Língua, texto e ensino Outra escola possível



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tributação

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comunistas

cooperativismo




partidária

tributar

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comunistas

cooperativismo cooperativismo cooperativismo cooperativismo




partidos




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cooperativas

desenvolvimento desenvolvimento

partido

partidos


partidária

tributária

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comunistas

cooperativas cooperativismo

desenvolvimento




tributar tributo

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partidos partidária




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desenvolvimentista desenvolvimento







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desenvolvimento







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desenvolvimento.







Mesmo nessa pequena amostra, fica evidente que a repetição de uma palavra ligada ao tópico central do texto sai marcando a manutenção des­se tópico, do começo ao fim. Como uma linha sem quebra.

3.2. Em segundo lugar, e em desdobramento a essa estratégia de con­firmar o tópico introduzido, destaco, ainda, para a repetição uma função resumitiva, ou seja, uma pretensão de condensar em blocos maiores o fatiamento ou a distribuição das informações e ideias. Essa pretensão resu­mitiva assume função paralela àquela de confirmação do tópico ou dos subtópicos escolhidos. É ela, ainda, que converte o último parágrafo em espaço preferencial para repetições de palavras que apareceram pela pri­meira vez no parágrafo introdutório.

Nessa linha de consideração, quero destacar a grande densidade fun­cional do recurso em análise quando a unidade repetida aparece num con­texto verbal sintática e semanticamente semelhante àquele em que aparece a primeira ocorrência da palavra. Enquanto operações de confirmação do núcleo temático do texto, tais repetições aparecem, como disse, ainda mais funcionais, uma vez que o aspecto confirmativo da repetição é reiterado pela obviedade dos elementos lexicais semântica e linearmente contíguos.

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Observe-se, por exemplo, a repetição da unidade "revolucionária" no seguinte contexto:

- agitação revolucionária

- plena ação revolucionária.

Ou ainda a repetição das palavras em negrito nos dois fragmentos abaixo:

- As instruções [...] foram um golpe no cooperativismo de crédito urbano

- o decreto-lei [...] golpeou [...] o cooperativismo de crédito rural"

Se pusermos em confronto as unidades repetidas, pode-se reparar no propósito reiterativo, ou na intenção de confirmar determinado eixo temático, não apenas pelo recurso à repetição, mas ainda pela retomada do contexto semântico onde se inseriu a primeira ocorrência. Ou seja, a confirmação promovida pela unidade repetida é reiterada pelo contexto sintático-semântico de sua ocorrência. Essa operação resulta obviamente produtiva, quer no âmbito da unidade tópica global, quer no outro da uni­dade tópica paragráfica.

3.3. Em terceiro lugar, destaco para a repetição a função de indicar a sele­ção prévia de determinado elemento a partir do qual a informação progride.

Nesse sentido, a repetição entra como recurso de ancoragem dos tó­picos já introduzidos em direção ao desenvolvimento do texto, seja por meio das paráfrases, das reformulações, dos ajustes, das especificações, dos resumos e de outros procedimentos similares. Entra, assim, como elemento indicativo da transição que o percurso do texto vai executando, ainda assim sobressaindo-se como elemento da sua continuidade.

Parece haver certa regularidade na proximidade dos termos repeti­dos que se destinam a essa operação de reformulação, de precisão ou de ajuste. No contexto dessas operações, o uso da repetição, em relação às pró-formas pronominais, revela-se textualmente mais significativo, uma vez que permite o acréscimo de expressões modificadoras, de especifica­ção, por exemplo, as quais, em muitos casos, representam uma abertura para a subjetividade dos interlocutores e uma abertura para a linha de progressão do texto.

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Subjacente a essas funções específicas da repetição, está o caráter de instrução relacional que se pode atribuir a essa operação textual. Pela re­petição, na verdade, são indicadas as diferentes inter-relações entre os vários segmentos do texto. São estas inter-relações que deixam o texto na condição de unidade hierarquicamente organizada. Neste aspecto, pode-se admitir que a repetição de unidades lexicais pode caracterizar um dis­curso bem planejado.



Por essas e outras motivações parece inteiramente fora de propósito a composição de textos sem o recurso funcional da repetição. E não só: parece extremamente difícil o processamento das informações e ideias, em ordem a uma unidade semântica, sem que se volte à reutilização de unidades e de sequência de unidades lexicais.

Na perspectiva de que "o texto mesmo inclui múltiplas ajudas para sua própria decodificação" (cf. Weinrich, 1981, p. 11), aponto a repetição lexical como uma das mais salientes e significativas dessas ajudas.

