Língua, texto e ensino Outra escola possível



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8. E a escola frente a essas concepções?

Evidentemente, todas essas concepções têm implicações pedagógicas, quer na definição das prioridades, quer na seleção dos objetivos; quer na previsão dos conteúdos, das atividades; quer, até mesmo, no planejamen­to de diferentes situações de leitura.

A primeira implicação tem a ver com a certeza de que apenas a alfabe­tização é insuficiente. Como vimos insistindo, é preciso que o alfabetizado vá inserindo-se, sempre mais, no universo da comunicação escrita - o que se tem definido como letramento -, pelo contato com diferentes materiais e objetivos de leitura.

A convivência com a informação escrita, com a exposição de ideias, com a literatura é a condição desse letramento, uma conquista gradativa, que se vai sedimentando a ponto de tornar-se parte constitutiva das ati­vidades sociais do sujeito.

Não deveria parecer estranho nem perda de tempo que a escola desti­nasse grande parte de seus horários à leitura. A escola é lugar de leitura. Assim como a igreja é lugar de oração, e o estádio é lugar de jogo. O que deveria parecer muito estranho é que a escola não priorize a leitura e que

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não seja ela a assumir a promoção do gosto pelos livros, pela informação escrita, pela produção literária. O que deveria parecer muito estranho, repito, é que a escola não seja a sede daquele letramento, o ambiente na­tural em que os alunos mergulham no mundo das linguagens escritas.

Mergulho que aconteceria, como?

- Pelo estímulo a uma cultura do livro.

- Pela fartura de um bom e diversificado material de leitura.

- Pelo acesso fácil e bem orientado a esse material.

- Pela diversidade de objetivos de leitura.

- Pela frequência de atividades de ler e de analisar materiais escritos.

- Pela formação do gosto estético na convivência com a literatura.
Apostamos em que a leitura é:

- um projeto social inadiável;

- uma conquista possível;

- uma competência em permanente construção;

- uma porta de entrada para novos mundos, onde a autêntica e democráti­ca construção humana pode acontecer com maior sucesso.

Em síntese, devemos e podemos promover a conversão da escola em fa­vor da leitura. Por políticas educacionais que priorizem a ampliação das com­petências relevantes para o pleno exercício da cidadania. Pela intervenção de uma escola que ponha a produção do conhecimento relevante e o acesso a ele no centro de seus objetivos, de sua atividade. Que priorize a ampliação das competências das pessoas, para que possam intervir, positivamente, na dire­ção do bem coletivo. Concretamente que tenha livros e leitores desses livros, com tempo e vez para saber o que esses livros dizem. Tudo isto, para que possamos nos aproximar sempre mais da solução dos grandes problemas humanos. Pela ação não menos consistente de uma sociedade que se sinta no legítimo direito de contar com uma escola na qual, pelo exercício pleno da leitura, se aprenda também a pensar, a expressar-se, a participar, na condição de cidadão, das decisões da comunidade e a interferir no seu destino.

Não posso deixar de referir, como agente dessas mudanças, a presença determinante das faculdades de letras e de pedagogia. Das faculdades

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públicas e privadas situadas nas capitais. Mas, sobretudo, das faculdades de formação de professores, espalhadas pelo interior dos Estados, de onde, com certeza, sai a maior parte dos professores que irão atuar nas escolas estaduais e municipais. Tais faculdades são, portanto, um polo altamente responsável pela condução dessas mudanças, principalmente daquelas mais prementes nos espaços rurais ou nos espaços urbanos afastados das grandes metrópoles.

Seria muito sonhar com uma escola na qual o exercício da leitura fos­se o centro da proposta pedagógica, de onde tudo o mais derivaria? Seria muito sonhar com uma escola na qual o gosto da leitura pelo simples pra­zer de ler fosse um cuidado de cada dia? Seria muito sonhar com uma es­cola em que a alegria de poder aprender fosse o desafio de cada momento e o apelo de cada livro? Seria muito sonhar com uma escola que pudesse estar totalmente a favor da solução de problemas? Uma escola que fosse efetivamente comprometida com deixar as pessoas mais aptas para faze­rem desaparecer a miséria, a fome, a violência, as discriminações sociais?

