As determinações linguísticas não preenchem a totalidade das regularidades da textualização e a coerência não depende única e exclusivamente dos componentes linguísticos do texto. Ou seja, regem a coerência outras determinações para além daquelas linguísticas. Os autores que incluem a coerência entre as propriedades linguísticas do texto, para citar apenas estes,
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o fazem, contudo, admitindo que a coerência ultrapassa o componente verbal, para incluir elementos cognitivos e fatores situacionais.
Em outras palavras, a textualidade é de natureza complexa e se constitui de uma dupla estrutura: uma linguística e outra extralinguística. Ambas, determinantes e imprescindíveis para a coerência do texto.
Portanto, o fato de admitir o condicionamento de fatores situacionais para a definição da coerência dos textos não neutraliza a pertinência de seu material linguístico.
Daí por que me pareceu oportuno chamar a atenção, neste momento, para a não menor relevância da co-textualização, ou seja, da textura interna do texto, da sua composição sintático-semântica, detendo-me, então, no texto como objeto linguístico, dependente da estrutura interna dos enunciados que o constituem e da articulação construída entre esses enunciados.
2. Qual a relação entre coerência e léxico, entre coerência e gramática?
Uma obviedade gritante - mas que é pertinente referi-la aqui - é que os textos linguísticos são construídos com palavras. Palavras que, desde o sistema, têm um significado básico, estão submetidas a regras particulares de combinação, em vistas a uma organização sequencial coerente, nos âmbitos micro e macroestrutural.
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O léxico de uma língua, em seu sentido mais geral, corresponde ao inventário total de palavras disponíveis aos falantes. Numa perspectiva mais específica, o léxico compreende o conjunto de recursos lexicais de uma língua, o que inclui também os morfemas e os processos aceitáveis na língua para a construção de palavras.
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Dessa forma, construir um texto, capaz de funcionar sociocomunicativamente num contexto específico, é uma operação de natureza também lexical e gramatical. Quer dizer, não se pode escolher aleatoriamente as palavras, nem arrumá-las de qualquer jeito, nem tampouco optar por qualquer sequência de frases.
Por exemplo, não posso, indiferentemente, usar as palavras 'estável' ou 'instável'; 'amoroso' ou 'amigável'; não posso, indiferentemente, usar o verbo 'ser' ou o verbo 'estar'; usar o sintagma 'no qual' ou 'do qual'; usar o
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pronome 'que' ou o pronome 'onde'; usar o artigo indefinido ou o definido; não posso, ainda, em qualquer lugar, suprimir o artigo. Tudo está submetido a uma série de restrições, que constituem, no final, o conjunto das regularidades de cada língua.
Se, por um lado, tais restrições são coercitivas, por outro, são funcionais, no sentido de que são elas que possibilitam o entendimento mútuo entre as pessoas de uma mesma comunidade linguística.
Isso é evidente demais; no entanto, o processo de escolarização que a língua sofreu, processo em que, normalmente, reinou a mais radical descontextualização, apagou da língua seu caráter de funcionalidade. E aí, por vezes, se cai no extremo de fazer as regras valerem por si mesmas, absolutas e intocáveis, ou se cai no outro de desconsiderá-las e não desconfiar de que não vale qualquer palavra, em qualquer lugar.
As pessoas que não se habituaram a examinar os critérios com que escolhem as palavras, como exemplifiquei acima, nem sequer percebem que podem estar comprometendo o mais elementar sentido do que está sendo dito e onerando o trabalho do leitor, que, num esforço de 'cooperação', deve, praticamente, refazer o texto que recebeu para lhe dar um sentido possível. Por exemplo, diante do trecho de um relatório de pesquisa em que estava escrito:
(1) Nesta referida turma são matriculados 55 alunos no qual estavam presentes 46, onde nenhum se omitiram em responder.
o leitor não tem o que fazer a não ser tentar calcular o que o outro "queria ter dito", refazer a escolha das palavras e reconstruir sua ordenação sintática.
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As palavras-com seus sentidos básicos - funcionam como as margens de um rio: se, por um lado, limitam o percurso das águas, por outro possibilitam seu curso. Sem margem, o rio perde a sua identidade.
