Língua, texto e ensino Outra escola possível



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para a escrita devidamente preparada, planejada e revisada. São eles que sustentam a redução do estudo da língua a exercícios de análise da nomenclatura e da classificação morfossintática de frases e palavras. São eles que alimentam os simplismos infundados sobre a língua, sobre a gra­mática da língua, os quais, por sua vez, reforçam a "ideologia da incompe­tência" e alimentam os preconceitos contra os falares dos mais pobres e dos menos letrados.

Se juntarmos as parcelas desse resultado global, fica uma suspeita: a de que a criança, que inicia a alfabetização no pleno exercício da atividade oral, construindo, portanto, nas mais diversas situações, textos coesos e coerentes, vai gradativamente afastando-se desse saber e aproximando- se de desempenhos escolares sem sentido, ao acaso, iguais àqueles en­contrados no primeiro momento da pesquisa.

Mas também - olhando o que os alunos escreveram nos balões - se poderia concluir que situações interativas de escrita, de fala ou de leitu­ra, mesmo simuladas, poderiam favorecer um estudo e uma reflexão so­bre a língua bem mais produtivos e relevantes. Se compararmos os dois resultados, percebemos que as aberrações de sentido restringiram-se à escrita com finalidades apenas metalinguísticas. Nos textos dos balões; não aconteceram incoerências. Tudo tinha pleno sentido e até certa graça, como convinha à situação de interação em curso.

Um trabalho em sala de aula, a partir de uma atividade desse tipo, po­deria revelar aos alunos que já são capazes de expressar um sentimento por escrito e de construir, para uma situação de comunicação específica, a resposta verbal adequada.

Isso seria suficiente para ir sedimentando nos alunos a convicção de que eles sabem, podem e são capazes, ao contrário do que poderia acon­tecer se eles se detivessem na análise de como resolveram os problemas propostos na primeira parte da prova. Ou seja, os bons resultados que eles conseguem quando lhes é solicitado que escrevam coisas que têm sen­tido seriam uma forte motivação para que eles acreditassem nas suas pos­sibilidades e se lançassem a assumir o desafio de ir tentando, na confiança de que podem conseguir.

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Ainda voltando aos textos dos alunos, vale a pena destacar que as prin­cipais dificuldades reveladas têm a ver com questões ortográficas e de pontuação. Esse dado poderia constituir uma espécie de sugestão de pro­grama para os próximos estudos. Novos exercícios com a escrita de outros gêneros - igualmente contextualizados e interativos - viriam, e na mesma dinâmica, de maneira que estaria instalado um verdadeiro processo de aprendizagem. Uma travessia. Um caminho, a partir do qual a gente pode­ria alimentar a expectativa de que se vai chegar a um "porto seguro".

Não podemos calar o sentimento de terrível frustração que experi­mentamos quando lemos certas produções de alunos, já no final do en­sino médio, depois, portanto, de onze anos - no mínimo - de estudo da língua. E, sofrendo, nos perguntamos: o que fizeram esses alunos durante esses onze anos? (Melhor dizendo: o que fizeram com eles?).

Tais considerações precisam estar presentes - mais do que já estão - nas salas de aula, das pós-graduações aos cursos de magistério - onde são formados os alfabetizadores e os professores de línguas. Para que a linguística se afirme cada vez mais como uma ciência de cunho social, ao lado de outras, empenhada nos ideais da compreensão, da plenitude e da felicidade humanas.

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Que ganhos acumulamos

quando o ensino de línguas tem como foco as funções sociais da interação verbal?

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Capitulo 11

A LEITCJRA: DE OLHO NAS SUAS

FUNÇÕES

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Este texto serviu de ponto de partida para uma discussão em torno da leitura e suas funções sociais, por ocasião de um evento para professores promovido pela Secretaria de Educação de Pernambuco, em 2002.

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Cada ano, avaliações de diferentes portes dão con­ta de que, no Brasil, a escola vem falhando na sua fun­ção de formar leitores. De fato, ensinar a decifrar os sinais gráficos é apenas uma das condições para que se possa, gradativamente, inserir o aluno no mundo dos livros, das informações escritas, da cultura letra­da, da ficção literária; afinal, no mundo da convivência com a língua escrita. A propósito, em algumas escolas, nem mesmo essa condição básica de ensinar a deci­frar os sinais da escrita tem tido o êxito esperado.