De fato, projetar um texto sem repetições seria projetar um texto arti­ficial, possivelmente pouco claro e inexpressivo, nomeadamente quando estão em jogo palavras para as quais os substitutos sinonímicos se tor­nam raros ou discursivamente inoperantes. Qual seria, por exemplo, o si­nônimo para cooperativismo?

Insistimos: o que convém fazer não é, de uma forma simplista e ge­nérica, coibir ou condenar a repetição. Podemos, ao contrário, redimen­sionar as funções de sua ocorrência e ver, em diferentes gêneros, essas funções acontecendo, o que possibilitaria uma apreensão do fenômeno ampla e consistente. Quer dizer, a solução não é impedir o uso da repeti­ção, mas analisar os contextos em que ela costuma acontecer e as funções que cumpre para a promoção da coesão, da informatividade e da coerência. Nem sempre, voltar às mesmas palavras é deixar o texto sem a novidade requerida para seu natural avanço. Pelo contrário, a unidade temática de um texto, o tópico central de um parágrafo, por exemplo, podem ser mar­cados, assinalados, indicados pela repetição de uma palavra.

Como se pode constatar, surpreender as regularidades linguísticas na dimensão dos seus usos - todos eles inerentemente textuais - afasta muito ponto de vista, muitas suposições simplistas e inconsistentes. 153
Além disso, favorece a compreensão dos fatos que, na verdade, acontecem na interação verbal, diferentemente do que se vê quando apenas se conside­ra a esfera idealizada dos parâmetros virtuais.
4. A variação lexical

Outro aspecto do léxico a ser visto, desde o seu emprego textual, é a contraparte da repetição, ou seja, o procedimento da variação lexical, o qual se efetiva, como foi referido atrás, pela substituição de uma unidade por outra equivalente.

É nesse domínio que pode ganhar relevo o estudo da sinonímia. A substituição, no texto Os preços muito loucos da era do real, visto atrás, da palavra 'elevação' (em 'elevação dos preços', que, por sinal, já substi­tuía 'inflação') pela outra 'aumento' (em 'aumento dos preços') cria a rei­teração requisitada pela própria coerência. Marca a sustentação de uma referência anterior e, com isso, a manutenção de uma unidade temática. Indica que o percurso do texto vai-se configurando à volta de referências já introduzidas, garantindo-se, assim, a sua continuidade, um ponto, sem dúvida, crucial para o estabelecimento da coerência.

...


Compare-se, por exemplo, a diferença de sentido entre uma pessoa abatida x uma ave abatida. A expressão um café fresco pode funcionar como equivalente a um café quente, recém-feito. Em: uma água fresca, o sentido já é outro. Quer dizer, reafirmo, somente o contexto da interação - materializado no texto-permite que se decida acerca das efetivas equivalências sinonímicas.

...
Efetivamente, aquilo que se pretende com a substituição é, de ordinário, voltar, por alguma conveniência discursiva, à mesma referência ou à mesma predicação, embora, como se pode prever, não necessariamente à referência do mesmo obje­to discursivo ou à mesma predicação.

Fora desse procedimento de substituição tex­tual, não vejo que relevância pode ter o estudo das relações sinonímicas entre unidades do léxico - a não ser adquirir a informação pela informação. Até mesmo porque somente o texto permite que se de­cida acerca das efetivas equivalências sinonímicas. Em um outro texto, por exemplo, a substituição de elevação poderia não aceitar a ocorrência da pala­vra aumento.

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A lista de pares de sinônimos, tal qual costumeiramente se propõe nos exercícios escolares, favorece muito pouco o desenvolvimento dessa habilidade textual de manter, pela variação lexical, uma referência, uma predicação ou um atributo anteriormente introduzidos. A prática de substituir, em pares de frases, uma palavra por outra sinônima também não satisfaz, já que, nes­se tipo de procedimento, a consideração do termo sinonímico se faz apenas em relação a duas frases possíveis (no âmbito das virtualidades, do paradig­mático, portanto), descartando-se, assim, a perspec­tiva textual, sintagmática, de como os sinônimos in­tervêm na construção da coesão e da coerência.

Ainda no domínio da substituição, teria lugar o estudo das relações de hiperonímia: aquelas que existem entre um nome mais geral ou superordenado e outro mais específico ou subordina­do, conforme propõe Lyons (1980, p. 235), entre muitos outros autores. Admitindo níveis distintos de generalidade, os hiperônimos refletem a dis­posição hierárquica em que se organiza o léxico das línguas, o que, por sua vez, reflete a organiza­ção inclusiva com que são percebidas as coisas no mundo da experiência.

...


