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Em geral, na avaliação das redações dos alunos, os professores costumavam sublinhar as palavras que se repetiam, até mesmo quando se tratava de um "que". Importante seria mostrar, em textos, os casos em que a repetição de uma palavra desempenha uma função textual ou discursiva relevante. Por exemplo, a repetição de uma palavra pode sinalizar a concentração temática de um texto, de um parágrafo, ou marcar a ênfase que se deseja atribuíra uma palavra, a uma informação, a uma ideia.
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Se repararmos no texto da Veja, mostrado anteriormente, constatamos uma série de unidades repetidas (por exemplo, preço, inflação, índice, classe média, real, moeda, centavo, brasileiro, comprar). Algumas dessas palavras vêm várias vezes repetidas, e, nem por isso, poderíamos duvidar da competência lexical do autor, tampouco da boa qualidade de seu comentário. Ou seja, repetir palavras não é, sempre, uma operação que indica a insuficiência ou a inabilidade comunicativa do locutor.
Pelo contrário, depois de submetida a análises em diferentes corpora textuais, a repetição tem sido apontada como um procedimento de grande relevância funcional, como uma regularidade discursiva incontestável e, para os textos mais extensos, como um procedimento praticamente inevitável (cf., entre outros, Marcuschi, 1992; Antunes, 1996, 2005).
3. A propósito, que funções textuais pode ter a repetição de uma ou mais palavras?
Fixemo-nos um pouco nessa questão.
É evidente que está fora de consideração a percepção reducionista ou não-interativa do texto enquanto mero ponto de passagem ou de transmissão de uma informação. O texto, na concepção aqui assumida, afirma-se
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como processo de interação social, de ativação e de intercâmbio de sentidos e de intenções, pelo qual os interlocutores atuam.
Nessa perspectiva, a repetição constitui uma das operações de textualização, decorrente não apenas do conteúdo lexical das unidades repetidas, mas ainda da própria operação discursiva de usar a repetição - em determinados pontos do texto e com determinada frequência.
Por outras palavras, a repetição de palavras cumpre não apenas uma função no âmbito daquilo que se pretende "dizer" pelo texto. Acumula também a função de estabelecer os pontos de relação que o processamento dos sentidos requer. Destaca-se, portanto, como um tipo de "instrução" que orienta a apreensão desses sentidos e o controle da interpretação do texto - um todo articulado e coerente. Vincula-se à própria atividade do interlocutor de compor, de organizar a sequência de seu texto. Resulta, portanto, da atribuição de intenções discursivas e de decisões intencionalmente cooperativas dos sujeitos da interação.
Como tenho salientado, a organização da sequência do texto está condicionada às exigências da sua continuidade e da sua unidade tópica. Do ponto de vista desses requisitos, o intercâmbio promovido pela interação textual requer a concentração numa unidade temática específica, a qual polariza todo o percurso da interação e é, por essa via, condição da sua continuidade Noutras palavras, o texto tem um único núcleo semântico-pragmático que perpassa o percurso inteiro de sua sequência. Todos os seus segmentos estão, assim, enlaçados, em convergência para um ponto comum.
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É em relação a essa continuidade e a essa unidade do texto que considero aqui a operação textual de repetir palavras e sequências de palavras.
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Em termos mais gerais, ao contrário do que, simplistamente, têm divulgado alguns manuais de redação, a repetição cumpre a função discursiva de favorecer o processamento daquele núcleo do discurso. Nesse sentido, repetimos, define-se como operação de textualização e como instrução em vistas à recuperação dos sentidos e das intenções continuados e hierarquicamente unificados. Em termos mais específicos, destaco para a repetição três diferentes funções.
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3.1. Primeiramente, atribuo à repetição a função de confirmar a concentração do texto num mesmo eixo semântico, marcando pontualmente a reincidência sequencial dos elementos convergentes e, promovendo, assim, a apreensão da unidade temática pretendida. Em outras palavras, a repetição constitui uma marca da unidade temática do texto, pois a volta à unidade ou às unidades lexicais que concernem a seu núcleo semântico representa uma estratégia de confirmar a intenção de não se afastar desse núcleo. A repetição funciona, assim, como pontos de amarração, ou como autênticos nós, na indicação da continuidade que perpassa o eixo vertical do texto.
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Como parte de minha tese de doutorado (cf., Antunes, 1996), analisei, em editoriais jornalísticos, a ocorrência dos nexos coesivos de natureza lexical. Ficou evidente como a repetição de unidades lexicais concorre para manter em 'ativação' a memória do tema em desenvolvimento.