Na análise das causas desse problema, pode-se perceber que, por in­crível que pareça, o livro (ou os materiais escritos, de diferentes gêneros e suportes) ainda não é, em todas as escolas, o centro das atividades peda­gógicas, nem mesmo daquelas atividades ligadas ao ensino de línguas, o que constitui uma evidente contradição. Uma pesquisa feita em escolas da cidade de Campinas (SP), na década de 1980, deu conta de que existiam escolas cuja programação não reservava tempo para a leitura, porque, nas palavras dos alunos, "os professores se preocupam com a gramática"; ou "se lêssemos não ia dar tempo para aprender toda a matéria".

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A partir desses depoimentos, é cabível con­cluir que a fixação quase obsessiva no ensino da gramática - cuja caracterização, muitas vezes, a escola mesma não sabe bem o que é - tem deixa­do a sala de aula sem tempo para a leitura. O mais grave é que aquilo que se concebe como sendo "en­sino de gramática", na verdade, é apenas o ensino das classes de palavras, fora de qualquer contexto de interação, com ênfase em sua nomenclatura e quase nada sobre suas funções na construção e na organização dos textos, conforme, reiteradamente, temos referido em nossos trabalhos. (Insisto "para ver se pega...")

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Como se a leitura de texto pudesse ser feita sem gramática. A propósito, vale a pena 1er o livro A escolarização do leitor: a didática da destruição da leitura, de Lilian Lopes Martin da Silva, onde aparecem os resultados da pesquisa a que nos referimos aqui e de onde são retirados os depoimentos de alunos agora citados. Seriam outros os resultados se essa pesquisa fosse realizada presentemente, em qualquer ponto do país?



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Esse ensino descontextualizado tem transfor­mado em privilégio de poucos o que é um direito de todos: a saber, o acesso à leitura e à competência em escrita de textos. Lamentavelmente, até o momen­to, aprender a ler, ou melhor, ser leitor, tem sido no Brasil prerrogativa das classes mais favorecidas. Quer dizer, os meninos pobres são levados a se convencerem de que "têm dificuldades de aprendizagem" e, portanto, não nasceram pra leitura. Tentam por alguns anos; cansam-se e acabam desis­tindo. Grande parte das pessoas acha isso natural; ou seja, ninguém consi­dera absurda a "coincidência" de apenas os pobres não aprenderem a ler. Ninguém acredita que esse déficit pode ter uma solução e depende de um conjunto de ações pelas quais somos, todos nós, responsáveis.

Até quando vamos ignorar nossas responsabilidades sociais frente a esse quadro? Além de injusta e indecente, tal situação é comprometedora do próprio desenvolvimento econômico que tem caracterizado os últimos períodos da história nacional e que afeta a nós todos.

Ganha relevância, portanto, um momento de reflexão como este, que pretende focalizar as funções individuais e sociais da leitura. Funções que envolvem, além do acesso ao conhecimento já produzido, a produção de novos conhecimentos, a continuidade e o avanço das descobertas científi­cas e do patrimônio artístico-cultural da sociedade.

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Pelo viés de suas funções, portanto, vamos considerar neste capítulo, a questão da leitura, um tema praticamente inesgotável, embora ainda pouco compreendido na escola (mesmo por seus gestores, às vezes) e entre o geral das pessoas, o que prova, mais uma vez, aquele fosso que se tem constatado en­tre as teorias defendidas pelos pesquisadores e as práticas das salas de aula.

Vejamos alguns desses aspectos, introduzidos aqui sob a forma (mais didática) de perguntas.
1. A leitura é fundamental apenas nas aulas de línguas?

Fica evidente, pelo exame do cotidiano escolar, que as competências em leitura, compreensão e escrita não se restringem às aulas de línguas. Em geral, o professor de qualquer disciplina apoia suas aulas em textos escritos (embora alguns sejam explicados oralmente), o que é facilitado até mesmo pela indicação de um livro didático específico. Lições de histó­ria, geografia, biologia, matemática etc., para citar apenas esses, são apre­sentadas em gêneros expositivos, quase sempre, com imagens, quadros, gráficos, que precisam ser lidos, compreendidos, sumarizados, esquema­tizados, resumidos, em atividades que demandam refinadas estratégias de processamento dos sentidos. Um problema de matemática, a análise de uma explicação de biologia, por exemplo, exigem o exercício de múltiplas interpretações, sem sucesso quando não se sabe mobilizar os dife­rentes tipos de conhecimento suscitados na atividade da leitura.

Não tem fundamento, pois, a concepção ingênua, meio generalizada na prática, de que cabe apenas ao professor de línguas a tarefa de cui­dar da leitura e de outras habilidades comunicativas. Todo professor, de qualquer disciplina, é um leitor e, para sua atividade de ensino, depende, necessariamente, do convívio com textos os mais diversos.