O estudo das relações de hiperonímia, normalmente, tem estado fora dos programas de ensino escolar. Quase não se fala nesse tipo de relação semântica. No entanto, ela aparece com bastante frequência nos diferentes gêneros de textos, mais até do que a sinonímia, pois é mais flexível e traz menos problemas de equivalência. Por exemplo, a apresentação do texto da Veja em análise é precedida do segmento: "Uma pesquisa mostra como aluguel, escola, médico e outros serviços subiram mais que a inflação". Como se pode ver, as unidades 'aluguel', 'escola', 'médico' estão semanticamente retomadas pela outra 'serviços', o que constitui, além de um nexo coesivo, uma forma de organização hierárquica, resumitiva, dos itens mencionados.

...
Por isso, os hiperônimos prestam-se a substi­tuições textuais coesivas, do mesmo modo que os sinônimos, e constituem, assim, substituições mar­cadoras da continuidade que a coerência requisita.

Na maioria das vezes, as substituições de na­tureza hiperonímica, ao lado do encadeamento conseguido, possibilitam retomadas resumitivas ou recapituladoras de blocos prévios do próprio texto. Nessa condição, aparecem, quase sempre, no fim do segmento que resumem ou no início de um outro, marcando exatamente a passagem en­tre o segmento resumido e o novo que começa.

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Julgo que apenas a constatação de como tais relações funcionam na or­ganização coesiva do texto pode revelar a particularidade lexical dos hiperônimos e sua produtividade na criação e na interpretação do que é dito.

Em suma, é interessante observar como são frequentes nos textos as subs­tituições lexicais por hiperônimos, até porque, reitero, elas são menos comple­xas e mais frequentes do que aquelas possibilitadas pelo uso de sinônimos.


5. A colocação

Ao lado da reiteração, Halliday & Hasan (1976; 1989) apontam ou­tro procedimento da coesão lexical: aquilo que eles chamam de colocação - categoria já definida neste capítulo - e que temos incluído naquilo que consideramos como associação semântica.

Os autores definem esse procedimento como decorrente da proprie­dade que certas unidades têm de tenderem a coocorrer com outras, isto é, de, regularmente, tenderem a dividir, com outras, contextos verbais si­milares. As relações semânticas instauradoras desse tipo de procedimen­to coesivo são as mais diversas, as mais extensivas, já que decorrem das redes de associações (ou "afinidades semânticas", nos termos de Ruck, 1980) entre elementos lexicais sucessivos.

Se através da reiteração se chega, na maior parte dos casos, a uma re­lação de identidade entre dois segmentos - identidade de referência e/ou de sentido -, pela colocação somente é possível uma relação de aproxima­ção ou de contiguidade. As cadeias que se constituem por seu intermédio nunca são, dessa forma, cadeias de identidade, ou seja, as retomadas nun­ca são retomadas correferenciais.

Além disso, para a instauração de nexos coesivos por associação, o ní­vel sintático do percurso textual nem sempre chega a ser relevante, como nos procedimentos anteriores. São salientados, antes, outros processos de textualização, nomeadamente aquele de concentração num tema ou num tópico discursivo particular (cf. Bernardez, 1982).

Dentre as relações semânticas que figuram no nexo por associação destacam-se:

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- aquelas existentes entre co-hipônimos, ou seja, entre elementos consti­tutivos de uma mesma classe, de um mesmo conjunto ou de uma mesma série, como em eleição, voto etc.;



- aquelas que expressam relações de 'parte' x 'todo1, 'conteúdo' x 'conti­nente' e vice-versa, relações que se têm denominado, na semântica lexi­cal, de partonimia (ou meronímia; cf., por exemplo, Cruse, 1987; Halliday & Hasan, 1989), como em real-, centavos; bolso: moeda etc.;

- aquelas que expressam os diferentes tipos de antonímia (Lyons, 1980), como em elevação: baixa etc.


Para a determinação desse conjunto de relações, é relevante o recur­so às noções de "esquemas" (os conhecidos "frames"), ou seja, às noções acerca de como os eventos, as coisas e as pessoas se distribuem e se or­ganizam, de forma regular, na experiência do mundo físico e cultural em que se inserem.

