Maria Iara Santos Deodoro



Yüklə 322,66 Kb.
səhifə3/7
tarix05.03.2018
ölçüsü322,66 Kb.
#44025
1   2   3   4   5   6   7

2.1 Simplesmente, Eu Mulher
Ser identificada como filha de alguém, esposa de alguém, mãe, sogra... é o que acontece com a mulher em geral, desde que nasce. Mas em um determinado tempo, que pode ser através da profissão, do casamento, ou até mesmo da maternidade, que ela pode adquirir uma certa autonomia e se impõe como uma pessoa singular do sexo feminino e, como tal, passa a ser identificada. Pois, dessa maneira, não permite que suas outras funções e papéis se sobreponham ao de ser uma mulher, a qual conquistou um espaço só dela para ser simplesmente mulher. Mas isso infelizmente não é privilégio para todas as mulheres.

A família monoparental chefiada por mulher e a mulher chefe de família apresentam suas particularidades nas configurações familiares, mas nos dois casos é a mulher quem provem e cuida da família, e é essa mulher cuidadora e provedora que quero focar neste subcapítulo. Dando vistas á fragilização da sua identidade feminina, buscando o fortalecimento do “eu mulher”, como já foi citado.

A monoparentaledade ou a chefia feminina de uma família, independe do segmento social, econômico, cultural, religioso..., mas é o segmento popular o que apresenta maiores dificuldades em interagir com o meio e se auto-ecoorganizar, pois estas mulheres que geralmente possuem dupla ou até tripla, jornada de trabalho, não têm tempo e nem possibilidades de se perceberem como mulher, independente de seus outros papéis e funções por dedicar todo o seu tempo ao cuidado da família. Não se permitindo o cuidado pessoal, esquecendo que a vaidade é uma das características femininas e pode ser praticada em casa, apenas com um tempo reservado para o seu cuidado, e que movimentos simples como comprar um batom não são experimentados por elas, como constatamos na fala seguinte:
“Lá em casa tudo que eu compro é pras crianças, primeiro eles, a casa e depois eu {...} ganho muita coisa da minha patroa e das irmãs dela, é quase tudo novo. Outro dia ganhei um batom que ela não gostou, mas quase nem usou, eu nunca comprei um, fiquei tri contente...” ( Gana 34 anos, 3 filhos).
Nesta fala denota-se que a preocupação com o cuidado e sustento dos filhos não permite que Gana reserve tempo para si, veste o que ganha e não se permite uma compra a seu favor exclusivo. Outro relato que mostra a falta do cuidado próprio, em prol da família, contrariando o principio da auto-ecoorganização apontado por Morin:
“Ta difícil acompanhá os temas deles, já não sei muito pra ajudá. Sem contá que saio muito cedo, eles ainda tão dormindo, quando chego quase sempre já tão dormindo de novo, e no fim de semana tenho que colocar a casa em ordem.”

(Namíbia 30 anos,2 filhos).

Denota-se na fala acima, a necessidade de uma auto-ecoorganização dessa mulher, para que ela possa dar conta não só dos filhos e da casa, mas que contemple inclusive a ela mesma. A chefia da família por mulher ou a monoparentalidade feminina é uma carga muito pesada, principalmente para as famílias populares, que são discriminadas e dependem de políticas públicas para complementar o sustento da família. Neste contexto essas famílias são marginalizadas pela sociedade em geral. Segundo Leite, Apud Gomes:


“Na realidade a monoparentalidade sempre existiu se levarmos em consideração a ocorrência de mães solteiras, mulheres e crianças abandonadas. Mas o fenômeno não era percebido como uma categoria específica, o que implica sua marginalidade no mundo...” (2003:21).
A autora nos alerta para a falta de atenção em relação às famílias que têm a figura feminina na liderança. Sendo este, um fenômeno recente e que contempla uma categoria específica. Mesmo não sendo o foco deste trabalho, convém falar minimamente das especificidades desta categoria, que necessitam de políticas sociais que auxiliem na organização familiar. Pois, as políticas oferecidas pelo governo são fragmentadas sendo assim, incapazes de contemplar a diferença e a particularidade de cada família chefiada por mulher (Gomes, 2005).

