Louco Amor (Volume ) Charlotte M. Brame Biblioteca das Moças Louco Amor Volume a mad Love



Yüklə 0,52 Mb.
səhifə8/9
tarix30.01.2018
ölçüsü0,52 Mb.
#42156
1   2   3   4   5   6   7   8   9

CAPÍTULO XXIII

UM PLANO MAQUIAVÉLICO
Nada houve de sentimental na reconciliação entre os pais e filho. O Conde e Lord Chandos foram a pé para o hotel, através das ruas de Berlim, enquanto a condessa ia de carruagem. Fumaram juntos o charuto da paz, en­quanto Lord Chandos contava ao pai os seus triunfos na sociedade. Coisa alguma disseram sobre o assunto de maior importância: seu amor, seu casamento, o processo. Falaram de tudo, menos disso. As únicas palavras que partiram o coração do pai e penetraram no do filho foram estas:

— Estou satisfeito de que você se haja reconciliado com sua mãe, Lancelot. Ela o estima muito, e, orgulho­sa como é, deu prova do seu amor em o procurar. Nada diz, porém sei que sentiu imensamente esta separação. Sinto-me feliz em ver que tudo vai bem agora. Não lhe dê mais desgostos, meu filho.

— Evitarei fazê-lo, na medida do possível, — respondeu o jovem, e assim terminou a conversação.

Lord Chandos era hábil, mas estava nas mãos de mu­lher ainda mais hábil do que ele. Quando uma mulher tem o dom da estratégia, torna-se perigosa, e a condessa nascera com o dom da diplomacia. Manobrava com tal astúcia que ninguém percebia que estava dando os pas­sos necessários para conseguir o que desejava. Nas suas mãos, um homem transformava-se em boneco, do qual a condessa manejava os cordéis. O mais forte, o mais ho­nesto, o mais enérgico, transformava-se em cera, nas suas mãos. Fazia deles o que queria, e com tal habilidade que nem percebiam que estavam simplesmente a cumprir as ordens de uma mulher. Tinha dois modos diferentes de agir. Um, era o das grandes providências, com as quais poderia até promover guerra entre duas nações. Ou­tro, o das pequeninas intrigas, todas tendendo para um único fim.

Havia jurado a si própria anular o casamento de seu filho, e o conseguira por meio de uma providência de­sesperada.

Tinha também a firme intenção de fazê-lo casar com Lady Marion Erskine, a beleza mais afamada da época, en­tre a nobreza, e também a mais rica das herdeiras, e prometia-se consegui-lo por meio de bem tecida trama de pe­queninas manobras.

Os fatos eram-lhe propícios. Lady Marion Erskine era sobrinha e tutelada de Lady Cambrey, e Lady Cambrey, embora tutora de uma das mais ricas herdeiras da Eu­ropa, não tinha fortuna, sendo quase necessitada. Tendo sido muito amiga da mãe de Lady Marion, esta, pouco antes de morrer, lhe pedira que tomasse conta da filha, cargo que Lady Cambrey aceitara com prazer. Tinha fi­cado estabelecido que ela vivesse em companhia de Lady Marion Erskine até que esta casasse, e Lady Cambrey era suficientemente inteligente para compreender que do casa­mento da sobrinha, sua tutelada, dependia a sua futura posição. Devia, portanto, usar de toda a sua influên­cia em favor do pretendente que oferecesse maiores van­tagens do ponto de vista financeiro, e Lady Lanswell fora a única mulher na Inglaterra suficientemente astuta para descobrir essa série de circunstâncias.

Sendo o seu maior desejo que o filho casasse com Lady Marion Erskine, a beleza da época e a maior for­tuna do país, principiou as manobras de tática nessa di­reção, aproveitando o fato de Lady Cambrey ser favorável ao pretendente que maior fortuna possuísse.

Tiveram uma entrevista em Londres. A condessa convidou Lady Cambrey para um chá.

— Pouco nos temos encontrado este ano, — disse Lady Lanswell. — Estamos passando umas duas semanas em Lon­dres, embora não seja a estação, e tenho muito prazer em vê-la. Lady Erskine está na cidade?