Se voltarmos ao texto, percebemos uma série de cadeias de associa­ção interligando suas unidades lexicais. Assim, vejamos:



a) inflação

cálculo

elevação

baixa




moeda

preço







Plano Real

plano econômico

governo







b) moeda

valor

elevação

baixa




bolso

frações

centavos

comprar

pagar

custar




trocas




c) caipirinha

garrafa de refrigerante lata de cerveja




d) pizzaria

dono

garçom

nota




farinha

ovos

pão







e) brasileiros

classe média

inconsciente popular

governo

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Na verdade, essas associações constituem verdadeiras 'cadeias textuais' (cadeias que Halliday & Hasan, 1989, p. 77, chamam de "cadeias de co-extensão"), as quais ganham mais relevância ainda pelo fato de uma cadeia, conforme se pode ver, estar em interação com outra ou com outras (repa­re-se que há palavras que poderiam aparecer em mais de uma cadeia e que, de certa forma, uma cadeia se continua em outra). Tanto que, por vezes, se torna bastante complicado estabelecer as fronteiras dessas cadeias. Não constituem, por isso, feixes isolados de relações, mas providenciam verda­deiras teias de ligação com linhas que se unem em todas as direções.

Fundamentalmente, é por esse procedimento que se sustenta a afirma­ção de que, em um texto, nenhuma palavra está solta (desde que se tenha estabelecido, também, a sua coerência). Se repararmos, toda a cadeia repre­sentada pelo item inflação está relacionada com a outra representada pelo item moeda. Da mesma forma que os itens mais diretamente relacionados com moeda também remetem aos itens da cadeia seguinte. A dificuldade que se experimenta em armar essas diferentes cadeias, ou melhor, em esta­belecer seus limites só denuncia a interação textual em que entram.

Dois pontos merecem, ainda, consideração.

a) A rede de associações constitutivas dessas cadeias pode decorrer de relações inscritas no próprio sistema da língua (por exemplo: ele­vação : baixa), como pode decorrer, ainda, de relações provenientes de nosso conhecimento da realidade, do conhecimento acerca dos esquemas (frames) com que os eventos se organizam na experiên­cia. Daí, por exemplo, ser possível a relação associativa entre gover­no e plano real ou entre real e centavo, relações que poderiam ser inapropriadas em outros contextos históricos.

O recurso ao nosso conhecimento de mundo e de seus esquemas de orga­nização constitui, assim, uma fonte apreciável de estabelecimento de relações lexicais e, nem sempre, pelo que sei, tem sido objeto de qualquer atenção no ensino de língua. Na verdade, o ensino da língua tem sido demasiadamente centrado no linguístico, ou ainda, demasiadamente centrado na gramática.

b) A consideração dos nexos coesivos lexicais - por reiteração e por asso­ciação semântica -, pode favorecer também a identificação das palavras chaves de um dado texto, na verdade um caminho que leva a um outro ponto: o da unidade tópica e seu desmembramento em subtópicos.

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Em geral, quanto mais uma unidade reincide em determinada cadeia mais essa unidade representa um elemento do tópico central e é, assim, uma unidade relevante. E ainda: quanto mais uma cadeia entra em intera­ção com outra(s), mais essa cadeia constitui um eixo central da unidade tó­pica do texto. Em contrapartida, unidades que figuram uma ou duas vezes apenas e que não interagem com unidades de outras cadeias constituem, certamente, elementos periféricos em relação ao tópico central.

Dessa forma, pode-se ter um mapeamento das unidades lexicais do texto enquanto elementos indicadores de sua concentração temática, uma operação de fato relevante para a ampliação da competência discur­siva dos usuários da língua.


6. Conclusão

Uma abordagem do léxico, assim, em atenção às suas funções textuais, pode resultar bastante aplicativa, inclusive, em relação à leitura, seja ela de materiais facilmente interpretáveis, seja ela de materiais complexos, que demandam uma atividade interpretativa mais acentuada. Ou seja, a identifi­cação das cadeias coesivas, formadas com base em unidades do léxico, cons­titui, sem dúvida, uma estratégia imprescindível para que o leitor processe a compreensão do texto, principalmente a compreensão de seus aspectos glo­bais. Na verdade, o entendimento vai-se processando à medida que o leitor vai articulando, em blocos, em cadeias, os diferentes segmentos linguísticos. Inclusive, conforme pudemos ver, as próprias cadeias carecem também de ser articuladas, uma vez que elas não acontecem isoladas umas das outras.

Evidentemente todas essas operações se destinam a que se recupere a coerência do texto. Encadear segmentos, de qualquer dimensão, é uma dis­posição dos interlocutores; disposição resultante, mesmo intuitivamente, de seu conhecimento acerca de como se faz e de como se entende um texto.

Conforme se pôde ver, o estudo dos procedimentos coesivos que envol­vem unidades do léxico possibilita uma apreciação, de fato, relevante das fun­ções dessas unidades na criação da organização do texto. Constitui, por isso, uma forte motivação de estudo, não só em relação às atividades de produção oral e escrita, mas ainda em relação às outras de leitura e interpretação.

