LEITURA E FORMAÇÃO ESCOLAR: QUESTÃO DE CIDADANIA
SAMPAIO, Emilio Davi
SILVA, Lusmária
RESUMO: Este artigo tem o propósito de discutir a leitura e a formação do leitor-cidadão na e pela escola. Não se pode furtar da importância da instituição escolar para a formação da pessoa humana, e a leitura bem trabalhada por ela é, sem dúvida, um artefato de luta, capaz de transformar a sociedade. Através dela pode-se reconhecer, formular, questionar e criar novas ideias. E falando da leitura como função social, a visão se expande quando o leitor frente a um texto conseguir passar da mera decodificação à interpretação e compreensão. Ele apropriar-se-á de um sentido, sentido esse que poderá criar, renovar ideias, pensamentos e ações concretas. É assim que este cidadão fará a diferença na sociedade, pois sua visão de mundo não mais se restringirá aos limites empíricos do conhecimento. Para o debate em questão tem-se, entre outros, estudiosos como Foucambert, Zilberman, Lajolo, Freire e Kleiman.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Leitor; Escola; Formação do cidadão.
ABSTRACT: This paper aims at discussing reading and the citizen-reader formation by school. One can not forget the importance of the school, as institution, in the process of the growing up the human person, and reading, when well-thought, is a great artifact of fight that can change society. Through it one can formulate, question and create new ideas. And talking on reading as social function, our vision gets broader, in the sense that a reader, in front of a text, can go from mere decoding to interpretation and comprehension, being able to command sense. That certainly will help him to create, renew ideas, thoughts and concrete actions. That’s the way this citizen will be able to act in a different way in society, since his vision of the world will be beyond the empirical knowledge of the world. To address this issue one will be based on the theoreticians like Foucambert, Zilberman, Lajolo, Freire e Kleiman.
KEY WORDS: Reading, Reader, School, Citizen Formation.
1.Leitura e leitores no Brasil
Com descoberta da imprensa no século XV, a ampliação do mercado do livro, a difusão da escola, e a alfabetização em massa da população urbana, a leitura passa a ser algo mais praticado pelas pessoas. Na Europa, principiou no século XVIII, tendo a família como berço para iniciar a leitura, por consistir em atividade adequada ao contexto da privacidade, própria da vida doméstica. De outro lado, com a Igreja, interessada na difusão da Bíblia, a leitura passou a ser necessária à formação moral das pessoas.
No Brasil, só por volta de 1840, no Rio de Janeiro, passou-se a exibir alguns traços necessários para a formação e fortalecimento de uma sociedade leitora. Segundo Lajolo e Zilberman (1998), os primeiros escritores brasileiros, ao escrever seus romances queriam conduzir o leitor pela mão, quando em suas obras conversavam com esse leitor, chamando a atenção do mesmo para o texto. As autoras colocam que essa era uma preocupação constante dos escritores: trazer o leitor para o texto, agindo assim o narrador mostrava o quanto se preocupava em chamar a atenção do leitor e para também fazer despertar o gosto pela leitura, temendo que esse hábito fosse posto de lado. Sendo assim, percebe-se já no início da formação dos leitores uma preocupação em desenvolver no leitor a vontade de ler cada vez mais, sejam os folhetins ou o capítulo da novela.
Nesse período surgem os primeiros romances no Brasil e com eles aparecem às caracterizações dos leitores, como o leitor mal comportado que seria aquele que é incapaz de estabelecer a necessária distância entre o lido e o vivido e leitores que se deixam consumir pelas “febres” românticas.
