Língua, texto e ensino Outra escola possível



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Que cheguemos, já, a um ensino de línguas que, em cada momento, estimule a compreensão, a fluência, o intercâmbio, a atuação verbal como forma de participação nossa na construção de um mundo, inclusive linguis­ticamente, mais solidário e mais libertador. Ou seja, privilegiemos o ensino de uma escrita socialmente relevante, não-excludente, encorajadora, cen­trada em tudo que dá sentido à grandiosa aventura da vida humana.

Será que o exercício de formar frases, aleatórias e soltas, pode promo­ver a competência das pessoas para realizarem a complexa atividade da interação verbal?

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eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.

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Capítulo 13

CONCEPÇÕES DE LÍNGUA: ENSINO E AVALIAÇÃO AVALIAÇÃO E ENSINO



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Este texto foi apresentado, pela primeira vez, na Reunião Regional da SPBC, em Campina Grande (PB), de 07a 12 de novembro de 2003, durante a mesa redonda intitulada "Os descritores de LP no SAEB e sua relevância na atividade de ensino".

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O título da presente reflexão já sugere dois ní­veis de relação entre as questões que pretendo le­vantar neste capítulo:

- primeiro, a relação mais abrangente entre concepções de língua, por um lado, e ensino e avaliação, por outro;

- segundo, a relação mais pontual, de dupla direção ou de reciprocidade, entre ensino e avaliação.
1. Como perceber a relação entre concepções de língua e ensino e avaliação?

No âmbito deste primeiro ponto, começo por dizer que ensinar e ava­liar são 'atividades' e, como tais, são dependentes de um sistema de con­cepções, de um conjunto de princípios a partir dos quais se definem e se

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delimitam. Tais concepções ou princípios é que imprimem a direção da atividade, é que demarcam o fluxo, a direção e os objetivos de cada passo.

Assim é que, tenho insistido, na escola, nada acontece por acaso; isto é, tudo o que fazemos em uma sala de aula é consequência:

- do que percebemos,

- ou, em contrapartida, do que deixamos de perceber.

Assim, ensinar línguas e avaliar ensino de línguas são atividades que refletem as concepções que temos acerca do que é uma língua, do que são seus diferentes componentes, e de como tais componentes intervêm na sua atualização. Dessas concepções vai derivar, naturalmente, o próprio objeto do ensino e da avaliação e, em desdobramento, todos os paradig­mas de tratamento das questões linguísticas. Objetivos e conteúdos, ati­vidades e práticas, tudo vai ser apenas consequência das linhas teóricas às quais emprestamos credibilidade e saliência. As atuações pretendidas para as áreas do ensino e da avaliação ressentem-se, assim, da natureza das concepções teóricas que as inspiram.

Sob a perspectiva de uma língua que se constitui em atividade funcio­nal e interativa, as práticas de ensino e de avaliação não podem deixar de ser também funcionais e interativas. Ora, no domínio da linguagem, é fun­cional o que se faz dentro de determinado contexto, com um propósito co­municativo específico, num jogo de atuação social particular; no domínio da linguagem, é interativo ainda o que envolve, no mínimo, dois sujeitos, que, cooperativamente, se empenham com o fim de levar a cabo, com êxito, uma atuação comunicativa qualquer. Logo, deixam de ser prioridades as atividades meramente classificatórias ou de rotulação de unidades morfo­lógicas e funções sintáticas, sobretudo a partir de frases soltas.

Tudo o que envolve:

- a dialogicidade da língua,

- a construção e a expressão de sentidos e de intenções,

- em textos orais e escritos,

- formais e informais,

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- de gêneros diferentes,

- com propósitos comunicativos diversos,

- conforme as práticas sociais de que fazem parte é que passa a ser o núcleo do ensino e da avaliação.


Em síntese, em relação às questões linguísticas, o quê e como ensinamos e avaliamos estão na dependência imediata das concepções que temos acerca do que é uma língua, de como funciona e a que fins se propõe.
2. E como perceber a segunda relação, aquela mais pontual existente entre 'ensino' e 'avaliação'?

