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nisto uma inovação, sociologicamente condicionada, da cul-

tura chinesa ~^~> (largamente conservada tanto nas regras de

etiqueta como nas respectivas formas que exigiam que o

hóspede, ao entrar em casa, subisse pela parte esquerda da

escada, enquanto o dono da casa devia subir pela parte

direita e, uma vez dentro, o hóspede ocupava o lugar si-

tuado à esquerda do dono) ~4'~. É sintomático que tal inova-

ção não tenha sido feita pelos antigos sistemas filosóficos

europeus, que, como o pitagórico, são análogos ao chinês,

enquanto conservam um conjunto antigo de algumas con-

traposições mitológicas intercorrelacionadas. Mas os pita-

góricos (ao invés dos antigos filósofos chineses) põem em

correlação a direita com o masculino e a esquerda com o

feminino ~"~~.

A parte as raras excepções citadas (que não consti-

tuem claros desvios da regra geral, mas antes a compli-

cam), na maioria dos povos do mundo, na contraposição

mitológico-ritual da direita e da esquerda, a mão direita

está relacionada com o êxito, o bem-estar, a segurança,

etc. (como no sistema citado das contraposições entre as

mãos), enquanto a esquerda encarna o princípio negativo.

Em certa medida, esta polaridade de atitude para com as

duas mãos está ligada a condiçôes geneticamente predeter-

minadas: o maior domínio do hemisfério cerebral esquer-

do, onde se encontram localizados os centros de comando

do movimento da mão direita e da fala. É particularmente

importante o facto, como foi definitivamente demonstrado

pela neurocirurgia mediante métodos modernos de estí-

mulo do córtex cerebral com eléctrodos, de o hemisfério

182 Ensaios de Semiótica Soviética

esquerdo dirigir a fala, mesmo nos canhotos ~49~. Isto não

pode deixar de ter um nexo com o facto de a sociedade

ensinar constantemente a usar a mão direita ~5°~. I~Ias

colectividades arcaicas a esta orientação educativa, que

corrige de modo substancial os resultados da transmissão

genérica da informação, as limitações rituais das funções

duma das duas mãos estão directamente ligadas. Por esse

motivo, o estudo sobre o papel predominante e sobre o

significado ritual da mão direita pode considerar-se como

uma base intermédia entre a antropologia cultural e a

física. Só a contraposição da mão direita e da esquerda,

quer dizer a sua assimetria, é absolutamente universal cst~

Os traços anatómicos da assimetria dos hemisférios cere-

brais pressupõem-se no Homo sapiens f ossilis do Paleolí-

tìco superior ~52~, exactamente quando aparecem as imagens

da mão esquerda, que atestam a importância da contrapo-

sição direita-esquerda. Por isso, a observação contida nos

estudos dedicados aos problemas da simetria, segundo os

quais «o sentido da simetria e o desejo de o expressar na

vida e na realidade quotidiana existiam já na humani-

dade do paleolítico» ~53~, deve ser completada com a tese

de que, a partir daquela época, se registam também as

relações assimétricas, destinadas a desempenhar uma fun-

ção sempre crescente tanto na organização da sociedade

como na interpretação do mundo circundante (incluindo a

descoberta de Pasteur da assimetria esquerda na física das

partículas elementares, etc.).

Os dados citados tornam verosímil a hipótese de a

contraposição direita-esquerda ser uma das primeiras que

permitiram distinguir o modelo do mundo do Homo sa-

piens fossilis dos sistemas de comportamento sígnico que

podem ser reconstruídos pelos hominídeos de épocas pre-

cedentes tendo em conta os dados da primatologia. Pelo

contrário, a contraposição masculino-feminino, que está

estreitamente ligada à central-periférica de que falámos

anteriormente, caracteriza também as colectividades dos

outros primatas (embora os signos do sexo que simboli-

zam directamente esta contraposição apareçam apenas no

período aurinhacense). ~ particularmente interessante a

tese de Kawamura, segundo a qual a posição da mãe na

colónia de Minooteno predetermina a posição (quer dizer,

o lugar na estrutura social concêntrica) do filho.