Os escritores surgem, mas no Brasil do século XIX não foi possível que a maioria deles vivesse de sua literatura, a começar pelos problemas técnicos, entre eles o aparecimento tardio da imprensa. Isso leva o escritor a depender da aceitação de um editor português para publicar seus livros. Mas o problema maior era o fato de 70% da população ser analfabeta. No Brasil, era tudo muito difícil e as reclamações continuavam, uns reclamavam do preço do livro, outros diziam que os livros baratos deseducavam. Lajolo e Zilbermam (1998) argumentam, em relação aos escritores, que sendo assim fica difícil separar o papel de vítima do papel de coniventes com o sistema, já que muitos editavam e vendiam seus livros por conta própria, renunciando aos direitos autorais e aceitando pagamentos simbólicos por sua produção. Só na primeira década do século XX é que se vê um lampejo de profissionalização, num país de tradição escrita tão recente e precária e com uma história literária que praticamente estava se iniciando, poucos se preocupavam com as condições de produção e circulação dos livros.
Como já foi dito, a imprensa demorou a deslanchar no Brasil, por conseqüência ficou difícil a disseminação da prática da leitura mais interna e consistente. Só a partir de 1821 abole-se a censura e as tipografias começam a funcionar, destacando-se a Imprensa do Diário, fundada por Zeferino Victor de Meireles. Surge daí em diante o livro didático como uma indústria específica e bastante rendosa, nascendo por força do estado e sujeitando-se a ele. A imprensa régia, mesmo com tantas adversidades, dedica-se a produção do livro didático, tendo como causa a urgência em fornecer material escolar para as instituições de ensino superior. Nesse momento, imprensa e escola superior dão-se às mãos e ajudam a construir a leitura. Porém, o processo de leitura se esbarra no mau estado do ensino brasileiro e na inexistência de livros escolares. Nessas condições a formação de um público leitor se arrasta, inconsistente e rarefeita.
Segundo Lajolo e Zilberman (1998), a precariedade, o improviso, a arbitrariedade e a monotonia de uma escola, na mão de um professor despreparado e desassistido, não era molde para se construir leitores. Mesmo entre caminhos e descaminhos o gosto pela leitura vai crescendo e chega ao público feminino, que no Brasil inaugura a reflexão sobre leitura literária. Focalizando o âmbito escolar, uns acreditam que os livros deveriam ser mais dinamizados, que as leituras deveriam ser levadas aos alunos de uma maneira mais inteligente, interessante, mas o que se vê é que o professor perdeu a competência de eleger os textos lidos em sala, em contrapartida quem assumiu este papel foram as editoras, como diz Lajolo (1999, p. 15):
O que há então para o professor é um script de autoria alheia, para cuja composição ele não foi chamado: leitura jogralizada, testes de múltipla escolha, perguntas abertas ou semi-abertas, reescritura de textos, resumos comentados são alguns dos números mais atuais do espetáculo que, ao longo do território nacional, mestres, menos ou mais treinados, estrelam para platéia às vezes desatenta.
Nesse nosso tempo, em que há uma fertilidade de discussões, de idéias em torno do papel do professor, não fica muito fácil dizer como devem se comportar os mestres, já que existem as crenças de que a escola deve respeitar o “dialeto” do aluno, e que isto seja a solução para resolver os problemas da leitura infantil. Sabe-se que não adianta solicitar algo em termos de leitura que esteja muito distante da realidade do educando, mas também não se pode deixá-lo somente com o que tem ou com o que trouxe, é preciso apresentar-lhe algo mais.
Essa pode ser uma das alavancas que fará com que iniciemos um trabalho mais produtivo em torno da leitura, e para isso, o professor deve estar consciente de sua importância, deve estar familiarizado com história da alfabetização, da leitura e da literatura na escola, mais que isso, estar em sintonia com uma leitura bastante extensa da literatura (particularmente a brasileira), pois como se poderá cobrar dos alunos que leiam, se o próprio professor não lê? Há que se ficar claro que o mestre pode até não gostar de Machado de Assis, Lima Barreto e outros mais, mas precisa entendê-los, conhecê-los e, lógico, saber explicá-los.