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Descarta-se, por esse meio, o estudo parcial, meramente especulati­vo, de unidades isoladas, fora de qualquer contexto verbal e de situação, fora de qualquer consideração de seus usos discursivos. Comumente, as unidades lexicais têm sido vistas apenas como unidades semânticas, para as quais se procura o significado ou os significados dicionarizados. Falta, portanto, perceber a dimensão textual do léxico; falta perceber outras di­mensões do léxico, concretamente, sua função enquanto peça da constru­ção, da arquitetura do texto.

Desconfio de que o estudo das classificações e das nomenclaturas gramaticais (antes fosse o estu­do das regras!) venha concentrando a atenção dos professores em detrimento do estudo dessas e de outras aplicabilidades do léxico. Afinal, textos re­levantes (coesos e coerentes) se fazem com regras gramaticais, mas, também, com unidades do léxico em funcionamento.

...

Sugiro a consideração das sugestões de atividades com o léxico apresentadas em dois livros de Rodolfo llari e em um outro, recente­mente publicado por Celso Ferrarezi Jr. (cf. indicações na bibliografia).



...
Valia a pena perguntar-nos: por que não destinamos ao estudo do lé­xico, às atividades de ampliação de nosso vocabulário, o interesse, o em­penho, o esforço que dedicamos, já desde as primeiras séries, ao estudo das definições, das classificações gramaticais, com sua estranha e compli­cada nomenclatura?

...


De que essa postura tão superficial nos desvia?

o que ela nos impede dever?

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Capitulo 9

DA INTERTEXTUALIDADE à AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA NA ESCRITA DE TEXTOS

...

Este trabalho foi originalmente apresentado no IV Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada, realizado na UNICAMP, Campinas (SP), em setembro de 1995.

...
1. Introdução

Minha reflexão pretende ser, no momento, uma contribuição para a didática da escrita, tomando como ponto de apoio aspectos pragmáticos da textualidade linguística.

O interesse dos linguistas por minimizar as dis­tâncias que separam a investigação acadêmica da prática pedagógica de ensino das línguas, nomeadamente no que se refere à ampliação da competência para a escrita, tem motivado um grande número de pesquisas científicas. Tais pesquisas, como muito bem se poderia esperar, têm atentado prioritariamente para a natureza da escrita enquanto ativida­de processual e interativa e, bem menos, para sua dimensão mais restrita de mero desempenho mecânico, que resulta em um produto acabado, quase sempre, fruto de uma versão única. É nessa direção processual e interativa que oriento também a presente reflexão.

Tem sido consensual a observação de que, mesmo nos estágios mais avançados da escolarização (incluindo aqui o universo da pós-gradua­ção),

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as pessoas revelam dificuldades no desempenho da escrita de textos formais, relevantes e coerentes. À pergunta se, na verdade, existem textos incoerentes, costuma-se apontar o universo da escola (sobretudo no fun­damental e médio) como sendo aquele reduto onde podem ser encontra­dos exemplares bem próximos daquilo que se poderia caracterizar como textos incoerentes, ou "não-textos". Parece que, às dificuldades normais que a escrita poderia comportar, somam-se outras, quando essa escrita preenche apenas a condição de prática escolar, ou seja, quando essa escri­ta se esgota no conhecido exercício escolar de redação.

Na análise dos fatores que estariam na gênese do problema, tem-se nomeado:

- o caráter de artificialidade dos contextos escolares em que a escrita é solicitada;

- a ausência de uma dialogicidade, ainda que apenas simulada;

- o afastamento das propostas de produção escrita em relação aos usos sociais que efetivamente são feitos;

- a representação que os alunos construíram, na própria escola, acerca da escrita e dos requisitos que determinam sua adequação e qualidade;

- a estreiteza na compreensão das operações processuais implicadas na atividade de escrever.
Com base na abrangência desses fatores, muitos parâmetros podem ser tomados como fundamento para a consideração do problema. Entre­tanto, escolho, no momento, deter-me no aspecto da condição processual da escrita - um desdobramento da própria natureza da linguagem -, por considerar seu grande alcance e relevância para uma didática da escrita que seja mais eficiente.

Considerar a escrita sob a ótica da atividade processual nos leva, na­turalmente, à noção da intertextualidade. Nesse ponto, admito, pode ter início uma escrita que, mesmo sendo exercício de aprendizagem, deve e pode ultrapassar o aspecto vazio e sem sentido da atividade escolar que começa com a proposta do instrutor e acaba no produto que é apresenta­do a seus olhos de mero avaliador.

Portanto, pelo recurso à intertextualidade, quero investir na proposta de um ensino/aprendizagem da escrita que, destinando-se a ultrapassar

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os limites institucionais da escola, tem origens na corrente infinita dos muitos outros textos que circulam também fora da escola.