Prática de Análise: Leituras Semióticas 183

Na maior parte dos sistemas humanos de classificação

simbólicos conhecidos, a contraposição masculino-femi-

nino organiza séries classificativas inteiras. Assim, para

os paunenses, entre os símbolos cósmicos da cerimónia

Hako um simboliza o princípio feminino, a noite, a Lua, o

setentrião ~5°), a bondade e o desejo de ajudar, enquanto 0

outro encarna «o princípio masculino, o dia, o Sol e o meio-

-dia» ~55) a guerra, o desejo de prejudicar alguém (veja-se

,

mais acima a relação entre a guerra e a esquerda na clas-



sificação simbólica de Nova Guiné). A expressão mitológica

de todas estas contraposições (Sol-Lua, etc.) está estudada

em pormenor, e já anteriormente a escola mitológica tinha

esclarecido o significado destas contraposições, incluindo

o que se refere aos jogos rituais dualísticos das fratrias,

como o jogo da bola da América Central, cujo nexo com

a contraposição Sol-Lua foi posto em evidência na obra

clássica de Seler ~~). O material norte-americano vem de-

monstrar este nexo: entre os omaha a fratria do céu, que

está associada ao princípio masculino e ao setentrião, joga

à bola com a fratria da terra, que está correlacionada com

o princípio feminino e com o meio-dia; no mesmo sistema

existe a distinção do Sol como símbolo masculino e da

Lua como feminino ~5'~.

A luz da hipótese de Breuil, repetida mesmo nos mais

recentes estudos ~5a), segundo a qual as marcas paleolíticas

das mãos são signos mágicos de propriedade, é particular-

mente interessante o facto de no próprio sistema omaha

as mulheres da fratria do céu terem deixado, em sinal de

propriedade, as marcas do pé esquerdo ~59), e as mulheres

da fratria da terra terem deixado a marca do pé direito;

veja-se a semelhança funcional das marcas (imagens) da

palma da mão e da planta do pé na arte primitiva ~~°). A co-

nexão entre a fratria do Céu (masculino) e o esquerdo, e a

fratria da Terra (feminino) e o pé direito, existente entre

os omaha, não se distingue da correlação dos habitantes

do céu com a mão direita e dos habitantes da Terra com

a mão esquerda no sistema de contraposição maos antes

citado, já que no folclore de muitos povos a mão direita

se associa ao pé esquerdo ~6') (como diagonal). A correlação

da contraposição entre mão direita e esquerda com a clas-

sificação social une os omaha com muitos outros povos ~62).

18C Ensaios de Semiótica Soviética

4. VELHO-JOVEM

Esta contraposição tem um papel extremamente im-

portante tanto para a organização social das sociedades

arcaicas, como para as correspondentes mitologias de gé-

meos, onde dois gémeos-fundadores de estirpe estão con-

trapostos antes de mais por estas duas características ~63).

O elemento universal fundamental de interesse notável, já

que imprevisível e original, é o significado positivo da con-

tra-senha jovem, que se manifesta com particular clareza

no folclore dos mais variados povos ~~). O irmão mais novo

é habitualmente mais inteligente ou mais astuto que o

mais velho, como se vê, por exemplo, nos contos sobre os

griotas no idioma bambara (África): «Koroke o ye dogoni

tanü a ka hakili bonya na», «o irmão mais velho (koro)

pôs-se a gabar o mais novo (dogoni) pela sua grande inte-

ligência.» ~~) É de particular interesse para o estudo da

correlação da ~contraposição mitológica velho-jovem com a

classificação simbólica do tipo examinado anteriormente a

mitologia dos incas. Segundo Garcilaso de la Vega, mosso

pai o Sol, quando viu os homens em estado selvagem, que

viviam como feras, acasalavam como animais e não co-

nheciam nem roupas nem casas, teve pena deles e mandou

descer do Céu o seu filho Manco Capac e a sua filha Coya

para que ensinassem os homens a adorar o pai Sol, fizes-

sem leis e os ensinassem a construir cidades, a semear

milho e outras plantas e a viver como convém a seres ra-

cionais, e não como criaturas selvagens. Os filhos do Sol

atravessaram todo o país e fizeram tudo aquilo que lhes

tinha ordenado o pai Sol e fundaram as primeiras cidades.

A cidade de Cuzco foi dividida por eles em Hanan-Cuzco

(Cuzco superìor) e Hurin-Cuzco (Cuzco inferior). Os homens

que seguiram o primeiro inca, Manco Capac, estabelece-

ram-se em Hanan-Cuzco, tomando assim este nome; con-

tudo os que seguiram a irmã, e ao mesmo tempo mulher,

estabeleceram-se em Hurin-Cuzco. Esta divisão fez-se para

que não se esquecesse o facto de uma parte da população

ter sido recolhida pelo rei e a outra pela rainha. Manco Ca-

pac ordenou às gentes de Hanan-Cuzco que se consideras-

sem irmãos e ambas as fratrias como a mão direita e a mão

esquerda, o princípio masculino e o princípio femininoN ~~).