Não sei se seria sonhar muito. Mas acredito que, se desde o início, for dada aos alunos a oportunidade da leitura plena (do livro e do mundo) - aquela que desvenda, que revela, que lhes possibilita uma visão crítica do mundo e de si mesmos - se lhes for dada a oportunidade da leitura plena, repito, uma nova ordem de cidadãos poderá surgir e, dela, uma nova configuração de sociedade.

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Podemos, ainda, adiar esse projeto?



Ávida não gosta de esperar. Amanhã ninguém sabe

No peito de um cantador

Mais um canto sempre cabe.

(Chico Buarque)

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capítulo 12

A ESCRITA DE TEXTOS NA ESCOLA:

DE OLHO NA DIVERSIDADE



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Originalmente, este texto foi apresentado no I Simpósio Nacional de Estudos Linguísticos, em um evento promovido pela UFPB, em João Pessoa, em setembro de 1997.

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1. Língua e variação

A questão da variação linguística tem con­templado as múltiplas possibilidades de a língua realizar-se, atendendo a diferenças do lugar, do meio social ou da situação sociocultural em que a atividade verbal ocorre. Tais possibilidades de va­riação têm sido analisadas, preferencialmente, em relação à oralidade, com foco maior para as especificidades dialetais. Va­riações, por exemplo, do português falado em diferentes regiões do Brasil ou entre o português de Portugal e o português do Brasil têm merecido a atenção de pesquisadores aqui e lá.

No entanto, a língua escrita ainda não recebeu esse "olhar" que enxerga as suas diferenças de uso; ou seja, ainda parece subsistir a impressão de uma língua escrita uniformemente, totalmente está­vel, sem variações. Tal impressão é naturalmente reforçada pelo viés da ortografia oficial, um padrão rígido e inalterável, com mudanças pouco significativas em intervalos muito longos de tempo. A visão de uma escrita uniforme repercute no trabalho da escola, que,

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assim, privilegia o ensino de esquemas rígidos, em cujas formas todos os textos têm de se encaixar.

Vamos refletir um pouco sobre esse ponto.

Seja em relação à oralidade, seja em relação à escrita, a consideração do fenômeno da variação linguística implica, necessariamente, a inclusão dos muitos fatores pragmáticos envolvidos na interação. Quer dizer, se a realização da língua comporta variações é, sobre­tudo, por determinação de elementos extrínsecos a ela, elementos constituintes da situação social em que a atividade verbal se insere, tais como o esta­tuto social dos interlocutores, o tipo de relação que se estabelece entre eles, os propósitos em causa, o espaço cultural em que acontece o evento comuni­cativo, entre outros.

Se tomarmos como parâmetro a língua escrita, podemos perceber que a existência de (quase) in­contáveis gêneros constitui um campo privilegia­do para o entendimento funcional dessas possibi­lidades de variação da língua.

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No capítulo 3, já discorri sobre a questão dos gêneros textuais. Volto a esse ponto, aqui, focalizando, especificamente, a significação dos gêneros para a confirmação do caráter flexível e variável dos textos escritos. Alguns conceitos são reiterados na mesma perspectiva de sublinhar a diversidade da escrita, em geral, vista como mais uniforme que a fala.

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2. Língua escrita, variação e gêneros textuais

Dentro das semelhanças existentes entre as modalidades oral e es­crita da língua, uma, sem dúvida, reside na constatação de que os textos escritos também admitem variações, de modo que, a rigor, não existe uma escrita uniforme, inteiramente padronizada e submissa a uma única for­ma. Se é verdade, segundo propõem Schneuwly, Dolz et alii (2004), que não existe "o oral", mas, "os orais", também é verdade que o que existe são "escritos", como expressões da multiplicidade de conteúdos e de propósi­tos comunicativos dependentes das práticas sociais de escrita.

