Marian keyes



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CAPÍTULO 9

Tive de tocar a campainha da porta, quando voltamos para casa, porque saíra sem chave. Mamãe atendeu.

- Estou chegando - disse-lhe. - Nós nos divertimos muito, não foi, Kate?

Mamãe observou-me, enquanto eu carregava para a cozinha um saco plástico após outro.

Circulou em torno de mim, suspeitosamente, enquanto eu desempacotava as mercadorias em cima da mesa da cozinha.

Você conseguiu tudo que queria? - perguntou, com a voz algo trêmula.

Tudo! - confirmei, entusiasticamente.

Então ainda está com essa idéia de fazer o jantar para eles? - perguntou, parecendo à beira das lágrimas.

Estou, mãe - disse-lhe eu. - Por que está preocupada com isso?

Na verdade, desejaria que não fizesse esse jantar - disse ela, cheia de ansiedade. - Vai encher o pessoal de idéias, sabe? Depois, vão passar a só querer jantares feitos na hora. E de quem esperarão isso? Não de você, com certeza. Porque, a essa altura, já terá partido em grande estilo para Londres. Quem enfrentará as reclamações deles serei eu.

Pobre mamãe, pensei. Talvez fosse uma insensibilidade minha exi­bir minha culinária sofisticada em sua cozinha.

Ela fez uma pausa, enquanto eu alegremente colocava um pouco de massa fresca numa prateleira da geladeira.

- Está ouvindo o que digo? - ela ergueu a voz, pois sua visão de mim estava bloqueada pela porta da geladeira.

Eles estão perfeitamente felizes com a comida do microondas - ela continuou. - Você já ouviu a expressão "Se não quebrou, não con­serte"? E o que é isso? - perguntou, agarrando um saco de celofane com folhas frescas de manjericão e cutucando-o, cheia de suspeitas.

Ê manjericão, mãe - disse eu, passando por ela numa carrei­ra para guardar no armário algumas sementes de pinha.

E o que isso faz? - perguntou ela, olhando-o atentamente, como se fosse radioativo.

É um tempero - respondi, paciente.

Pobre mamãe; entendi como ela se sentia insegura e ameaçada.

- Ora, não pode ser exatamente um tempero, se não puderam nem colocá-lo num frasco - declarou ela, em tom de triunfo.

Ela podia sentir-se insegura e ameaçada, mas mesmo assim devia ter mais cuidado com o que dizia, pensei, séria.

E logo me arrependi. Eu me sentia, que diabo, quase feliz. Não precisava ser mesquinha com ninguém. Não precisava zangar-me com ninguém.

- Não se preocupe, mãe - disse-lhe, em tom de desculpas. - Não vou fazer nada especial. Provavelmente não vão nem notar a diferença entre isso e um congelado.

-Talvez hoje você não faça a comida tão bem quanto faz geral­mente - ela disse, lisonjeira.

- Talvez não - concordei, com amabilidade.

Comecei a abrir e fechar armários, procurando utensílios para fazer o molho pesto.

Logo se tornou evidente que, apesar de nosso freezer c de nosso microondas, sob todos os outros aspectos nossa cozinha fazia jus ao título "A Cozinha que o Tempo Esqueceu".

Era como se eu tivesse atravessado, feito Alice, um espelho obs­curo, ou sido carregada, por uma inesperada inundação, para dentro de algum vale perdido, inteiramente intocado pelo mundo exterior.

Num dos armários havia uma enorme e pesada tigela de cerâmi­ca bege para misturas, com dois centímetros e meio de poeira dentro. Era provavelmente um presente de casamento das núpcias de mamãe trinta anos antes. E parecia ainda à espera de ser usada.

Havia um artefato encantador, uma batedeira de ovos manual, que poderia ser da Idade do Bronze ou ainda mais antiga. Estava em condições maravilhosas, considerando sua avançada idade.

Havia até um livro de cozinha publicado em 1952, com receitas que incluíam, na lista de ingredientes, ovo em pó e desbotadas fotos em sépsia de sanduíches vitorianos pesadamente enfeitados.

Positivamente pré-histórico.

Não me surpreenderia nem um pouquinho se alguns dinossauros atravessassem, arrastando-se, a porta da cozinha, comessem uma fatia de pão com manteiga e tomassem um copo de leite, em pé dian­te da bancada, colocando depois seu prato e copo na máquina de lavar louça, enquanto me cumprimentavam educadamente com a cabeça, terminando por arrastar-se novamente para fora.

Pensei, com uma pontada de dor, em minha bem suprida cozinha em Londres. Meu liquidificador; meu processador de comida, que podia fazer tudo, menos contar piadas; meu espremedor de frutas, não apenas de frutas cítricas, vejam bem, mas um espremedor de ver­dade. Certamente ambos me seriam úteis naquele momento.

Você não tem nada, nada mesmo, que eu pudesse usar para cortar? - perguntei a mamãe, exasperada.

Bem - respondeu ela em tom de dúvida -, que tal isso? Será que ajudaria? - perguntou, ansiosa, oferecendo-me uma espátula que parecia um bandolim ainda em sua caixa.

- Obrigada, mãe, mas não. - Suspirei. - O que vou usar para picar o manjericão?

No passado, em geral eu descobria que uma dessas funciona muito bem - disse ela, naquele momento, com um tom levemente sarcástico, obviamente um tanto saturada com minhas pretensiosas exigências. - Chama-se faca. Tenho certeza de que, se telefonarmos para vários lugares, aqui em Dublin, poderemos encontrar uma loja que tenha facas em seu estoque.

Devidamente humilde, aceitei a faca e comecei a picar o manje­ricão.

- E o que, exatamente, você vai fazer? - perguntou mamãe, sentada, a me observar, parecendo meio ressentida, meio fascinada, como se não pudesse acreditar que algo tão exótico quanto cozinhar estivesse ocorrendo em sua cozinha.

- Um molho para acompanhar a massa - disse-lhe eu, em pé, cortando. - Chama-se pesto.

Ela ficou sentada em silêncio, apenas me olhando, enquanto eu trabalhava.

- E o que entra nele? - perguntou, depois de algum tempo, obviamente detestando a si mesma por perguntar.

- Manjericão, azeite, sementes de pinha, queijo parmesão e alho - disse-lhe eu, com calma e naturalidade.

Não queria que ela entrasse em pânico.

- Ah, sim - ela murmurou, fazendo sabiamente um sinal afir­mativo com a cabeça, como se entendesse, como se convivesse com tais ingredientes todos os dias de sua vida.

- Antes de mais nada, corto o manjericão em pedaços muito finos

- disse-lhe eu, da mesma maneira que um cirurgião explica ao seu paciente em perspectiva como realizará o triplo desvio.

Gentilmente, com todos os detalhes, deixando a mística de lado. ("Em primeiro lugar, quebro seu osso esterno.")

- Depois, acrescento o azeite - continuei. ("Depois, abro a caixa torácica.")

- Em seguida, esmago as sementes de pinha, que estão nesta sacola aqui - disse-lhe, sacudindo a sacola, com um ruído farfalhante.

("Em seguida, tomo emprestadas algumas veias de sua perna - dê uma olhada nesse gráfico aqui.")

- Finalmente, acrescento o alho esmagado e o queijo parmesão

- terminei. - Simples!

("Depois, costuro você e, em um mês, estará caminhando quatro quilômetros por dia.")

Mamãe pareceu aceitar calmamente todas essas informações, sem nenhuma estranheza. Devo dizer que senti orgulho dela.

- Bem, vá com calma com o alho - disse-me. -Já é bastante difícil fazer Anna vir para casa nas condições atuais. Não queremos que a pobre vampirinha pense que a estamos perseguindo.

- Anna não é uma vampira! - disse eu, rindo.

- Como é que você sabe? - perguntou mamãe. - Ela, sem dú­vida, quase sempre parece mesmo uma vampira, com todo aquele ca­ belo, aqueles horríveis vestidos compridos e roxos, e aquela maquilagem louca. Será que você não poderia conversar com ela e sugerir que se torne um pouquinho mais elegante?

- Mas o aspecto dela mostra o que ela é - disse eu a mamãe, colocando o manjericão picado numa caçarola. - E Anna. Não seria Anna se seu aspecto fosse diferente.

- Eu sei - suspirou mamãe. - Mas que roupas! Tenho certeza de que os vizinhos pensam que não vestimos nossas filhas. Ela parece uma sucateira ou algo parecido. E aquelas botas! Tenho vontade de jogá-las no lixo.

- Ah, não, mãe, por favor, não faça isso - disse eu, ansiosa­mente, pensando que Anna ficaria desesperada sem as Doc Martens que ela tão caprichosamente pintara com auroras e flores.

Devo admitir que também fiquei levemente preocupada quanto aos sapatos que Anna usaria se suas botas fossem jogadas fora. Temi pelos meus.

- Vou pensar - ameaçou mamãe, sombria. - E agora, o que você está fazendo?

- Colocando o azeite - disse-lhe eu.

- Para que você comprou azeite? - ela perguntou, obviamente pensando que suas filhas eram um verdadeiro bando de idiotas. - Há uma garrafa do óleo que uso para as batatas fritas. Você poderia ter usado esse e economizado seu dinheiro.

- Ah... obrigada. Da próxima vez já saberei - disse-lhe eu. Realmente, não adiantava tentar explicar-lhe a diferença entre, por um lado, um azeite extra virgem da Toscana, com as azeitonas prensadas a frio, e, por outro lado, óleo Flora reciclado cerca de dez vezes, tendo já pequenos pedaços de batatas queimadas, escuras, flu­tuando dentro.

Talvez eu fosse pretensiosa demais em matéria de comida, mas que diabo, também não era necessário ir longe demais na outra direção.

- Certo! - eu disse. - Para meu próximo truque, sem a ajuda de uma rede de segurança, vou ralar o queijo parmesão.

- Tirei da geladeira o naco de queijo, que obviamente aterrorizava tudo o mais que estava ali. Os pacotes de queijo fatiado, cada fatia envolvida em plástico, estavam encolhidos contra a parte de trás da geladeira, apavorados com o exótico recém-chegado.

Mas era mais fácil falar em ralar o queijo do que conseguir de fato fazer isso.

Procurei por toda parte, mas não havia nada parecido com um ralador.

Finalmente localizei uma espécie de ralador. Mal pertencia ao gê­nero "ralador". Não era sequer um dos redondos que, pelo menos, ficam em pé sozinhos, quanto mais um elétrico. Era apenas um pequeno pedaço de metal com protuberâncias.

E seria preciso uma pessoa mais hábil do que eu para manobrar o naco de queijo e conseguir ralá-lo com aquela engenhoca.

Minhas mãos não paravam de escorregar, e eu ralava, junto com o queijo, boa porção das minhas juntas.

Mamãe fazia ruídos reprovadores quando eu blasfemava, e de­pois começou a farejar, alarmada, enquanto o característico aroma do queijo parmesão enchia a cozinha.

Irrompeu uma agitação no saguão, sons de vozes e risadas. Ma­mãe deu uma olhada no relógio pendurado na parede da cozinha.

Fez isso, embora os ponteiros do relógio permanecessem mar­cando dez para as quatro desde o Natal retrasado.

- Chegaram em casa - disse ela.

Papai trazia Helen da faculdade na maioria das noites, então che­gavam em casa juntos. Ele fazia isso, apesar do fato de ter de dirigir cerca de 20 quilômetros fora do seu itinerário normal, só para pegá-la.

Helen irrompeu porta adentro. Estava lindíssima. Na verdade, ainda mais linda do que de costume, se isso era possível. Havia uma espécie de brilho em torno dela. Embora usasse simplesmente jeans e um suéter, estava elegantíssima. Seu cabelo comprido e sedoso, sua pele translúcida, seus olhos brilhantes, sua boquinha perfeita num sor­riso sedutor.

- Olá, todo mundo, chegamos em casa - ela anunciou. - Ei, que cheiro horroroso é esse? Argh! Será que alguém vomitou?

Podíamos ouvir sons de pessoas conversando no saguão - papai e uma voz masculina.

Obviamente, tínhamos companhia.

De repente, meu coração teve um pequeno sobressalto involun­tário. Eu ainda não parara de esperar que James aparecesse inespe­radamente à porta. No entanto, aquela voz masculina provavelmen­te pertencia a um dos amigos de Helen.

Embora fosse mais exato chamá-los de escravos de Helen.

Mesmo sabendo que era uma tola ao pensar que James poderia aparecer sem mais nem menos, ainda assim senti uma pontada de de­sapontamento, quando Helen disse:

- Ah, trouxe um amigo para casa comigo. Papai está mostran­do a ele onde pendurar o casaco.

Depois, ela olhou para mim.

- Vejam só! - gritou. - Pensa que tem o direito de usar minhas roupas? Tire-as agora mesmo.

- Desculpe, Helen - gaguejei -, mas não tinha outra coisa para usar. - Comprarei novas e você poderá pegar todas emprestadas.

- Pode ter certeza de que vou pegar mesmo - disse ela, com um tom ameaçador.

Mas parou por aí.

Graças a Deus! Devia estar num bom estado de espírito.

- Quem é esse rapaz que você trouxe? - perguntou mamãe.

- O nome dele é Adam - disse Helen. - E sejam simpáticos com ele, porque vai fazer meu trabalho para a universidade.

Mamãe e eu começamos a organizar nossos traços faciais em expressões que eram ao mesmo tempo acolhedoras e compassivas. Outro pobre rapaz apaixonado por Helen. A vida dele estava acaba­da para todas as finalidades e objetivos. Seu futuro inteiro maculado e arruinado.

Tudo o que ele tinha à sua frente, agora, era uma existência de infelicidade e desespero, que passaria definhando pela bela Helen.

Mamãe e eu trocamos olhares. Como um cordeirinho que vai para o matadouro, pensávamos ambas.

Voltei a ralar o queijo e as juntas dos meus dedos.

- Essa é mamãe - disse a voz de Helen, obviamente apresentando o condenado Adam a mamãe.

(Fuja! Fuja para salvar sua vida! Escape, Adam, enquanto ainda pode - tive vontade de dizer a ele.)

- E aquela ali é Claire - continuou Helen. - Você sabe, aquela de quem lhe falei. A que tem um bebê.

Obrigada, Helen, sua cretina, pensei, por fazer minha vida parecer algum tipo de monótono drama suburbano, do gênero documento social.

Virei-me, disposta a sorrir para Adam, e estendi-lhe minha mão cheirando a parmesão e com as juntas em carne viva.

E levei certo choque.

Aquele não era um dos habituais jovens imaturos de Helen.

Aquele era realmente um homem.

Admito que jovem.

Mas, inegavelmente, um homem.

Mais de um metro e 80 de altura e muito sensual.

Pernas compridas. Braços musculosos. Olhos azuis. Maxilar quadrado. Belo sorriso.

Se tivéssemos um medidor de testosterona pendurado na parede da cozinha, o nível de mercúrio atravessaria o teto.

Eu me voltara exatamente a tempo de vê-lo dando a mamãe o aperto de mão mais firme da vida dela.

Ele então voltou sua atenção para mim. Pelo canto do olho, vi mamãe apertando sua mão esmagada e disfarçadamente examinan­do sua aliança, para ver se entortara com o forte aperto.

- Ah, olá - disse eu, sentindo-me nervosa e confusa. Fazia muito tempo que não encontrava uma concentração tão forte de masculinidade.

- Prazer em conhecê-la. - Ele sorriu para mim, segurando gen­tilmente minha mão sumida em sua mão imensa.

"Meu Deus", pensei, sentindo-me um pouco aturdida, "a gente começa a se sentir velha quando passa a notar como têm aspecto jovem todos os homens lindos."

Eu podia ouvir a voz de Helen, mas parecia vir de muito longe. Foi abafada pelo rugido do sangue em meu corpo, correndo para meu rosto e me fazendo corar como não acontecia desde os 15 anos.

- Falo sério - disse ela. - Há um cheiro terrível de vômito.

- Não é vômito - disse mamãe, com ar entendido. - É o cheiro do queijo carnegão. Você sabe, para o molho pesto.




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