Neste texto nota-se claramente o nexo das contraposi-

ções velho-jovem, masculino-feminino, direita-esquerda ~6')~

,

Prática de Análise: Leituras Semióticas 185



a última destas contraposições também está claramente

presente nos rituais dos incas, nos quais cada fratria

e os seus chefes ocupavam os lugares dos lados (quer dizer

a periferia) da praça central. O lado da fratria de Hanan,

voltada para o norte ~~~, encontrava-se à direita de quem

olhava para o pôr-do-sol, enquanto o lado da fratria de

Hurin, voltado para o sul, se encontrava à esquerda de

quem olhava para o pôr-do-sol ~69~. Análogas funçôes rituais

de contraposição direita-esquerda são ainda conservadas

nalgumas sociedades esotéricas na Bolívia, se bem que a

vinculação entre a relação direita-esquerda seja inversa

relativamente à organização dos incas ~'°>.

A função dos irmãos mais velhos e dos mais novos

nas instituições incas antes referidas pode comparar-se

com a contraposição do irmão mais velho e mais novo na

mitologia zunhi (veja-se atrás) e noutros sistemas análogos.

Pode encontrar-se uma analogia mais próxima na lenda

sobre a origem da organização dualística da tribo bata (Ni-

géria setentrional), na qual a contraposição do irmão mais

velho e mais novo está correlacionada com a distinção da

margem meridional e setentrional. O irmão mais velho

ocupa-se de tarefas bélicas, enquanto o mais novo se de-

dica a ritos religiosos ~'1>. Esta última correspondência

funcional é quase universal. hIas ilhas Fiji os heraldos, que

são os mestres-de-cerimónias, pertenciam ao ramo genealó-

gico dos filhos segundos e os chefes a um grupo genealó-

gico mais velho ~'2~. hta Índia, os irmãos mais novos das

famílias brâmanes tornam-se sacerdotes e este facto re-

flecte-se nas respectivas contraposições mitológicas; a única

excepção conhecida é a história de Santanu, que usurpou o

trono ao irmão mais velho Devapi, mas isto não faz mais

que confirmar a regra geral ~'3~, pois o resultado da usur-

pação foi uma seca que durou doze anos (explicável com

a relação, universal para todos os sistemas mitológicos,

entre o rei e a fertilidade simbolizada pela imagem dum

rei ~~4~). Depois disto, o irmão mais velho (Devapi) tornou-se

sacerdote, o que só se explica pela excepcionalidade da

situação.

Pode comparar-se esta antiga história hindu de usur-

pação à história hitita que remonta à época do novo reino

e está exposta na autobiografia de Hattuchili III. Hattuchili

explica desde início que se tornou sacerdote por ser o filho

mais novo e mais débil: a0 meu pai Murchili teve quatro

186 Ensaios de Semiótica Soviética

filhos... Eu era o mais novo de todos eles. E, quando ainda

era pequeno e cuidava dos cavalos, Ishtar, a minha se-

nhora, ordenou, através dum sonho, a Murchili, meu pai, a

Muwatalli, meu irmão, dizendo: `Os anos de Hattuchili são

breves: não viverá muito. Dá-mo: converter-se-á em mau

sacerdote e então viverá.' E meu pai levantou-me, e sendo

ainda pequenino, consagrou-me ao serviço da divindade.

E servindo como sacerdote da divindade eu fazia as liba-

ções dos sacrifícios. E nas mãos de Ishtar, a minha senhora,

conheci a felicidade. Ishtar, a minha senhora, deu-me a

mão e manifestou-me o seu poder divino.» ~'5> Depois da

morte do pai, o irmão mais velho Muwatalli passou a ser

o rei, sucedeu-lhe Urhitessup, filho da segunda mulher de

Muwatalli, e só mais tarde Hattuchili III usurpa o poder

a Urhitessup, justificando-se com a vontade expressa pela

sua protectora, a deusa Ishtar.