Voltando ao leitor, vale lembrar que o mesmo não é e nunca foi universal e objetivo, pelo contrário, esse mesmo leitor tem diferentes fases, diferentes comportamentos, e ao ler um livro o efeito pós-leitura não será o mesmo para um e outro. Quando se ignora isso, corre-se o risco de generalização dos leitores, o que acaba por estigmatizar nossos leitores, que precisam encontrar no texto que leem o que nele foram buscar, necessitam ser seduzidos como disse Lajolo (1999, p. 38): “Para seduzir o leitor há que se pôr em seu lugar, antecipando suas expectativas, suas reações”.
Cabe a escola também ajudar a despertar o leitor existente em cada um, sem fazer da leitura uma atividade reprodutora, repetitiva. Segundo Lajolo (1999) o texto e o leitor necessitam manter um inter-relacionamento para que haja uma interpretação entre este texto e todos os outros textos conhecidos daquele leitor.
No início do século XIX a disciplina Língua Portuguesa não fazia parte do currículo da escola brasileira, e a leitura estava longe dos bancos escolares e fora da escola era mais precária ainda. As autoras Lajolo e Zilberman (1998), corroborando o que dissemos anteriormente, expõem em sua obra que o escritor José de Alencar relata em trecho auto-biográfico a dificuldade de acesso aos livros. O romancista também afirma que leitura e livros fora do âmbito escolar eram coisas raras.
Entre as atividades hoje mais frequentemente difundidas para desenvolver o hábito da leitura, está a sugestão de atividades postas em livros. São verdadeiros manuais que vêm no final do livro ditando como fazer a interpretação do livro lido. Não se trata de dizer que essa prática é prejudicial, totalmente má, o que se questiona é que esse tipo de atividade sugerida a milhares de alunos da mesma forma e para professores mal preparados favoreçam a crença de que um milagre se opera, que os professores são excelentes orientadores de leitura, esquecendo de se questionar a leitura quantitativamente e qualitativamente, correndo um sério risco de alienação da literatura. Lajolo (1999, p.71) deixa claro essa dependência dos manuais num depoimento do escritor do livro “O Gênio do Crime”, de João Carlos Marinho:
Até hoje a editora não preparou nenhuma “ficha de leitura” ou “ficha de interpretação” do Gênio do Crime, como é o uso em outro livro dado em classe, a pedido meu. Acontece que a editora, há vários anos continuava recebendo solicitações para que o Gênio do Crime venha acompanhado de uma ficha de leitura. Atendendo a estes pedidos elaborei as seguintes alternativas de método de trabalho.
Lajolo (1999) vai mais fundo quando diz que esta prática por professores despreparados, por maneira indiferenciada pode levar a leitura a uma uniformização, que revertidas por propostas criativas podem passar despercebidas.
O que se espera é que as atividades de leitura adquiram sentido, que professor e aluno possam sim usar tais manuais, mas conscientemente de que aquela opinião que ali está não é a deles, mas que através dela possam juntos descobrir, expressar novos sentidos, novos conhecimentos, novas buscas.
As leituras, que eram individuais e reflexivas, transformam-se hoje em leituras dinâmicas. Em nossa tradição cultural a leitura como prática coletiva só existia vagamente, o que pode explicar a dificuldade de iniciarmos os jovens na leitura, ao professor de hoje reserva-se o consumo de textos impressos, a divulgação de livros, a decifração de significados.
Nascemos numa sociedade desigual (falando de bens e rendas), então não é de estranhar que os bens culturais, (a falta da leitura, por exemplo) não estejam ao alcance de todos da forma que deveria, mesmo sabendo que ela (a leitura) é essencial, pois estamos acostumados a uma sociedade falha, onde os direitos não são respeitados, onde a cultura ficou em segundo plano. Sendo assim, no tocante a leitura, sabemos da sua importância, da sua necessidade enquanto meio de comunicação e que essa necessidade é somente para quem deseja ser intelectual, mas para todos nós que fazemos todos os nossos apelos através da linguagem. Sobre isso comenta Lajolo (1999, p. 106):
Mas ler, no entanto, é essencial. Não apenas para aqueles que almejam participar da produção cultural mais sofisticada, da filosofia, da arte literária... A própria sociedade de consumo faz muitos de seus apelos através da linguagem escrita e chega por vezes a transformar em consumo o ato de ler, os rituais de leitura e o acesso a ela.