A fragmentação das políticas oferecidas a essas famílias é mais um complicador na vida dessas mulheres, e além de repetir várias vezes sua historia de vida, exigidas em cada balcão a qual são encaminhadas, existe o fato de enquanto está andando de repartição em repartição está perdendo seu dia de trabalho. Constado no relato á seguir:


“Quando fui escrever (inscrever) o guri no curso de computador, no primeiro dia fiz uma entrevista e tive que contar toda a minha vida, segundo dia levei o guri e teve outra entrevista com outra assistente social, de novo contei minha vida, aí ela me disse que iam analisar minha ficha e qualquer coisa me ligava.” (Guiné, 37 anos, 5 filhos).

O que Guiné nos traz é um retrato da fragmentação de um serviço público, no qual ela tem direito, mas para isso teve que faltar dois dias de serviço, para contar a mesma coisa. Essas políticas pontadas como de inclusão são, através da fragmentação política, de exclusão. São tantos os empecilhos no caminho dessas famílias, que o direito de acesso á essas políticas são ignorados, pois essas mulheres ou bem buscam o que lhes é oferecido por órgãos públicos, ou bem trabalham para sustentar as famílias. Nessa dialógica entre indivíduo/sociedade, exclusão/inclusão, elas constroem sua auto-ecoorganização em uma relação concorrentes antagônicas e complementares (Morin, 2002).

Dentro das especificidades da família monoparental chefiada por mulher ou mulher chefe de família, destaco as necessidades íntimas e individuais das mulheres que lideram suas famílias. Segundo Morin, apud Gomes:
“As emancipações femininas não se realizaram somente na obtenção dos direitos cívicos, mas também na aquisição de autonomia de espaço e de tempo, de acesso ás possibilidades de libertação das conseqüências da procriação e do coito (anticoncepcionais, legalização do aborto) e a possibilidade de um gozo sem entraves externos. (2002:82, 2005:93).

Gomes através de Morin, nos aponta que as conquistas femininas foram muito além dos direitos cívicos, contemplando suas intimidades e individualidades. Mas convém que apesar das conquistas adquiridas com a evolução dos tempos, onde as mulheres conseguiram maior autonomia, ainda enfrentam tabus que persistem em relação ao papel da mulher, tais como enfrentar as maiores taxas de desemprego e ter, em média, menores rendimentos em relação aos homens. (Gomes, 2005)


Sendo este um dos fatores que vem dificultar o sustento da família dessas mulheres, elas auto-ecoorganizam-se para buscar subsídios e dar conta de suas famílias. Na maioria das vezes, estes são extraídosdo trabalho informal que cada uma articula estratégias próprias para atender suas demandas, as quais nem sempre são as mesmas, pois tem de se levar em conta a realidade social, econômica, política e cultural na qual a família interage.

As mulheres chefes de família e as famílias monoparentais chefiadas por mulheres necessitam de um cuidado especial, um novo olhar que deve visualizar o que de fato elas, como sujeito único e individual, precisam. Elas devem ser visualizadas além de julgamentos acomodados dizendo que o processo ao qual elas estão inseridas pertence a cultura delas, que essas mulheres são reprodutoras do que vivenciaram com seus pais e que isso as acompanhará pela vida afora, dentro desse conformismo diante da realidade que se repete, pois assim foi com a avó, foi com a mãe, está sendo com ela, e provavelmente será com suas filhas, reforçado pelo conformismo do profissional, que ao acreditar nessa verdade não busca novas possibilidades para a mudança.“Esse conformismo cognitivo, muito mais do que conformismo. Há um imprinting cultural, matriz que estrutura o conformismo, e há uma normatização que o impõe.” (Morin, 2001:29), sendo o imprinting um termo proposto por Konrad Lorentz, que Morin nos traz:


“O imprinting cultural inscreve-se cerebralmente desde a mais tenra infância pela estabilização seletiva das sinapses, inscrições iniciais que marcarão irreversivelmente o espírito individual no seu modo de conhecer e de agir. À marca indestrutível das primeiras experiências, acrescenta-se e combina-se a aprendizagem indelével, que elimina facto outros modos possíveis de conhecer.” (Mehler, 1974 apud Morin, 2001:30).
O autor nos traz que o imprinting cultural é uma marca indestrutível, adquiridas pelas primeiras experiências na infância, sendo um estigma cultural que lhe acompanhará pela vida a fora, obedecendo a um caráter imutável. Trago como exemplo a história que Angola trouxe para o grupo, da irmã que está bebendo muito, reproduzindo a história de vida de sua mãe, que veio a falecer pelas complicações do alto consumo de bebidas alcoólicas.