A leitura é, pois, dever de toda a escola.


2. A quem compete ainda desenvolver o apreço à leitura?

O desenvolvimento do tópico anterior não implica que podemos atri­buir à escola a exclusividade do papel de desenvolver competências, nem

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mesmo aquelas diretamente vinculadas à leitura e à compreensão de tex­tos. Se à escola é concedida uma prioridade nessa tarefa, não se exclui, contudo, a intervenção de outras instituições sociais, como a família, os meios de comunicação, as associações comunitárias e tantas outras.

Talvez, a visão também ingênua de que cabe exclusivamente à escola ensinar e de que somente se aprende na escola, tenha favorecido a omis­são de muitas instituições sociais, que, assim, transferem para a escola toda a responsabilidade de promover a ampliação das competências em linguagem. Em se tratando da leitura, também é mantida essa crença ingênua de creditar tudo à escola.

Sabemos que, anteriores à experiência escolar, estão as situações de convívio com materiais escritos, vividas no ambiente familiar. Na verdade, é aí que tudo começa. O que vem depois é só acréscimo (ou conserto!).

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Uma professora me contou que a diretora de sua escola, diante do interesse da professora, em expor os alunos à leitura diária de livros, lhe recomendava que "logo começasse a dar aula de gramática"! Na verdade, há uma sensação meio generalizada de que a leitura nos faz atrasar o curso!

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Evidentemente, não pretendemos com essa observação atenuar ou até mesmo neutralizar o papel da escola. A escola é, especificamente, a instituição social encarregada de promover, apro­fundar e sistematizar a formação instrucional e a educação da comunidade. Porém, ela não deve estar sozinha nessa tarefa. Certamente, o que a escola poderia fazer seria envolver a família na empreitada da leitura; convocá-la a participar dos programas, das ações que objetivam promo­ver a convivência do aluno com a cultura escrita. Até agora, não parece que a família seja suficien­temente convocada a entrar nesse "jogo" da descoberta das funções da leitura. Pelo contrário, a escola, em geral, tem sido conivente com a fa­mília, diante das queixas dos pais de que seus filhos "têm tido poucas aulas de gramática".

Falta, portanto, uma aliança entre escola e família, para que a leitura ocupe, sem desconfianças, o lugar que, legitimamente, lhe cabe na forma­ção da pessoa.

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3- Sendo assim, que foco escolher para os objetivos pedagógicos?

Ultimamente tem sido corrente e enfática a afirmação de que os ob­jetivos da escola se devem voltar para a ampliação de diferentes compe­tências. E, naturalmente, o termo competência entrou para o dia a dia do discurso pedagógico.

Mas, como é costume acontecer quando um termo novo entra em cena, a preocupação maior pareceu ser definir o que é competência, qual a diferença entre competência e habilidade, entre competência e objetivo. Fujo, aqui, consciente, a esse gosto muito acadêmico de discutir a exati­dão de certos conceitos e, sem a absoluta precisão, passo a fazer algumas observações em torno do que poderia implicar um trabalho pedagógico com objetivos centrados em ampliar competências.

Antes, vale a pena fazer notar que, de propósito, digo ampliar compe­tências, uma vez que não podemos esquecer que as pessoas a quem ensi­namos (mesmo as "pessoinhas" do ensino infantil!) já sabem muita coisa, já desenvolveram muitas competências, inclusive aquelas comunicativas. Bastaria analisar o curto discurso de uma criança para ver quantas regras

- fonológicas, lexicais, morfossintáticas, semânticas, textuais, pragmáticas - foram integralmente respeitadas. Então, a função da escola consiste, exata­mente, em ampliar essas competências, desenvolvê-las ainda mais, juntar a elas outras ainda não conseguidas. A esse propósito, alerta Sírio Possenti (cf. bibliografia), convinha ao professor, para orientação de seu trabalho, tentar identificar o que os alunos já sabem, o que ainda não sabem, o que precisam saber. Conforme cada etapa de seu ciclo de vida social e escolar.

Por exemplo: uma criança do primeiro ciclo do ensino fundamental, para ler e escrever bem, precisa saber definir um dígrafo, um ditongo crescente; um substantivo? Precisa saber o que é um advérbio? Não.