Não nos esqueçamos da leitura literária, pois através dela que descobrimos os diferentes valores, os diferentes comportamentos. É através dela que a sociedade demonstra seus anseios, suas vontades, seus sonhos, e que cada leitor, na sua individualidade, vai entrelaçando os significados de suas leituras. Segundo Lajolo (1999) um leitor maduro quando em contato com um texto novo consegue entrelaçar, buscar significado neste novo texto, através de outros textos lidos anteriormente. O que se pretende é que o texto dê um sentido, que se leia para entender o mundo e que a leitura não comece e nem termine na escola.
Os caminhos têm que ser outros, tem-se que frisar que o hábito da leitura vem com o incentivo, com a insistência por parte do professor que deve indicar livros, apresentar histórias, falar de leituras. Não se pode deixar a leitura cair na mecanização, na rotina e pior, como já foi dito anteriormente, que a leitura seja algo maçante e obrigatório. É necessário que professores sejam leitores, que se envolvam com o que leem, pois a formação de um leitor exige familiaridade com grande número de textos, que sempre haja tempo e espaço para a leitura, que possa haver uma maior liberdade para a prática da leitura, ao menos no início desse aprendizado os professores podem, por exemplo, levar os alunos à biblioteca e deixar que eles escolham um livro ao seu próprio gosto para ser lido, isso já é um bom começo.
2.A importância da leitura para a formação do cidadão
Nos dias de hoje inúmeros estudos tratam dos problemas pertinentes ao processo de leitura no Brasil. Em meio a esse debate, muitas são as questões em torno da leitura: Qual sua importância? Como incentivar o hábito da leitura? Por que temos poucos leitores? Se é que se pode assim dizer? Pensando nisso, surge a escola como um dos importantes meios para colaborar na formação de leitores, e crendo na principal função da escola que é formar sujeitos sociais, leitores da realidade, a preocupação é formar a pessoa com boa capacidade comunicativa que saiba realmente ler, escrever, interpretar, produzir, tornando-o capaz de “ler o mundo”. Para Freire (2000, p. 10): “Houve momentos na história da leitura que ler significava pronunciar em voz alta as letras grafadas no papel, no entanto, as teorias mais recentes concebem o ato de ler como prática social.”
Esse importante educador brasileiro propõe uma concepção de leitura que se distancia dos tradicionais entendimentos, defendendo que a leitura começa na compreensão do contexto em que se vive, e comenta:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra daí a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquela. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançado por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 2000, p. 11)
Outro estudioso que também reflete sobre a leitura é Foucambert (1994), que define a leitura como a “formação de um juízo”. Para o autor, o leitor deve sempre questionar e se questionar, pois este ato é que o levará a buscar as respostas dentro e fora do texto, fomentando uma ação crítica do mundo. Assim, “Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é”. (FOUCAMBERT, 1994, p. 05)
Atualmente não se pode pensar em escrita e leitura como algo unidimensional. Sem dúvida, o texto escrito e lido sempre teve e continua a ter uma dimensão formadora de grande importância, mas a ela somam-se muitas outras interfaces que permite ao leitor atribuir e construir novos e coerentes significados para o que lê e interpreta.
É na escola, pela mediação do professor que os estudantes aprendem efetivamente a ler, a escrever e a enxergar sua própria realidade e a realidade do outro. Essa relação é essencial para que, pelo contato e exploração de diferentes textos e por meios de ações intermediáveis, o aluno passe a interagir com seus pares, a produzir um conhecimento partilhado, e com isto conseguir representar oralmente e por escrito seu pensamento, sua experiência de vida e seu conhecimento de mundo.