Na coletânea de leis, revista e ampliada, 2000, há um poema de Bertold Brecht, que fala sobre a desumanização19 em que o mundo se encontra, que diz:


“Nós vos pedimos com insistência

Nunca digam – isso é natural

Diante dos acontecimentos de cada dia

Numa época em que reina a confusão em que ocorre o sangue

Em que ordena-se a desordem

Em que o arbítrio tem força de lei

Em que a humanidade se desumaniza

Não digam, nunca – isso é natural.”

Bertold Brecht

O autor pontua que a nossa humanização está garantida enquanto nos sentirmos incomodados com os fatos do dia-a-dia, sem achar natural, por exemplo, ver uma mãe não dar conta de cuidar e sustentar seus filhos. Não temos o direito de banalizar ou julgar que somos os donos da verdade, e desconsiderar ou sentenciar as pessoas e permanecer em estado de homeostase, reproduzindo assim o que lhe foi herdado culturalmente, sem apresentar possibilidades de produzir sua morfogênese e buscar novos caminhos dentro de sua realidade. O despertar da espiritualidade e a corporalidade são instrumentos valiosos para auxiliar as mulheres chefes de família, monoparentais ou não, a promover sua auto-ecoorganização, buscando o seu ‘Eu Mulher’.



2.2 Espiritualidade e Corporalidade, estratégias para a auto-ecoorganização

Busco neste subcapítulo abordar a espiritualidade e a corporalidade por acreditar que esses dois fenômenos possam ser instrumentos para uma auto-ecoorganização. Sendo mais uma possibilidade a oferecer as mulheres chefes de família, monoparental ou não.

Cada cultura tem suas crenças, sua religiosidade20, todos nós humanos somos seres espiritualizados por natureza, o desenvolvimento dessa espiritualidade depende da relação que os indivíduos estabelecem com o meio o qual estão inseridos, a espiritualidade independe de religião. Na dialógica da dependência / independência da religião, a espiritualidade traduz os dois cominhos, que conforme Lima Vaz,(2000:9), o sentido do termo místico e de seus derivados como a espiritualidade, diz respeito;
A uma forma superior de experiência ,de natureza religiosa ou religioso-filisófico, que se desenrola num plano trasracional __ não aquém, mas além da razão __ e que mobiliza as mais poderosas energias psíquicas do indivíduo. Essas energias elevam o ser humano às mais altas formas de conhecimento e de amor que lhe é dado alcançar nesta vida. ( apud Murad,2007:123 ).

Mas muitas vezes a espiritualidade é confundida por práticas de devoção, aliadas á símbolos correspondentes à religião em questão, pois “Cada religião cria um jeito próprio de marcar a relação com o sagrado.” (Murad, 2007:123). Sendo essa concepção de espiritualidade insuficiente, pois está baseada nos hábitos e elementos visíveis, que não são suficientes para apontar a relação com o transcendente. Com isso Murad nos traz:


Todas as tradições religiosas possuem uma dimensão exterior e outra interior. De um lado há a experiência mística, fundante, desafiadora de onde se originam as convicções profundas, seus símbolos principais e sua espiritualidade, de outro lado, está a vivência cotidiana de religião: as normas práticas, a ética do grupo, comportamento pessoal e os regulamentos {...}.

A face interior é denominada mística: o conjunto das experiências básicas daquela crença, com sua linguagem peculiar, seus mestres e a espiritualidade decorrente (Maçaneiro, 1997:19) apud (Murad, 2007:124).


O autor traz esta citação para falar das duas dimensões da espiritualidade, no qual uma é chamada de exterior e por isso é visível, palpável, representada por símbolos. E a outra, chamada de interior, onde depositamos nosso lado místico, onde valorizamos a reflexão da fé, que motiva nossas ações e alimenta nossas convicções, é espaço de diálogo dos nossos sentimentos, na dialógica do bom/mau, tendo a possibilidade de percepção e de escolha de, com qual relacionar-se? Qual me faz sentir bem?

A contemporaneidade aponta desejos de criar uma linguagem única, viabilizando o relacionamento entre as diferentes tradições espirituais, permitindo um diálogo e um aprendizado de umas para com as outras. Para essa universalização da espiritualidade Murad nos traz:


Não se trata de nivelar por baixo as diferenças, “globalizar” a mística, domesticá-la e transformá-la em mais um objeto de consumo. Reconhece-se que as espiritualidades das diferentes religiões tocam uma experiência comum na humanidade, mas respeitam-se as diferenças. (2007:124)
O autor nos traz a possibilidade de união das espiritualidades, sem desrespeitá-las, uma vez que a espiritualidade é natural da humanidade, todos somos espiritualizados, uns mais desenvolvidos e outros menos, mas essas diferenças são respeitadas, permitindo uma fácil convivência entre elas. O autor traz ainda o resultado dessa união de espiritualidades a partir dos elementos comuns entre elas, levando em conta a sabedoria de cada uma e da humanidade, além da sensibilidade do homem e da mulher. Murad apresenta as ações espirituais de uma forma que nós humanos podemos tomar como objetivos em nossas vidas. Sendo elas as seguintes:
1. Assumir uma postura de vida de ‘ser do bem’, em todos os seus relacionamentos.

2. Buscar um sentido integrador para a existência pessoal, coletiva e cósmica.

3. Aprender do caminho espiritual das várias religiões, valorizando seus símbolos e ritos.

4. Superar os excessos das religiões históricas, tais como a repressão sexual, o conformismo diante do sofrimento, a culpabilidade trágica e infantil, a figura patriarcal e autoritária de Deus, a intolerância com as outras expressões religiosas.

5. Promover a cultura da paz, desenvolvendo a tolerância e o respeito ás diversidades, em todas as suas formas (étnica, cultural, de gênero, sexual, religiosa, etc.).

6. Cultivar o cuidado com o ecossistema, através de atitudes pessoais e ações coletivas que visam a sustentabilidade.

7. Aderir á um estilo de vida saudável.

8. Fazer um caminho de evolução espiritual, pela integração das pulsões, autoconhecimento, cultivo da sabedoria e iluminação. (2007:125).


Nesses objetivos de vida, como chamei, pude perceber que para desenvolvermos a espiritualidade é necessário que se faça um movimento recursivo de autoprodução e auto-organização, interagindo com o meio ambiente e auto-eco-organizando no mundo e para o mundo. E é nessa perspectiva que trago a espiritualidade na vida das mulheres chefes de famílias, monoparentais ou não. Onde esses objetivos permeiem seu dia-a-dia, independente de qual religião faz parte de suas crenças, pois como já vimos, todas as grandes religiões tendem a levar seus seguidores ao encontro da espiritualidade.

Isto não significa que se alguém não tem religião, não possa desenvolver sua espiritualidade, pois independente da relação com a religião, a espiritualidade mantém relação direta com a fé, e vive determinada religiosidade que garante as práticas das ações espirituais de religação com a humanidade. Quanto a isso, Morin diz:

Existe uma necessidade vital, social e ética de amizade, de afeição e de amor para que os seres humanos se realizem. O amor é a experiência fundamental de religação dos seres humanos. Em nível da mais alta complexidade humana, a religação só pode ser amorosa. ( 2005:37 ).

A realização da humanidade que o autor se refere, que está na religação amorosa, também podem ser expressas pela corporalidade, que tem uma linguagem própria, um código específico. Através da linguagem corporal podemos estar inseridos no mundo e mantendo relação com ele. Nossos atos mais singelos desde o nascimento estão relacionados com o corpo, como engatinhar, andar, cair, levantar, sorrir, comer... e com o passar dos anos, além de manter esses movimentos corporais, ainda agregamos outros que envolvem a sexualidade, reprodução, sensualidade e tantos outros com esta conotação. “O corpo fala o que a mente contém.” (Weil, 2001:144), e por isso responsável por seus atos.

A corporalidade como lazer e promoção da saúde através da dança e exercícios físicos, e também a corporalidade e responsabilidade através dos movimentos corporais diários, devem ser praticados e entendidos por essas mulheres. Os benefícios extraídos da compreensão da espiritualidade e corporalidade, irão permitir uma auto-organização interna, que facilitará o entendimento e valorização até mesmo das pequenas coisas que lhes rodeiam, tornando o mundo mais humano.