— Não. Eu vim só, unicamente para dar ordens re­lativas à redecoração de Erskine House. Lady Marion cansou-se dela assim como está.

— Foi providencial que a senhora estivesse em Lon­dres nesta ocasião. Fiquei satisfeitíssima quando o soube. Nada há que eu tanto aprecie como tomar uma xícara de chá em companhia de amiga com quem se possa con­versar, por ter os mesmos pontos de vista que tenho.

Dito pela condessa, estimadíssima na corte e conhecida na política, isto era um elogio. Lady Cambrey ficou envaidecida pelo cumprimento, e dentro de poucos minu­tos as duas trocavam-se confidências. Simulando grande ingenuidade, a condessa contou à amiga a triste história do capricho de seu filho, capricho que o havia levado a julgar-se apaixonado, acabando tudo em um casamento felizmente anulado por sentença judicial.

— A senhora bem sabe, Lady Cambrey, que teria sido a ruína dele; agora, porém, graças â Deus, — acres­centou piedosamente, — está livre. Tenho passado em revista todas as jovens fidalgas da Inglaterra, e ainda não encon­trei nenhuma com quem tanto desejasse vê-lo casado como com Lady Marion Erskine. Como vê, mostro-lhe francamente todas as minhas cartas.

— Seria um magnífico casamento, — respondeu Lady Cambrey, pensativa.

— Se quiser ajudar-me, verá que não sou ingrata. Pelo contrario, estarei sempre ao seu dispor, e providen­ciarei mesmo para que a senhora não seja esquecida.

— É muita bondade sua, — disse a tutora de Lady Ma­rion. E as duas se compreenderam perfeitamente.

A mãe sabia que estava a vender a honra e a lealdade de seu filho, e Lady Cambrey também sabia que tinha vendido a independência e a livre vontade de sua sobri­nha.

Depois de haverem tomado mais uma xícara de chá, Lady Lanswell julgou conveniente fazer mais algumas con­fidencias.

— Prometa-me persuadir Lady Marion a passar o inverno em Roma, e ficarei muito satisfeita.

— Ela certamente seguirá os meus conselhos. É muito dócil e obediente.

— Resolveremos o nosso plano de ação quando nos encontrarmos ali. O principal é procurar evitar que meu filho tenha a menor suspeita de que isso é "uma idéia nossa". Em vez de chamar a sua atenção para Lady Ma­rion, devemos fingir que evitamos que eles se encontrem. Oh! Bem conheço como são os homens. Desde o ins­tante em que perceber isso, principiará a ficar ansioso por encontrar-se com ela. Compreende?

— Perfeitamente, — disse Lady Cambrey; — é um prazer encontrar quem conheça a natureza humana, como a se­nhora conhece.

A condessa sorriu ao ouvir o cumprimento, sentindo no seu íntimo que era bem merecido.

E assim foi o plano combinado, sendo muito simples a parte que Lady Cambrey deveria executar. Só tinha de sugerir à sobrinha que fosse passar o inverno em Ro­ma; e esta imediatamente aceitaria a sugestão.

Lady Lanswell já havia delineado todo o plano da campanha. Pretendia ir a Berlim reconciliar-se com o filho e persuadi-lo a ir à Itália com eles. Contar-lhe-ia a fama que havia criado na Inglaterra. Estudaria todos os seus caprichos e vontades, para executá-los. E se bem o pen­sou, melhor o fez. Tornou-se delicada, amável, acompa­nhava-o sempre; não só se mostrava amiga como mãe ca­rinhosa. De tal modo o cativou, que dentro de pouco tem­po Lord Chandos lhe fazia todas as vontades.

Tanto o soube cativar, que Lord Chandos já não pen­sava em deixá-la, quando um dia sugeriu irem a Roma.

— Vamos a Roma, passar o inverno, Lancelot.

O filho levantou os olhos do jornal que estava a ler.

— Roma, minha mãe? Que vai fazer lá?

— Descobri que há pessoas de minha amizade pas­sando lá uma temporada. Cansei-me de Paris.