Mas, por outro lado, precisa ir ampliando seu saber sobre que regula­ridades cada um dos tipos e dos gêneros tem; precisa ir descobrindo, por exemplo, que um texto expositivo ou dissertativo gira em torno de um único tema; precisa ir descobrindo que esse tema deve progredir; pre­cisa ir descobrindo quais os recursos que podem deixar esse texto articulado,

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sequenciado, coeso etc., etc. Precisa ir descobrindo o que se deve fazer para entender um texto, oral ou escrito, desse ou daquele tipo, etc. etc. Enfim, precisa ir descobrindo muita coisa que nem dá para enumerar aqui. No entanto, em geral, a escola se concentra naquilo que a criança já sabe ou naquilo que não lhe faz falta saber. Mas, voltemos ao ponto cen­tral de nosso tópico.


3.1. O que pretendemos compreender aqui por competência?

Inspiro-me em Perrenoud (2000, p.15), para dizer que:

- competência corresponde à aptidão dos sujeitos para ligar os "sabe­res" que adquiriram ao longo da vida às situações da experiência, a fim de, pelo recurso a esses saberes, vivenciar essas experiências de forma gratificante e eficaz. Equivale, assim, à capacidade do sujeito para enfrentar, com o maior sucesso possível, as mais diferentes si­tuações da vida, mobilizando intuições, conceitos, princípios, infor­mações, dados, vivências, métodos, técnicas já aprendidas. Assim, e inevitavelmente, a competência envolve uma relação com o "saber" ou com os saberes acumulados previamente, ao longo da vida. En­volve, ainda, uma relação com o "fazer", ou seja, com a "execução de atividades", e com a resolubilidade das dificuldades enfrentadas, uma vez que toda competência é exercida e é revelada no enfrentamento com os mais distintos tipos de situação. Por isso, necessa­riamente, a competência supõe a articulação do saber já acumulado com as condições específicas das situações enfrentadas.

- Como se pode ver, então, trata-se de "saberes e competências", numa relação clara de inclusão, e não de "saberes ou competên­cias", numa relação de mútua exclusão. Quer dizer, as competências incluem, mobilizam os saberes; não excluem, portanto, a explora­ção de conteúdos. Uma visão simplista da questão poderia levar à suposição de que o foco da escola em competências dispensaria a exposição de conteúdos, de conceitos, de teorias, que, assim, já não contam, pois "bastam as competências". Não é assim: os saberes acumulados são condição para o exercício das competências.

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  • Convém lembrar ainda que esses saberes - condição para o exer­cício da competência – não constituem apenas um conhecimento estabilizado, pronto, estocado na memória. Na verdade, trata-se do saber já apreendido, mas também do saber que, como condição prévia do próprio enfrentamento da situação, vai refazendo-se e ampliando-se. São saberes dinâmicos, então. Em processo constan­te. Um possibilitando o outro.

- Logo, não se trata aqui de uma competência técnica para um fazer mecânico, estático, repetitivamente colado à situação. O próprio cuidado de eleger quais as competências a ampliar, em cada etapa do percurso, já supõe um nível de competência geral para ver, per­ceber, selecionar os objetos e os objetivos, de fato, relevantes do trabalho, na direção das competências fundamentais, que ultrapas­sam aquele fazer mecânico.

- Pensemos, por exemplo, numa competência básica, fundamental, - no sentido mesmo do que envolvem as palavras 'base' e 'funda­mento' - que é a competência para aprender e, dentro desta, a com­petência para selecionar os objetivos e os objetos de nossa aprendi­zagem. Esta é uma competência decisiva, aquela que cabe à escola, prioritariamente, desenvolver, isto é, a competência para aprender. Não podemos esquecer, apoiados em Schneuwly, Dolz e colabora­dores (2004), que a escola representa, em nossa cultura, um lugar social particular de aprendizagem.

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Sobre o conceito de letramento, já circulam bons trabalhos, todos, na perspectiva de chamar a atenção da escola e da sociedade geral para os limites da alfabetização, caso não signifique o meio mais eficaz de possibilitar ao alfabetizando sua progressiva e competente convivência com a cultura escrita,



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4. Que competências são esperadas pelo exercício da leitura?

Vale a pena perguntar-se: por que tanta ênfase na leitura? Que razões haveria para que tanto se defenda a relevância da leitura, sobretudo como foco da atuação escolar? Noutras palavras, qual o papel da leitura - ou quais as funções da leitura? Que competências ela requer? Que competências ela desenvolve?

No âmbito do mais geral, poder ter acesso à leitura significa poder exercer o direito de acesso

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á palavra escrita - a qual, em sociedades pouco desenvolvidas, relembro, tem-se convertido em privilégio de poucos.

A escrita é, sem dúvida, uma das maiores construções da humanidade. Possibilitou-nos superar os limites da fala, que exige, de uma vez, a simul­taneidade de tempo e a confluência de espaço para as pessoas envolvidas na sua realização. Graças à escrita, as pessoas puderam ter acesso ao que outros "disseram" em outros momentos e lugares, fossem esses momen­tos e lugares, temporal e geograficamente, distantes. Graças à escrita foi possível "registrar", "deixar documentado" o que, de outra forma, seria apenas memória e tradição oral. Daí que "ela permeia hoje quase todas as práticas sociais dos povos em que penetrou" (Marcuschi, 2001, p. 19).

Com o surgimento da escrita, portanto, estava desfeito um dos gran­des limites à circulação universal das ideias, à divulgação dos feitos e das conquistas humanas.

Ora, a outra face da escrita é a leitura. Tudo o que é escrito se com­pleta quando é lido por alguém. Escrever e ler são dois atos diferentes do mesmo drama (ou da mesma trama!). Alfabetizar-se, no sentido mais elementar do termo, é adquirir a competência inicial para lidar com os sinais da escrita, uma tarefa da qual a escola, no decorrer da história, se tem encarregado. É desenvolver condições para o sujeito poder inserir- se no mundo dos eventos que envolvem o intercâmbio através da grafia. E, neste particular, entra o conceito atual de "letramento", um conceito que ultrapassa a simples conquista das competências em decifração dos sinais da escrita. Em estado de letramento já se encontram as crianças que veem, que ouvem ou que manuseiam diferentes suportes de escri­ta (livros, jornais, folhetos, anúncios, avisos etc.). Esse estado vai-se afir­mando, vai-se ampliando, continuamente, de maneira que, em estado de letramento, estamos nós todos, a vida inteira. Assim, entre escrita, leitura e escola se estabelece uma vinculação de interdependência tão forte que qualquer uma das três, necessariamente, leva às outras.

Propor, portanto, que a leitura ocupe um lugar de destaque no currí­culo escolar, como instrumento de cidadania, constitui uma das mais legí­timas pretensões. Mas, por quê? Ou seja: que competências são esperadas pelo exercício da leitura?

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4.1. A leitura favorece o acesso a novas informações

Em primeiro lugar, a leitura deve preencher os objetivos prioritários da escola porque nos permite o acesso ao imenso acervo cultural consti­tuído ao longo da história dos povos e possibilita, assim, a ampliação de nossos repertórios de informação.

Na verdade, pela leitura, temos acesso a novas ideias, novas concep­ções, novos dados, novas perspectivas, novas e diferentes informações acerca do mundo, das pessoas, da história dos homens, da intervenção dos grupos sobre o mundo, sobre o planeta, sobre o universo. Ou seja, pela leitura promovemos nossa entrada nesse grande e ininterrupto diá­logo empreendido pelo homem, agora e desde que o mundo é mundo.

A leitura expressa, dessa forma, o respeito ao princípio democrático de que todos têm direito à informação, ao aceso aos bens culturais já pro­duzidos, aos bens culturais em vias de produção ou simplesmente previstos, nas sociedades, sejam elas letradas ou não.

Tal acesso à informação representa, sobretudo, o exercício da parti­lha do poder, o qual acontece muito precariamente sem a corresponden­te partilha do acesso à escrita. Basta pensar em todas as oportunidades das quais os "não-leitores" são excluídos: o analfabeto pleno, o analfabeto funcional, isto é, o alfabetizado afastado da prática da leitura. Todos esses "não-leitores" são, preferencialmente, candidatos a estarem, de maneira mais ou menos profunda, "imersos" no mundo, de cabeça encoberta, sem "olhos" para ver determinados tipos de objetos. Sem saber muito do que se passa à volta de si, costumam ter apenas restritas possibilidades de poderem intervir no curso de suas vidas e dos grupos em que atuam.

Só o homem "emerso", "de cabeça para fora", na visão de Paulo Freire, é capaz de "vir à tona", olhar em volta, perceber o entorno. A leitura nos dá esse poder de emersão, nos confere esse poder de enxergar e perceber o que nos circunda, a fim de, como cidadãos, assumirmos nossos diferen­tes papéis na construção de uma sociedade que respeite a lógica do bem coletivo e dos valores humanos.

Nesse sentido, lembramos a grande oportunidade que a escola pode oferecer pela confluência multidisciplinar da leitura programada. Sa­bemos

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quanto os livros didáticos vinculados a todas as áreas do estudo escolar - além daqueles em torno da linguagem - podem constituir um encontro bastante significativo do aluno com um grande contingente de novas informações. Por essa perspectiva, duas mudanças poderiam ocor­rer na prática escolar:

- primeiro, a leitura deixaria de ser considerada como uma atividade exclusiva da aula ou do professor de português, como tem parecido a alguns;


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