Ler não significa só ver as letras do alfabeto e juntá-las em palavras, mas sim compreender as várias formas de escrita, decifrar e interpretar os sentidos, reconhecer e perceber. À medida que um bom leitor descobre o significado literal de uma passagem ele se envolve em vários passos, isto é, faz referência, vê implicações, julga realidades, compara pontos de vista de autores diferentes, aplica as idéias adquiridas a novas situações, soluciona problemas e integra as leituras com as experiências prévias.
Sabemos que a leitura é essencial em qualquer área de conhecimento e está intimamente ligada ao sucesso do ser humano, que como já dissemos, utiliza a língua e a linguagem para comunicar-se, para expressar seus anseios. Através do hábito da leitura o homem pode tomar consciência de suas necessidades, promover sua formação e conseqüentemente a do mundo.
No Brasil, existe um volume significativo de produção editorial de livros, no entanto, apenas uma pequena parcela da população tem acesso ao livro produzido, levando-se em conta a idade da população e os hábitos de leituras, bem como o baixo poder aquisitivo das pessoas.
É importante lembrar que o aumento de leitores, que efetivamente lê, significa cidadãos mais esclarecidos e sabedores de seus direitos. Estes, certamente também terão acesso às informações mais objetivas, com isso, logicamente esses leitores passarão a ser críticos da realidade, podendo transformá-la a partir do conhecimento adquirido.
Porém, percebe-se que o problema da falta de hábito de ler já começa nas primeiras séries do primeiro grau, em razão, muitas vezes, dos textos utilizados serem ultrapassados e, também, diante dos problemas da realidade educacional do país, como exemplo, a falta de bibliotecas com acervos atualizados e interessantes. Estes textos nem sempre representam uma motivação para o aluno, sendo assim, o livro se apresenta como um dos maiores problemas para ele. Às vezes até se encontra quantidade, mas não qualidade. A isto tudo ainda se alia, muitas vezes, a incompetência profissional de alguns educadores que faltam com a orientação, o incentivo e o exemplo a ser dado, tendo em vista que o educador desempenha papel fundamental na formação do leitor e deve servir como mediador responsável no preenchimento de lacunas que, possivelmente, o livro apresentará.
Diante dessa perspectiva, o que se pergunta é como se desenvolve o hábito de leitura no educando quando também o professor, na sua formação profissional, não aprende ou aprendeu a realizar esse processo ou mesmo não possui o hábito de ler?
A motivação para a leitura envolve a curiosidade, os alunos leem normalmente para provas e trabalhos e estas leituras são sempre escolhidas pelo professor. Vemos que os adolescentes são os que mais resistem à leitura, preferem informações obtidas pela TV e pelo computador. Isso muda quando os alunos encontram assuntos específicos de seu interesse, portanto, é necessário que se valorize a leitura em sala de aula, em todas as disciplinas.
Segundo Lajolo (1999), ler é uma prática básica para se aprender outras coisas. Nada substitui a leitura, mesmo em época de proliferação de recursos audiovisuais e da informática. A leitura é parte essencial do desempenho, da perseverança, da dedicação em aprender. O hábito da leitura é decorrente do exercício, da prática e nem sempre constitui-se num ato prazeroso, porém necessário. Por este motivo deve-se recorrer aos estímulos para introduzir o gosto da leitura nos alunos.
Constata-se que há presença de leitura na escola, porém, as condições concretas de produção da leitura são mais difíceis de serem constatadas, e as formas pelas quais esse ato é conduzido no contexto escolar é que se discute, já que os recursos para a prática da leitura contrapõem-se ao discurso de que a leitura é importante no processo ensino-aprendizagem.
Percebe-se que há uma valorização da leitura enquanto quantidade, esquecendo-se da qualidade, acabando por classificar determinadas leituras como boas e outras como más, sem o devido entendimento do que se lê. Importante também é lembrar da qualidade. Freire (2000) comenta que um dos documentos filosóficos mais importantes, “As teses sobre Feurbach”, de Marx, tem apenas duas páginas e meia e não deixa de ser riquíssimo em conteúdo pela quantidade de páginas. Muitas vezes os professores enchem os alunos de diversas leituras, mas que são apenas leituras superficiais, valorizando-se a quantidade sem o devido adentramento e o aprofundamento no texto a ser compreendido.