Na mesma perspectiva de uma escrita plural, se aplicam as palavras de Dubois et alii (1989, p. 609), quando definem a variação como um fenômeno pelo qual, no cotidiano da atuação verbal, uma língua nunca é, "numa época,

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num lugar e num grupo social determinados, idêntica ao que foi em outra época, em outro lugar e em outro grupo social" (destaque nosso).

A aceitação desse princípio implica que se esteja considerando a lín­gua escrita para além da frase, isto é, na sua forma textual e como ativi­dade interativa, a qual, por sua vez, é parte significativa da atuação social das pessoas. Ficar no exercício de formar frases, copiar frases, analisar frases escritas não permite a ninguém perceber o fenômeno da variação, uma vez que esta, reiteramos, decorre exatamente das diferentes circuns­tâncias em que acontece a interação. Ou seja, a escrita, como atividade de linguagem, tem que ser percebida na sua dimensão de texto. Tanto para quem escreve quanto para quem lê.

Com efeito, escrever é, simultaneamente, inserir-se num contexto qual­quer de atuação social e pontuar nesse contexto uma forma particular de interação verbal. Daí que, além das determinações do sistema linguístico, a interação verbal por meio da escrita está sujeita também às determina­ções dos contextos socioculturais em que essa atividade acontece.

Ora, sabemos que as formas de atuação social que as pessoas empre­endem são múltiplas e diferenciadas, pois resultam de situações também múltiplas e diferenciadas, no tempo e no espaço, ou respondem a inten­ções e objetivos vários. A própria singularidade inscrita na determinação da natureza humana conduz à previsibilidade da variação, da desseme­lhança, da heterogeneidade, da instabilidade. A história da humanidade se confunde com a história da mudança, da ininterrupta quebra do esta­belecido pela introdução do novo, nesse contexto, já não inesperado.

Pode-se admitir, portanto, o princípio de que a língua varia também na sua modalidade escrita, em decorrência da imposição de adequar-se às diferentes situações de uso em que se insere. As línguas existem para essas situações, em função de suas solicitações interacionais.

Os textos estão sempre em correlação com os fatores contextuais pre­sentes à situação de comunicação, o que, de certa forma, influencia até mesmo a escolha do tipo e do gênero a ser escrito. O fato de que cada tipo de texto é caracterizado pela predominância de determinadas marcas lin­guísticas de superfície (por exemplo, o emprego de certos tempos verbais

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- o imperfeito, para o tipo descritivo; o imperativo, para o tipo instrutivo; o perfeito para o tipo narrativo etc.) não deixa de ter suas raízes mais re­motas em aspectos de sua dimensão contextual.

Também em decorrência desse foco contextual é que um gênero do tipo narrativo pode requerer mais ocorrências de marcadores temporais que deem conta do fluxo cronológico em que as informações se distri­buem (anterioridade, simultaneidade, posterioridade). Um gênero do tipo dissertativo, ao contrário, demanda outra classe de marcadores, uma vez que, em geral, estão em jogo sequências apoiadas em evidências de mui­tas outras ordens, normalmente evidências atemporais. Isto é, até mesmo as determinações linguísticas de um texto têm raízes nas condições reais de sua produção e recepção.

Dentro dessa perspectiva da variação dos textos em função dos con­textos em que circulam, a linguística, sobretudo aquela de orientação pragmática, tem proposto e desenvolvido a categoria discursiva de gêne­ros textuais, na pretensão de caracterizar as especificidades das manifes­tações culturais concernentes ao uso da língua e de facilitar o tratamento cognitivo desse uso, seja oral, seja escrito.