O pressuposto dessa proposta não é outro senão o princípio de que toda interação verbal é apenas um elo de uma grande cadeia, que se es­tende indefinida e ininterruptamente, perpassando a história da própria humanidade. A escrita, portanto, é uma atividade socializada e socializante, pela qual se efetiva e se assinala a continuidade das concepções e se marca a trajetória humana.

Em suma, proponho uma visão de escrita, processual e interativa, que se fundamenta nas noções da interdiscursividade ou da intertextualida­de, conforme passamos a expor a seguir.


2. Retomando a noção de intertextualidade

Em um sentido bem amplo, a noção de intertextualidade remonta, como adiantamos logo atrás, à ideia de que a humanidade, no curso de sua história, realiza um único e permanente discurso, que se vai compondo, que se vai completando, articulando e refazendo, de maneira que poderíamos vê-lo com uma grande linha, inteira e sem rupturas. Dessa forma, todos os nossos discursos apenas continuam os discursos anteriores, e a originali­dade total de cada discurso está, simplesmente, em nunca ser a primeira palavra. A multidão de todas as outras pessoas que nos precederam e com quem convivemos fala pela nossa voz. Como poeticamente diz Ferreira Gullar, em seu poema Muitas vozes:

Meu poema

é um tumulto:

a fala

que nele fala

outras vozes arrasta em alarido.

Pressupõe-se, nessa primeira dimensão, uma intertextualidade am­pla, tácita, praticamente inevitável. É aí que se situa, por exemplo, a ques­tão da tipologia textual, segundo propõem, entre outros, Beaugrande & Dressler (1981), pois qualquer texto, na sua estruturação e organização,

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constitui, por si só, uma marca de intertextualidade, uma vez que tipos e gêneros são regulados por modelos prévios em circulação. "Os textos se apoiam em outros textos", afirma Bazerman no título de um dos capítulos de seu livro Gênero, agência e escrita (cf. bibliografia).

Assim, todo texto é, sob qualquer condição, um intertexto, na medida em que, como tipo e como gênero, se enquadra num modelo específico - o seu arquétipo - socialmente recorrente e reconhecido como um exemplar concreto. É da conformação de um determinado texto às particularidades enunciativas de seu tipo ou de seu gênero que decorrem os esquemas superestruturais de sua organização, uma das condições que lhe garantem adequação e relevância. A intertextualidade é, pois, uma das propriedades constitutivas de qualquer texto, ao lado da coesão, da coerência, da informatividade, entre outras.

Ainda no domínio dessa intertextualidade mais vasta, insere-se tudo quanto, em um texto, pressupõe a remissão, mesmo que não declarada, a outros textos prévios. Por esse viés, fica postulada uma intertextualidade de extrema amplitude, pois se torna imensamente difícil discernir o que não está vinculado ao conhecimento prévio de outros textos, principal­mente se 'texto' está significando, aqui - o que o que é legítimo supor - toda e qualquer atuação semiológica verbal.

...


A toda hora, tomamos de empréstimo as "vozes" que falam pelos provérbios populares, pelos ditos que andam na boca do povo, pelas expressões que se cristalizaram e que constituem parte de nosso patrimônio cultural.

...


Em um sentido mais restrito, se entende a in­tertextualidade como a operação que se efetiva pela inserção explícita de determinado texto em outro texto. Na verdade, essa inserção costuma ser de um fragmento (maior ou menor) de um texto em outro, como acabei de fazer em relação ao poe­ma de Ferreira Gullar. Essa inserção, ainda, pode remeter, ipsis litteris, ao texto de origem, ou pode assumir a forma de uma paráfrase (o mesmo dito com outras palavras) ou de uma alusão, apenas, sem referências indicativas de sua procedência.

De qualquer forma, seja em sentido amplo, seja em sentido restrito, todo texto, na sua produção e na sua recepção, está ligado ao conhecimento que os interlocutores têm acerca de outros textos previamente postos em circulação.

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Ou seja, recorre-se à intromissão de outro(s) texto(s), em um texto particular, como uma forma natural de a atividade comunicativa ocorrer.

Em síntese, igual ao que ocorre na coesão ou na coerência, a intertex­tualidade entra na determinação dos parâmetros de constituição do texto, como resultado inevitável da sua natural ancoragem em conhecimentos já existentes, veiculados por diferentes materiais anteriormente em circulação.

A propósito, conforme lembram Hallyday & Hasan (1989, p. 47), a es­cola se constitui num espaço privilegiado dessa intertextualidade, uma vez que cada unidade conceitual é abordada com base em outras previamente definidas, seja no mesmo campo do conhecimento, seja em outros.