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De fato, conforme mostrou uma análise em dez editoriais jornalísticos, as cadeias de repetições constituem indicativo de que a continuidade temática do texto se mantém, qual um fio articulador, em todo o seu percurso. Tal continuidade é promovida não apenas pela repetição formal da unidade nos sucessivos parágrafos (p. 1, p. 2, p. 3 etc.), mas, ainda, pela vinculação semântica que cada conjunto de unidade repetida guarda com o título do editorial.
Uma pequena amostra dessa análise pode ser vista no quadro seguinte. Observemos como as palavras repetidas em cada parágrafo de cada editorial estão em óbvia relação com o título, que, por sua vez, é marca da centração temática do texto.
QUADRO 1. AMOSTRA DA REPETIÇÃO DE UNIDADES LEXICAIS LIGADAS AO TÓPICO CENTRAL DOTEXTO
TÍTULOS DOS EDITORIAIS
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1. Defesa do regime
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2. A hora agônica do cooperativismo
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3. Panorama em janeiro
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4. Reforma partidária
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5. Código Tributário
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Parágrafo
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p.1
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cooperativas
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desenvolvimento
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partido
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p. 2
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comunistas
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cooperativismo
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desenvolvimento
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tributação
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P-3
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comunistas
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cooperativismo
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partidária
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tributar
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P-4
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comunistas
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cooperativismo cooperativismo cooperativismo cooperativismo
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partidos
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P-5
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cooperativas
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desenvolvimento desenvolvimento
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partido
partidos
partidária
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tributária
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p.6
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comunistas
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cooperativas cooperativismo
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desenvolvimento
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tributar tributo
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P-7
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partidos partidária
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p.8
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desenvolvimentista desenvolvimento
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P-9
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desenvolvimento
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p. 10
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p. 11
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desenvolvimento.
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Mesmo nessa pequena amostra, fica evidente que a repetição de uma palavra ligada ao tópico central do texto sai marcando a manutenção desse tópico, do começo ao fim. Como uma linha sem quebra.
3.2. Em segundo lugar, e em desdobramento a essa estratégia de confirmar o tópico introduzido, destaco, ainda, para a repetição uma função resumitiva, ou seja, uma pretensão de condensar em blocos maiores o fatiamento ou a distribuição das informações e ideias. Essa pretensão resumitiva assume função paralela àquela de confirmação do tópico ou dos subtópicos escolhidos. É ela, ainda, que converte o último parágrafo em espaço preferencial para repetições de palavras que apareceram pela primeira vez no parágrafo introdutório.
Nessa linha de consideração, quero destacar a grande densidade funcional do recurso em análise quando a unidade repetida aparece num contexto verbal sintática e semanticamente semelhante àquele em que aparece a primeira ocorrência da palavra. Enquanto operações de confirmação do núcleo temático do texto, tais repetições aparecem, como disse, ainda mais funcionais, uma vez que o aspecto confirmativo da repetição é reiterado pela obviedade dos elementos lexicais semântica e linearmente contíguos.
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Observe-se, por exemplo, a repetição da unidade "revolucionária" no seguinte contexto:
- agitação revolucionária
- plena ação revolucionária.
Ou ainda a repetição das palavras em negrito nos dois fragmentos abaixo:
- As instruções [...] foram um golpe no cooperativismo de crédito urbano
- o decreto-lei [...] golpeou [...] o cooperativismo de crédito rural"
Se pusermos em confronto as unidades repetidas, pode-se reparar no propósito reiterativo, ou na intenção de confirmar determinado eixo temático, não apenas pelo recurso à repetição, mas ainda pela retomada do contexto semântico onde se inseriu a primeira ocorrência. Ou seja, a confirmação promovida pela unidade repetida é reiterada pelo contexto sintático-semântico de sua ocorrência. Essa operação resulta obviamente produtiva, quer no âmbito da unidade tópica global, quer no outro da unidade tópica paragráfica.
3.3. Em terceiro lugar, destaco para a repetição a função de indicar a seleção prévia de determinado elemento a partir do qual a informação progride.
Nesse sentido, a repetição entra como recurso de ancoragem dos tópicos já introduzidos em direção ao desenvolvimento do texto, seja por meio das paráfrases, das reformulações, dos ajustes, das especificações, dos resumos e de outros procedimentos similares. Entra, assim, como elemento indicativo da transição que o percurso do texto vai executando, ainda assim sobressaindo-se como elemento da sua continuidade.