Tais gêneros têm sido definidos como constitutivos da situação dis­cursiva e como modelos mais ou menos estáveis de textos (Bakhtin, 1995). Essa categoria soma-se à outra, já bem mais conhecida, dos tipos textuais, porém amplia-a, no sentido de que especifica e regula os conteúdos, a es­trutura de organização e as próprias configurações dos textos. Por isso, os gêneros supõem regularidades que não se limitam ao que é dito, mas que especificam um modo próprio de dizer. Sob esse ponto de vista, os gêneros ditam, numa espécie de coerção tácita e generalizada, modos estabilizados de dizer. Partilham, assim, características comuns, embora sempre vulne­ráveis a mudanças. Inscritos no universo cultural de cada grupo, os gêne­ros fazem parte do conhecimento de mundo desse grupo e constituem, por isso, elementos de seu saber partilhado. Ninguém é totalmente "soberano" no momento de atuar verbalmente. Prevalece o imperativo maior de fazer valer nossa condição de seres sociais, "livremente" submetidos, também, às coerções de modos específicos de organizar nossos discursos.

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Uma visão, mesmo sumária, dos gêneros escritos dá conta desses múltiplos modos específicos de dizer, o que comprova a variabilidade que pretendo evidenciar com esta reflexão. Na verdade, convivemos, no dia a dia de nossas escritas e leituras, com:

- notícia, reportagem, editorial, artigo de opinião, entrevista, nota de esclarecimento, carta, convi­te, circular, intimação, anúncio, publicidade, avi­so, boletim, folder, edital, declaração, atestado, parecer, (auto)biografia, regulamento, código, estatuto, ata, boletim de ocorrência, relatório, requerimento, curriculum vitae, projeto, mono­grafia, dissertação, tese, ensaio/artigo acadêmico, resumo, resenha, petição, despacho, sentença, ofício, mandado, procuração, contrato, portaria, escritura, memorando, recibo, receita culinária, provérbio, instrução/modo de uso, prognóstico do tempo, horóscopo, roteiro turístico, laudo médico, bula, anedota, adivinhação, prece, cardápio, con­to, romance, fábula, crônica, poema, home page, portal, site, e-mail, blog, entre muitos, muitos ou­tros, difíceis até mesmo de serem enumerados.

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É difícil apresentar uma lista exaustiva dos gêneros escritos que circulam nos mais diversos grupos e esferas sociais do momento. No entanto, Sérgio Roberto Costa publicou recentemente um livro - Dicionário de gêneros textuais - onde é possível encontrar uma relação de um grande número desses gêneros, com apresentação de suas principais características, além de uma preliminar discussão teórica sobre o assunto. É preciso reconhecer quão oportuna é essa iniciativa, pois as solicitações de que os professores abordem as teorias e práticas sociais da produção e recepção de textos são cada vez mais frequentes.



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Meu interesse com essa discriminação, mesmo muitíssimo parcial, é, em primeira mão, tornar mais evidente ainda quanto a escrita de textos supõe uma variação de modelos e de apresentação formal. Em segundo, criar um pano de fundo para pensar mais tarde a questão do ensino da língua nas escolas.

Há um aspecto que parece contrariar esse prin­cípio da diferença dos modos de dizer. Na verdade, a variedade de que se fala não é aleatória. Acontece nos limites impostos pelas convenções estabelecidas nas já mencionadas condições de funcionamento da ativi­dade verbal. Ou seja, os gêneros constituem modelos específicos de texto, diferentes entre si, mas essas diferenças são, umas mais, outras menos, controladas pelas próprias convenções sociais.

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Assim é que as diferentes classes de gêneros constituem um conjunto regular de formas e de padrões de ocorrência, de maneira que essas clas­ses são reconhecidas como protótipos, convencionalmente estabelecidos e socialmente esperados. Constituem, assim, padrões historicamente se­dimentados e, assim, orientam e regulam a atividade verbal, pois todo texto se apresenta a um tempo, típico e singular, como propõe Bronckart, em seus trabalhos sobre o interacionismo (ver indicações na bibliografia).

É também sob essa condição de típico que se dá a demarcação de seu arranjo sequencial, incluindo "os elementos obrigatórios", "os elementos opcionais", "os elementos iterativos" (segundo mostram Halliday & Hasan, 1989) - mais ainda a delimitação de seu sentido global (segundo propõe van Dijk, 1984, Adam, 1990; entre outros).

Assim é que podemos, prever, por exemplo, quais elementos podem constar numa carta, num requerimento, num aviso, e em que ordem eles vão aparecer. É evidente que tais previsões podem ser quebradas, na de­pendência da intenção do sujeito de, violando-as, conseguir um efeito co­municativo qualquer.

Essa condição dos gêneros, a um tempo típicos e flexíveis, é reflexo da natureza mesma da língua, também ela, simultaneamente, sujeita à tradi­ção e à ação livre da sociedade. Se, por um lado, nas palavras de Saussure (1973, p. 88-90), uma língua é "radicalmente incapaz de se defender" dos fatores que, constantemente, a deslocam, por outro, a solidariedade com o passado restringe e controla esse inevitável deslocamento.

Em suma, os gêneros põem em evidência a complexidade da constituição dos textos: são multiformes e, simultaneamente, prototípicos, em atenção mesmo à natureza convencional das instituições sociais em que acontecem.
3. Língua escrita, variação e ensino

Para começo de conversa, temos em conta que o desempenho dos alu­nos, na escrita, não tem correspondido, em geral, ao dispêndio de tempo e de recursos envolvidos na atividade pedagógica do ensino da língua. A experiência com a avaliação de textos de alunos, mesmo no final do ensino

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médio, autoriza que tenhamos um certo "espanto" frente a certos de­sempenhos normalmente injustificáveis.

Mas, esses resultados já têm sido denunciados e com algum destaque, embora, quase sempre, eles sejam atribuídos mais aos alunos do que às inadequações do sistema escolar, incluindo aí a formação dos professores, a distribuição do tempo escolar, o número de alunos por sala, a escassez e a pouca qualidade do material didático disponível etc. Neste instante, prefiro deter-me no que poderia ser feito, em termos de um ensino escolar mais eficaz da língua escrita.

- O ensino da língua escrita deveria privilegiar a produção, a leitura e a análise dos diferentes gêneros, de cuja circulação social somos agentes e testemunhas. Os critérios de escolha desses gêneros de textos, conforme cada estágio da escolaridade, poderiam advir da observação das ocorrências comunicativas atuais, ou seja, daquilo que, de fato, é usado no cotidiano de nossas transações sociais. A diversidade de gêneros requisitada pela diversificação de seus usos, em tão diferentes domínios discursivos, e pela importância crescen­te que se tem atribuído à escrita são justificativas relevantes para buscar promover a competência dos alunos na produção e na recepção de textos adequados e relevantes socialmente. Aliás, o conhecimento da diversidade de gêneros em circulação, como já referimos, também faz parte de nosso conhecimento de mundo, também constitui parcela de nossa cultura social.

- A superestrutura típica de cada gênero, conforme está legitimada pelas convenções sociais, constituiria um dos pontos centrais desse estudo. A cara de uma carta, de um relatório, de um projeto, de um aviso etc. seria um dos objetos de estudo. A partir da consideração dessa cara prototípica e que seriam exploradas as possíveis variações que podem acontecer dentro de um mesmo gênero. Dessa forma, a escrita de textos, sem referência

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Imaginemos as dificuldades para se escrever um texto com base na seguinte solicitação: "Faça um texto a partir desta figura" (é apresentada, ao lado a figura de uma paisagem, de um animal, de uma pessoa etc..) Mas, texto de que gênero? Com que finalidade? Para quem? Para constar em que suporte? Admira que os alunos tenham dificuldade Para escrever bons textos?



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às suas especificidades de gênero, daria lugar à escrita de gêneros específicos, ressalto, que supõem planos de desenvolvimento, de progressão e de ordenação diferentes. O foco da competência em escrita deixaria de ser a correção gramatical ou a higiene ortográ­fica das palavras. Não que esses elementos não sejam, em alguns contextos, importantes; mas não podem ser o foco, a prioridade do que se ensina. É preciso ter olhos para enxergar a complexidade do próprio exercício da linguagem e a hierarquia de importância que os elementos desse exercício implicam.

- As motivações para escrever na escola deveriam inspirar-se nas mo­tivações que temos para escrever fora dela. Se alguma vez fazemos descrições a partir de figuras, é com alguma finalidade definida; por exemplo, para apresentar a alguém um objeto que está à venda ou para fundamentar nossa discordância frente a uma solicitação de preço. A propósito, os técnicos em engenharia civil, muitas vezes, fazem descrições dos imóveis que vistoriam. Ninguém, porém, faz descrições aleatórias, para nada, sem alguma finalidade definida. Normalmente, sobretudo, no ensino médio, o trabalho escolar tem- se fixado na produção de um modelo de "redação", um texto com uma cara só, engessado em uma forma rígida de desenvolvimento; na verdade numa "fôrma" igual para todos. Sem traços da singulari­dade autoral. Nem mesmo o fato de alguns vestibulares terem pluralizado suas propostas de escrita tem sido suficiente para levar a escola a também diversificar suas solicitações de produção escrita.

- A gramática da língua - um quebra-cabeças (para uns, quase sem solução!) na vida de grande parte dos professores - seria a gramáti­ca requisitada por esses gêneros, em função do que se poderia esta­belecer, com mais precisão e muito mais consistência, o alcance das regras e, principalmente, o impulso para minimizar o estudo das no­menclaturas e das irrelevâncias classificatórias. Seria uma gramática dos gêneros, voltada para os diferentes domínios sociais de ocorrên­cia desses gêneros, lugar onde a língua, de fato, cobra inteira relevân­cia. Seria uma gramática mais próxima das operações que as pessoas realizam quando usam a língua em situações concretas de comuni­cação. Pareceria assim irrelevante, inócua, inalcançável? Despertaria

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tanta aversão entre os alunos? Reforçaria a crença de muitos de que não sabem português, claro!, uma língua muito difícil? Explorar os gêneros seria uma forma de explorar a língua acontecendo; uma lín­gua à altura das capacidades cognitivas de qualquer um.



- Na prática do ensino dos gêneros, devia-se destacar e explicitar a complexidade da variabilidade e da tipicidade dos textos, pondo-se em correlação a tensão natural entre o poder de escolha do sujeito e as injunções sociais que regulam o uso da língua. Dessa forma, o sujeito se via como alguém que pode decidir, frente à sua criação individual e, ao mesmo tempo, como alguém que pertence a uma comunidade onde se vivência a solidariedade linguística. Ou, ainda, como autor singular do seu texto e participante da ampla e irrestri­ta intertextualidade dos usos sociais da língua.

- Ainda, pela concentração nos gêneros, se poderia, com pertinên­cia, identificar o destinatário do texto (ou os destinatários, se fos­se o caso), em seu papel social particular, para levá-lo em conta na dosagem da informação veiculada, na antecipação das posições contrárias e, mais pontualmente, na escolha sintático-semântica das unidades linguísticas. Outro aspecto favorecido seria a identi­ficação do lugar e do momento institucional em que o texto seria lido. Essa previsão constitui um dos parâmetros de seleção dos ele­mentos disponíveis nos paradigmas da textualidade. Quem escreve deve empenhar-se em assegurar, a seu leitor, as pistas necessárias, em cada contexto, para que ele possa reconhecer os sentidos e as intenções pretendidos, sem dificuldade.


Em síntese, o mito da uniformidade linguística e a compreensão in­gênua de uma escrita única, inalteravelmente padronizada, tão comum ao simplismo abusivo da prática escolar, seriam radicalmente abalados pelo confronto com a diversidade dos diferentes gêneros de textos. Se a predominância de um ensino da metalinguagem gramatical deixou a ideia de uma língua oral inalterável, muito mais ainda aconteceu em relação à língua escrita, vista, quase sempre, na sua realização formal ou, pior ainda, como exercício de uma "redação" sem intenção, sem fi­nalidade comunicativa, sem leitor, sem contexto. Exaurindo-se apenas na finalidade do treino.

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