Comecemos por ressaltar que ensinar presume objetivos muito mais abrangentes, muito mais pre­tensiosos e abertos que avaliar. De fato, os limites do ensino são mais amplos, mais heterogêneos e sujeitos a determinações e atividades muito variadas. Além disso, as pessoas envolvidas na atividade de ensinar e de aprender, embora o façam, na escola, de modo sistemático e institucional, têm projetos que ultrapas­sam o andamento da própria instituição escolar.

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Aqui, nos referimos à avaliação que costumeiramente acontece na escola sob a forma de teste, prova e outros expedientes similares. Não perdemos de vista, no entanto, os objetivos mais amplos que a avaliação assistemática, continuada, formativa, implicada na própria atividade de ensino, envolve.



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Em relação à avaliação, ao contrário, os parâme­tros são menos extensos. Os objetivos são mais pon­tualmente direcionados, e os limites decorrentes da natureza contingente e técnica de seus instrumentos implicam uma série de restrições que afetam a extensão de seu alcance. Daí que determinadas habilidades podem ser mais facilmente submetidas a ex­pedientes de ensino do que a práticas de avaliação. Por exemplo, tudo o que se refere à oralidade pode e deve ser objeto de exploração no ensino e, nem sempre, pode ser avaliado, sobretudo sob a forma usual de testes e provas, pelas razões mesmas dos limites técnicos dos instrumentos de avaliação.

Apesar dessas diferenças, é inegável a recíproca relação entre ensinar e avaliar. Ambos são atos do "drama" institucional escolar, atos inerente­mente interligados e, em parte, intercondicionantes. Afinal, avaliamos o

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que é supostamente ensinado, com o claro objetivo de obter algum tipo de informação quanto à apreensão do que foi objeto da atividade de ensi­no. Esse movimento não significa que o ensino possa ter como finalidade a avaliação. O que ensinamos não tem importância simplesmente porque "é matéria de prova", ou porque "vai cair na prova", segundo é dito costu­meiramente. 0 movimento que se estabelece entre o ensino e a avaliação é de outra ordem: significa que a avaliação não pode ser aleatória, pois está vinculada ao que foi objeto de ensino.

Esse é o fluxo que vai do ensino à avaliação,

Por outro lado, a avaliação serve de referência para orientar as próxi­mas decisões de quem ensina. Ela confirma as suposições do professor, ou aponta as reformulações que precisam ser feitas em seus projetos e planos de ensino. Tem, portanto, uma função claramente pedagógica no sentido de que possibilita uma visão de como está ocorrendo o percurso do ensi­no. Quer dizer, a avaliação objetiva, em última instância, o ensino. Por isso mesmo é que não se pode restringir à aplicação pontual de testes e provas. Esses são apenas expedientes pontuais que vêm trazer mais dados acerca das atividades de ensino e de aprendizagem de professores e alunos.

Esse é o fluxo que vai da avaliação para o ensino.

Há, pois, na avaliação, um olhar que é retrospectivo - vê o que foi feito antes - e outro prospectivo, que aponta para futuros rumos e para futuras opções.

Essa condição de interinfluência entre ensino e avaliação, contudo, deve passar de um saber intuitivo e ser percebida conscientemente. Isto é, deve ser explorada explicitamente; para que os sujeitos tenham ciência das razões que justificam o fato de estarem sendo avaliados e, assim, par­ticiparem mais ativamente do processo. Nessa perspectiva, as situações de avaliação poderiam ser vistas como oportunidades para que fossem reveladas e discutidas as ações que concorreram para o êxito do processo ou, em contrapartida, as ações que dificultaram ou foram desfavoráveis a uma aprendizagem mais significativa. Nessa perspectiva, ainda, as si­tuações de avaliação deixariam de ter aquele caráter redutor (expresso apenas em números), aquele caráter de prestação de contas, para serem

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o momento de um olhar mais preciso e mais objetivo sobre como se está ensinando e aprendendo.