É essa intertextualidade ampla, difusa, interdisci­plinar, sedimentada no saber já produzido, sistemati­zado e divulgado pela comunidade, que me interessa, agora, para a análise da atividade da escrita. É nessa intertextualidade, assim, externa ao espaço pedagó­gico e anterior ao momento da produção textual, que me firmo para propor uma didática da escrita apoia­da nos parâmetros mais amplos e mais remotos de re­pertórios informacionais.

Sabe-se que a dimensão da intertextualidade representa, sem dúvida, um referencial para a de­terminação dos recursos linguísticos a serem utilizados e, dessa forma, constitui um suporte para o cálculo da adequação do texto às suas situa­ções de ocorrência.

...


Embora consideremos, neste capítulo, a intertextualidade como meio de se promover a amplia­ção das informações - base para a escrita de qualquer texto - não deixamos de reconhecer as funções discursivas da intertextualidade no exercício da oralidade.

...
3. A atividade de escrever: onde e quando começa?

Quando a escola se propõe a ensinar a produção de textos, na verdade, ela deverá objetivar capacitar os alunos para a prática social da múltipla e funcio­nal comunicação oral e escrita. De outra maneira, não teria sentido nem o tra­balho de quem ensina nem o esforço outro de quem se dispõe a aprender.

Retomando o caráter funcional e pragmático do exercício da lingua­gem, volto ao princípio de que a escrita é uma atividade de intercâmbio e



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interação, na qual determinado modo de atuar passa pelo contingente do 'dizer' verbal.

E retomando, ainda, o ponto da intertextualidade acima apresentado, parto do princípio de que esse dizer verbal não surge, não irrompe na instância imediata da sua materialização, o que equivale a afirmar que ele remonta a outros dizeres a partir dos quais se efetiva. A escrita de um texto não começa nem no espaço nem no momento em que são "traçadas as primeiras linhas". Começa muito antes. Bem antes, mesmo.

Com base nesse princípio é que se pode admitir que elaborar ou redigir um texto, em medidas diferentes, comporta, entre outras, operações de:

a) recapitulação,

b) remontagem,

c) reenquadramento associativo de conceitos, dados e informações,

d) conformação a um tipo e a um gênero de texto socialmente deter­minado.

As três primeiras operações, é evidente, implicam a ativação de conhe­cimentos já adquiridos, providenciados remota ou proximamente, direta ou indiretamente, de modo a permitirem que, de um ponto anterior, se avance na configuração de uma instância comunicativa relevante. Ou para fazer desse ponto suporte, apenas, de novas abordagens, ou para fazê-lo avançar, ou para confirmá-lo, ou refutá-lo. De tal forma que cada novo tex­to traz reutilizado, recapitulado ou, melhor dizendo, reenquadrado outro ou outros textos precedentes. Essa reutilização é relevante ainda pelo fato de possibilitar que, a partir dos textos retomados, o falante ou escritor se posicionem e elaborem seus próprios argumentos.

A última das operações, aquela ligada às tipologias do texto que se pretende produzir, remete para outra espécie de saber prévio: a dos es­quemas superestruturais de organização dos textos, ligados, por sua vez, aos tipos de situação e de eventos culturalmente construídos (cf. Halliday &Hasan, 1989, p. 55).
4. O exercício da escrita escolar

Sem entrar em maiores considerações, quero partir do estado pouco positivo e pouco expressivo da produção de gêneros escritos na escola, fi­xando-me,

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particularmente, em aspectos de sua coerência e de sua relevância conteudística. Quero partir da admissão de que as deficiências mais significa­tivas dessas produções advêm não de competências locais, ligadas a paradig­mas linguísticos, principalmente aqueles de teor gramatical. Quero partir da confirmação de que a didática da escrita se tem con­centrado na aquisição desses paradigmas, os quais, se são legítimos, não deixam de ser parciais e insufi­cientes. Quero partir da certeza de que a concentra­ção nesses paradigmas gramaticais tem afastado pro­fessor e aluno do escopo mais amplo que constitui a atividade da escrita - a qual é processo que se realiza, repito, por uma série de operações e não ato isolado, dependente de competências imediatas e pontuais.

Essa consideração me leva a indicar, retomando, até certo ponto, elementos de outras propostas ante­riores, que o insucesso da escrita escolar é responsa­bilidade mais de outros fatores do que do componente linguístico. Na verdade, esse insucesso tem raízes em espaços e momentos anteriores àqueles da elabora­ção de um trabalho escrito. Tem raízes na ausência de uma condição básica, insubstituível, necessária, que é ter o que dizer. Ou seja, tem raízes na contingên­cia daquela intertextualidade não estimulada, não providenciada na escola, que se satisfaz na rotina de escrever textos sem discussão prévia de informações e dados, sem planejamento, sem rascunhos, imobili­zada numa única versão, em geral, improvisada.

...

Nossa competência mais significativa para escrever textos relevantes não se esgota com simples resolução de pequeníssimas questões, como evitar a expressão "a nível de" ou a outra "entrega em domicílio". Essas e outras são questões pontuais que se resolvem com simples consultas aos manuais específicos. Ter ideias para desenvolver em um texto, saber estruturá-las e ordená-las, conforme as normas de suas tipologias, é que constituem competências significativas. Nessas, a escola deveria concentrara melhor de suas atenções.



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Dessa preparação - próxima e remota - é que se poderia partir para aquelas referidas operações de:

- recapitulação, ou que partes do que eu já sei podem ser trazidas para o texto que escrevo no momento?

- de remontagem, ou como posso dar a esse saber acumulado um novo rosto, uma nova formulação?

- de reenquadramento, ou em que pontos ou sob que outras perspectivas posso avançar na inserção dos saberes recapitulados e remontados?

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Sem essa intertextualidade, provedora de um repertório de dados, de informações, de conceitos, de princípios, de outras narrativas, de que forma administrar o processo de redigir seja o que for, desde sua primeira planificação até o momento final de sua elaboração?

Uma evidência nem sempre tida em conta na didática da escrita é que, anterior ao "como dizer" ou "em que ordem dizer", está "o que dizer", pon­to onde começa, inclusive, a condição de relevância do texto. 0 princípio da "expressabilidade" defendido pela pragmática linguística, segundo o qual "tudo o que se quer dizer pode ser dito" (nas palavras de Searle, 1981, p. 30) pressupõe que algo há para ser dito, ou seja, algo está mnemonicamente disponível para ser, na hora devida, acionado.

Na normalidade dos casos, esse algo a ser dito não é inteiramente ori­ginal, pelo menos desde o ponto de ancoragem, já que o "novo" pressupõe um "dado" em relação ao qual ele pode ser considerado novo. Isso é mais admissível ainda quando se trata de comentários, de textos de opinião e outros de natureza expositiva ou argumentativa (os tais textos dissertativos tão usuais na prática escolar).

Pelo viés exposto, parece-me podermos chegar a um dos pontos ra­dicais para explicar os maus desempenhos dos alunos em suas tarefas escolares. Com muito poucas exceções, tais exercícios são propostos, qua­se sempre, sem a providência de uma operação precedente de armazena­mento de informações e, dessa forma, são realizados sob a precariedade de paradigmas, de onde não é possível partir para uma produção particu­lar relevante, a qual, na verdade, é original sem deixar de ser reconside­ração, reenquadramento ou reinvenção.

A escrita produzida na escola, mesmo aquela sob a condição do trei­no ou do exercício, nunca deveria ser uma escrita pontual, no sentido de ser construída no momento imediato de sua materialização gráfica, como se escrever não implicasse uma atividade processual constituída na sucessividade de operações diversas e igualmente determinantes.

A natureza de tais operações conduz a que, forçosamente, qualquer atividade de redação se inicie muito antes até mesmo do momento pré-escritural da planificação. Isto é, se inicie na consulta, na confrontação com outros materiais, de qualquer forma atinentes aos tópicos que se pretende comentar.

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A continuidade que sob esse modelo é promovida sela a natureza dialógica de toda criação, que, sendo novidade, o é pela relativa mobilização e retomada de unidades, elementos ou aspectos disponíveis pelo conhecimen­to de outras produções anteriores.

Em nenhum momento, pretendo que a mobilização dos dados e das informações prévias fique restrita ao planejamento imediato que antece­de o exercício motor da escrita. Nem mesmo essa atividade de planifica­ção está aqui, primariamente, em jogo.

O que pretendo ressaltar - no empenho de emprestar à didática da escrita um cunho verdadeiramente interdisciplinar - é a necessidade, a curto e a longo prazos, de aquisição, de ampliação de repertórios, amplos, diversificados e relevantes, a partir dos quais possa ser possível a cons­trução de novas exposições, de novos comentários, de novas análises. Não só: é necessário que sejam explicitadas as regras desse jogo, desse qua­se ritual de recuperação e de reaproveitamento das "lições" anteriormente aprendidas.

Talvez, nessa perspectiva, tivesse mais interesse entrar em contato com os escritos dos outros. Talvez, assim, pudéssemos constatar mais êxito na tarefa de redigir.

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Será que a escrita de texto

não tem sido uma tarefa duramente penalizada porque mal compreendida?

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