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Ou seja, quem fala ou quem escreve não pode fugir à definição e à delimitação sintático-semân- tica das unidades lexicais e das construções gramaticais com que se constrói a superfície do texto, o qual sofre, então, as restrições decorrentes dos próprios limites das palavras que o compõem. Na verdade, os sentidos e as intenções pretendidos em cada texto tornam-se disponíveis ao interlocutor pela mediação das sinalizações linguísticas
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presentes, sejam elas lexicais ou gramaticais. Na superfície, as palavras funcionam, portanto, como sinais, como plaquinhas que vão indicando as pistas para o ouvinte ou o leitor alcançarem o sentido e as intenções pretendidos. É verdade que, além desses sinais linguísticos, existem outros; mas isso não neutraliza o valor daqueles.
Convém lembrar, ainda, que o sentido calculado para o texto não decorre apenas do sentido de cada palavra isoladamente. Desde que uma palavra entra em um texto, passa a ser afetada pelos sentidos de outras que a precedem ou que a seguem, de maneira que nenhuma funciona isoladamente, solta, sem estar constituindo um nó com alguma outra.
Reparemos, por exemplo, nas variações de sentido existentes, conforme digamos:
- fazer a conta;
- fazer de conta;
- fazer por conta;
- fazer em conta;
- fazer sem conta, para ficar apenas nessas poucas combinações.
Os sentidos do texto são apreendidos, portanto, num movimento de interdependência, de voltas e avanços; quer dizer, as unidades são, mutuamente, vias de acesso, ou vão-se determinando relevantes reciprocamente, cada forma perdendo a sua autonomia absoluta. Por outras palavras, qualquer escolha de uma palavra ou de uma sequência interfere nas subsequentes e é, por sua vez, atingida pelas precedentes, de maneira que toda forma vai funcionando como um meio de acesso a outra ou a outras, independentemente da linearidade estrita que, à primeira vista, o desenvolvimento do texto poderia implicar.
Essa interdependência entre as palavras sobrecarrega ainda mais o peso dessas determinações linguísticas para as quais venho chamando a atenção, pois não se trata apenas de escolher a palavra individualmente certa, mas de escolher a palavra certa para determinado contexto, para determinada vizinhança. Por exemplo, são bem comuns as combinações faixa etária, dispositivos legais, materiais didáticos, tomar uma decisão. Assim é que se diz tomar o café-da-manhã, mas não se costuma dizer tomar o almoço; se diz acordo amigável; mas não se costuma dizer amigo amigável.
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Portanto, fica reiterado o princípio de que não se pode escolher qualquer palavra e de que não é, em qualquer ponto do texto, que se pode inserir não importa o que.
Tais determinações aplicam-se tanto ao domínio da macroestrutura quanto ao outro, o da microestrutura. Uma razão para isso é que um texto deve fazer sentido em cada um dos seus segmentos pontuais e em seu todo, ou seja, "deve conter uma macroestrutura microestruturalmente organizada", o que reforça, ainda mais, esse caráter de importância das palavras e de sua arrumação sintática.
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Charolles, em seu trabalho intitulado Introdução aos problemas da coerência dos textos (cf. bibliografia), define que a coerência de um texto deve ser conjuntamente determinada desde os pontos de vista local e global. Um texto, assegura ele, pode ser microestruturalmente coerente sem o ser macroestruturalmente.
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É por isso que, no trecho transcrito acima (Nesta referida turma são matriculados 55 alunos no qual estavam presentes 46, onde nenhum se omitiram em responder), a escolha inadequada dos relativos 'no qual' e 'onde' compromete a inteligibilidade do que é dito. Um professor que apenas olhasse para a ortografia não veria quanto a significação do enunciado ficou prejudicada.
Ou seja, a coerência, insistimos, é também linguística; é também gramatical. Não tem sentido, portanto, pensar que não há por que estudar gramática. O que é preciso é estudar a gramática que nos faz entender e compor, de forma mais adequada, textos orais e escritos.
3. A coerência é apenas uma questão global?
Ou é afetada também em pontos menores do texto?
Sem dúvida, a coerência global - do texto em sua totalidade - assume importância capital. Por ela é que reconhecemos a unidade de sentido e de intenção prevista. É ela que, no final, retemos em nossa memória de ouvinte ou de leitor e é ela que pode, inclusivamente, justificar eventuais rupturas em determinados pontos do texto.
Isso não quer dizer, no entanto, que podemos deixar de reconhecer a importância da coerência pontual. Quer dizer, da coerência resultante das
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determinações microestruturais, aquelas que se localizam entre dois termos, entre duas orações, entre dois parágrafos (a exemplo das que mostramos atrás, a propósito do uso de um 'no qual' ou 'onde').
Dessa forma, quero focalizar, no presente tópico, a sequência sintática intrafrástica; na perspectiva da sua interferência para a construção da coerência do que é dito.
3.1. Que peso tem a sequência sintática das palavras no interior de cada frase?
Na construção da frase, é decisivo — para a clareza e precisão do que se diz — o discernimento quanto ao que escolher e trazer para a superfície. Escolhas indevidas podem obscurecer o sentido ou até comprometê-lo; vejamos, a propósito o exemplo (1). A relevância das determinações lexicais e das regras gramaticais reside, exatamente, no fato de ambas se prestarem a possibilitar a representação de um sentido. Daí por que essas determinações e regras constituem uma condição necessária para a expressão do sentido, embora sua eventual alteração possa ser, ela mesma, veiculadora de um efeito especial de sentido.
Esses princípios guardam certo paradoxo: por um lado, eles são muito evidentes e, por outro, precisam ser explicitados e considerados nos discursos sobre a linguagem.
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Por exemplo, as pessoas demonstram ter uma compreensão intuitiva da coesão e da coerência do texto, quando dizem que alguém não "junta lé com cré"; ou diz "coisas sem pé nem cabeça"; ou "junta alhos com bugalhos" etc. O que tem faltado é explicitar que recursos existem para que nossos textos não incorram em tais impropriedades A quem cabe fazer isso? A escola, naturalmente.
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A raiz desse paradoxo está no fato de que tudo o que diz respeito à linguagem tem esse ar de máxima evidência, uma vez que a linguagem está presente em todas as atividades das pessoas e tudo, de certa forma, passa por ela. Ao mesmo tempo, contudo, de tão evidente, a linguagem assume uma condição de "coisa já sabida demais", automatizada, e que dispensa, portanto, reflexões, explicações, explicitações. Na prática, devido a uma série de razões, acaba por prevalecer a primeira perspectiva, ou seja, a da percepção natural, intuitiva e empírica da linguagem, que, às vezes, não garante uma compreensão mais ampla,
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mais crítica e consciente do que acontece quando falamos, ouvimos, escrevemos ou lemos.
À escola é atribuída, por dever, a segunda perspectiva, ou seja, a de explicitar, de explicar os fenômenos que definem o funcionamento interativo da linguagem, e refletir sobre seus usos, seus efeitos e as estratégias que as pessoas usam para interagirem verbalmente.
Acontece que a incompreensão de certas questões - sobretudo aquelas relativas à gramática - empurrou o trabalho da escola para fora da linguagem, para fora do sentido e da interação. Empurrou o trabalho para a mera classificação das entidades linguísticas, para sua rotulação, para a análise de suas funções sintáticas e morfológicas, sobretudo no âmbito da palavra e da frase isolada. Ficou faltando fazer essa vista sobre os usos da língua para descobrir suas determinações, suas regras de funcionamento, sejam sintáticas, semânticas ou pragmáticas.
É por isso que o princípio que apresento aqui - o de que não se pode em qualquer lugar do texto usar qualquer palavra - ainda precisa ser objeto de reflexão e de consideração.
Nas aulas de línguas, nem sempre, as palavras são, privilegiadamente, vistas como "portadoras de sentido", de um sentido que, se tem uma base estável, é também móvel, contextual, porque é afetado pelas outras palavras que formam a vizinhança em que essa palavra aparece. "Esqueceram o sentido" para que se "aprenda" o valor morfológico ou as funções sintáticas que a palavra assume.
Apenas sob a hipótese dessa fuga do sentido é possível explicar como alguém, são e letrado, depois de muitos anos de escola, chega a escrever, num trabalho acadêmico, um parágrafo do tipo que se mostra a seguir:
(2) As palavras, como as frases e os textos construídos no seu tempo, modo e se possível, apresentando o sujeito, ou não, quando escritos pelos poetas, escritores ou jornalistas, pessoas que pelo uso sabem utilizar, no seu tempo certo, no momento certo, transformam em melodias e textos harmônicos o que dizem ou escrevem. Como músico que utiliza com maestria a composição das notas musicais.
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Por que é possível alguém escrever um 'texto' como esse e não perceber que não existe aí unidade de sentido interpretável? É que, durante anos, não foi a busca do sentido que esteve em pauta nos momentos de estudo da língua. O que polarizou o interesse das aulas, das avaliações, das provas foi a busca apenas dos nomes, dos rótulos que as palavras e frases têm. A descontextualização com que tais palavras e frases são vistas tira de foco o sentido, tira de foco a significação do que é dito. Daí a gente dizer que Vovó vê o ovo, mesmo quando nenhum contexto justifique que se diga isso. Diz-se só para treinar. Mas quando é que, na vida real, a gente fala só para treinar? Numa sessão de fonoaudiologia?
Ou seja, repito, o princípio mais elementar de que qualquer palavra não pode acontecer em qualquer contexto e de que o sentido, portanto, não resulta pura e simplesmente de uma junção de palavras, não é tido em conta, a ponto de não se ser capaz de perceber que não se conseguiu produzir uma peça linguística que tem um sentido recuperável ou que tem relevância em algum contexto.
Assim, temos que reforçar: a coerência resulta também das palavras e das relações gramaticais que são estabelecidas, embora, insistimos, fatores da situação de interação também intervenham na determinação dessa coerência.
A explicitação desse princípio poderia contribuir para desfazer certos equívocos que têm perturbado o professor de línguas: ensinar ou não ensinar gramática. Já vimos que a expressão do sentido depende também das determinações lexicais e gramaticais da superfície textual; portanto, as regras da gramática da língua são essenciais, são indispensáveis, para a produção do sentido e das intenções que caracterizam as interações verbais.
O problema, então, não é uma questão de opção: gramática, sim ou não. A hipótese da não-gramática inexiste. Sem gramática, não há língua, não se fazem textos, nem orais nem escritos, nem formais nem informais. O problema é saber distinguir o que é uma regra de gramática e o que é, pura e simplesmente, uma questão de rotulação gramatical ou de classificação de uma unidade linguística.
Conforme se pode ver por aquele parágrafo transcrito em (2), faltou ali a aplicação das regras de combinação das palavras, de modo a possibilitar
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a apreensão de um sentido, de uma unidade discursiva qualquer, que vai resultando desse sentido continuado por cada palavra. Faltou, portanto, o domínio de como juntar as palavras, de como combiná-las, de como associá-las, de como articulá-las para se deixar um sentido e se expressar uma intenção. Ou seja, faltou, também, gramática; não a gramática dos nomes que as palavras têm; mas a gramática que regula a forma de usar as palavras para dizer as coisas que queremos dizer.
Evidentemente, a gramática se justifica pelo que ela possibilita expressar; ou seja, antes da gramática vem o que se tem a dizer, o que se quer dizer; nesse nível é que as escolhas se definem, para que faça sentido o que é dito.
Observe-se, por exemplo, o seguinte parágrafo:
(3) No plano textual são de suma importância as relações de reiteração enquanto mecanismo de coesão, pois linguisticamente, o nível léxico-gramatical do texto concorre para a unidade do mesmo, bem como possibilita a organização da superfície textual. (destaque nosso)
Numa análise mais cuidadosa, podemos perceber que o uso do marcador 'pois', explicativo nesse caso - que introduz o segmento em negrito - não satisfaz plenamente. De fato, o segmento "pois linguisticamente, o nível léxico-gramatical do texto concorre para a unidade do mesmo" não constitui uma explicação para a afirmação feita na primeira parte do trecho.
Quer dizer, conforme o que está escrito no parágrafo acima, foi estabelecida uma relação de explicação entre a reiteração e o nível léxico-gramatical do texto, mas não é bem isso o que a coerência teórica da questão implica. As relações de reiteração são importantes enquanto mecanismos de coesão uma vez que retomam segmentos anteriores do texto e os ligam a outros subsequentes, favorecendo, portanto, a continuidade, a sequência e, portanto, a coesão. Não é isso o que está expresso nas palavras do enunciado.
Ainda na mesma perspectiva, pode-se ver, em (4), como a enumeração destacada reflete uma desarrumação na ordem e na sequenciação dos itens, o que se manifesta, inclusive, na falta de paralelismo das estruturas.
(4) Um texto com uma boa estrutura, faz com que o leitor se sinta mais à vontade, não tendo pressa de o terminar (organização; pontuação;
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prenda a atenção; desenvolva as ideias; não fugir do tema; a letra; boa estrutura). (destaque nosso)
A propósito do que são citados esses itens em negrito? São os itens que concorrem para "uma boa estrutura do texto?" Mas, quais foram os critérios escolhidos para sua ordenação? Há algum critério reconhecível para a sequência adotada na enumeração? Começou do mais geral para o mais particular? E a formulação sintática em que esses itens aparecem: prevaleceu a escolha de substantivos, de verbos? Por que motivo se passou, indistintamente, de uma categoria para outra?