Principiava a trama. Ela era por demais diplomata para pedir-lhe que a acompanhasse. Contentava-se em pro­curar seduzi-lo, contando-lhe das belezas que esperavam en­contrar na Itália, dos prazeres que poderiam gozar ali, das diversões em que poderiam tomar parte. Subitamente, in­terrompeu-se no meio de uma descrição para pergun­tar?

— Lancelot, onde vai passar o inverno este ano? Voltará para a Inglaterra, afogar-se na neblina?

— Não sei ainda, — respondeu o jovem e admirou-se de que ela não o convidasse a ir também a Roma.

Final­mente, nas vésperas da partida, disse-lhe a condessa:

— Lancelot, se não faz questão de voltar para a In­glaterra, venha conosco a Roma.

— Com muito prazer.

Lord Chandos suspirou aliviado. Se, afinal de contas, não poderia encontrar-se com Leone antes do verão, por que havia de voltar para a Inglaterra e passar alguns me­ses de melancolia? Podia, ao menos, gozar a vida em Roma. Sabia que a mãe estava sempre cercada de socie­dade distinta e elegante. Seria mais agradável tomar parte nas reuniões dessas pessoas do que passar a vida solitária e triste na Inglaterra.

— É claro, — disse a condessa, com astúcia; — não o obrigo a fazê-lo. Deixo o caso ao seu bel-prazer. Se acha que aquilo que você tem o prazer de chamar seu dever o chama para a Inglaterra, não serei eu que o detenha um só instante.

— Ainda não tenho deveres que me obriguem a vol­tar, — replicou o jovem, um tanto aborrecido.

Gostaria que sua mãe houvesse insistido para que ele fosse; teria sentido grande prazer se ela tentasse impor a sua vontade, mas vendo que a condessa deixava o caso inteiramente nas suas mãos julgou que para Lady Lans­well tudo fosse completamente indiferente.

Era como todos os homens. Se ela o quisesse obri­gar a ir, ou mesmo tentasse persuadi-lo a isso, resisti­ria e voltaria imediatamente para a Inglaterra. Como, porém, lhe parecesse que sua mãe o convidara unica­mente por delicadeza, sem se importar que o filho fosse ou não, decidiu ir. Logo, pois, que terminaram as fes­tas, escreveu a Leone, dizendo ir passar o inverno, em Roma, em companhia de seus pais, pois já que não podia passar com ela, tanto fazia estar nesta ou naquela parte. Mas estava ansioso para que chegasse o dia trinta de junho.



CAPÍTULO XXIV

NAS MÃOS DE MULHER ASTUTA
— Finalmente estamos em Roma, — disse Lady Marion Erskine à sua tia. — Como me parece isso extraordinário! Sabe que, quando menina, ao estudar história romana, ti­nha a impressão de que tudo era uma fábula? Nunca pude acreditar que esta cidade realmente existisse. Ro­ma é um elo que liga o mundo antigo ao moderno.

— Sim, sim, é exato, — dizia Lady Cambrey, embora não tivesse a menor idéia daquilo que a sobrinha dizia.

Lady Cambrey não era dada à cultura, mas sempre procurava agradar à tutelada. De fato, sentia grande pra­zer em servir de dama de companhia a uma linda her­deira como Lady Erskine; por isso, concordava sempre com o que dizia a moça.

Lady Marion era obediente e dócil por natureza. Era dessas mulheres que nasceram para ser governadas, e não para governar. Não sabia dar ordens, apenas sabia obe­decer.

Lady Cambrey desejava, por certos motivos particula­res, que ela fosse a Roma. Conseguiu sem o menor tra­balho.

— Marion, — disse ela um dia, — já pensou onde quer passar o inverno?

— Não, ainda não pensei nisso. E a senhora, tia Jane?

— Sim. Ouvi dizer que grande parte da nobreza da Inglaterra foi para Roma.

— Para Roma? E a senhora conhece as pessoas que foram para lá?

