Marian keyes



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CAPÍTULO 15
Passei a noite de sexta-feira vendo televisão com mamãe. Senti que tinha badalado um bocado nos últimos dias. E estava totalmente exausta. Tomar conta de um bebê é uma tarefa extenuante. Mas como é que você sabe?, ouço você perguntar.

Está bem, está bem, admito que tive muita ajuda dos meus pais, mas mesmo assim me sinto exausta.

Como enfrentaria uma volta ao trabalho eu nem conseguia ima­ginar.

Como é que as pessoas conseguem?

Isso me fazia sentir tão deficiente.

Especialmente quando pensava em mulheres na... será na China? Você sabe, elas estão lá cavando os campos com suas mãos nuas e, de repente, dizem: "Ah, desculpem um momento", como se fossem ao toalete numa recepção elegante, e então levantam a saia e cai um bebê recém-nascido num sulco lavrado ou em cima de um saco de sementes ou seja o que for.

"Ah, que alívio", elas diriam.

E continuam cultivando e arando, a arrancar pelas raízes, com uma mão, enormes carvalhos, o filho recém-nascido preso aos seus seios.

E, ao crepúsculo, estão grávidas outra vez.

A criança recém-nascida recebe uma muda de roupas e é posta para trabalhar dirigindo um trator.

Enquanto eu via televisão com mamãe, meus pensamentos não cessavam de se desviar para Adam. E, como uma adolescente de ver­dade, eu tinha um pequeno formigamento todas as vezes que pensava nele.

Passara momentos tão maravilhosos em sua companhia.

E ele era tão simpático.

Tão jovem, ansioso, interessante e interessado.

Era por ser tão destituído de cinismo que eu gostava tanto dele.

Fazia-me lembrar de como era pensar positivamente.

O fato de ser tão lindo tornava ainda mais agradável sua admi­ração indisfarçável.

Quase não há nada pior do que uma admiração indisfarçável por parte de um bofe atroz.

Eu preferiria passar inteiramente sem a admiração indisfarçável.

Mas esqueçam o fato de que Adam era lindo.

Não era por isso que eu gostava de estar com ele.

Se não tivesse amado James, poderia me sentir atraída por Adam.

Não quero dizer que não houvesse em mim atração por ele.

Porque ele era muito atraente.

E eu tinha um par de olhos.

Você sabe, sou apenas humana.

Hipoteticamente falando, é possível estar amando um homem, no meu caso, James, e ter uma paixonite por outro, e aqui me refiro a Adam.

Não significava que uma paixonite fizesse mal.

Não significava que eu fosse uma pessoa volúvel.

Era bom para mim.

Porque eu não precisava permitir que essa paixonite tivesse con­seqüências.

E mesmo que, Deus me perdoe, tivesse de fato, não seria o fim do mundo, seria?

Sim, se Helen descobrisse, podia muito bem ser o fim do mundo.

Mas isso era supor que Adam estivesse atraído por mim.

Eu achava que ele estava.

Será que era muita presunção minha?

Talvez ele usasse esse truque com todas as mulheres.

Você sabe, chegando assim, cheio de sinceridade, vulnerável, en­cantador, de modo que as mulheres pensassem que ele era o melhor homem que haviam conhecido em suas vidas, alguém realmente dife­rente.

E, num piscar de olhos, estariam na cama de Adam, com suas calcinhas atiradas para um dos quatro cantos do quarto, e Adam estaria por cima delas, declarando, simplesmente: "Quando lhe disse, esta manhã, que a respeitaria, menti."

E, exatamente três dias depois, ele lhes telefonaria e diria: "Sabe, a camisinha estourou. E você disse que estava ovulado, não foi?"

Sim, pensei, zangada, aposto que ele é um completo filho-da-puta que simplesmente sai por aí aproveitando-se de pobres mulhe­res abandonadas como eu. Está bem, não sou uma mulher abando­nada, mas estou numa posição muito vulnerável.

Como ousava ele? Fazer sentir-me bela e especial. Mas que cara-de-pau!

Bem, se ele pensa que agora vou transar com ele, então lamento, mas tenho notícias muito ruins para dar.

Adam, querido, mudei de idéia!

Levei alguns segundos para perceber que falava comigo mesma como se tivesse um caso completo com Adam, apaixonando-me por ele, sendo rejeitada e ficando furiosa.

Opa, pensei. É uma situação muito ruim. A Insanidade Tempo­rária está de volta.

O que há de errado com você? - perguntou mamãe, desvian­ do com esforço sua atenção do Inspetor Morse. - Você parece muito aborrecida.

Nada, mamãe - disse-lhe eu, com minha cabeça girando um pouco. - Estou apenas pensando.

- Talvez você pense demais - disse-me ela. Desta vez concordei com mamãe.

Mas, antes que ela pudesse expor os males de uma formação uni­versitária e os perigos de abrir a mente da pessoa, o telefone tocou.

Vou atender - gritei e saí correndo da sala, interrompendo-a no meio da frase.

De que adianta ser intelectual? - ela me gritou, de longe. - Aposto que James Joyce não sabia consertar uma tomada.

Alô - disse eu, ao pegar o telefone.

Helen? - perguntou uma voz de homem.

Não, Helen não está aqui - eu disse. - Está desaparecida, acredita-se que bêbada.

A voz riu.

- Adam? - perguntei, vacilando um pouco.

O choque de ouvir a voz dele me desestabilizou rapidamente.

Mal podia acreditar que ele tivesse passado a tarde comigo e agora telefonasse para Helen, minha irmã.

Que tipo de doente era ele, brincando de jogar uma contra a outra?

Eu sabia.

Ele era um filho-da-puta, como todos os outros.

- Claire - disse ele. - Sim, sou eu.

O que você quer, pensei, friamente, uma maldita medalha por ser você?

Ah, é? - perguntei, gelidamente. - Bem, direi a Helen que você telefonou.

Não, espere - disse ele. - Telefonei para falar com você.

É engraçado - continuei, com grande altivez. - Porque meu nome é Claire, não Helen.

Sei disso - ele continuou, num tom de voz sensato. - Mas achei que poderia ser um tanto constrangedor, telefonando para falar com você, se Helen atendesse e eu não a reconhecesse.

Fiz uma pausa.

- Quero dizer - continuou ele, com delicadeza - que Helen também é minha amiga. Se não fosse Helen, eu nunca teria conheci­ do você.

Ainda assim, eu não disse nada.

- Está aborrecida? - ele perguntou. - Fiz alguma coisa errada? Agora, eu me sentia tola.

Histérica e mulher.

Não - eu disse, num tom muito mais suave. - Claro que não estou aborrecida.

Muito bem, então - continuou ele -, se você diz...

Pode acreditar.

Espero que não se importe por eu lhe telefonar - disse ele. - Mas você saiu correndo com tanta pressa, hoje, que não tive uma chance de lhe perguntar se, talvez... quero dizer... se você não se im­ porta... se eu poderia vê-la de novo. Você sabe, se tiver tempo.

Alívio e felicidade me percorreram toda.

Como dizem, cada minuto é diferente do outro.

Claro - respondi-lhe, sem fôlego. - Adoraria.

Passei momentos tão agradáveis - disse ele. Senti um calor de felicidade e orgulho.

Eu também - disse-lhe eu.

O que vai fazer amanhã? - perguntou ele. Amanhã, pensei eu.

Meu Deus, mas ele era rápido como um raio.

- Vou à cidade comprar algumas roupas - falei. Isso era novidade para mim.

A primeira vez em que ouvia falar do assunto.

Então, você pode se encontrar comigo para tomar café, se quiser - disse-lhe eu. - Mas terei de levar Kate.

Isso é ótimo - disse ele, entusiasmado. - Kate é linda. Por favor, não deixe de trazê-la.

O.K., então - disse eu, um tanto confusa diante do entusias­mo dele.

Então, refleti eu, um tanto maldosamente, se ele gosta tanto de Kate, talvez eu possa recrutá-lo como babá, da próxima vez em que quiser sair e me embriagar com Laura.

Mas devo admitir que a coisa mais agradável na noite em que saí e me embriaguei com Laura foi Adam estar lá.

Então combinamos nos encontrar na cidade, no dia seguinte.

Voltei para junto de mamãe.

- Quem era? - perguntou ela, olhando para meu rosto corado e feliz.

Abri a boca para contar a ela, mas lamento dizer-lhes que fui detida no salto final.

Simplesmente não consegui contar nada.

E não sabia de fato o motivo.

Ou talvez soubesse.

Talvez porque aquilo não fosse mais uma coisa inocente.

Talvez nunca tivesse sido.




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