Longe, portanto, de considerar aqui aquela avaliação simplista e ime­diata que tem por objetivo, sobretudo, "corrigir" o desempenho do aluno em uns dias determinados: dias de provar, como num tribunal, que consta na memória o que foi ensinado. Tanto a escola focalizou essa prática da correção, que, depois dos dias de avaliação, o que os alunos nos pergun­tam é se "já corrigimos sua prova". É lamentável que a escola, também neste setor da avaliação, tenha reduzido suas funções e emprestado a ela sentidos tão curtos e irrelevantes.

A avaliação perspectivada aqui é aquela que alimenta o processo de ensino. Volta a ele. É signo. Atesta. Fala dos resultados. É ponto de referên­cia, para projetar o caminho adiante. Com segurança. Sem impressionismos ou intuições, apenas. É, portanto, ampla, multifuncional, imprescin­dível e tem, reiteramos, uma indissociável relação com o ensino.

Vale lembrar, no entanto, que a avaliação é um processo que envolve pessoas e, como tal, não acontece de forma linear, inteiramente transpa­rente e inequívoca. Ressente-se de toda a imponderável complexidade e heterogeneidade que envolvem as atuações humanas. Só muito simplistamente poderíamos admitir um mútuo condicionamento entre ensino e avaliação que não refletisse a previsível imprevisibilidade de todos os processos humanos.

A esta altura, assoma uma questão bastante polêmica nos dias atuais, a questão do vestibular: um conjunto de provas em torno dos programas curriculares desenvolvidos até o final do ensino médio, instituído para avaliar e selecionar os candidatos ao ensino superior. Naturalmente, es­tes objetivos deixaram o vestibular, nos primeiros anos de sua instalação, em forte vinculação com o ensino médio, sendo os conteúdos das provas pensados a partir dos programas curriculares vigentes. Ou seja, as provas eram elaboradas conforme os programas executados.

Porém, mais do que se pudesse esperar, o vestibular foi assumindo uma grande e inusitada repercussão social, com desdobramentos em todos os pontos do país e em todas as classes sociais, principalmente na classe média, para quem o vestibular chegou a ser uma espécie de objetivo a que não se podia fugir.

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Sei dos limites que as provas do vestibular têm constituído como instrumento de avaliação do ensino. No entanto, quero aproveitar esse espaço para referir as repercussões (algumas, positivas) que o vestibular teve em relação ao ensino, sobretudo no âmbito do ensino de línguas. É bem verdade que essas repercussões poderiam ter sido bem mais expressivas, se, por exemplo, as questões discursivas tivessem levado o ensino a focalizar as regularidades textuais.

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Pouco a pouco, as referências foram se inver­tendo, e o vestibular é que passou a ser o ponto de referência para o ensino, em algumas escolas. Assim, não era mais o ensino que ditava as regras do vestibular, mas, ao contrário, o vestibular é que inspirava, que orientava e dirigia cada setor do en­sino médio e até do ensino de etapas anteriores.



Nestas circunstâncias, era com base no ves­tibular que as escolas decidiam o que ensinar ou deixar de ensinar. Era prioritário, nos programas do ensino médio, o que caía nos exames vestibu­lares, que passaram, assim, a funcionar como a finalidade, o ponto de chegada do ensino.

Até bem pouco tempo (?), "estudar para o vestibular" era a meta que esgotava toda a pro­gramação da escola. Na esteira dessa influência, veio a indústria dos cur­sinhos, vieram as incontáveis produções de apostilas e fichas, cada uma sintonizada com as tendências das últimas provas. Ou seja, o vestibular passou a definir tudo; não havia imprecisão ou qualquer falta de rumo. Os parâmetros estavam, claramente, e sem ambiguidades, definidos. Este quadro, muito bem pintado por Britto (1997), ainda permanece substan­cialmente, em alguns pontos do país.

Tal inversão - do vestibular para o ensino - pelas circunstâncias em que aconteceu, foi incontestavelmente perniciosa. Primeiro, porque, por mais que sejam ampliadas as possibilidades avaliativas de uma prova, nunca se pode atingir todo o contingente do que é possível fazer à volta de um objeto de ensino; segundo, porque, nos moldes em que inicialmente o vestibular acontecia, as provas, inclusive a de português, punham em rele­vo apenas aspectos pontuais e metalinguísticos da comunicação verbal.

Além disso, tal inversão foi perniciosa, porque nada garante que todos os alunos que concluem o ensino médio pretendem ingressar na universidade.­

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Aquele que optasse por não fazer vestibular teria tido restrita a oportunidade de ampliar seus conhecimentos (e suas competências co­municativas, no caso de estudo de línguas).

Muito do que é necessário aprender para atuar como um cidadão conscientemente participativo e um profissional competente não cabe nos limites restritos das questões de qualquer vestibular. 0 vestibular re­presentou, portanto, uma redução dos amplos fins a que a escola se pro­põe para formar e informar o jovem cidadão; uma redução que chegou a ser perversa e nociva.

Tem-se que reiterar o óbvio: é "pouco demais" dispor a escola toda, seus objetivos, seu ideal maior, seus programas, suas atividades - e até a formação dos professores - em função dos limites estreitos de uma prova de vestibular, uma prova que é apenas uma circunstância, uma contingên­cia pontual de um momento temporalmente localizado.

Esta redução sujeitou a escola a todos os jogos da competitividade de mercado, mesmo quando, para isso, se tivesse que abrir mão dos ideais que definem a natureza da autêntica prática educativa.

Em suma, se, no início, o ensino "alimentou" os ideais do vestibular, os definiu, os estipulou, posteriormente, o vestibular passou a ser a re­ferência do ensino, e com a agravante de que as diretrizes do vestibular nem sempre coincidiram com o que há de mais consistente e relevante em termos do que deve ser uma avaliação.

Em relação ao ensino de línguas, o quadro dos vestibulares não foi di­ferente, embora apresentasse as suas idiossincrasias. Até poucas décadas atrás, as concepções de língua que orientavam o ensino ressentiam-se da visão imanentista, descontextualizada e normativa da língua, o que re­percutiria, inevitavelmente, no tratamento das questões linguísticas pre­sentes às provas. Toda uma tradição histórica, que não cabe analisar aqui, havia conferido à gramática um valor que não corresponde a suas autênti­cas dimensões e às suas específicas funções. E daí provieram muitos equí­vocos, distorções, simplismos e reduções acerca dos fatos linguísticos.

E o círculo (vicioso!) aqui também se instaurou: começou pelo fato de a prova copiar o ensino, para, depois, o ensino copiar a prova. Os primeiros

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vestibulares consolidaram, assim, o ensino de uma língua cujos fatos se restringiam aos limites de sua própria natureza interna e, consequentemente, de uma gramática cuja pretendida consistência a isentava de qualquer interferência externa.

Por este viés, a escola reforçou o caráter normativo-prescritivo dos usos da língua, e reafirmou o único foco que parecia poder dirimir todos os problemas da língua: o foco da correção, do irrefu­tavelmente certo.

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Professor de português é, no consenso geral, alguém cuja competência maior parece ser a de apontar "erros" e, por outro lado, "mostrar" a forma certa de dizer as coisas. Por sinal, a verdadeira "identidade" do professor de português, em relação às exigências de agora, ainda precisa ser mais bem definida. Nesse sentido, é útil a consulta ao livro de Paulo Coimbra Guedes (cf. bibliografia).

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Nessa perspectiva, o que poderia ganhar sali­ência eram as regras morfossintáticas, conforme estavam descritas nos manuais e, depois, o campo das nomenclaturas e das classificações metalinguísticas. Estudar a língua era, assim, afastar-se da intrínseca heterogenei­dade de seus múltiplos usos, para, através de abstrações de toda ordem, dar conta das mais refinadas, inusitadas e inequívocas particularidades de identificação dos fatos.

Nem é preciso considerar quanto, dentro e fora da escola, os limites tão estreitos destas concepções repercutiram nas representações acerca do que seja uma língua, do que seja estudar uma língua, de quem seja o professor de língua e o que lhe compete saber e fazer.

Com o tempo, as reações a esses simplismos surgiram e resultaram, entre outras medidas, na inclusão da prova de redação no vestibular: um meio de marcar o lugar da língua como uso, como expressão, cujo exercício naturalmente implica a ativação de conhecimentos de diversas ordens.

Pretendeu-se, assim, providenciar para o vestibular um instrumento dis­cursivo de avaliação, capaz de apreender mais fielmente a competência co­municativa dos alunos e, em consequência, levar a escola à exigência de trazer para os programas de ensino da escrita a exploração de questões textuais.

Nesses moldes, o vestibular também assumia uma dimensão pedagógi­ca, pois era legítimo esperar que as escolas providenciassem programas e meios de desenvolver nos alunos a competência para a produção de textos

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escritos adequados a uma situação de avaliação formal. E, de fato, em geral, professores e alunos começaram a escrever mais na escola. Redação passou a ser uma disciplina do currículo, com professor e horário específicos.

Porém, por razões de diferentes ordens, as oportunidades de exercício da produção escrita têm acontecido em condições bastante limitadas, sem a necessária interlocução com outros textos e na rigidez quase mecânica de modelos tipoló­gicos e de estratégias discursivas que anulam a subjetividade necessária a toda autoria. Entre es­sas razões, vale a pena destacar a insuficiência da formação dos professores - que devem saber es­crever bem para poderem ensinar com eficiência - e as conveniências ditadas pelos interesses de lucro, que fazem algumas escolas superlotarem as salas e, praticamente, inviabilizarem um traba­lho mais sério com a escrita de materiais funcionalmente significativos. Nesse contexto, a redação passou a constituir um modelo rígido de texto, com um desenvolvimento e uma apresentação "engessada", submetida a normas, por vezes, irrelevantes e estranhas. A grande relevância era atribuída à correção gramatical e à apresentação formal do texto.

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Um aluno do 3º ano do ensino médio me contou que seu professor de redação lhe havia ensinado que numa redação não podiam ocorrer mais de quatro 'quês'. Com base em que estudos, pensei eu, se pode dar uma orientação como essa? Como deve ficar confuso alguém que a recebe assim sem mais!



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Mas, na sequência dos anos, malgrado todos esses senões, a prova de redação veio a ser um indicador privilegiado para avaliar a qualidade do desempenho linguístico dos alunos. Na verdade, ela tem sido uma das forças que, mesmo com limites, tem empurrado o ensino para os usos da língua, nomeadamente, para os usos formais da língua escrita.

Em síntese, o (inevitável?) instrumento do vestibular, no que concer­ne ao estudo das línguas e às capacidades discursivas dos alunos - tem favorecido um interesse maior da escola para abrir-se às dimensões inte­rativas, sobretudo em seus usos de leitura e escrita. Muitas universidades do país já elaboram seus programas de vestibular com base naquelas di­mensões de uso da língua. Pode-se esperar (e se deseja!) que esses pro­gramas inspirem, nas escolas, a definição de outros objetivos e de outras programações. Pode-se esperar, ainda, que esses programas inspirem um

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outro perfil do professor de línguas, o que poderá repercutir, inclusiva­mente, nas instituições de formação.

Lembramos também que, atualmente, é evidente a disposição dos ór­gãos institucionais - acadêmicos e administrativos - para oferecerem um suporte teórico capaz de promover concepções de avaliação mais amplas, mais condizentes com as condições reais de uso da língua. Aí está o do­cumento dos Parâmetros Curriculares, aí estão as orientações que funda­mentam as avaliações do SAEB, e do ENEM, como nos mostra Beth Marcus- chi, em seu trabalho de 2006, apontado na bibliografia. Aí estão, ainda, os critérios a partir dos quais é feito o exame dos livros didáticos no PNLD.

Ou seja, pode-se constatar, no momento presente, uma visão de lín­gua que já inclui sua realização como uma das formas de as pessoas atuarem socialmente; ou, uma visão que privilegia a natureza dialógica e interativa da língua, sua dimensão discursivo-textual, sua irrestrita e inevitável dependência das múltiplas e variadas condições de uso. Não apenas o ensino, mas também a avaliação podem, neste instante, des­frutar de bases teóricas capazes de respaldar opções pelas múltiplas competências implicadas nos usos da modalidade oral e da modalidade escrita da língua.

No entanto, apenas tímidas e pouco substanciais mudanças têm acon­tecido no âmbito do ensino. O peso de uma experiência histórica, que miticamente foi defendida como a legítima, ainda exclui de seus objetos de ensino-aprendizagem e avaliação o uso interativo e interpessoal da lín­gua. Nem mesmo a constatação de que certos pontos já não são objeto de questões em provas de vestibular, nem mesmo a significativa pontuação atribuída à prova de redação têm tido a força suficiente para deslocar, tan­to quanto era previsível, o foco do ensino da pura metalinguagem, classificatória e terminológica, para o ensino das competências e habilidades exigidas pela interação social adequada e relevante. Aquilo que os novos modelos de provas podem ter querido demonstrar parece ainda não ter criado vínculos efetivos nas escolas.

Sumarizando todas as considerações aqui levantadas, insistimos em que não se pode negar a vinculação entre as concepções de língua e as ati­vidades pedagógicas de ensinar e avaliar. Como não se pode negar, ainda,

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a reciprocidade de relação entre ensinar e avaliar, logo, consequentemen­te, entre as oportunidades de avaliação e o ensino.

Mas, queremos ressaltar um ponto: por mais previsíveis que sejam tais relações, elas nunca acontecem de forma linear e inequívoca. Ou seja, por mais que se pretenda para a avaliação a pretensão pedagógica de in­terferir no ensino, são sempre ainda limitadas tais interferências, pois intervir em educação é muito mais que, pela lógica dos cálculos e da pon­tuação dos resultados, transpor elementos de um universo para outro.

Tudo o que envolve ensino e avaliação envolve a inexorável imprevisibilidade da dimensão humana. O que é absolutamente previsível é que não podemos abrir mão dos ideais. Nunca foi tão urgente promover uma escola que seja, de fato, uma porta de entrada de todas as pessoas para o mundo da participação e do desfrute dos bens materiais e culturais que temos produzido.

Faz muito tempo que as portas da escola (pelo menos da escola que favorece o engajamento, a participação) não se abrem para todos. E, nesse tempo, o ensino e a avaliação que fizemos em torno da língua "excluíram" mais que "botaram pra dentro" aqueles que nos bancos da escola se sen­taram. Escola que representa, de qualquer maneira, um de nossos direi­tos fundamentais.

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A SOCIEDADE PODE ESPERAR?

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Capítulo 14

RESUMINDO A ESCUTA...

Por vezes, as mudanças não implicam remover os objetos ou, simples­mente, destruí-los. Até porque existem objetos que não podem ser destruí­dos. Muitas vezes, as mudanças implicam apenas uma mudança de pers­pectiva, um olhar por outro ângulo, o que acaba por ser um novo olhar.

Olhar a língua como marca de nossa identidade cultural dá-lhe uma dimensão política, histórica; acentua-lhe o caráter social e dá visibilidade a seu destino interativo. Amplia-a, pois, enormemente. E pode fortalecer o 'analista da linguagem' que existe, intuitivamente, dentro de nós. Pudemos, historicamente, ter deixado de ver muita coisa relevante na linguagem, nas línguas nossas e de todo o mundo, porque nos taparam os olhos, ou, pelo menos, nos desviaram o olhar para os calos das superfícies imediatas.


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