Portanto, a contraposição velho-jovem entrelaça-se

com a contraposição não cerimonial-cerimonial e com a que

mais tarde levou à distinção entre poder laico e sagrado ~'6~

A valoração positiva da característica jovem no fol-

clore, na mitologia e nos rituais concorda também com os

dados linguísticos. Na imensa maioria das línguas do Velho

Mundo os significados `grande-pequeno' e `velho-jovem'

coincidem. A relação `mais velho-mais jovem' que é um

caso particular na relação 'maior-mais pequeno' ~T'~, na

maior parte das línguas do mundo, serve para designar

este último. A palavra significante 'menino' tem com fre-

quência o significado de `jovem', `pequeno' (também nas

línguas em que uma mesma palavra serve como diminu-

tivo). A valoração afectiva positiva da característica `pe-

queno', 'jovem', tanto a nível gramatical como lexicoló-

gico, está ligada ao facto de essa característica ser mar-

cada. Em muitíssimas línguas de Ásia e de África a pala-

vra que significa `menino', `pequeno', está presente quer

como função autónoma, quer como segunda parte da pa-

lavra composta: em eve vi `menino', `rebento', em santali

hoppon, em khmer ko: h, em keto (ostiako do Jenissei) dyl'

'menino', `pequeno', etc. Entre os vários extremos - a pa-

lavra 'menino' e o sufixo diminutivo - colocam-se também

casos intermédios, como o funcionamento da palavra `me-

nino', `pequeno', nos nomes compostos descritivos usados

para indicar o homem quando novo, como um jugo (keto

do Sym), f ig ~ dil' `menino' (`macho pequeno' - vejam-se

Prática de Análise: Leituras Semióticas 187

os mais arcaisos, piggedyl ~, higgedyl', registados no sé-

culo VIII; pig > f ig > hig, `varão' -, xim-dil' `menina', `ga-

rota' (xim `mulher'); em sumério dumu sal `garota' `filha'

(`filho' ou 'menino' + `mulher'); em khmer ko: n proh

(`filho'; ko: n srei `filha' em japonês otoko~no ko `me-

nino'; onna~no ko: `menina'; em tsou ak~novmamespini

`menina': oko~no~hahócini `menino'. Em tais expressões

descritivas das línguas naturais dão-se de maneira evi-

dente as «figuras do conteúdo,~, às quais os linguístas nas

suas metalinguagens artificiais apenas agora chegam. ~

aliás essencial o facto de se designar, correntemente, me-

diante um morfema particular (derivado da palavra sig-

nificante `menino') o significado `pequeno', `jovem', o que

corresponde ao marcado carácter positivo do significado.

Isto é absolutamente válido para as línguas em que se

designa, com um determinado morfo zero, apenas a rela-

ção `mais jovem' (`mais pequeno'). Muito menos frequen-

tes são as línguas em que a relação oposta `maior' (`mais

velho') se designa mediante um morfema particular com

o significado originário de pai (tsou meoyi, nas expressões

do tipo meoyi~no~cou `homem grande', 'adulto' ~'8~). Mas

também no que se refere a estas línguas é pouco provável

o ponto de vista segundo o qual no sistema dos termos

de parentesco, onde é importante a relação de polaridade

`mais velho =`mais jovem' ~'9~, esteja marcado o primeiro

membro ~~°~. IvIos casos de línguas nas quais os termos de

parentesco estão formados mediante o tema com o signi-

ficado `mais velho', por exemplo, ~ kulu em nyamwesi,

llwana, ngonde, gamba e outros idiomas da Ãfrica orien-

tal <8'~, também aqui se dão os termos correlativos de pa-

rentesco derivados do tema com o significado `mais jo-

vem' (nyamwesi mukulu/muzuna ~82>). A mais ampla difusão

das formas diminutivas, relativamente às aumentativas,

corresponde a existência de línguas nas quais para a for-

mação dos termos de parentesco se usa apenas o morfema

diminutivo (e não aumentativo) (latim avunculus `tio ma-

terno': avus `avô' (83), ou senão a palavra `menino' (veja-se a

denominação de madrinha e padrinho, mediante a compo-

sição com misun em mixe (84) e o morfema mün `menino' em

alguns dos termos de parentesco na língua telifomim na

I~Iova Guiné ~85~. Também concorda com os dados linguísti-

cos expostos o uso da palavra `menino' com a qualidade de

188 Ensaios de Semiótica Soviética

título honorífico da organização de «casta» na Índia e nas

ilhas Fiji ~~>.

A coincidência dos dados linguísticos, folclóricos e

mitológicos faz supor que o significado positivo da carac-

terística menor seja uma peculiaridade importante de

todos os sistemas sígnicos humanos. Os dados da prima-

tologia adquirem um significado mais relevante ainda, se-

gundo os quais o mais novo dos irmãos e das irmãs recebe

um lugar mais alto (no sentido em que se definiu anterior-

mente) em relação ao irmão mais velho. Provavelmente

poder-se-á falar aqui duma coincidência muito significativa

da estrutura das colectividades humanas e das colectivida-

des dos outros primatas.