— Sim. Há algumas de nossas relações. Um prín­cipe romano, Dório, casou com uma moça inglesa, de modo que este ano a moda em Roma serão os ingleses. Gostaria de ir para lá. Conheço algumas pessoas da famí­lia do príncipe, embora não o conheça pessoalmente.

— Se a senhora quer ir para lá, poderemos ir.

Como se vê, não foi nada difícil executar essa parte do programa traçado por Lady Lanswell. E Lady Jane Cambrey, com sua sobrinha tutelada Lady Marion Erski­ne, achavam-se em Roma, para ali passarem o inverno. Alugaram uma vila, próxima a belos jardins: Vila Borgazzi. Lady Cambrey teve o cuidado de que não faltasse o conforto inglês, sem destruir o ambiente italiano.

Certa manhã Lady Cambrey chegou da rua, de volta de compras na cidade, toda excitada.

— Marion, — foi dizendo, — soube que os Lanswells estão aqui. Fiquei encantada. Pensei em ir visitá-los esta tar­de. Se você estiver cansada, irei só.

E, pelo tom de sua voz, mais do que pelas palavras, Lady Marion imaginou que a tia preferia ir só.

— Lembra-se da condessa de Lanswell? A "grande dame par excellence", em Londres, neste verão? Ela gos­tou muito de você, minha filha.

— Lembro-me, sim, — replicou Marion. Depois ajuntou, com certo interesse: — não foi o filho dela, Lord Chan­dos, que andou envolvido em umas complicações?

Tomada de surpresa, Lady Cambrey atrapalhou-se um pouco. Sua tutelada detestava os mexericos e ela nunca julgou que tivesse conhecimento do caso de Lord Chandos. Entretanto, era preciso responder à pergunta.

Tomou ar grave e respondeu:

— A culpa não foi dele, coitado! A mãe contou-me tudo. Tenho muito pena dele.

— E por quê?

— Ele não passava de um rapaz inexperiente e essa pessoa, creio que uma camponesa, aproveitando-se de sua generosidade, não sei se o persuadiu a casar com ela ou se o fez prometer que casaria quando atingisse a maioridade.

— Pensei que ele se houvesse casado e que seus pais tivessem requerido a anulação do casamento, em vista de não ter idade.

— É melhor não se falar mais nisso. Duas coisas, pelo menos, são certas: se Lord Chandos tivesse casado legalmente, seu casamento não poderia ter sido anulado; e a outra é que a condessa não tolera que mencione essa tolice em que o filho caiu.

— Conhece Lord Chandos? — perguntou Lady Marion depois de algum tempo.

— Sim, conheço-o, e o considero um dos cavalhei­ros mais encantadores que já encontrei, um perfeito "gentleman".

— Como a senhora o lisonjeia...

— Porque o merece, — disse ainda a tia; e, depois, com diplomacia, mudou de assunto. Entretanto, mais de uma vez, nesse dia, Lady Marion pensou no cavalheiro encantador.

Entrementes, o tempo se passava agradavelmente pa­ra a condessa e o filho. Haviam-se hospedado no grande palácio Falconis, ex-residência de uma princesa, e que agora se alugava aos nobres turistas. Lady Lanswell cuidou de que a seu filho não faltassem diversões. Todos os dias, logo pela manhã, apresentava-lhe um programa de atividade em que poderia passar o tempo. Nunca uma mulher se dedicou com tal interesse à tarefa de distrair e di­vertir um homem.

A condessa percebia que continuamente chegavam cartas da Inglaterra para o filho. Estava acima das in­trigas vulgares, e portanto nunca pensou em destruir nenhu­ma delas. A batalha, que travava, era executada com a máxima, fidalguia e distinção. Não hesitara em mandar anular abertamente o casamento, mas nunca desceria à vileza de destruir ou violar uma carta. Disse francamente ao filho que estava certa de que ele não voltaria para casar em trinta de junho; não praticaria, porém, nenhu­ma infâmia burguesa para vencer.

Muitas vezes acontecia ser a própria condessa quem distribuía a correspondência. Quando isso se dava, e ha­via carta de Leone, ela sempre a entregava pessoalmente ao filho, com um sorriso, no qual se notava o desprezo.