3.Texto e leitor
O papel do professor é criar oportunidades aos alunos, para que esses possam desenvolver com mais propriedade o processo cognitivo para compreensão e leitura de textos. Somente assim é possível chegar à formação de um leitor, não considerando que compreender um texto escrito seja apenas um ato cognitivo, pois leitura é também interação entre leitor e autor.
A compreensão de textos, frases, sentenças deve-se a vários fatores e um deles é o conhecimento prévio, em que o leitor processa no ato da leitura o conhecimento de mundo que ele já traz consigo, utilizando-se dos vários níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, e assim constrói-se o sentido do texto.
O conhecimento lingüístico é parte do conhecimento de mundo do leitor, por exemplo, faltará conhecimento lingüístico em uma frase escrita em inglês para um falante da língua portuguesa. Faz parte também do processo de leitura o conhecimento textual, que acontece quando o leitor depara-se com textos narrativos, discursivos ou descritivos, todos determinados pela diferentes marcas formais, sendo que quanto mais conhecimento textual tiver o leitor, mais fácil será a compreensão do texto.
Enfim, o conhecimento lingüístico e o textual devem estar aliados ao conhecimento de mundo, para uma leitura eficaz, assim ler significa um engajamento do leitor com o texto, fazendo inferências, utilizando o seu conhecimento prévio para chegar à compreensão do texto lido. Quando se faz uma leitura o que se espera é que se tenha claro os objetivos e as expectativas diante desse texto. O que se percebe é que os estudantes, na maioria das vezes, como aponta Kleimam (2002), não sabem onde querem chegar quando iniciam uma leitura. Eles não conseguem delimitar objetivos, o que pode tornar a leitura sem propósito e função. Daí a importância da mediação, função esta que deve ser exercida pelo professor. Ele, atento a isso, deve fazer parte desse processo orientando seus alunos para uma efetiva leitura na busca de resultados positivos.
A estrutura do texto e as diferentes tipologias podem definir os objetivos. Por exemplo, quando se lê uma receita de bolo, o objetivo é diferente daquele quando se lê uma crônica, mas o que importa e chama a atenção é que as diversas formas de ler são maneiras diferentes de se chegar ao propósito desejado, pois segundo Kleiman (2002, p. 35): “A leitura que não surge de um propósito não é propriamente leitura”.
De acordo com Kleiman (2002) quando se realiza uma leitura, duas questões são importantes: o estabelecimento de objetivos e a formulação de hipóteses, chamadas de atividades metacognitivas, pois exige reflexão sobre o conhecimento próprio, dependendo em partes do conhecimento que cada um possui, mas que o adulto pode direcionar, propondo atividades que estimulem essas capacidades, para que as estratégias metacognitivas sejam de fato desenvolvidas na leitura.
É importante que se chegue a um propósito claro sobre esse processo, que é a interação entre leitor e texto. Esta deve acontecer quando há um entendimento entre o que o leitor lê e reflete e o sentido crítico frente a todas as leituras que realizar. Assim diz Kleiman (2002, p. 65):
Mediante a leitura, estabelece-se uma relação entre leitor e autor que tem sido definida como de responsabilidade mútua, pois ambos tem a zelar para que os pontos de contato sejam mantidos, apesar das divergências possíveis em opiniões e objetivos.
Vale a pena ressaltar a figura do autor nessa temática de interação entre o mesmo e o leitor. Já falamos que o leitor constrói significados, que não é apenas um receptador de leituras, ao contrário, questiona, formula hipóteses, critica, concorda ou discorda. Já o autor busca essencialmente convencer o leitor, apresentando seus argumentos da melhor maneira possível, pois o autor detém a palavra, mas deve ser informativo e claro, o que não quer dizer que tenha que ser explícito, mas que o implícito possa ser descoberto seja através de intertextualidade, de inferências ou conhecimentos prévios.