Durante a intervenção que fiz, de onde saiu o extrato desse trabalho, realizamos encontros semanais de um grupo de mulheres chefes de família e famílias monoparentais chefiadas por mulheres, onde utilizei como veiculo de provocação para o despertar da espiritualidade e corporalidade, a mitologia dos Deuses africanos, os Orixás. Seguramente poderia ter usado qualquer outra manifestação religiosa, mas optei por esta por minha implicação como negra, assim como a grande maioria das mulheres do grupo, além do meu fascínio por esta temática, que vem de encontro a minha religiosidade e religação com o mundo.

Podendo proporcionar as mulheres chefes de família e as família monoparentais chefiadas por mulheres, assim como comigo, o alimento do espírito, o qual renova as forças humanas para enfrentar as demandas diárias, auto-ecoorganizando-se para cuidar e sustentar suas famílias, interagindo com o meio, dentro da sua realidade, sob a luz dos Orixás.

Não foi fácil resumir tão brevemente assuntos como espiritualidade e corporalidade, pois além de fascinante ele é extenso e complexo, nos dando várias oportunidades de compreensão e interpretação. Mas a essência do que queremos é a mesma, uma vida de corpo e mente saudáveis, que no próximo capítulo abordo e explicito com a prática dos encontros.



3. Odomode, a realidade que sonhei
Sinto-me bastante a vontade e feliz em apresentar a instituição na qual realizei minha prática em campo de estágio. Trago a história da instituição desde sua fundação, a qual fiz parte á 32 anos atrás, até os dias atuais. Passando por suas várias transformações, implantação do serviço social, chegando á experiência que obtive como, paralelamente, estagiária e coordenadora da instituição.

O grupo de música e dança negra Afro-Sul surge em novembro de 1974 em Porto Alegre, em um festival estudantil propondo uma “pergunta” em forma de música e dança, com os seguintes versos:


Quero uma resposta inteligente para acalmar o meu eu

O que meu avô fez de errado para isso dar no que deu?

Ás vezes passo na rua cheia e não és capaz de me olhar

Nunca tentaste me ouvir ou me entender

Por que tu achas que és mais?

Vou esfriar a cabeça como os meus ancestrais

Vou te propor um acordo onde todos seremos iguais

Por que...

Depois da vida tem mais e tu não sabes

Depois da vida tem mais.”

(Marco Farias - 1976)


Com esta música não ganhamos o festival, mas conseguimos chamar bastante a atenção principalmente pela ousadia de uma pergunta musicada e coreografada, além disso, o grupo transformou-se em um movimento de luta e valorização da cultura negra e do direito de livre expressão das pessoas.

Afro-Sul é uma instituição cultural que ao longo dos anos vem desenvolvendo atividades no qual destacam-se além da música e da dança, a moda e gastronomia. Esse movimento cultural proposto pelo Afro-Sul, serviu de inspiração para a formação da Escola de Samba Garotos da Orgia, fundada em 1980, com o objetivo de trazer para o carnaval porto-alegrense apenas temas de enredo ligados á cultura afro-brasileira e suas origens. A Escola de Samba resistiu até 1997, com grandes dificuldades em disputar o carnaval, pois o gasto com a organização para o desfile é muito alto e sem retorno, fazendo com que a diretoria da época abandonasse a Escola de Samba.

Em 1998 o Afro-Sul assumiu a direção e Garotos da Orgia, já com o propósito de transformações. No ano seguinte, em 1999, se dá essa transformação, a crise em que a escola se encontrava, proporcionou mudanças necessárias, possibilitando a auto-organização, onde a escola de samba que disputava o carnaval e gerava prejuízos deu lugar ao bloco afro Odomode- raiz afro gaúcha, que desenvolve um carnaval participativo proporcionando a integração da comunidade em torno do bloco. Iniciando assim, laços mais estreitos com a comunidade que, anteriormente, não tinha acesso a participar do carnaval de Porto Alegre, facilitando dessa forma a inserção do projeto social do bloco.

E assim com a mutação de Escola de Samba para Bloco Afro, a aproximação da comunidade, podemos conhecer melhor a realidade das famílias que freqüentavam a sede do bloco. E então, sem abandonar o objetivo do grupo Afro-Sul de divulgar e valorizar a cultura negra, foi agregada a missão de fortalecer e qualificar iniciativas de construção/resgate da cidadania através da arte e da cultura afro-brasileira e suas origens, viabilizando o acesso da criança, do adolescente e suas famílias á sociedade.

Registrada com o nome de Sociedade de Ação Social, Recreativa, Beneficente, Cultural e Bloco Afro Odomode é uma organização não governamental e que, segundo Sabottka (2001) Apud Betinho (2001:5): “uma ONG se define por sua vocação política; uma entidade sem fins de lucro cujo objetivo fundamental é desenvolver uma sociedade fundada nos valores da democracia, liberdade, diversidade, participação, solidariedade {...}”.

Acredito que esta vocação a qual o autor refere-se seja a fator impulsor para a transformação de Escola de Samba em ONG21, pois nela pautamos a idéia de contribuir para a formação de novas oportunidades: social, econômica, cultural e política; dos usuários dos projetos da instituição.

Odomode não é apenas um bloco afro que brinca no carnaval, mas acima de tudo é um centro cultural de ação social, onde são abertos espaços de criação e experimentação de várias práticas pedagógicas e culturais, vislumbrando a transformação gradativa na atual realidade. Neste contexto o Odomode procura sempre estar se reciclando, para desta forma buscar novas possibilidades com seus projetos.

Atualmente o Programa Arte é Educação abrange dois projetos em parceria com o Ministério da Cultura (MINC), que são: Escola Cultural Artística e o Ponto de Cultura, onde priorizamos a cultura afro-gaúcha e afro-brasileira, as quais utilizamos como veículo de inclusão não só social, mas também cultural ás crianças e adolescentes do Programa Arte é Educação. Atendendo ao art. 58 do ECA22 que diz: “No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso a fontes de cultura.” (ECA, 1990: 63). O referido artigo vem a reafirmar os objetivos da instituição que acima de tudo, é cultural e acredita na valorização artística, assim como na liberdade de expressão.

E por que não falar em inclusão econômica através das possibilidades da promoção da sustentabilidade autônoma, a partir dos cursos de pintura, bordado, pintura em tecido, corte e costura..., oferecidos às mães dos jovens freqüentadores do espaço. Nessa dialógica inclusão/exclusão o Odomode vê possibilidades de inserir sujeitos de direitos á sociedade.

O trabalho que do Odomode, em conjunto com o Afro-Sul, é desenvolvido por uma equipe interdisciplinar23, onde o Afro-Sul como parceiro das ações do Odomode disponibiliza profissionais que realizam um trabalho voluntário junto ás crianças e adolescentes.

A equipe interdisciplinar composta pela diretoria da instituição; coordenação dos projetos; antropólogo; pedagoga; assistente social; coordenadora geral do projeto; coordenadora das oficinas; secretária; cozinheira e auxiliar de serviços gerais; oito educadores sociais/oficineiros que desenvolvem as oficinas de música, dança, capoeira, artes plásticas, malabáres, recreação, educação ambiental e reforço pedagógico; e duas estagiárias de serviço social.

Há espaço também para projetos de extensão, envolvendo estudantes universitários de diferentes áreas como: serviço social, psicologia, pedagogia, sociologia, antropologia, artes plásticas, terapia ocupacional, fisioterapia, direito, enfermagem, história e turismo, todos sob supervisão pedagógica realizadas por suas instituições de ensino e pesquisa de origem, em parceria com o Odomode.

Atualmente o Odomode atende cinqüenta crianças e adolescentes e suas famílias, em situação de vulnerabilidade social, econômica, cultural e política; que residem nas proximidades da sede da instituição, através dos projetos Escola Cultural Artística e Ponto de Cultura. E em parceria com a ONG IAJ- Instituto de Acesso á Justiça e com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre atendemos também uma média de 30 jovens em conflito com a lei e em situação de rua, através de oficinas específicas onde desenvolvemos um trabalho com base na construção de vínculos sociais e na construção/reconstrução de rede de apoio. E ainda em fase de elaboração, o Odomode prepara um projeto de geração de lucros/rendas para jovens e adultos, visando promover a sustentabilidade e auto-eco-organização dessas famílias. Mantemos ainda uma interface com a rede de atendimento: escolas, conselhos tutelares, CMDCA24, FASC25, CORAS26 , CMAS27, órgão representantes de políticas públicas municipais, estaduais e federais.

A busca por mudanças na realidade em que vivem os usuários atendidos pela instituição tornou-se inevitável pois, o convívio com a violência, a discriminação, a miséria e o abandono fizeram com que a instituição implementasse o trabalho do serviço social, apresentado no próximo sub-capítulo, possibilitando assim novas propostas de ação da instituição em benefícios dos seus participantes.


Yüklə 322,66 Kb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin