O Cristianismo enquanto tal não foi, para o Império,
senão um signo (uma vez mais: «In hoc signo vinces»).
O Império enquanto tal também não foi mais do que
um signo para o Cristianismo (uma vez mais: «a efígie e a
lenda» do último César dos Evangelhos).
3. Fenómeno hábitual da Alta Idade Média, o copiar
imagens literárias próprias da tradição do Império ou da
teologia cristã para ilustrar temas respectivamente cris-
tãos ou imperiais, só foi possível na medida em que esta
literatura se regia pelos princípios poéticos fundamentais
da «parábola» e da «paráfrase>, (ligados ao princípio con-
tual tão fundamental da aparadoxa»).
Esta poética de rodeios alusivos, de contraste entre
signo e significação, de aproximações por oposição mais
do que por contiguidade nota-se na prática que recomen-
dava o emprego da língua e do metro de Homero e Virgí-
lio para narrar episódios do Antigo e I~Iovo Testamento. A
172 Ensaios de Semiótica Soviética
forma era escolhida «contra» o tema, de maneira que apa-
recessem os dois sob uma luz diferente e pouco habitual.
Levado ao zénite, este procedimento chega aos «centões» ~I~
inspirados nos temas bíblicos - aos mosaicos de versos ou
hemistíquios de poetas pagãos transformados à força numa
descrição do que esses poetas não tinham podido forçosa-
mente descrever; as significações autónoma e contextual
da citação estavam em desacordo, a imagem verbal desdo-
brava-se a si mesma, o que dava ao artifício todo o seu
atractivo.
4. Na poesia da Alta Idade Média (assim como na do
Maneirismo europeu e do Barroco, aparece sob uma forma
hipertrofiada e nua esta propriedade comum a toda a
poesia, como foi realçado por T. S. Eliot: «... este ele-
mento de heterogeneidade nos materiais que o poeta reduz
à unidade por uma operação do seu espírito está presente
em toda poesia» ~2~ (não é menos característico que esta
frase seja precisamente de Eliot, e que a tenha pronun-
ciado a fim de caracterizar os «poetas metafísicos»). Para
além dos paralelos tipológicos, que reúnem a poética dos
primeiros tempos de Bizâncio com a do Barroco (o seu
gosto pelos «emblemas e os símbolos», a fabulação, os jo-
gos de engenho e a prestidigitação, os monogramas hiero-
glíficos, etc.), existe entre eles um inegável laço genético.
Notas
(1) [Poesia composta de versos ou fragmentos de versos de um
ou mais autores e dispostos de modo a formarem um sentido dife-
rente do que têm no original. N. T.]
(2) T. S. Eliot, Essais choisis, Paris, 1950.
A SEMIÓTICA DAS OPOSIÇÕES MITOLÓGICAS
DE VÁRIOS POVOS
V. V. IVANÓV
Os estudos destes últimos anos puseram em evidência
a existência de sistemas similares de classificação simbó-
lica, baseada na contraposição paradigmática de duas (ou
mais) séries de signos socialmente importantes, numa
grande parte de sociedades arcaicas (elementares ou pri-
mitivas). As contraposições na qual se baseiam tais siste-
mas são iguais nas várias sociedades. Portanto, além duma
ulterior descrição dos diversos sistemas deste tipo, pode
propor-se como tarefa urgente a determinação do com-
plexo universal das contraposições que organizam estes
sistemas, da mesma maneira que R. Jákobson e a sua es-
cola tentaram criar o complexo dos traços fonológicos
distintivos. Para além dos dados comparados da etnologia,
mitologia, folclore e linguística, são particularmente im-
portantes as observações dos primatólogos que descobri-
ram a existência de contrastes análogos nas colectividades
dos restantes primatas. Submetemos à atenção uma pri-
meira tentativa de estudo tipológico de algumas das con-
traposições mais frequentes.
i. CENTRAL-PERIFÉ~RICO
' Esta contraposição é uma das principais para o maior
' número das colectividades humanas primitivas. No Brasil
,
na tribo dos bororo, segundo a exacta formulação de Zolo-
tariev, «a disposição dos habitantes reflecte a organização
social da tribo: as casas formam um círculo em cujo cen-
tro se encontra a casa varonilN ~'~, rigorosamente proibida
174 Ensaios de Semiótica Soviética
às mulheres. Na casa varonil (baimannaguegué), onde mo-
ram os solteiros e passam o tempo livre os homens casa-
dos, constroem-se e tocam-se os instrumentos musicais
que as mulheres não podem ver (contraposição invisível-
-visível). Também no centro da aldeia se estabelece um lu-
gar para as danças. A correlação entre o centro e a perife-
ria está aqui ligada a duas contraposições: masculino-fe-
minino e ritual-não-ritual ~2>. Na tribo dos timbira orientais
(Brasil) a contraposição das duas metades da tribo, que
se chamam, respectivamente, Kamakra, `referente à praça
(central) da aldeia', e atukmakra, 'referente à parte externa'
.