Parece haver certa regularidade na proximidade dos termos repetidos que se destinam a essa operação de reformulação, de precisão ou de ajuste. No contexto dessas operações, o uso da repetição, em relação às pró-formas pronominais, revela-se textualmente mais significativo, uma vez que permite o acréscimo de expressões modificadoras, de especificação, por exemplo, as quais, em muitos casos, representam uma abertura para a subjetividade dos interlocutores e uma abertura para a linha de progressão do texto.
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Subjacente a essas funções específicas da repetição, está o caráter de instrução relacional que se pode atribuir a essa operação textual. Pela repetição, na verdade, são indicadas as diferentes inter-relações entre os vários segmentos do texto. São estas inter-relações que deixam o texto na condição de unidade hierarquicamente organizada. Neste aspecto, pode-se admitir que a repetição de unidades lexicais pode caracterizar um discurso bem planejado.
Por essas e outras motivações parece inteiramente fora de propósito a composição de textos sem o recurso funcional da repetição. E não só: parece extremamente difícil o processamento das informações e ideias, em ordem a uma unidade semântica, sem que se volte à reutilização de unidades e de sequência de unidades lexicais.
Na perspectiva de que "o texto mesmo inclui múltiplas ajudas para sua própria decodificação" (cf. Weinrich, 1981, p. 11), aponto a repetição lexical como uma das mais salientes e significativas dessas ajudas.
De fato, projetar um texto sem repetições seria projetar um texto artificial, possivelmente pouco claro e inexpressivo, nomeadamente quando estão em jogo palavras para as quais os substitutos sinonímicos se tornam raros ou discursivamente inoperantes. Qual seria, por exemplo, o sinônimo para cooperativismo?
Insistimos: o que convém fazer não é, de uma forma simplista e genérica, coibir ou condenar a repetição. Podemos, ao contrário, redimensionar as funções de sua ocorrência e ver, em diferentes gêneros, essas funções acontecendo, o que possibilitaria uma apreensão do fenômeno ampla e consistente. Quer dizer, a solução não é impedir o uso da repetição, mas analisar os contextos em que ela costuma acontecer e as funções que cumpre para a promoção da coesão, da informatividade e da coerência. Nem sempre, voltar às mesmas palavras é deixar o texto sem a novidade requerida para seu natural avanço. Pelo contrário, a unidade temática de um texto, o tópico central de um parágrafo, por exemplo, podem ser marcados, assinalados, indicados pela repetição de uma palavra.
Como se pode constatar, surpreender as regularidades linguísticas na dimensão dos seus usos - todos eles inerentemente textuais - afasta muito ponto de vista, muitas suposições simplistas e inconsistentes. 153
Além disso, favorece a compreensão dos fatos que, na verdade, acontecem na interação verbal, diferentemente do que se vê quando apenas se considera a esfera idealizada dos parâmetros virtuais.
4. A variação lexical
Outro aspecto do léxico a ser visto, desde o seu emprego textual, é a contraparte da repetição, ou seja, o procedimento da variação lexical, o qual se efetiva, como foi referido atrás, pela substituição de uma unidade por outra equivalente.
É nesse domínio que pode ganhar relevo o estudo da sinonímia. A substituição, no texto Os preços muito loucos da era do real, visto atrás, da palavra 'elevação' (em 'elevação dos preços', que, por sinal, já substituía 'inflação') pela outra 'aumento' (em 'aumento dos preços') cria a reiteração requisitada pela própria coerência. Marca a sustentação de uma referência anterior e, com isso, a manutenção de uma unidade temática. Indica que o percurso do texto vai-se configurando à volta de referências já introduzidas, garantindo-se, assim, a sua continuidade, um ponto, sem dúvida, crucial para o estabelecimento da coerência.
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Compare-se, por exemplo, a diferença de sentido entre uma pessoa abatida x uma ave abatida. A expressão um café fresco pode funcionar como equivalente a um café quente, recém-feito. Em: uma água fresca, o sentido já é outro. Quer dizer, reafirmo, somente o contexto da interação - materializado no texto-permite que se decida acerca das efetivas equivalências sinonímicas.
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Efetivamente, aquilo que se pretende com a substituição é, de ordinário, voltar, por alguma conveniência discursiva, à mesma referência ou à mesma predicação, embora, como se pode prever, não necessariamente à referência do mesmo objeto discursivo ou à mesma predicação.
Fora desse procedimento de substituição textual, não vejo que relevância pode ter o estudo das relações sinonímicas entre unidades do léxico - a não ser adquirir a informação pela informação. Até mesmo porque somente o texto permite que se decida acerca das efetivas equivalências sinonímicas. Em um outro texto, por exemplo, a substituição de elevação poderia não aceitar a ocorrência da palavra aumento.
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A lista de pares de sinônimos, tal qual costumeiramente se propõe nos exercícios escolares, favorece muito pouco o desenvolvimento dessa habilidade textual de manter, pela variação lexical, uma referência, uma predicação ou um atributo anteriormente introduzidos. A prática de substituir, em pares de frases, uma palavra por outra sinônima também não satisfaz, já que, nesse tipo de procedimento, a consideração do termo sinonímico se faz apenas em relação a duas frases possíveis (no âmbito das virtualidades, do paradigmático, portanto), descartando-se, assim, a perspectiva textual, sintagmática, de como os sinônimos intervêm na construção da coesão e da coerência.
Ainda no domínio da substituição, teria lugar o estudo das relações de hiperonímia: aquelas que existem entre um nome mais geral ou superordenado e outro mais específico ou subordinado, conforme propõe Lyons (1980, p. 235), entre muitos outros autores. Admitindo níveis distintos de generalidade, os hiperônimos refletem a disposição hierárquica em que se organiza o léxico das línguas, o que, por sua vez, reflete a organização inclusiva com que são percebidas as coisas no mundo da experiência.
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O estudo das relações de hiperonímia, normalmente, tem estado fora dos programas de ensino escolar. Quase não se fala nesse tipo de relação semântica. No entanto, ela aparece com bastante frequência nos diferentes gêneros de textos, mais até do que a sinonímia, pois é mais flexível e traz menos problemas de equivalência. Por exemplo, a apresentação do texto da Veja em análise é precedida do segmento: "Uma pesquisa mostra como aluguel, escola, médico e outros serviços subiram mais que a inflação". Como se pode ver, as unidades 'aluguel', 'escola', 'médico' estão semanticamente retomadas pela outra 'serviços', o que constitui, além de um nexo coesivo, uma forma de organização hierárquica, resumitiva, dos itens mencionados.
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Por isso, os hiperônimos prestam-se a substituições textuais coesivas, do mesmo modo que os sinônimos, e constituem, assim, substituições marcadoras da continuidade que a coerência requisita.
Na maioria das vezes, as substituições de natureza hiperonímica, ao lado do encadeamento conseguido, possibilitam retomadas resumitivas ou recapituladoras de blocos prévios do próprio texto. Nessa condição, aparecem, quase sempre, no fim do segmento que resumem ou no início de um outro, marcando exatamente a passagem entre o segmento resumido e o novo que começa.
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Julgo que apenas a constatação de como tais relações funcionam na organização coesiva do texto pode revelar a particularidade lexical dos hiperônimos e sua produtividade na criação e na interpretação do que é dito.
Em suma, é interessante observar como são frequentes nos textos as substituições lexicais por hiperônimos, até porque, reitero, elas são menos complexas e mais frequentes do que aquelas possibilitadas pelo uso de sinônimos.
5. A colocação
Ao lado da reiteração, Halliday & Hasan (1976; 1989) apontam outro procedimento da coesão lexical: aquilo que eles chamam de colocação - categoria já definida neste capítulo - e que temos incluído naquilo que consideramos como associação semântica.
Os autores definem esse procedimento como decorrente da propriedade que certas unidades têm de tenderem a coocorrer com outras, isto é, de, regularmente, tenderem a dividir, com outras, contextos verbais similares. As relações semânticas instauradoras desse tipo de procedimento coesivo são as mais diversas, as mais extensivas, já que decorrem das redes de associações (ou "afinidades semânticas", nos termos de Ruck, 1980) entre elementos lexicais sucessivos.
Se através da reiteração se chega, na maior parte dos casos, a uma relação de identidade entre dois segmentos - identidade de referência e/ou de sentido -, pela colocação somente é possível uma relação de aproximação ou de contiguidade. As cadeias que se constituem por seu intermédio nunca são, dessa forma, cadeias de identidade, ou seja, as retomadas nunca são retomadas correferenciais.
Além disso, para a instauração de nexos coesivos por associação, o nível sintático do percurso textual nem sempre chega a ser relevante, como nos procedimentos anteriores. São salientados, antes, outros processos de textualização, nomeadamente aquele de concentração num tema ou num tópico discursivo particular (cf. Bernardez, 1982).
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