As quatro contraposições que antes foram considera-

das formam parte das séries classificatórias que também

compreendem algumas outras contraposições, às quais se

fez referência de passagem ~8'~. O número destas contrapo-

sições, presentes de maneira manifesta (em geral o nível

de consciência para os membros das colectividades cor-

respondentes a diferenças das contraposições linguísticas-

-fonológicas e gramaticais-inconscientes) na mitologia e no

comportamento ritualizado, é relativamente pequeno. O

relativamente simples sistema universal de semelhantes

contraposiçôes realiza-se em cada sociedade concreta, de

maneira distinta, que não depende apenas deste sistema

universal.

Apesar de todas as contradições dos tipos examinados

serem binárias (não apenas para o investigador, mas tam-

bém para o portador do sistema correspondente ~~~), disso

não deriva que a própria sociedade que se serve de tal sis-

tema classificatório binário tenha de ser necessariamente

dualística. Se se conhecem casos nos quais as contraposi-

çôes binárias são a base do sistema classificatório duma

sociedade não dualista, por exemplo, na tribo dos purum,

onde a sociedade se baseia no intercâmbio circular dos

partners numa «união de três clãs» ~89~

O caso mais simples para a investigação dá-se na Aus-

trália, clássico país das «metades», onde as contraposições

binárias nas classificações simbólicas podem estar com

frequência directamente relacionadas com a organização

dualística. O estudo dos sistemas classificatórios austra-

lianos foi sempre usado, pois, como ponto de partida para

expor os princípios de tal classificação ~~°~. A sobreposição

Prática de Análise: Leituras Semióticas 189

das duas contraposições binárias pode conduzir a um sis-

tema de quatro elementos, por exemplo, ao sistema de

quatro grupos sociais, orientados segundo os quatro

pontos cardiais e ligados a outras diferenças quaterná-

rïas, sistema descoberto para as mais variadas sociedades

por Hocart ~9t~

Um problema particularmente interessante é a corre-

lação da classificação quaternária deste tipo e da estrutura

concêntrica determinada pela estrutura que examinámos

antes: centro-periferia. Estas duas estruturas podem con-

trapor-se, como se vê pela contraposição dos fogos (lares)

quadrangulares do céu aos lares circulares da terra em

Roma, na Grécia e na Índia (veja-se atrás) e pela contra-

posição quadrangular-circular no sistema classificatório-pi-

tagórico, etc.

Mas em muitos casos a estrutura quadrangular sobre-

põe-se à circular (concêntrica). O resultado imediato de tal

sobreposição é o signo gráfico egípcio, usado para desig-

nar aaldeia», que representa uma cruz inscrita num cír-

culo; neste hieróglifo viu-se justamente o reflexo duma

estrutura social que tem vastos paralelos nos diferentes

países do mundo ~~~. Mas o exame da relação da classifi-

cação binária e da organização real da sociedade requer

que se ponha em evidência a simultânea existência, no

Egipto, do sistema quadrangular, testemunhado não ape-

nas pelo citado hieróglifo mas também pela cerimónia de

«consagração do campo», durante a qual o rei se dirigia,

um a um, aos quatro pontos cardiais (da mesma maneira

que em análogos rituais chineses antigos), e da classifi-

cação binária em que se sustenta este sistema. Como esta-

beleceu, em 1941, A. M. Zolotariev na sua investigação sobre

cosmografia dualística, e, mais tarde, independentemente

dele, Frankfort, o poder real egípcio era dualístico por na-

tureza: «Esta extraordinária concepção expressava de forma

política a tendência, profundamente arreigada, dos egíp-

cios para ver o mundo dualisticamente, como uma série

de contradições binárias, ponderadas num equilíbrio imu-

tável. Nesta concepção a «terra», por sua vez, era enten-

dida de novo dualisticamente como «setentrião» e «meio-

-dia», «parte de Horus e parte de Seth», r

·

monstra claramente o seu carácter não político. Cada um

deles é o equivalente do segundo membro do par mais uni-

190 Ensaios de Semiótica Soviética

versal acéu e terra»: referem-se à cosmologia e não à polí-

tica. Contudo, cada um destes pares estava apto a descrever

as possessões do rei, já que toda a Humanidade e todos

os países da Terra estavam submetidos ao faraó. Com fre-

quência, descrevia-se o seu reino como `o reino à volta do

qual dá voltas o Sol': a Terra ~93)

O sistema das contraposições binárias, que compene-

tra a organização social e as concepções cosmológicas de

todas as sociedades arcaicas e que se conserva com bas-

tante clareza ainda em todas as antigas civilizações que

utilizavam a escrita, sociedades habitualmente caracteriza-

das também por estruturas mais complexas, de quatro e


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