associa-se à contraposição Oriente-flcidente, Sol-Lua, dia-
-noite, estação seca-estação das chuvas, fogo-madeira para
obter o fogo, terra-água, cor vermelha-cor preta ~3~, graças
ao que atodos os fenómenos da natureza se dividem entre
as duas metades da tribo,> ~°~. Aos homens timbira que en-
tram nos seis grupos da «praça» está-lhes proibido prepa-
rar comida nos lares; os lares para cozinhar a comida en-
contram-se perto das cabanas periféricas, associadas à~
mulheres. Durante a estação das chuvas, as cerimónia
concentram-se na praça central, enquanto na estação
seca se mudam para o caminho circular que passa frente
às portas das cabanas periféricas. Portanto, também entre
os timbira a contraposição do centro à periferia se enlaça
com as mesmas oposições principais masculino-feminino
ritual-não-ritual que se verificam também entre os borc
assim como com a oposição cru-cozido e os outros mem
bros anteriormente enumerados das séries de classificação
simbólica.
Na América setentrional, entre os índios winneY
segundo a descrição feita pelos membros da metade
inferior da tribo, a estrutura era concêntrica: as cal
dos chefes encontravam-se no centro ~5~. Na Melanésia
ilhas Trobriand, na aldeia de Omarakana, encontrava-se
no centro o lugar destinado às cerimónias (danças, ful
etc.) e a cabana do chefe. Nos depósitos do recinto il
só se podiam conservar os alimentos crus (sem co2
Apenas os solteiros podiam viver em edificações do
interno que pode considerar-se como masculino e s
diferentemente do externo, feminino e profano ~6~. N
Fiji existe, em todas as aldeias, uma praça rod
templos e pelas cabanas dos chefes. Esta chama
'lugar inferior' ~'~, e está destinada às cerimónias
Prática de Análise: Leituras Semióticas 175
o tipo, não diferenciadas e inseparáveis entre si, visto que
nas ilhas Fiji uma festividade «não é nem religiosa, nem
profana, nem social, nem pessoal, nem económica, nem
estética, uma vez que todas estas formas especializadas de
actividade ainda não se diferenciaram na vida unitária da
tribo... Por isso, seria ousado denominar sagrada a praça
verde da aldeia, de facto... nas ilhas Fiji não existe reli-
gião, mas um sistema que na Europa se cindiu em religião
e em actividade económica. Se usamos a palavra `sagrado'
fazemo-lo no sentido de a praça ser o lugar principal onde
a gente tratava de assegurar o bem-estar de cada aspecto
da vida da tribo» ~8~. Também na Indonésia se manifestam
oposições similares entre o centro «sacro» (mais exacta-
mente, ritual ou cerimonial) e a periferia «não sacra» ~9~
A estrutura concêntrica, análoga à da Melanésia, pôde
reconstruir-se também para as localidades habitadas da
antiga Grécia, cujo centro ainda o imaginava Platão como
um círculo sagrado interno, inscrito dentro (~v ¡~s~W) de
um outro maior ~'°~. O lar que se encontrava no centro da
aldeia grega (Eo~Tya Kotvr~) tinha «forma circular» e es-
tava em correlação com as construções rituais circulares ~"~.
A contraposição do lar circular da terra na Grécia com o
símbolo quadrangular (T£Tpaycw~s) de Hermes ('2) é com-
pletamente idêntica à contraposição da forma «circular»
do fogo terrestre e da forma quadrangular do fogo celeste
nos rituais dos índios antigos e em Roma ~t3~. Portanto a
estrutura concêntrica do lar ritual circular no centro, que
simboliza a terra, pode remontar também aos rituais cor-
rentes indo-europeus. Esta reconstrução concorda com os
dados segundo os quais as formas circulares dos povoados
podem também ser reconstruídas para os eslavos anti-
gos ~'4~, visto que a oposição do fogo circular e quadrangu-
lar e das duas formas respectivas de templos pode, em úl-
tima análise, ligar-se à existência das formas circulares e
quadrangulares dos povoados ou das habitações tribais
correntes, das estruturas sociais correspondentes e das
ideias cosmogónicas.
A hipótese duma antiguidade maior das habitações (ou
do povoado) circulares com um único centro e do esquema
respectivo do mundo com uma única árvore universal cen-
tral, relativamente às estruturas quadrangulares ~ts~, encon-
tra confirmação de extraordinária importância nos resul-
tados logrados pelos primatólogos. Segundo as observa-
176 Ensaios de Semiótica Soviética
ções dos primatólogos japoneses ~lb~, a estrutura social da
colectividade dos macacos manifesta-se na deslocação con-
cêntrica da população do território, cujo centro está
ocupado pelos grandes machos-guias, pela fêmeas e pelos
novos, enquanto na periferia (nas rochas e nas árvo-
res) se dispõem os outros machos, incluindo aqueles que
não alcançaram a maturidade sexual. A própria estrutura
paradigmática reflecte-se na sucessão sintagmática, quando
os macacos marcham em fila, para ir dormir ou procurar
comida. Analogamente, nas colectividades humanas que
descrevemos anteriormente, a estrutura concêntrica indica
a presença duma hierarquia social.
2. MASCULINO-FEMININO, E
3. DIREITA-ESQUERDA
Nas colectividades antes descritas, a oposição de cen-
tro e periferia está ligada normalmente à diferença entre
os homens iniciados que podem ser admitidos no centro,
e as mulheres, não iniciadas; neste último caso (evidente-
mente mais arcaico) a relação é inversa, já que o centro
está ocupado sobretudo pelas mulheres e pelos animais
novos. O papel desta oposição na elassificação simbólica
manifesta-se da melhor maneira em sistemas como o do~
mae (Nova Guiné), onde à oposição masculino-femininc
correspondem as oposições mão direita-mão esquerdz
parte direita do peito-parte esquerda do peito, principá
-subordinado, moderadores do céu-moderadores da terr;
pele clara (vermelha)-pele escura (morena), imortais-mo
tais, aldeia (=parentes)-selva (=demónios), segurança-~
rigo ~l'>. Formalmente coincide com este sistema quase 1
talmente o sistema de oposição dos mera (Quénia): home
-mulher ou criança, direita-esquerda, superior-inferior, ~
meira mulher-mulher secundária, clã brancos-clã negr
dia-noite, norte-sul, este-oeste, luz-trevas, embora neste
tema a mão esquerda seja sempre valorada positiva e ·
negativamente, como o fazem os mae e a maioria dos
tros povos ('8).
Ao que parece, nos sistemas de ~classificação sir
lica, a união entre as características femininas e a esqu
é quase universal, como pode ver-se pelo menos nos e
plos seguintes: os antigos ritos eslavos, nos quais as
Prática de Análise: Leituras Semióticas 177
lheres eram sepultadas à esquerda dos homens ~19~, corres-
pondem exactamente aos mesmos costumes dos kaguru
(Ãfrica) ~z°>. O costume dos kaguru segundo o qual a ética
erótica exigia que a anca direita e a mão direita do homem
estivessem voltadas para a anca esquerda e a mão es-
querda da mulher (21) coincide com as regras da etiqueta
que foram conservadas, por exemplo, na sociedade russa
até à primeira metade do século XX (este costume que de-
terminava que o homem devia caminhar sempre à es-
querda da mulher, se comparado com o dos kaguru, pode
interpretar-se mais exactamente como a exigência de a
anca direita e a mão direita do homem estarem voltadas
para a anca esquerda e a mão esquerda da mulher; em
casos parecidos pode falar-se duma arcaicidade notável dos
sistemas sígnicos do comportamento quotidiano ~'~>). Os ri-
tos nupciais eslavos, nos quais as mulheres tinham de
colocar-se à esquerda e os homens à direita ~~>, são análo-
gos aos costumes dos zulus, segundo os quais os homens
e os garotos, durante as refeiçôes, se sentam, e à noite dor-
mem, à direita em relação à entrada da cabana, enquanto
a mãe, juntamente com as filhas e as crianças pequenas de
ambos os sexos, o faz à esquerda (z4), como se vê no título
da primeira mulher ikóhlo, 'casa da mão esquerda' «. A
própria divisão da casa em metade esquerda feminina e
metade direita masculina vê-se reflectida de forma distinta
no conto lituano Apie prakeitkta pili, no qual a casa de
habitação se encontra dividida em parte direita e parte
esquerda, e aos sete garotos (não iniciados) que entre os
7 e os 14 anos se iniciam na casa do bosque, está-
-lhes vedado olhar através da porta direita ~~~. Em nume-
rosas tribos durante a divinização (onde o papel da con-
traposição direita-esquerda é sempre muito grande) a parte
esquerda é singularmente importante para as mulheres e a
direita para os homens ~z'~. Segundo os presságios indianos,
a respiração através da narina direita do nariz, no mo-
mento de conceber, determina o sexo masculino da criança,
e a respiração através da narina esquerda, o feminino ~z8~.
rIa lndia, na organização dualística, a fratria que «dá as
mulheres» pode associar-se às características esquerda e
feminina, distintamente da direita e masculina ~~'~; as mar-
cas desta contraposição manifestam-se também na organi-
zação de casta.
178 Ensaios de Semiótica Soviética
A união entre mão esquerda e princípio feminino não
provém de qualquer premissa biológica e por isso tem um
particular interesse para a antropologia cultural. Os dados
tipológicos que permitem considerar esta união quase uni-
versal podem em certa medida confirmar a hipótese se-
gundo a qual as imagens da mão esquerda das pinturas
paleolíticas equivalem aos signos femininos do sexo. Esta
hipótese está baseada na distribuição dos símbolos corres-
pondentes, especialmente no facto de os pequenos desenhos
das mãos se encontrarem juntamente com os signos do
grupo (masculinos) ~3°). De qualquer modo, parece que os
dados anteriormente expostos implicam uma substancial
correcção da hipótese referida: poderia tratar-se não tanto
do facto de os signos das mãos serem equivalentes aos
signos femininos do sexo, mas ao facto de na distribuição
dos signos paleolíticos se poder manifestar a presença
duma classificação simbólica na qual os símbolos feminino
~ esquerda pertençam à mesma série classificativa. A exis-
tência desta classificação no paleolítico superior pode con-
cordar com as hipóteses sobre a época em que foi intro-
duzida a proibição universal do incesto ~31).
A legitimidade da comparação das pinturas rupestres
das mãos do período aurinhacense e dos seguintes com as
pinturas similares dos australianos, dos povos da Ásia
central, da África meridional e dos índios da América se-
tentrional vê-se confirmada pelo facto de em todos estes
casos, em geral, se representar a mão esquerda. Idêntica
particularidade caracteriza também as imagens pictográ-
ficas dos índios da América setentrional, onde, em cinco
localidades, a 108 marcas da mão esquerda (78 por cento
de todos os casos) correspondem 30 marcas da mão direita,
e em Terrell, a 35 marcas da mão esquerda não corres-
ponde uma única sequer da mão direita ~3z). Uma prevalên-
cia quase total de marcas da mão esquerda caracteriza
também as imagens análogas semipictográficas recente-
mente descobertas na Austrália, onde nas grutas de Tan-
danjal e de Berswich Creek só se encontram marcas da
mão esquerda (aqui há que excluir a hipótese, possível nal
guns casos, de as marcas da mão esquerda se deverem a~
facto de a mão direita estar ocupada a pintar: os austra
lianos obtêm a marca não já desenhando mas soprand
com a boca a tinta que desenha o contorno da mão e
querda). Um irc f ormant australiano que tinha feito tod~
Prática de Análise: Leituras Semióticas 179
as iniciações e participava em todas as cerimónias numa
gruta de Tandanjal areparou nas marcas das mãos e ex-
clamou: `mãos piccaninny'» ~33). A pequena imagem austra-
liana da mão esquerda está em exacta correlação com o
signo pictográfico da «velha mulher vermelha (quente)» ~34),
o que novamente confirma a legitimidade da correlação
dos pequenos signos paleolíticos da mão esquerda com a
série classificativa feminina. Também está de acordo com
estas interpretaçôes a hipótese segundo a qual a represen-
tação mágica das mãos pequenas (infantis) nas tanka bu-
distas tibetanas (lamaístas) remonta à tradição de repre-
sentar as mãos do chamane ~35). Esta hipótese é confirmada
pelo papel do símbolo «mulher,~, acriança» no sistema clas-
sificativo meru, onde o mugwe (o chamane) se caracteriza
pela união com o símbolo «feminino». Isto encontra para-
lelismos no enorme número de sociedades nas quais o cha-
mane está directa (graças ao disfarce ritual) ou mediata-
mente correlacionado com a série classificativa feminina.
IvIas sociedades como a meru isto, em última análise, pode
levar à reinterpretação de toda a série classificativa em
sentido positivo.
hIa maioria dos povos do mundo, na contraposição
mitológico-cultural das mãos direita e esquerda, a direita
tem uma função positiva ~~), o que também se reflecte nos
factos linguísticos correspondentes; veja-se, por exemplo,
na linguagem dos índios chikito americanos, a oposição
da forma com o sufixo diminutivo ~ ma ee ~ ma ~ s `mão-
zita'; ee ~ ts, `mão' e com o sufixo não diminutivo ~ nau-
ko~, que tem um significado de avaliação positiva (ee~nau-
ko~s 'mão direita', enquanto poo~nauko ~s «casa gran-
de,>); a correlação inversa nas línguas altaicas: mongol
solugai `canhoto', `desleixado', `à esquerda' (turco sol 'do
lado esquerdo', `lado esquerdo' com o sufixo~gai, que em
geral tem um significado diminutivo ~3'). Em ambas as for-
mas aqui expostas pode encontrar-se a confirmação do
nexo que anteriormente se pensou existir entre as caracte-
rísticas `pequeno' e `esquerda'; veja-se a relação entre as
características `pequeno' e `feminino', ao nível de forma-
ção de palavras na linguagem massai (África) no prefixo
en~ (das formas diminutivas, pejorativas e de subordina-
ção social en~alem `faca pequena', en~omon com as for-
Ig0 Ensaios de Semiótica Soviética
mas aumentativas e masculinas em ol~; ol~alem `espada'
,
`faca grande', ol omon `forasteiro'), a nível lexicológico a
unificação dos mesmos significados nos derivados indo-ira-
nianos da raiz kan ~ : hindu antigo kanistha ~ `o mais pe-
queno', kanya `garota', kanina 'dedo mínimo', sogdiano
kn'yck `aia', `garota', persa médio knysk `escrava', khotano
künaiska `dedo pequeno' ~38>. Com as palavras citadas pode
comparar-se, quanto ao significado, o morfema chinês
siao `pequeno' na composição das palavras do tipo siaoia-
,
nhor `aia', `diabrete' com o sufixo diminutivo final - r~
compare-se a fusão dos significados de pejorativo, de su-
bordinação social e de sexo feminino no idioma chinês
com a observação etnográfica de acordo com a qual os
chineses preferiam casar-se com mulheres de famílias per-
tencentes a uma categoria social inferior ~39~. Concorda tam-
bém com os dados citados do idioma chinês o uso do
vitnamita con (de con `criança') como palavra quantitativa
com um matiz pejorativo para algumas pessoas, em parti-
cular de sexo feminino: con `o' `aia', con mu `velha'; veja-se
em mongol escrito a rara utilização do sufixo que designa
uma qualidade de grau atenuado ~xan (yurbaxan `três no
total'; yurban 'três'; ulayaxan `avermelhado': ulayan `ver-
melho') nas denominações das pessoas de sexo feminino do
tipo nojaxan `princesita' (nojan `príncipe') ~~°~.
Os dados linguísticos referidos (e outros tipologica-
mente afins) atestam que existem relações entre as contra-
posições direita-esquerda ~41~, masculino-feminino, grande-
-pequeno, o que concorda também com os dados antes re-
feridos sobre os sistemas sígnicos extralinguísticos. Uma
vez que a contraposição grande-pequeno está indissoluvel-
mente ligada à contraposição velho-jovem, que pode consi-
derar-se uma variante da primeira, têm interesse os dados
segundo os quais a contraposição direita-esquerda pode
sobrepor-se à contraposição velho-jovem. A mitologia zu-
nhi, frequentemente considerada como um desvio das nor-
mas tipológicas ~42~, na qual a característica jovem se atri-
bui ao gémeo direito do mito dos gémeos (dualístico), pode
explicar-se pelo facto de a característica jovem (tal como
a característica direita) ser, em geral, positiva (ver mais à
frente). Os dois Gémeos enamorados da mitologia zunhi
são apresentados como benfeitores da humanidade ~43>, pelo
que, na mitologia zunhi, existe não tanto uma contraposi-
ção polar da direita e esquerda (respectivamente jovem e
Prática de Análise: Leituras Semióticas 181
velho) quanto um equilíbrio relativo dos dois princípios,
embora se considere impulsivo, predestinado para a acção
o irmão mais novo, enquanto o mais velho, à esquerda,
é considerado sábio e moderado. Descobriu-se a mesma
distribuição de funções entre os chefes do lado direito e
do lado esquerdo, que se ocupam respectivamente da paz
e da guerra, em algumas tribos da 'Melanésia na Nova
Guiné ~"~~.
O lugar particular (não simplesmente negativo) que a
mão esquerda e o lado esquerdo ocupam nos rituais meru
na mitologia zunhi concordam parcialmente com a comple-
xidade das relaçôes na antiga cultura chinesa, onde fre-
quentemente (mas não em todos os casos) a esquerda cor-
responde à série classificativa masculina yang ~45~. Viu-se
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