— Mais uma carta, querido Lancelot, — dizia. — Você contribui com boa soma para a repartição dos correios.

Nunca aludia a Leone, mas permitia-se, de quando em quando, relatar algumas anedotas de pessoas respeitáveis, que se tornaram ridículas por se haverem apaixonado.

O tempo se passava mui agradavelmente para Lord Chandos; sempre era melhor ficar na Itália e divertir-se do que ir aborrecer-se na Inglaterra. Estivesse onde es­tivesse, não poderia mesmo ver Leone. Não confiava em si próprio estando na Inglaterra. Amava-a demais, para que não a fosse ver.

Em Roma, divertia-se o melhor que podia, aprovei­tava o tempo e, embora continuasse a amar Leone com a mesma intensidade, já não sentia tanto a dor da separação. Certa manhã, a Condessa de Lanswell enviou a Lady Jane Cambrey um bilhete lacônico:

"Creio que poderemos dar hoje o primeiro passo. Queira levar Lady Marion ao concerto, no palácio da Prin­cesa Golza. Deixe o resto ao meu cuidado.”

Lady Cambrey não perdeu tempo. Tanto falou à sua tutelada a respeito do esplêndido concerto, para o qual ha­viam sido convidadas, que Lady Marion ficou ansiosa por ir.

— Permita-me superintender a sua toilette, Marion. É a primeira, vez que nos vamos apresentar à Sociedade de Roma, e quero que você deixe excelente impressão, — aconselhava a tia.

Escolheu uma das mais lindas toilettes; de brocado branco, bordada com flores azul-celestes.

— Deve pôr um colar de pérolas e levar um ramalhete de flores azuis, — dizia Lady Cambrey. — Verá como no dia seguinte todos estarão a falar na linda fidalga que apareceu em Roma.

Lady Marion ficou, enfim, uma verdadeira jóia de distinção e beleza. No rigor da moda, uma loura encan­tadora, de cabelos dourados como a luz do sol, e olhos azuis como o céu da Itália.

— Se Lord Chandos não se apaixonar por ela, — pensava a tutora da tentação, — é porque não pode admirar outra mulher senão a sua camponesa.

Lady Lanswell tivera êxito completo, com a sua di­plomacia. Falara do concerto ao filho, que também re­cebera convite; porém, não o convidara a ir, nem lhe ha­via perguntado se iria. Ele a ouvira em silêncio, esperando que a condessa o convidasse, para então escusar-se, pois não apreciava concertos. Entretanto, vendo que Lady Lanswell nem ao menos lhe perguntava se iria, principiou a sentir-se despeitado.

Depois de algum tempo, Lord Chandos disse espon­taneamente que iria, e sua mãe recebeu essa declaração com bastante frieza, dizendo-lhe que logo se aborreceria do ambiente enfadonho de uma sala de concertos. Mas o jovem estava resolvido a ir, e a grande diplomata sorria de sua vitória.

Deus tenha piedade do homem que cai nas mãos de mulher astuciosa!


CAPÍTULO XXV

A APRESENTAÇÃO
A Condessa de Lanswell e seu filho foram os últimos a entrar no grande salão do Palácio Golza. Com uma vista de olhos já Lady Lanswell percebera que tudo es­tava a seu contento. Notou que Lady Erskine, impecavelmente bela e elegante, se sentara num local onde podia ser vista de toda a sala, mas, por prudência não tornou a olhar naquela direção, e nada disse ao filho.

Era o mesmo que armar esparrela para um passari­nho — o pobre jovem ia cair na armadilha, sem dar por isso.

Embora a condessa não estivesse a olhar para o filho ou para Lady Erskine, sabia que este dera pela presença da linda loura, e que a observava com interesse. Viu que o rapaz se admirava e esperou pela pergunta, que sabia não tardar.

— Minha mãe, quem é aquela linda moça?

A condessa voltou-se para ele, com o ar mais ingê­nuo que soube adotar:

— Que moça, Lancelot? Há tantas moças lindas aqui!

— A inglesa. Não pode ser senão inglesa. A que tem um colar de pérolas e um diadema, também de pérolas, nos cabelos louros. Quem será?

Lady Lanswell continuava a fingir. Olhou para o lado oposto e fez que não encontrava a moça. Finalmente, numa expressão de quem ainda está em dúvida perguntou:

— Ah! Você se refere à Lady Marion Erskine, a jo­vem que está ao lado da princesa Golza?

— Sim, deve ser Lady Erskine. Como é linda! Refulge como uma pérola oriental, destacando-se do tapete de veludo negro que lhe fica atrás! Ouvi dizer, outro dia, que Lady Erskine estava em Roma; porém não a conhecia pessoalmente. De fato, é um tipo de beleza.

A condessa fitou-o com ironia.

— Não julguei que pensasse assim. Não dá então preferência às belezas morenas?

Subitamente desenhou-se-lhe na imaginação o rosto mo­reno e apaixonado que ele vira junto ao regato em Rashleigh. O salão, as lindas moças, o rosto de Lady Ma­rion, a música suave que enchia o ambiente, tudo desapareceu como por encanto; e Lord Chandos sentiu-se transportado para junto da roda d’água, tendo ao lado a beleza infantil de Leone.

Tão forte, tão vívida foi a recordação, que Lancelot quase lhe pronunciou o nome em voz alta.

Sua mãe adivinhou, pela expressão de dor, quais eram seus pensamentos. Procurou distraí-lo.

— Os gostos diferem tanto... Acha Lady Marion realmente bela, Lancelot?

— Acho. Nunca vi rosto mais lindo.

A condessa mudou de assunto. Não convinha dizer muita coisa de uma só vez. Nessa noite não mencionou mais o nome de Lady Marion, mas notou que o filho olhava freqüentemente naquela direção, e sorriu ao pen­sar que, ele mordera a isca.

De outra feita, estavam a passear num dos jardins de Roma, quando encontraram as duas senhoras. Lady Cambrey acompanhava a sobrinha; Lord Chandos ia em companhia da condessa, porém não a seu lado. As se­nhoras encontraram-se, trocaram algumas palavras de cortesia e tornaram a separar-se, sem que Lady Lanswell sequer fizesse menção de apresentar o filho.

— Minha mãe, — disse este logo que ficaram de novo a sós, — a senhora não me apresentou a Lady Erskine.

Lady Lanswell sorriu com calma.

— Foi unicamente em consideração a ela. Disseram-me que tem muitos admiradores em Roma. Pelo que sei a seu respeito, você não seria o tipo que essa moça apre­cia.

As palavras espicaçaram-lhe o amor próprio.

— E por quê?

A astuciosa mulher tornou a rir.

— É muito orgulhosa, Lancelot, e de gosto muito apu­rado. Creio que não precisarei dizer mais.

A condessa sabia sempre fazer uma retirada estra­tégica no momento oportuno. Deixou nessa ocasião o filho com a impressão de que Lady Erskine não faria muita questão de o conhecer, devido ao seu pequeno escân­dalo amoroso.

Nessa tarde deveriam tornar-se a encontrar. Uma senhora inglesa, Mrs. Chester, dava um baile. A casa de Mrs. Chester era das mais ricas e luxuosas de Roma. Lady Erskine apresentou-se elegantemente vestida de veludo azul-pálido, com enfeites de seda branca; trazia diamantes no cabelo um ramalhete de lírios brancos na mão. Era a rainha do baile, e foi Mrs. Chester quem a apresentou a Lord Chandos. A boa senhora estava inocente de qualquer intriga; sendo, porém, muito amiga de Lady Lanswell, não podia senão seguir inconscientemente os seus planos. Estivera dançando com Lord Chandos, e falara-lhe na bela loura.

— Lady Marion Erskine, — disse Mrs. Chester, — concretiza o meu ideal de mulher bonita. Só depois que a co­nheci, pude compreender as descrições que os poetas fa­zem de uma bela mulher.

— Não a conheço, — afirmou o jovem conde.

— Não a conhece!? Como? Julguei não haver um cavalheiro inglês em Roma que não conhecesse sua linda patrícia.

— Ainda não lhe fui apresentado.

— Pois será a última vez que se poderá queixar de semelhante ingratidão da sorte. Venha comigo, lorde.

Como todas as senhoras inglesas de Roma, Mrs. Ches­ter tinha em grande admiração o herdeiro dos Lanswells.

Por essa época, não havia ninguém mais popular em Roma que o jovem lorde de quem se contavam muitas anedotas românticas. Ele seguiu Mrs. Chester até onde Lady Marion se encontrava, cercada por um grupo de brilhan­tes admiradores.

Desde o primeiro momento em que se viu fitado por aqueles olhos azuis, Lord Chandos gostou dela. Tinha uns modos delicados e distintos e, embora não possuísse o fogo da paixão que exaltava Leone, era meiga, suave, amável e gentil.

Junto dela, a alma parecia encontrar descanso. Tudo, nessa moça, era delicado e suave; os gestos graciosos, a voz macia, o sorriso cândido, os olhos azuis.

Não seria capaz de despertar paixão violenta em homem algum; mas poderia prender um coração român­tico pela sua meiguice natural, que lembrava um regato sereno e azul de águas constantemente plácidas. Fitando o jovem lorde, Lady Marion simpatizou também com ele.

Estiveram alguns segundos falando, e Lord Chandos solicitou-lhe uma contradança. Durante os breves mo­mentos em que dançavam, comentou-se no salão o belo par que formavam. Lord Chandos estava muito satisfeito de lhe haver sido apresentado. Realmente, era tão gentil quanto bela. A sua meiguice e docilidade o encantavam.

Entretanto, faltava-lhe a originalidade, o fogo da pai­xão, a altivez soberana, que constituíam o caracterís­tico de Leone; não poderia haver no mundo duas pes­soas mais dessemelhantes, mas ambas encantavam Lord Chandos. Se uma o estimulava à ação, a outra lhe des­cansava o espírito.

Dançaram juntos várias vezes, e na sua deliciosa in­genuidade Lady Marion lhe disse que preferia os cavalhei­ros ingleses aos italianos, pois aqueles lhe pareciam mais francos e sinceros.

— Por que veio passar o inverno em Roma? — per­guntou Lord Chandos.

E a loura quase que ficou sem saber como respon­der. Finalmente, replicou que havia sido idéia de Lady Cambrey.

— Não foi então pelo desejo de ver as antigüidades e os tesouros de arte da grande capital? — inquiriu Lord Chandos, pensando com que interesse Leone falaria de uma viagem à Itália, para examinar de perto todos os seus mo­numentos artísticos.

— Não foi realmente por isso, embora eu não te­nha deixado de os visitar. Que o trouxe aqui, Lord Chan­dos?

Ele também hesitou um momento, antes de respon­der:

— Para ser franco, também não sei. Vim, ao que pa­rece, porque minha mãe veio. — E os seus olhos se encon­traram, num interessante sorriso de parte a parte.

Parecia estranho que ambos estivessem em Roma, sem que nenhum dos dois pudesse dizer por quê.

— Suponho, — disse afinal Lord Chandos, — que estamos sendo guiados pelo destino.

— De minha parte fico satisfeita de que seja assim. Gosto muito mais de ser guiada do que de guiar. Acho muito mais fácil obedecer do que mandar.

— Deveras? Então achará muito fácil, algum dia, cumprir o mandamento das fidalgas inglesas que consti­tuem famílias: "Amar, honrar e obedecer"?

— Sem dúvida que é um mandamento bem fácil de ser cumprido. Não me agradaria seguir pela vida afora, sozinha. Gostaria de encontrar uma alma forte à qual me pudesse encostar.

E mais uma vez Lord Chandos pensou na nobre e altiva moça que confiava em si e que lutaria contra o mundo todo, se necessário fosse, para obter o que dese­java.

Mesmo assim, Lady Marion, com seus modos dóceis e meigos, não deixava de lhe agradar. Ao despedir-se dela, fê-lo com a esperança de a tornar a ver em breve.



Yüklə 0,52 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7   8   9




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin