o os m édicos trabalhando com ardor em Peeta, suas rostos vincados em
concentração. Vej o o fluxo de líquidos, extraídos pelos tubos, observo a parede de indicadores
e luzes que significam nada para m im . Não estou certa, m as acho que o coração dele parou
duas vezes.
É com o estar em casa de novo, quando eles trazem um a pessoal irrem ediavelm ente m utilada
de um a explosão da m ina, ou um a m ulher em seu terceiro dia de trabalho de parto, ou um a
criança fam inta lutando contra a pneum onia e m inha m ãe e Prim , elas usam essa m esm a
expressão em seus rostos. Agora é a hora de correr para a floresta, para se esconder nos
bosques até que o paciente tenha se ido há algum tem po e em outra parte de Seam os
carpinteiros fazem o caixão. Mas estou presa aqui tanto pelas paredes do aero-barco com o
pela m esm a força que m antém os entes queridos da m orte. Quantas vezes eu os vi, andando ao
redor da nossa m esa da cozinha e eu pensava, Por que eles não vão em bora? Por que eles
ficam para assistir?
E agora eu sei. É porque você não tem escolha.
Eu m e assusto quando pego alguém m e encarando a apenas alguns centím etros de distância e
então percebe que é m eu próprio rosto sendo refletido pelo vidro. Olhos selvagens, bochechas
encovadas, m eu cabelo em aranhado. Violenta. Selvagem . Louca. Sem dúvidas todos estão a
um a distância segura de m im .
A próxim a coisa que sei é que estam os pousando no teto do Centro de Treinam ento e eles estão
levando Peeta, m as m e deixando atrás da porta. Eu com eço a m e atirar contra o vidro,
gritando e eu acho que pego um relance se um cabelo rosa – deve ser Effie, tem de ser Effie
vindo m e resgatar – quando sou picada por um a agulha pelas costas.
Quando acordo, tem o m e m over a princípio. Todo o teto brilha com um a luz am arela suave,
perm itindo que eu vej a que estou num quanto que contem apenas m inha cam a. Sem portas,
sem j anelas visíveis. O ar tem um odor de algum picante e anti-séptico. Meu braço direito tem
alguns tubos que se estendem através da parede atrás de m im . Estou nua, m as as roupas de
cam a são suaves contra m inha pele. Eu tem porariam ente levanto m inha m ão esquerda acim a
da coberta. Não foi apenas lim pa, m inhas unhas estão perfeitam ente ovais, as cicatrizes de
queim aduras estão m enos proem inentes. Toco m inha bochecha, m eus lábios, a cicatriz
enrugada acim a da m inha sobrancelha, e estou apenas correndo m eus dedos através do m eu
cabelo sedoso quando congelo. Com apreensão, despenteio o cabelo acim a de m eu ouvido
esquerdo. Não, não foi um a ilusão. Posso ouvir novam ente.
Tento m e sentar, m as algum tipo de larga tira de retenção ao redor da m inha cintura m e
im pede de m e levantar m ais que alguns centím etros. O confinam ento físico m e deixa em
pânico e tento m e levantar e livrar m eus quadris através da tira quando um a porção de parede
se abre e entra a Avox ruiva carregando um a bandej a. Vê-la m e acalm a e paro de tentar
escapar. Quero fazer a ela um Milão de perguntas, m as tem o que algum a fam iliaridade cause
algum dano a ela. Obviam ente estou sendo m onitorada de perto. Ela coloca a bandej a sobre
m inhas coxas e pressiona algo que m e eleva para a posição sentada. Enquanto ela aj usta m eus
travesseiros, arisco um a pergunta. Digo alto, tão claro quando m inha voz enferruj ada perm ita,
assim nada pareça ser um código. “Peeta conseguiu?” Ela assente para m im , e quando desliza
um a colher na m inha m ão, sinto um a pressão de am izade.
Acho que ela não queria que eu m orresse, apesar de tudo. E Peeta conseguiu. Claro que
conseguiu. Com todos esses equipam entos caros aqui. Ainda assim , não tinha certeza até agora.
Quando a Avoz sai, a porta se fecha silenciosam ente atrás dela e m e viro fam inta para a
bandej a. Um a tigela de caldo, um a pequena porção de m açã, e um copo de água. É isso?
Penso, irritada. Meu j antar de retorno a casa não deveria ser um pouco m ais espetacular? Mas
descubro que é um esforço term inar a refeição ante a m im . Meu estôm ago parece ter um a
contração do tam anho de um cavalo, e tenho de im aginar quanto tem po estive fora, porque
não tive problem as em com er um café da m anhã de um tam anho razoável naquela últim a
m anhã na arena. Há geralm ente um intervalo de poucos dias entre o fim da com petição e a
apresentação do vencedor, para que eles possam colocar a pessoa fam inta, ferida e acabada
de volta ao norm al. Em algum lugar, Cinna e Portia estarão criando nossas vestes para as
aparições públicas. Hay m itch e Effie estarão arranj ando o banquete para nossos
patrocinadores, revisando as perguntas para nossa entrevista final. De volta a casa, o Distrito 12
provavelm ente está um caos enquanto eles tentam organizar celebrações de boas vindas para
m im e para Peeta, dado que a últim a celebração desse tipo foi há quase trinta anos.
Casa! Prim e m inha m ãe! Gale! Até a lem brança do gato velho e im undo de Prim m e trás um
sorriso. Em bree estarei em casa!
Quero sair dessa cam a. Para ver Peeta e Cinna, para descobrir m ais sobre o que está
acontecendo. E por que eu não deveria? Estou bem . Mas quando eu tento com eçar m eu
cam inho fora da tira, sinto um líquido frio entrando na m inha veia de um dos tubos e quase
im ediatam ente perco a consciência.
Isso continua a acontecer por um a quantia indeterm inada de tem po. Eu acordando, com endo,
e, em bora resista ao im pulso de tentar escapar da cam a, sendo nocauteada novam ente.
Pareço estar num crepúsculo contínuo e estranho. Registrando apenas algum as coisas. A Avox
ruiva que não retornou desde a alim entação, m inhas cicatrizes desaparecendo, e eu estou
im aginando? Ou realm ente ouço a voz de um hom em gritando Não com o sotaque de Capitol,
m as com o ritm o áspero de casa. E não posso evitar ter um a vaga e confortante sensação de
que alguém está cuidando de m im .
Então finalm ente, a hora chega quando eu acordo e não há nada enviado no m eu braço direito.
A restrição ao redor da m inha cintura foi retirada e estou livre para m e m over. Com eço a m e
sentar, m as estou presa pela visão das m inhas m ãos. A perfeição da pele, m acia e brilhante.
Não só as cicatrizes da arena se foram , com o tam bém aquelas que foram acum uladas ao
longo dos anos caçando tinham sum ido sem deixar rastro. Minha testa parecia cetim , e quando
tento encontrar a queim adura na m inha panturrilha, não há nada.
Deslizo m inhas pernas para fora da cam a, nervosa por não saber se elas iriam suportar m eu
peso, m as elas estão portes e firm es. Situado ao pé da cam a há um traj e que m e faz hesitar. É
o que todos nós, tributos, usam os na arena. Olho para ele com o se ele tivesse dentes até eu m e
lem brar de que, é claro, isso é o que vou usar para cum prim entar m inha equipe.
Estou vestida em m enos de um m inuto e inquieta defronte para a parede onde sei que há um a
porta, m esm o que eu não possa vê-la, quando de repente ela se abre. Entro num corredor
am plo e deserto que não parecia ter portas. Mas deve ter. E atrás de um a delas deve estar
Peeta. Agora que estou consciente e m e m ovendo, fico m ais e m ais ansiosa por causa dele.
Ele deve estar bem ou então a Avox não teria dito aquilo. Mas preciso vê-lo por m im m esm a.
“Peeta!” grito, j á que não há ninguém para perguntar. Ouço m eu nom e em resposta, m as não
é a voz dele. É um a voz que m e provoca prim eiro irritação e depois entusiasm o. Effie.
Eu m e viro e vej o todos eles esperando num a grande sala ao fim do corredor – Effie,
Hay m itch, e Cinna. Meus pés se m ovem sem hesitação. Talvez um vencedor deveria m ostrar
m ais m oderação, m ais superioridade, especialm ente quando ela sabe que isso estará na
gravação, m as não m e im porto. Corro para eles e m e surpreendo quando m e lanço nos braços
do Hay m itch prim eiro. Quando ele sussurra no m eu ouvido, “Bom trabalho, querida,” não soa
sarcástico. Effie está a beira das lágrim as e fica tocando no m eu cabelo e falando sobre com o
ela disse para todos que nós éram os pérolas. Cinna apenas m e abraça com força e não fiz
nada. Então percebo que Portia está ausente e sento um m ai pressentim ento.
“Onde está Portia? Ela está com Peeta? Ele está bem , não está? Quero dizer, ele está vivo?” Eu
falo sem pensar.
“Ele está ótim o. Só que elas querem que vocês se encontrem apenas na cerim ônia,” diz
Hay m itch.
“Ah. É isso,” digo. O m om ento terrível pensando na m orte de Peeta passa. “Acho que queria
vê-lo por m im m esm a.”
“Vá com Cinna. Ele tem de te deixar pronta,” diz Hay m itch.
É um alívio estar sozinha com Cinna, sentir m eu braço protetor ao redor dos m eus om bros
quando ele m e leva para longe das câm eras, por algum as passagens e para um elevador que
vai até o corredor do Centro de Treinam ento. O hospital é m uito m ais abaixo, até abaixo do
ginásio onde os tributos praticaram am arrando cordas e atirando lanças. As j anelas do
corredor estão escuras, e um punhado de guardas está em serviço. Ninguém m ais está lá para
nos ver entrar no elevador dos tributos. Nossos passos ecoam no vazio. E quando subim os para
o décim o segundo andar, os rosto de todos os tributos que nunca retornarão passam pela m inha
cabeça e há um peso no m eu peito.
Quando as portas do elevador se abrem , Venia, Flavius e Octavia m e engolem , falando tão
rapidam ente e com êxtase que não posso acom panhar suas palavras. O sentim ento está claro,
porém . Eles estão verdadeiram ente excitados por m e ver e estou feliz por vê-los, tam bém ,
em bora não com o eu estava quando vi Cinna. É m ais na form a com o alguém ficaria feliz de
ver um trio de anim aizinhos ao fim de um dia particularm ente difícil.
Eles m e levaram a um a sala de j antar e tive um a refeição de verdade – bife assado, ervilhas e
pãezinhos – em bora m inhas porções ainda estivessem sendo bem controladas. Porque quando
eu pedi o segundo prato, levei um não.
“Não, não, não. Eles não querem que você vom ite tudo no palco,” diz Octavia, m as
secretam ente ela desliza um pãozinho extra sob a m esa para eu saber que ela estava do m eu
lado.
Voltam os para o m eu quarto e Cinna desaparece por um m om ento enquanto a equipe m e
deixa pronta.
“Ah, eles cuidaram do seu corpo inteiro,” diz Flavius com invej a. “Nem um a falha foi deixada
na sua pele.”
Mas quando olho para m eu corpo nu refletido no espelho, tudo que posso ver é o quão m agra
estou. Quero dizer, tenho certeza de que eu estava pior quando saí da arena, m as posso
facilm ente contar m inhas costelas.
Eles cuidam das configurações do chuveiro para m im , e vão trabalhar no m eu cabelo, unhas e
m aquiagem quando eu term ino o banho. Eles tagarelam tão continuam ente que quase não
tenho de responder, o que é bom , visto que não sou m uito faladora. É divertido, porque em bora
eles estej am falando sobre os Gam es, é só sobre onde eles estavam ou o que eles estavam
fazendo ou com o eles se sentiram quando um evento específico aconteceu. “Eu ainda estava
na cam a!” “Eu tinha acabado de pintar o m eu cabelo!” “Juro que eu quase desm aiei!” Tudo é
sobre eles, não sobre garotos e garotas m orrendo na arena.
Nós não chafurdam os em torno dos Gam es dessa m aneira no Distrito 12. Nós cerram os nossos
dentes e assistim os porque devem os e tentam os voltar para nosso trabalho logo que eles
acabam . Para não odiar a m inha equipe, eu ignoro a m aioria das coisas que eles dizem .
Cinna volta com o que parece ser um despretensioso vestido am arelo nos braços.
“Você desistiu de toda aquela coisa de ‘garota em cham as’?” pergunto.
“De fato,” ele diz, e o desliza pela m inha cabeça. Im ediatam ente percebo o enchim ento sobre
m eus seios, acrescentando curvas que a fom e roubou do m eu corpo. Minhas m ãos vão ao m eu
peito e eu franzo as sobrancelhas.
“Eu sei,” diz Cinna antes que eu possa falar algo. “Mas os Gam em akers queriam alterar você
cirurgicam ente. Hay m itch fez um a grande briga para evitar isso. Isso foi o prom etido.” Ele
m e para antes que eu olhe para m eu reflexo. “Espere, não se esqueça dos sapatos.” Venia m e
aj uda a colocar um par de sandálias de couro baixas e m e viro para o espelho.
Eu ainda sou a “garota em cham as”. O tecido brilha suavem ente. Até o m ovim ento de ar m ais
leve ondula pelo m eu corpo. Em com paração, o traj e da carruagem parece extravagante, o
vestido da entrevista m uito artificial. Nesse vestido, dou a ilusão de estar vestida à luz de velas.
“O que você acha?” pergunta Cinna.
“Acho que é m elhor,” digo. Quando conseguido tirar m eus olhos do tecido brilhante, tenho um
choque. Meu cabelo está frouxo, preso num sim ples elástico. A m aquiagem arredonda e
preenche os ângulos m agros do m eu rosto. Um esm alte claro sobre m inhas unhas. O vestido
sem m angas se agarra às m inhas costelas, e não à m inha cintura, elim inando em grande
quantidade a necessidade de enchim ento no m eu corpo. A bainha cai até m eus j oelhos. Sem
saltos, você pode ser m inha estatura. Eu pareço m uito sim ples, com o um a garota. Um a garota
j ovem . Quatorze anos, no m áxim o. Inocente. Inofensiva. Sim , é um choque que Cinna tenha
im aginado isso quando você se lem bra de que eu acabei de ganhar os Gam es.
Essa é um a aparência bem calculada. Nada que Cinna desenha é arbitrário. Mordo m eu lábio
tentando im aginar sua m otivação.
“Pensei que seria algo m ais... sofisticado,” digo.
“Eu achei que Peeta gostaria m ais disso,” ele responde cuidadosam ente.
Peeta? Isso não tem nada a ver com Peeta. Tem a ver com o Capitol, os Gam em akers e a
audiência. Em bora eu ainda não tenha entendido a idéia de Cinna, é um lem brete de que os
Gam es ainda não term inaram . E debaixo da sua resposta agradável, sinto um aviso. De algo
que ele não pode nem m encionar em frente a nossa própria equipe.
Tom am os o elevador para o nível onde fom os treinados. É costum eiro o vencedor e seu tim e
de suporte subir de debaixo do palco. Prim eiro a equipe, seguida pela escolta, o estilista, o
m entor, e finalm ente o vencedor. Apenas nesse ano, com dois vencedores que dividem a
m esm a escolta e o m esm o m entor, toda a coisa tem de ser repensada. Eu m e encontro num a
área pouco ilum inada debaixo do palco. Um a nova placa de m etal foi instalada para nos levar
para cim a. Você ainda pode ver pequenas pilhas de serragem , cheirar a pintura fresca. Cinna
e a equipe vestem seus próprios traj es e tom am suas posições, deixando-m e sozinha. Na
escuridão, vej o um a parece im provisada a uns dez m etros e assum o que Peeta está do outro
lado.
O barulho da m ultidão é alto, por isso não percebo Hay m itch até ele m e tocar no om bro. Dou
um pulo, assustada, ainda m eio na arena, acho.
“Calm a, sou só eu. Deixe-m e dar um a olhada em você,” Hay m itch diz. Estendo m eus braços
e dou um a volta. “Bom o bastante.”
Isso não é m uito um elogio. “Mas o quê?” digo.
Hay m itch olha em volta do espaço m ofado, e parece tom ar um a decisão. “Mas nada. Que tal
um abraço para dar sorte?”
Ok, esse é um pedido estranho para Hay m itch, m as, depois de tudo, som os vencedores. Talvez
um abraço para dar sorte sej a regular. Mas, quando coloco m eus braços ao redor do seu
pescoço, encontro-m e em boscada em seu abraço. Ele com eça a falar, m uito rápido, bem
baixinho no m eu ouvido, m eu cabelo ocultando seus lábios.
“Escute. Vocês estão com problem as. Dizem que o Capitol está furioso por vocês se exibirem
na arena. A única coisa que eles não podem suportar é ser alvo de piada por toda a Panem ,”
diz Hay m itch.
Sinto m edo m e percorrer, m as dou um a risada com o se Hay m itch estivesse dizendo algo
com pletam ente deleitoso porque nada está cobrindo m inha boca. “E agora?”
“A única defesa de vocês é que vocês estavam com pletam ente apaixonados e não eram
responsáveis pelos seus atos.” Hay m itch se afasta e aj usta m inha liga de cabelo. “Entendeu,
querida?” Ele poderia estar falando sobre qualquer coisa agora.
“Sim ,” digo. “Você disse isso a Peeta?”
“Eu não tenho de dizer,” diz Hay m itch. “Ele j á está.”
“Mas você acha que eu não estou?” digo, tom ando a oportunidade para aj ustar a brilhante
gravata verm elha que Cinna deve tê-lo forçado a usar.
“Desde quando im porta o que eu acho?” diz Hay m itch. “Melhor tom ar nossos lugares.” Ele
m e leva até o círculo m etálico. “Essa é a sua noite, querida. Aproveite.” Ele beij a m inha testa
e desaparece na escuridão.
Agarro m inha saia, querendo que ela sej a m ais longa, querendo que ela cubra o trem or do
m eu j oelho. Então percebo que é inútil. Todo o m eu corpo está trem endo com o um a folha.
Esperançosam ente, deve ser por causa da m inha excitação. Afinal, essa é a m inha noite.
O cheiro úm ido e m ofado am eaça m e sufocar debaixo do palco. Um suor frio e pegaj oso
brota da m inha pele e não posso evitar sentir que as tábuas acim a da m inha cabeça vão
desabar, enterrar-m e viva sob o entulho. Quando deixei a arena, quando as trom betas tocaram ,
eu deveria estar salva. A partir de então. Pelo resto da m inha vida.
Mas se o que Hay m itch falou é verdade, e ele não tem razão para m entir, eu nunca estive em
um lugar tão perigoso na m inha vida.
É bem pior que ser caçada na arena. Ali, eu poderia apenas m orrer. Fim da história. Mas aqui
fora, Prim , m inha m ãe, Gale, as pessoas do Distrito 12, todo m undo com que eu m e im porto
poderiam ser punidas se eu não conseguisse fingir ser a garota-com pletam ente-apaixonada
que Hay m icth sugeriu.
Então eu ainda tenho um a chance, entretanto. Engraçado, na arena, quando eu peguei aquelas
bagas, eu estava apenas pensando em enganar os Gam em akers, não em com o m inhas ações
iriam refletir no Capitol. Mas os Hunger Gam es são a arm a deles e você não deveria ser capaz
de derrotá-la. Então agora o Capitol vai agir com o se estivesse no controle o tem po todo.
Com o se eles tivessem orquestrado todo o evento, até o suicídio duplo. Mas isso só vai
funcionar se eu fingir com eles.
E Peeta... Peeta vai sofrer, tam bém , se isso sair errado. Mas o que Hay m itch disse quando eu
perguntei se ele tinha contato a Peeta a situação? Que ele tinha de fingir que estava
desesperadam ente apaixonado?
“Não tenho de dizer. Ele j á está.”
Já pensando antes de m im nos Gam es novam ente e consciente do perigo que correm os? Ou...
j á desesperadam ente apaixonado? Não sei. Eu nem com ecei a analisar m eus sentim entos por
Peeta. É m uito com plicado. O que eu fiz era parte dos Gam es. Com o oposição ao que eu fiz
por raiva do Capitol. Ou por causa do que seria visto no Distrito 12. Ou porque, sim plesm ente,
era a única coisa decente a ser feita. Ou o que eu fiz porque m e im portava com ele.
Há questões a serem solucionadas quando voltar para casa, na paz e quietude da floresta,
quando ninguém está observando. Não aqui com o todos os olhos sobre m im . Mas não vou ter
esse luxo por sabe-se lá quanto tem po. E agora, a parte m ais perigosa dos Hunger Gam es está
para com eçar.
27
O hino retum ba em m eus ouvidos, e ouço Caesar Flickerm an saudando o público. Será que ele
sabe o quanto é crucial escolher as palavras certas de agora em diante? Ele deveria saber. Ele
vai querer nos aj udar. A m ultidão irrom pe em aplausos quando a equipe de preparação é
apresentada. Im agino Flaviu, Venia e Octavia gingando em direção ao palco e recebendo as
m ais ridículas m esuras. É líquido e certo que eles não fazem a m enor ideia. Então, Effie é
apresentada. Quanto tem po ela não esperou por esse m om ento. Espero que sej a capaz de
aproveitar bastante porque por m ais que Effie sej a m al orientada, ela possui um instinto bem
certeiro para certas coisas e deve, pelo m enos, estar suspeitando de que estam os em apuros.
Portia e Cinna recebem im ensas dem onstrações de entusiasm o, é claro. Eles foram brilhantes,
fizeram um a estreia esplendorosa. Agora com preendo o vestido que Cinna escolheu para eu
usar essa noite. Vou precisar parecer m ais ingênua e inocente do que nunca. A aparição de
Hay m itch proporciona um a rodada de efusivos aplausos que dura pelo m enos cinco m inutos.
Bem , ele conseguiu um feito inédito. Manteve não só um , m as dois tributos vivos. E se ele não
tivesse m e alertado em tem po hábil. Será que eu agiria de m aneira diferente? Será que eu os
ostentaria o episódio das am oras e esfregaria na cara da Capitol? Não, acho que não. Mas eu
poderia facilm ente m e portar de m odo m uito m enos convincente do que preciso agora. Neste
exato m om ento. Porque estou com eçando a sentir a placa de m etal m e erguendo até o palco.
Luzes ofuscantes. O bram ido ensurdecedor sacode o m etal abaixo de m im . Então, vej o Peeta
a apenas alguns m etros de distância. Ele parece tão lím pido, saudável e belo, que m al o
reconheço. Mas seu sorriso é o m esm o, sej a na lam a, sej a na Capitol e, quando o vej o, dou
três passos e m e lanço em seus braços. Ele cam baleia para trás, quase perdendo o equilíbrio, e
é então que percebo que o equipam ento de m etal fininho em sua m ão é um a espécie de
bengala.
Ele endireita a postura e nós grudam os um no outro enquanto o público entra em estado de
ebulição. Ele está m e beij ando e o tem po todo estou pensando, Você sabe? Você sabe o quanto
estam os correndo perigo? Depois de m ais ou m enos dez m inutos disso, Caesar Flickerm an dá
um tapinha em seu om bro para que o show possa prosseguir, e Peeta sim plesm ente o em purra
para o lado sem nem m esm o olhar para ele. O público enlouquece.
Ciente ou não da história, Peeta está, com o de hábito, desem penhando o seu papel com m uito
talento.
Por fim , Hay m itch nos interrom pe e nos dá um em purrãozinho bem -intencionado na direção
da cadeira do vitorioso. Norm alm ente, é um a única e bela cadeira de onde o tributo vencedor
assiste a um film e com os m elhores m om entos dos Jogos, m as com o há dois vencedores, os
Gam em akers dos Gam es providenciaram um elegante sofá de veludo verm elho. Tão pequena
que m inha m ãe o cham aria de sofá do am or, eu acho. Sento-m e tão perto de Peeta que
praticam ente estou no seu colo, m as um a olhadinha na direção de Hay m itch m e diz que isso
não é suficiente. Chutando as sandálias, ponho os pés ao lado e encosto a cabeça no om bro de
Peeta. Seu braço m e envolve autom aticam ente e tenho a sensação de estar de vota à caverna,
enroscada nele, tentando m e m anter aquecida. Sua cam isa é feita do m esm o m aterial am arelo
que m eu vestido, m as Portia o colocou em calças com pridas pretas. Em vez de sandálias, está
usando um par de robustas botas pretas. Em que ele m antém solidam ente plantadas no chão do
palco. Gostaria que Cinna tivesse m e dado um traj e sim ilar, sinto-m e m uito vulnerável nesse
vestido diáfano. Mas im agino que essa era exatam ente a proposta.
Caesar Flickerm an faz m ais algum as piadas e então chega a hora do show. Vai durar
exatam ente três horas e todas as pessoas de Panem devem assistir. À m edida que as luzes
com eçam a dim inuir de intensidade e a insígnia aparece na tela, percebo que estou
despreparada para tudo isso. Não quero assistir a m orte dos m eus vinte e dois colegas tributos.
Vi m ortes suficientes ao vivo. Meu coração com eça a bater com força e sinto um im pulso
m uito forte para sair correndo dali. Com o os outros vitoriosos encaram isso sozinhos?
Durante os m elhores m om entos, eles m ostram de tem pos em tem pos a reação do vencedor
num quadradinho no canto da tela. Recordo-m e de anos anteriores... alguns são triunfantes,
socando o ar, batendo no peito. A m aioria parece sim plesm ente atônita. Tudo o que sei é que a
única coisa que está m e m antendo nesse sofá do am or é Peeta – seu braço em m eu om bro,
sua outra m ão segura pelas m inhas duas. É claro que os vitoriosos anteriores não tinham em
seu encalço a Capitol em busca de um a m aneira de destruí-los.
Condensar várias sem anas em três horas é um feito im pressionante, principalm ente se
considerarm os a quantidade de câm eras que estavam sendo usadas de um a vez. Quem quer
que sej a o responsável pela edição dos m elhores m om entos tem de escolher que tipo de
história desej a privilegiar. Esse ano, pela prim eira vez, eles estão contando um a história de
am or. Sei que Peeta e eu vencem os, m as um a quantidade de tem po desproporcional de tem po
foi gasta conosco, desde o início. Mas estou contente, porque isso acaba apoiando toda aquela
coisa dos loucam ente apaixonados que é a m inha defesa por haver desafiado a Capitol, e ainda
por cim a significa que nós não terem os m uito tem po para sentir rem orso pelas m ortes.
A prim eira hora fora focaliza os eventos que antecederam a entrada na arena, a colheita, a
viagem de carruagem pela Capitol, nossas notas no treinam ento e nossas entrevistas. Há um a
espécie de trilha sonora enaltecedora am parando as im agens que as torna duplam ente
horríveis porque, é claro, quase todos que aparecem na tela j á estão m ortos.
Assim que chegam os à arena, há um a cobertura detalhada do banho de sangue e então os
diretores basicam ente alternam entre tom adas dos tributos m orrendo e tom adas de nós dois.
A m aioria de Peeta, na verdade, é inegável que ele carregou nos om bros o negócio do
rom ance. Agora vej o o que o público viu, com o ele enganou os Profissionais a m eu respeito,
perm aneceu acordado a noite inteira em baixo da árvore das teleguiadas, lutou com Cato para
que eu escapasse e, m esm o enquanto estava deitado na lam a, sussurou m eu nom e durante o
sono. Com parada a ele, eu pareço um a desalm ada – lançando bolas de fogo, deixando cair
ninhos de vespas e explodindo suprim entos – até com eçar a rastrear Rue. Eles m ostram sua
m orte intelgram ente, o arrem esso da lança, m inha fracassada tentativa de resgate, m inha
flecha atravessando a garganta do garoto do Distrito 1, os últim os suspiros de Rue em m eus
braços. E a canção. Apareço cantando todas as notas da canção. Algo dentro de m im se fecha
e fico insensível a tudo. É com o assistir a pessoas totalm ente estranhas em outra edição dos
Jogos Vorazes. Mas reparo que eles om item a parte em que cubro de flores.
Certo. Porque até isso tem cheiro de rebelião.
As coisas m elhoram para m im no m om ento em que eles anunciam que dois tributos do
m esm o distrito podem ficar vivos e grito o nom e de Peeta, e depois tapo a boca com a m ão. Se
pareci indiferente a ele antes, com penso agora, encontrando-o, cuidando para que ele volte a
ter saúde, indo ao ágape em busca de m edicam entos e sendo bastante liberal com os m eus
beij os.
Obj etivam ente, consigo ver que as bestas e a m orte de Cato são tão hediondas agora quanto
antes, m as, ainda sim , é com o se tudo isso estivesse acontecendo com pessoas que nunca vi na
vida.
Então, chega o episódio das am oras. Posso ouvir o público pedindo silêncio, disposto a não
perder nada. Um a onda de gratidão aos diretores do film e tom a conta de m im quando vej o
que eles term inam não com o anúncio de nossa vitória, m as com igo dando socos na porta de
vidro do aerodeslizador, berrando por Peeta enquanto eles tentam ressuscitá-lo.
Se tom arm os com o base os critérios que garantirão m inha sobrevivência a partir de agora,
esse é o m eu m elhor m om ento em toda a noite.