E quem escreveu esse trecho, lendo-o depois, seria capaz de reconhecer essas desarrumações?
A gente parece esquecer que existe um sentido que se quer expressar e - para nosso bem (mais que para nosso mal, acredito!) - existem as palavras, com limites sintáticos e semânticos, que possibilitam essa expressão.
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Certamente, quem escreveu esse trecho não saberia perceber aí o efeito da falta de sentido, pois não está acostumado a fazer esse tipo de procura. O que tem feito, em anos de escola, é analisar frases soltas, cujo teor informativo não importa. O que importa é acertar o nome das unidades e categorias gramaticais.
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São exatamente esses limites sintáticos e semânticos que restringem nossa liberdade de escolher, para qualquer lugar, um 'pois', um 'portanto, um 'entretanto', um 'no qual', um 'onde' ou qualquer outra palavra. São exatamente esses limites sintáticos e semânticos que restringem também nossa liberdade de apagar, sem mais nem menos, um ou outro argumento do verbo, uma ou outra palavra.
As palavras pequeninas (os artigos, as preposições), como se pode ver em (5), são as maiores vítimas desse processo de cancelamento arbitrário, o qual pode trazer sérios prejuízos para a compreensão das referências introduzidas ou retomadas na sequência do texto.
(5) Enfim, um bom texto, é aquele em que o indivíduo não (con) cansará, em outra oportunidade, retomá-lo, e indicá-lo aos amigos.
Uma outra digressão nada funcional pode ser vista em:
(6) Um bom texto tem que ter coerência, clareza e principalmente organização. Sem esquecer também de saber ou não se expressar.
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De que jeito estabelecer a ligação temática entre os dois períodos? O primeiro tem como tema a expressão 'um bom texto'-, ou seja, é disto que se está falando. 0 segundo nem sequer tem tema explícito, pois não sabemos a que sujeitos remeter a predicação feita pelos verbos esquecer e saber. Além disso - perguntamos - caberia, tem coerência a alternativa em saber ou não se expressar?
Ou ainda, dizer que:
(7) Um texto "bom" deve passar por diversos processos de confecção, afim de que os vícios deste sejam eliminados ao máximo possível, tornando a leitura atraente, com bons aspectos estruturais.
não parece uma brincadeira de juntar aleatoriamente as pedras de um jogo?
Isto é, não se pode dizer qualquer coisa. O discurso, apesar de incluir todos os seus amplíssimos enraizamentos individuais e histórico-culturais, comparece na materialidade da produção verbal e a ela também está sujeito. É seu limite, é a própria afirmação de sua condição de pertencer à contingência humana.
Vale a pena observar que a liberdade de quem usa a língua, igual a todas as outras liberdades, é relativa; é limitada pelas injunções da própria socialização a que a língua serve, inteiramente. O outro para quem e com quem falo é o limite para minha liberdade.
4. Para finalizar: escrever um comentário, um aviso... Ou fazer uma redação?
Na escola, escrever um comentário, fazer uma exposição, fazer uma carta, divulgar um fato, entre outras coisas, passou a ser, genericamente, fazer uma redação ou, por vezes, produzir um texto. Esquecemo-nos de que não somos, no dia a dia de nossas interações, "produtores de textos". Somos pessoas que falam, que escrevem, que leem, para atender às nossas múltiplas necessidades de interação.
Sob o rótulo da redação, qualquer um dos gêneros em circulação perde a sua especificidade e se conforma a uma espécie de fórmula, de modelo, extremamente bitolado e artificial. Aquele que escreve, por sua vez, perde a sua
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identidade pessoal e assume a outra, de um grupo amorfo, detalhadamente uniformizado, que tudo vê e tudo diz sob a mesma ótica e a mesma forma.
É por isso que todas as redações escolares são iguais. São, simplesmente, produtos iniciados e acabados ali. Nada há de autoria, de pessoal, de próprio. Poderiam ser trocados seus autores e não haveria grandes diferenças nem quanto à forma nem quanto à perspectiva com que as coisas são ditas. Ninguém transgride funcionalmente um determinado padrão para obter algum efeito estilístico. Um ou outro apenas - bem atrevido - se arrisca a dizer coisas de um jeito diferente. Até o espaço que marca a entrada dos parágrafos tem a mesma dimensão. Tudo é, literalmente, con-formado.
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