Em contrapartida, o leitor deve acreditar que o autor tem algo de importante a dizer, e daí é essencial ir ao texto sem preconceito, sem crença pré-estabelecida, pois isso fará com que o leitor caminhe juntamente com o autor, percorrendo todo o caminho que este fez, evitando que a leitura seja uma atividade difícil, cansativa, somente porque o leitor está carregado de crenças e opiniões que se baseiam exclusivamente em seu conhecimento de mundo, deixando a voz do autor se perder ao longo do texto.
De modo geral ler é reconhecer, descobrir, formular conceitos, e depende necessariamente dos conhecimentos prévios dos leitores, ou seja, da “bagagem” de conhecimento que cada um traz consigo.
Restringir o conceito de leitura pode levar a dois extremos, onde um crê que ler é extrair significado e outro crê que ler é atribuir significado. Leffa (1996) diz que quando se lê extraindo um significado é como explorar uma mina, já na leitura como atribuição de significado, o leitor é caracterizado como único responsável pela descoberta do verdadeiro significado do texto.
Percebemos que esses dois conceitos procedem, porém se nos prendermos a um ou a outro isoladamente corremos o risco de limitarmos ao extremo a leitura. E como nenhum extremo é produtivo, podemos verificar que os dois conceitos juntos podem levar a um terceiro, que é justamente o ponto de interação entre o leitor e o texto. Portanto, a leitura deve consistir numa atividade que se extraia e atribua sentido a um texto, mas que simultaneamente haja um processo de interação entre o leitor e o texto lido.
4.A leitura na escola
É relativamente fácil constatar a presença da leitura na escola, mas já não é tão fácil descrever as condições em que se dá essa leitura, pois para muita gente ir a escola ainda é sinônimo de aprender a ler e escrever. Não se promove uma integração curricular entre as diferentes disciplinas, ou ainda pior, ignoram que os alunos produzem leituras, não abrem espaço para a discussão de idéias, de interpretação.
Outro aspecto refere-se à utilização da biblioteca. Alguns professores preferem xérox e mais xérox, sem dar a oportunidade ao aluno de ler um único livro, sem contar que criar e manter uma biblioteca em nada interessa a classe política.
Dentro deste ciclo, os professores acabam por conceber o aluno alfabetizado como aluno leitor. Diante dessa expectativa, os professores se mostram insatisfeitos por se verem obrigados a seguir um cronograma estabelecido. Por outro lado, os alunos sentem-se amedrontados (sentindo-se incapazes) e muitas vezes acabam fugindo da escola, cria-se um mito, os alunos fingem que leram e compreenderam e os professores fingem que ensinaram, que seu trabalho está feito. Assim compreendemos o que Foucambert (1994) retrata sobre isso quando diz que há uma diferença grande entre o alfabetizado e o leitor.
Silva (1998) lembra que se o texto lido não despertar o leitor para dar um passo à frente, para entender de que modo essa leitura pode ser situada no seu espaço, então o conteúdo lido não terá valor:
Se um texto, quando trabalhado, não proporcionar o salto do leitor o seu contexto (isto é, para a intencionalidade social que determinou o objetivo, o conteúdo e o modo de construção do texto) e mais, se o contexto do texto lido não proporcionar uma compreensão mais profunda do contexto em que o sujeito leitor se situa ou busca se situar, então a leitura perde a sua validade. (SILVA, 1998, p. 5)
A pobreza de conhecimento dos novos professores está ligada a uma série de questões, entre elas, a carga horária excessiva em sala de aula, o que prejudica o estudo, a leitura, a falta de especialização na área de atuação, o tempo destinado a correções de trabalhos e provas, fatores esses que vêm desde o período da ditadura e que acaba por empobrecer o ensino. Acreditar nessa ideologia de que as coisas são assim e sempre serão assim é reproduzir a mediocridade, é colocar uma venda nos olhos, e colocando a leitura nesse enfoque, sabemos que ela pode ser um fator de mudanças, se bem trabalhada.
Descobrimos há tempos que não estamos cegos, que sabemos dos problemas que permeiam a leitura, a escola, os alunos, sabemos que o ponto de partida para a recuperação está a nossa volta, é o nosso dia-a-dia, são as experiências vividas. Em contrapartida, esses pontos são desprezados pela escola, que acabam por se prender em fórmulas, em projetos vindos não se sabe de onde, que deixam os educadores cegos, estáticos, incapazes de fazerem questionamentos, de adequarem a leitura ao dia-a-dia dos seus alunos.
A escola é o espaço em que a leitura está presente, não há como fugir, claro que em casa, na igreja, na rua esse ato também acontece, mas é na instituição escolar que temos o primeiro contato com o ato de ler propriamente dito. Sendo assim, a escola tem por responsabilidade oportunizar ao aluno o acesso à leitura, mas não apenas como decodificação, pois se assim for, só precisamos freqüentar a escola nos primeiros anos, pois é nessa faixa etária que aprendemos a juntar as silabas e formar palavras. Quando falamos no acesso à leitura, queremos dizer que a escola deve promover uma leitura engajada em formar pessoas criticas, em que a leitura possa subsidiar lutas por uma sociedade mais igualitária.
Considerações finais
Diante do que se explicitou, pode-se observar quantos questionamentos ainda suscitam em torno da leitura, que muito se fala nessa questão e pouco se faz, apesar de sabermos de programas governamentais que incentivam à leitura. A princípio, sabemos quais são esses problemas, mas não sabemos como encaminhá-los, primeiro porque temos diversas concepções do que seja a leitura e não conseguimos discernir qual delas é a mais adequada a nossa realidade, porque delegamos a um e a outro a responsabilidade de formar bons leitores: os pais e a sociedade em geral delegam à escola essa função, que não estão de todo errado, pois a escola é o local que forma pessoas e cabe a ela cumprir com esse papel.
Sabemos que uma sociedade letrada, que tenha acesso a uma educação de qualidade, é capaz de transformar o meio em que vive. A leitura enquanto função social pode ser determinante na busca de uma sociedade melhor, onde prevaleça a igualdade em favor de todos. A título de exemplo, podemos dizer que o voto consciente é uma maneira de expressar cidadania, mas isso ainda não ocorre na totalidade, o que vemos são pessoas que vendem seus votos por uma cesta básica. Isso ocorre porque desconhecem seus direitos, porque lhes falta a tão falada leitura crítica de mundo, leitura essa que dá subsídios para conhecer a realidade, pois onde a educação alcança, a dominação subjugando as pessoas não tem vez.
Frente a toda essa problemática implica saber qual caminho seguir, e lembramos que o educador exerce um papel preponderante nesse sentido. Através da leitura formaremos cidadãos que leiam a realidade e consigam extrair dessa leitura questionamentos, que se transformam em fatos concretos, motivadores de mudanças.
Para finalizarmos, é importante frisar que a leitura deve ser bem trabalhada por professores desapegados de preconceitos, abertos a mudanças, capazes de reconhecer que nenhum método é verdadeiramente absoluto. E que para o êxito disso, no sentido de transformação social, todos que estão envolvidos direta e indiretamente nesta questão (alunos, pais, bibliotecários, funcionários da escola) devem fazer parte do processo, contribuindo com sua parte.
REFERÊNCIAS
FOUCAMBERT, J. A Leitura em Questão - trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Mágicas, 1994.
FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler: em 3 artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2000.
KLEIMAN, A. Texto e Leitor: Aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: Pontes,2002.
LAJOLO, M. Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. São Paulo: Ática, 1999.
LAJOLO, M. e ZILBERMAN, R. A Formação da Leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1998.
LEFFA, V. J. Aspectos da Leitura: uma perspectiva psicolingüística. Porto Alegre: Luzzatto, 1996.
SILVA, E. T. Elementos de Pedagogia da Leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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