O hino está sendo tocado novam ente e nós nos levantam os quando o Presidente Snow em
pessoa sobe ao palco seguido de um a garotinha carregando um a alm ofada onde se vê um a
coroa. Só há um a coroa, entretanto, e dá para ouvir a perplexidade da m ultidão – qual das
cabeças receberá a coroa? – até que o Presidente Snow torce o obj eto, separando-o em duas
m etades. Ele coloca a prim eira m etade na testa de Peeta com um sorriso. Ele ainda sorrindo
quando coloca a segunda m etade em m inha cabeça, m as seus olhos, apenas alguns
centím etros distantes dos m eus, estão tão im placáveis quanto os de um a serpente.
É ai que percebo que, m uito em bora nós dois tivéssem os a intenção de com er am oras, sou eu a
culpada por ter tido a idieia. Eu sou a instigadora. Sou eu que m erece a punição.
Muitas m esuras e saudações entusiasm adas se seguem . Meu braço está a ponto de cair de tanto
acenar para a m ultidão quando Caesar Flickerm an finalm ente dá o boa-noite ao público,
lem brando a todos que sintonizem am anhã para acom panhar as últim as entrevistas. Com o se
houvesse alternativa.
Peeta e eu som os conduzidos até a m ansão do Presidente para o Banquete da Vitória, onde
tem os m uito pouco tem po para com er, j á que funcionários da Capitol e patrocionadores
particularm ente generosos acotovelam -se no cam inho tentando tirar fotos conosco. Rostos e
m ais rostos resplandecentes despontam de todos os lados, cada vez m ais em briagados à
m edida que a noite avança. Ocasionalm ente, vislum bro Hay m itch, o que é reconfortante, ou o
Presidente Snow, o que é aterrorizante, m as continuo rindo e agradecendo as pessoas e
sorrindo para as fotos. A única coisa que nunca faço é soltar a m ão de Peeta.
O sol está com eçando a surgir no horizonte quando nos dispersam os de volta ao décim o
segundo andar do Centro de Treinam ento. Im agino que agora vou poder finalm ente conversar
a sós com Peeta, m as Hay m itch o m anda ir com Portia arrum ar algum a coisa apropriada
para a entrevista e m e acom panha pessoalm ente até os m eus aposentos.
“Por que não posso falar com ele,” pergunto.
“Vai ter tem po de sobra pra falar com ele quando a gente chegar em casa,” diz Hay m itch.
“Vai dorm ir, você vai estar no ar às duas.”
Apesar da interferência apressada de Hay m itch, estou determ inada a ver Peeta privadam ente.
Depois de virar e revisar na cam a por algum as horas, vou até o corredor. Meu prim eiro
pensam ento é verificar o telhado, m as está vazio. Mesm o as ruas da cidade bem abaixo estão
desertas após a celebração da noite de ontem . Volto para a cam a por um tem po e então decido
ir diretam ente ao quarto dele, m as quando tento girar a m açaneta, descubro que a porta do
m eu quarto foi trancada pelo lado de fora. Suspeito de Hay m itch, a princípio, m as sinto um
tem or m uito m ais insidioso de que a Capitol possa estar nos m onitorando e nos confinando.
Estou im possibilitada de escapar desde qué e os Jogos Vorazes com eçaram , m as isso aqui é
diferente, m uito m ais pessoal. Isso aqui m e dá a sensação de que fui aprisionada por um crim e
e que estou aguardando a sentença.
Volto rapidam ente para a cam a e finj o dorm ir até que Effie Trinket aparece para m e alertar
para o com eço de m ais um ”grande, grande, grande dia!”.
Tenho m ais ou m enos cinco m inutos para com er um a tij ela de grãos refogados antes da
chegada da equipe de preparação. Tudo o que tenho de dizer é: “A m ultidão adorou vocês!” e
é desnecessário falar pelas próxim as horas. Quando Cinna aparece, ele dispensa todo m undo e
m e dá um vestido branco bem extravagante e sapatos cor-de-rosa. Em seguida, aj usta
pessoalm ente m inha m aquiagem até parecer que estou irradiando um brilho suave e rosado.
Ficam os conversando, m as estou com m edo de perguntar a ele algum a coisa realm ente
im portante porque, depois do incidente da porta, não posso m e livrar da sensação de estar
sendo constantem ente observada.
A entrevista acontece na sala de estar ao fim do corredor. Um espaço foi reservado e o sofá
do am or está agora em outra posição e cercado de vasos com flores verm elhas e rosas. Só há
um punhado de câm eras para registrar o evento. Pelo m enos não há plateia no local.
Caesar Flickerm an m e dá um abraço afetuoso quando adentro o local. “Congratulações,
Katniss. Com o está?”
“Bem . Nervosa com a entrevista,” respondo.
“Não fique. Será um a experiência agradabilíssim a,” diz ele, dando um tapinha encoraj ador
em m inha bochecha.
“Não sou m uito boa em falar sobre m im m esm a,” digo.
“Você não com eterá nenhum deslize,” ele diz.
E penso, Oh, Caesar, se ao m enos isso fosse verdade. A verdade é que o Presidente Snow deve
estar preparando algum a espécie de “acidente” para m im enquanto estiverm os conversando.
Então, Peeta aparece, vistoso em verm elho e branco, puxando-m e para o lado. “Quase não
consigo te ver. Hay m itch parece em penhado em m anter a gente afastado.” Hay m itch, na
verdade, está em prenhado em nos m anter vivos, m as há ouvidos dem ais nos escutando, de
m odo que digo apenas, “É m esm o, ele tem estado m uito responsável ultim am ente.”
“Bem , só falta essa entrevista e voltam os pra casa. Aí ele não m ais poder ficar vigiando a
gente o tem po todo” ele diz.
Sinto um a espécie de arrepio percorrendo-m e o corpo e não disponho de tem po para analisar o
m otivo, porque eles j á estão à nossa espera. Nós nos sentam os no sofá do am or com um a certa
form alidade, m as Caesar diz, “Ah, vam os lá, pode se enroscar nele se quiser. Fica m uito
bonitinho.” Então, levanto os pés e Peeta m e puxa para perto dele.
Alguém faz a contagem regressiva e, num átim o, nós estam os sendo transm itidos ao vivo para
todo o país. Caesar Flickerm an é m aravilhoso, im plica, faz piada, se engasga quando a ocasião
é propícia. Ele e Peeta j á possuem a cum plicidade que estabeleceram naquela noite da
prim eira entrevista, aquele estado de espírito alegre, então, eu apenas sorrio bastante e tento
falar o m enos possível. Enfim , tenho de falar um pouco, m as, sem pre que posso, redireciono a
conversa para Peeta.
Mas chega um m om ento em que Caesar com eça a colocar questões que dem andam respostas
com pletas. “Bem , Peeta, sabem os, pelos dias que passam os naquela caverna, que foi am or à
prim eira vista de sua parte desde quando, os cinco anos de idade?” pergunta Caesar.
“Desde o m om ento que pus os olhos nela pela prim eira vez,” diz Peeta.
“Mas, Katniss, que coisa, hein? Im agino que a parte m ais excitante para o público tenha sido
assistir a você cedendo ao encantos dele. Quando você se deu conta de que estava apaixonada
por ele?” pergunta Caesar.
“Hum , essa é difícil...” Dou um risinho leve e olho para as m inhas m ãos. Socorro.
“Bem , eu sei quando a coisa m e tocou. Na noite em que você gritou o nom e dele daquela
árvore,” diz Caesar.
Obrigada Caesar!, penso com igo m esm a, e desenvolvo a idéia.
“Foi m esm o, acho que foi lá. É o seguinte, até aquele m om ento, sim plesm ente tentava não
pensar quais poderiam ser os m eus sentim entos, falando com toda honestidade, porque a coisa
toda era m uito confusa e im aginar que eu realm ente sentia algum a coisa por ele só pioraria
tudo ainda m ais. Mas aí, naquela árvore, tudo m udou.”
“Por que você acha que isso aconteceu?” dem anda Caesar.
“Talvez... porque pela prim eira vez... haveria um a chance de eu ficar perto dele,” digo.
Atrás do cam eram an, vej o Hay m itch dando um a espécie de rosnado de alívio e sei que fiz a
coisa certa. Caesar pega um lenço e precisa de um tem po porque está em ocionado dem ais.
Sinto Peeta pressionando a testa na m inha têm pora e em seguida perguntando, “Então, agora
que estou perto de você, o que é que você vai fazer com igo?
Volto-m e para ele e digo, “Vou te colocar em algum lugar onde você não possa se
m achucar.” E, quando ele m e beij a, as pessoas da sala dão um suspiro.
Para Caesar, esse é o m om ento natural para engatar a conversa com todas as form as de
ferim entos de que fom os vítim as na arena, queim aduras, ferroadas e perfurações as m ais
diversas. Mas só esqueço que estou na frente das câm eras quando o assunto passa a ser as
bestas. E quando Caesar pergunta a Peeta com o sua “nova perna” está funcionando.
“Nova perna?” E não consigo evitar levantar a barra da calça de Peeta. Oh, não,” sussurro,
tocando o equipam ento de m etal e plástico que subtituiu a carne.
“Ninguém contou pra você?” pergunta Caesar, delicadam ente. Balanço a cabeça.
“Eu não tive oportunidade,” diz Peeta, dando ligeiram ente de om bros.
“É m inha culpa,” digo. “Porque usei aquele torniquete.”
“Sim , é culpa sua eu estar vivo,” diz Peeta.
“Ele tem razão,” diz Caesar. “Ele certam ente teria sangrado até m orrer se não fosse por isso.”
Im agino que isso sej a verdade, m as não consigo deixar de m e sentir chateada com relação a
isso, a ponto de sentir vontade de chorar, m as aí lem bro que todo o país está m e assistindo,
então, sim plesm ente enterro m eu rosto na cam isa de Peeta. Eles levam alguns m inutos para
m e convencer a tirar o rosto da cam isa porque lá é bem m ais confortável, ninguém pode m e
ver. E quando reapareço, Caesar para um pouco de m e fazer perguntas para que eu tenha
tem po de m e recuperar. Na realidade, ele m e deixa em paz até o episódio das am oras.
“Katniss, sei que você acabou de ter um choque, m as sou obrigado a perguntar. No m om ento
em que você pegou aquelas am oras, o que se passava em sua cabeça?” ele diz.
Faço um a longa pausa antes de responder, tentando organizar m eus pensam entos. Esse é o
m om ento crucial, que decidirá se desafiei m esm o a Capitol ou fiquei tão louca com a
perspectiva de perder Peeta que não posso ser responsabilizada por m inhas ações. O incidente
parece clam ar por um grande e dram ático discurso, m as tudo o que sai da m inha boca é um a
frase quase inaudível, “Não sei, eu sim plesm ente... não consegui suportar a ideia de... viver
sem ele”
“Peeta? Algum a coisa a acrescentar?” pergunta Caesar.
“Não, acho que isso serve para nós dois,” diz.
Caesar faz um sinal e a entrevista se encerra. Todos estão rindo e chorando e se abraçando,
m as ainda não tenho certeza até alcançar Hay m itch. “Foi bom ?” sussurro.
“Perfeito,” responde ele.
Volto ao quarto para pegar algum as coisas e descubro que não há nada a ser pego a não ser o
broche com o tordo que Madge m e deu. Alguém o devolveu em m eu quarto depois dos
Gam es. Eles nos conduzem pelas ruas em um carro de j anelas escuras, e o trem está
esperando por nós. Quase não tem os tem po de nos despedir de Cinna e Portia, m as terem os de
nos encontrar daqui a alguns m eses, quando farem os a turnê pelos distritos para participarm os
de várias cerim ônias de com em oração pela vitória. É a m aneira de a Capitol lem brar às
pessoas que os Hunger Gam es nunca se encerram de fato.
Nós recebem os várias m edalhas inúteis e todos terão de fingir que nos am am .
O trem com eça a se m over e nós m ergulham os na noite até ultrapassarm os o túnel, quando
consigo respirar livrem ente pela prim eira vez desde a colheita. Effie está nos acom panhando,
assim com o Hay m itch, é claro. Nós com eçam os um farto j antar e nos sentam os em silêncio
em frente à televisão para assistir à reprise da entrevista. Com a Capitol a cada segundo m ais
distante de nós, com eço a pensar na m inha casa. Em Prim e em m inha m ãe. Em Gale. Peço
licença para trocar o vestido por um a calça e um a cam isa sim ples. À m edida que retiro lenta e
cuidadosam ente m inha m aquiagem do rosto e prendo os cabelos, com eço a m e transform ar
novam ente em m im m esm a. Katniss Everdeen. Um a garota que m ora na Costura. Caça na
Floresta. Negocia no Hob. Miro o espelho enquanto tento lem brar quem sou e quem não sou.
Quando reencontro, a pressão do braço de Peeta em m eus om bros j á parece bem distante de
m im .
Quando o trem faz um a breve parada para reabastecer, nos é perm itido sair para tom ar um
pouco de ar fresco. Não há m ais nenhum a necessidade de serm os vigiados. Peeta e eu
cam inham os ao longo do trilho, de m ãos dadas, e não consigo achar nada para dizer, agora que
estam os sozinhos. Ele para para colher um m aço de flores silvestres para m im . Quando ele m e
entrega, faço um grande esforço para parecer satisfeita. Porque ele não tem com o saber que
as flores rosas e brancas são a cobertura das cebolas selvagens e só m e fazem lem brar das
horas que passei colhendo-as na com panhia de Gale.
Gale. A perspectiva de encontrar Gale em questão de horas faz m eu estôm ago revirar. Mas
por quê? Não consigo enquadrar bem a coisa em m inha m ente. Só sei que é com o se estivesse
m entindo para alguém que confia em m im . Ou m ais precisam ente, para duas pessoas. Estive
m e esquivando disso até agora por causa dos Gam es. Mas lá em casa não haverá Gam es atrás
dos quais poderei m e esconder.
“Algum problem a?” pergunta Peeta.
“Nada,” respondo. Nós continuam os a cam inhada até o fim do trem , até onde tenho certeza
quase absoluta de que não há nenhum a câm era escondida nos arbustros rasteiros que
m argeiam o trilho. Ainda assim nenhum a palavra m e escapa da boca.
Hay m itch m e assusta ao colocar a m ão em m inhas costas. Até agora, no m eio do nada, ele
m antém o tom de voz baixo. “Excelente trabalho, vocês dois. Basta m anter o ritm o no distrito
até que as câm eras desapareçam . A gente vai se dar bem .” Observo-o retornar ao trem ,
evitando os olhos de Peeta.
“O que ele quis dizer?,” pergunta Peeta.
“É a Capitol. Eles não gostaram da nossa arm ação com as am oras,” solto.
“O quê? Do que você está falando?” pergunta ele.
“A coisa pareceu rebelde dem ais. Aí Hay m itch tem m e orientado nos últim os dias para eu não
piorar tudo,” digo.
“Orientado você? Mas não a m im ,” diz ele.
“Ele sabia que você era suficientem ente esperto para proceder da m aneira correta,” digo.
“Eu não sabia que havia algum m otivo pra proceder de m aneira correta,” diz Peeta. “Então, o
que você está dizendo é que, nesses últim os dias e tam bém eu acho que... lá na arena... aquilo
não passou de um a estratégia que vocês dois bolaram ?”
“Não, eu nem conseguia conversar com ele na arena, não lem bra?” insisto.
“Não você sabia o que ele queria que você fizesse, não sabia?” diz Peeta. Mordo o lábio.
“Katniss?” Ele solta a m inha m ão e eu dou um passo à frente, com o se estivesse tentando m e
equilibrar. “As suas atitudes foram todas em função dos Gam es,” diz Peeta.
“Nem todas,” retruco, segurando m inha flores com força.
“Então quais foram e quais não foram ? Não, não. Esquece isso. Aposto que a verdadeira
questão é o que vai sobrar quando a gente chegar em casa,” diz Peeta.
“Não sei. Quanto m ais a gente se aproxim a do Distrito 12, m ais confusa eu fico.” Ele espera
m ais algum a explicação, m as nada acontece.
“Bem , m e avisa quando você tiver algum a resposta,” diz ele, e a dor em sua voz é perceptível.
Sei que m eus ouvidos estão curados porque, m esm o com o barulho do m otor, consigo escutar
todos os passos que ele dá de volta ao trem . No m om ento em que subo a bordo, Peeta j á está
em seu quarto para passar a noite. Tam bém não o vej o na m anhã seguinte. Na realidade, ele
só reaparece quando estam os entrando no Distrito 12. Ele m e acena com a cabeça, o rosto
inexpressivo.
Quero dizer a ele que sua atitude não é j usta. Que nós éram os estranhos. Que fiz o que era
preciso para perm anecer viva, para que nós dois perm anecêssem os vivos na arena. Que não
tenho com o explicar com o são as coisas com Gale porque não conheço nem a m im m esm a.
Que não é um a boa ideia m e am ar porque nunca vou m e casar m esm o e ele ia acabar m e
odiando m ais cedo ou m ais tarde. Que não im porta se tenho algum sentim ento por ele, porque
j am ais serei capaz de proporcionar o tipo de am or que se transform a em um a fam ília, em
filhos. E com o ele será capaz? Com o ele será capaz depois de tudo o que passam os naquela
arena?
Tam bém quero dizer a ele o quanto j á estou sentindo a sua falta. Mas isso não seria j usto de
m inha parte.
Então, apenas ficam os parados em silêncio, observando nossa pequena e encardida estação
crescer à nossa volta. Pela j anela, vej o que a plataform a está repleto de câm eras. Todos
devem estar assistindo ansiosam ente à nossa volta para casa.
Com o canto do olho, vej o Peeta estender a m ão. Olho para ele, sem m uita certeza. “Um a
últim a vez? Para o público?” diz ele. Sua voz não está zangada, o que é pior. O garoto do pão j á
está m e escapando.
Pego sua m ão, segurando com firm eza, preparando-m e para as câm eras e abom inando o
m om ento que finalm ente terei de soltá-la.
-
FIM DO LIVRO UM
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